rev port saúde pública.2012;30(2):103–104
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Editorial
A(s) crise(s) e a(s) resposta(s) da saúde pública
Crisis (s) and answer (s) of public health
«Oque podemos cientistas fazerpara ajudara proteger a saúdepúblicaemtemposdecriseeconómica?»— pergunta- vam,emmaiode2010,trêsreputadoshomensdasciênciasda saúde,DavidStuckler,SanjayeMartinMcKee.Arespostasó podiaseresta:«Theyshouldpromoteanevidence-basedapproach toeconomicandpublichealthrecovery,analysingpastsuccessesand failures.Thiswillleadtoabetterunderstandingofwhysomepeo- ple,households,communitiesandsocietiesareresilienttoexternal shocks»(Nature,465,20May2010,p.289).
Sim, podemos(e devemos) aprender com os erros eos sucessos do passado. Todavia, há que ter em conta que oscontextosda(s)crise(s)sãomuitodiversos,daspandemias degripe(1918/19,1957/58,etc.)àscriseseconómicas.Umdos aspetosmaisdramáticosqueestáaassumiraatualcrise(e asatuaispolíticaseconómicasbaseadasnaausteridadefiscal enoscortesorc¸amentais)éodesemprego,odesempregode longadurac¸ão,odesempregodosjovens,oempobrecimento.
Osmaiscínicos(ourealistas)dirãoqueacrise–eaviolên- cia,comtodaacarga material,simbólica eculturalqueela contém–,éo«parteirodahistória».Quesãoascrises,oscon- flitos,quegeram«inovac¸ãoemudanc¸a».Queassociedades(e nãoapenasomercado)têmmecanismosdeautorregulac¸ão.
Vistasdaperspetivadasaúdepública,ascrisessãotambém verdadeiras«caixas dePandora», metaforicamente falando.
E,claro,podemosresponderaelascom«inteligênciasocial»
ou podemos deixar que a «natureza siga o seu curso», esperando,no caso da economia,o regressoao businessas usual.
Odesemprego,dizem-nos,estáinscritonamatrizoriginal dosistemaeconómico(cujopensamentodominantepressu- põe,deresto,oconsumoinfinitoderecursosfinitos,acomec¸ar pelos produtores). As estatísticas deveriam falar porsi só, masa verdadeéque escondem odrama, as vivênciase a angústia de milhares e milhares de indivíduos, famílias e comunidades.Emtermosdesaúdeindividual(efamiliar),as implicac¸õesdo desemprego serãomais sérias no caso dos trabalhadores idosos, dos jovens trabalhadores precários, dostrabalhadores poucoou nada qualificados, que foram,
logo nos anos 80/90, as primeiras vítimas dodownsizinge dareengenharia, dois eufemismos para designar os proces- sosde reestruturac¸ãodotecidoprodutivo,numaalturaem que se falava já das maravilhas e das perplexidades do
«novomundo»,abertopela«terceiravaga»,asociedadepós- industrial,pós-moderna,etc.
Seria,contudo,abusivofalarmosemtermosdegenerali- dade:aexperiênciadodesemprego– umexemploentreoutros dasconsequênciasdacrise–,nãoévividadamesmamaneira por todos os indivíduos. Há uma multiplicidade de fato- res(individuais,organizacionaisesocietais)ateremconta, incluindoasredesdesuportesocial.Eéaquiqueentraopapel doEstado, emasseguraro acessode todosà educac¸ãoeà saúde,àprotec¸ãosocial,emcriarincentivoseapoioaoempre- endedorismo,etc.,papelessequenãopodeserpostoemcausa pelacriseeconómicaefinanceira,comoriscodoagravamento das condic¸õessociais,numa espiraldescendente,comdes- respeitopelosdireitoshumanosepeloinvestimentoqueos cidadãosfazemna«respublica»,oEstadoqueépressuposto estaraoservic¸odetodosnós.
E oque pode,afinal, a saúdepública fazer hoje,aquie agora? Um dosdesafios quenós temos,face às profundas mudanc¸asqueseestãooperar,nasnossassociedades,atodos os níveis (sociodemográficas, económicas, organizacionais, tecnológicas,culturais,etc.),temavercomavalorizac¸ãoestra- tégicadosnossosrecursoshumanos,valorizac¸ãoessaquenão passasópelafileiradaeducac¸ão,formac¸ãoequalificac¸ão,mas tambémpelaprotec¸ãoepromoc¸ãodasaúde.
A saúdepública podeedeve: (i)defender emelhorar o Servic¸oNacionaldeSaúde;(ii)defenderumaabordagemde
«saúde em todas as políticas»; (iii) pôr na agendao tema da cidadaniaemsaúde;(iv)investiremliteraciaemsaúde;
(v)valorizareincentivaraparticipac¸ãodoscidadãosnaspolí- ticaseservic¸osdesaúde;(vi)identificaredivulgarexemplosde boaspráticasderesposta(socialeinteligente)aosriscospara asaúdeemtempo(s) decrise(s);(vii)promoverassinergias queresultamdediferentesparcerias;(viii)reforc¸arotraba- lhoemrede;(ix)valorizareincrementaraarticulac¸ãoentreo
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rev port saúde pública.2012;30(2):103–104poderlocal,aac¸ãosocial,asaúde,aeducac¸ãoeasociedade civil; (x) contribuir para a definic¸ão de critérios válidos e fiáveisparaaavaliac¸ãododesempenhodosistemadesaúde;
(xi)pensarglobalmenteesaber(re)agirlocalmentee,sobre- tudo,pensarbeme(re)agirmelhor;(xii)monitorizaroimpacto da(s)crise(s)nosgruposmaisvulneráveisdapopulac¸ãoelevar acaboac¸õesparaprotegerepromoverasuasaúde;(xiii)aler- tarosdiferentes«stakeholders»paraanecessidadedereforc¸ar edar prioridadeàseguranc¸aalimentar,numalutacontraa fomeea malnutric¸ão,incluindoa obesidade; (xiv)reforc¸ar acapacidadedasequipasedosprofissionaisdesaúdepara ajudaralidarcomaperda,oluto, ador,o sofrimentopsí- quico;(xv)detetarprecocementesinaisdealterac¸ãodasaúde daspessoase,emparticular,dasaúdemental,eterprogramas ativoseeficazesdeprevenc¸ãonestedomínio;e,(xvi)nunca esquecerqueasaúdeédeterminada,eemmuito, forados servic¸osdesaúde,eque,porfim,enãomenosimportante, (xvii)protegerepromoverasaúderequerinvestimentosnoe docomplexosistemasocioecológicoondeossereshumanos nascem,respiram,vivem,pensam, crescem,seformam,se divertem,estudam,trabalham,produzem,consomem,adoe- cem,envelhecememorrem.
Àsaúdepúblicacabe,emúltimaanálise,atarefanobre, masextremamentecomplexaeexigente,demanterembom níveldearticulac¸ãoecoerênciaobinómiosaúde-esperanc¸a.
Porque, e parafraseando um provérbio árabe, «quem tem saúdetemesperanc¸a;equemtemesperanc¸a,temtudo».
LuísGrac¸a∗ GrupodeDisciplinasdeCiênciasSociaisemSaúde,EscolaNacional deSaúdePública,UniversidadeNovadeLisboa,Lisboa,Portugal
MariaIsabelLoureiro GrupodeDisciplinasdeEstratégiasdeAc¸ãoemSaúde,Escola NacionaldeSaúdePública,UniversidadeNovadeLisboa,Lisboa, Portugal
∗Autorparacorrespondência.
Correioeletrónico:luis.graca@ensp.unl.pt(L.Grac¸a).
0870-9025/$–seefrontmatter
©2013EscolaNacionaldeSaúdePública.Publicadopor ElsevierEspaña,S.L.Todososdireitosreservados.
http://dx.doi.org/10.1016/j.rpsp.2013.02.001