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ROSANA CARDOSO. INTERACIONISMO SOCIODISCURSIVO: uma análise dos PCNs e da proposta curricular de Língua Portuguesa do estado de São Paulo

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ROSANA CARDOSO

INTERACIONISMO SOCIODISCURSIVO: uma análise dos PCNs e da proposta curricular de Língua Portuguesa do estado de São Paulo

Dissertação de Mestrado apresentado à Universidade de Franca, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Linguística.

Orientador: Prof. Dr. Juscelino Pernambuco

FRANCA 2012

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ROSANA CARDOSO

INTERACIONISMO SOCIODISCURSIVO: uma análise dos PCNs e da Proposta Curricular de Língua Portuguesa do estado de São Paulo

COMISSÃO JULGADORA DO PROGRAMA DE MESTRADO EM LINGUÍSTICA

___________________________________

Presidente: Prof. Dr. Juscelino Pernambuco UNIFRAN

___________________________________

Titular 1: Profa. Dra. Maria Flávia Figueiredo UNIFRAN

____________________________________

Titular 2: Profa. Dra. Ana Cristina Salviato-Silva FAE Centro Universitário

FRANCA, 16/03/2012

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DEDICO a Maria Conceição N. Cardoso (in memoriam) e a Eurípedes Soares Cardoso, meus pais amados, pelo amor, pela educação, pelo incentivo e ensinamentos que muito me auxiliaram dando-me base necessária para vencer esta e todas as etapas que estão por vir. Exemplos de vida, honestidade, e amor absoluto. Minha eterna gratidão.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pois sem Ele, nada seria possível.

Ao meu pai pelas orações e presença constante em minha vida.

À minha mãe pelo exemplo e amor, cujas lembranças estarão sempre na minha memória.

Ao meu irmão Camilo pelo apoio e carinho durante todo o percurso.

Ao meu orientador Prof. Dr. Juscelino Pernambuco pela compreensão, paciência e presteza no auxílio às atividades e discussões sobre o andamento deste trabalho.

À Profa. Dra. Maria Flávia Figueiredo e ao Prof. Dr. Matheus Nogueira Schwartzmann, membros da minha de qualificação, pelas valiosas contribuições que foram fundamentais para a finalização deste trabalho.

Aos professores do Programa de Mestrado em Linguística da Unifran, pelo empenho em transmitir seus conhecimentos.

Aos especiais e queridos amigos, Marina, Fernanda, Lilian, Rejane e Marcelo, pelo apoio, companheirismo e incentivo durante a realização deste trabalho.

À Capes pelo apoio financeiro.

A todos que de alguma forma contribuíram para a realização deste trabalho e não foram citados.

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Tomo consciência de mim, originalmente, através dos outros: deles recebo a palavra, a forma e o tom que servirão para a formação original da representação que terei de mim mesmo.

Mikhail Bakhtin

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RESUMO

CARDOSO, R. Interacionismo sociodiscursivo: uma análise dos PCNs e da proposta curricular de Língua Portuguesa do estado de São Paulo. 2012. 74. f.

Dissertação (Mestrado em Linguística)– Universidade de Franca, Franca.

O ensino de Língua Portuguesa, por muito tempo, tratou a linguagem predominantemente na função de comunicar ou de expressar o pensamento.

Visava-se ao produto e não se enxergava o processo. Os estudos e reflexões de Mikhail M. Bakhtin (1992) trouxeram nova luz ao problema, pois que para ele a linguagem não deve ser vista apenas como sistema; a linguagem é um fenômeno histórico, social e ideológico. A enunciação é o produto da interação entre duas pessoas. A linguagem é o lugar de interação entre autor e leitor, locutor e ouvinte numa atividade sociocomunicativa. O pensador russo defende a ideia de que a linguagem é dialógica, ou seja, há sempre a presença do outro. Sendo assim, nosso objetivo é realizar uma revisão bibliográfica dos documentos pertencentes à esfera educacional, especialmente os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs,1997) de Língua Portuguesa do segundo ciclo do ensino fundamental e a proposta curricular de Língua Portuguesa do estado de São Paulo lançada em 2008. As reflexões e descobertas bakhtinianas servem de sustentação aos estudos do Interacionismo sociodiscursivo, no qual nos basearemos para realizar este trabalho. Tomaremos como suporte teórico os estudos de Bakhtin (1981) e Bronckart (2006). Com base nas concepções de texto dos autores mencionados anteriormente, verificamos que os textos surgem na sociedade pertencendo a gêneros textuais que relacionam os enunciadores com atividades sociais específicas. A proposta de estudar a língua considerada como uma atividade social, um lugar de interação entre pessoas, num determinado contexto de comunicação, implica a compreensão da enunciação como o eixo central de todo o sistema linguístico. O que interessa na visão sociointeracionista é o jogo dialógico da interação, com os discursos ou textos se construindo na troca de visões de mundo de uns e outros. A metodologia consistiu numa análise qualitativa das propostas pedagógicas dos PCNs de Língua Portuguesa do segundo ciclo do ensino fundamental e da proposta curricular de Língua Portuguesa do estado de São Paulo. Com esta pesquisa, buscamos verificar as contribuições trazidas por essas propostas educacionais para o ensino de Língua Portuguesa e discutir, com base nelas, os efeitos dos princípios interacionistas na ampliação das habilidades de leitura e escrita dos alunos do ensino fundamental.

Palavras-chave: Interacionismo sociodiscursivo; propostas educacionais; ensino;

Língua Portuguesa.

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ABSTRACT

CARDOSO, R. Interacionismo sociodiscursivo: uma análise dos PCNs e da proposta curricular de Língua Portuguesa do estado de São Paulo. 2012. 74 f.

Dissertação (Mestrado em Linguística) – Universidade de Franca, Franca.

The teaching of the Portuguese Language, for a long time, treated language as if it had, predominantly, the function of communicating or expressing thought. The aim was in the product; it was not given importance to the process. The studies and reflections of Mikhail M. Bakhtin (1992) brought new light to the problem because, for him, language should not be seen as a system; language is a social, historical and ideological phenomenon. The enunciation is the product of interaction between two people. Language is the place of interaction between author and reader, speaker and listener in a social communicative activity. The Russian philosopher defends the idea that language is dialogic, that means, there's always the presence of the other.

Taking into consideration all these reflections, our objective is to conduct a literature review of documents related to the educational sphere, especially the National Curricular Parameters (PCN, 1997) about Portuguese Language in the second cycle of teaching and the Curriculum Proposal of São Paulo state, launched in 2008.

The reflections and findings of Mikhail Bakhtin are used to support the studies about social discursive interaction, that is the base of our work. The studies of Bakhtin (1981) and Bronckart (2006) will be taken as theoretical support . Regarding the text concepts that the authors mentioned above, we could verify that the texts appear in society belonging to textual genres that relate the person who enunciates with specific social activities. The proposal to study the language considered as a social activity, a place of interaction between people in a given communication context, implies an understanding of enunciation as central part of all language system. What is interesting related to the social interaction theory is the ideological game of interaction, in which discourses and texts are built in the exchange of world views of each other. The methodology consisted of a qualitative analysis of the educational proposals of Portuguese Language PCNs in the second cycle of basic education and the Portuguese Language Curriculum Proposal of São Paulo state. With this research, we verify the contributions brought by these educational proposals for the teaching of Portuguese language and we discuss, based on its statements, the effects of the principles related to interaction in the development of reading and writing skills of high school students.

Key words: Social discursive interaction; Educational Proposals; Teaching;

Portuguese Language.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9

1 INTERACIONISMO BAKHTINIANO ... 11

1.1 O INTERACIONISMO SOCIODISCURSIVO (ISD) ... 21

2 CONSIDERAÇÕES SOBRE ENSINO PRESCRITIVO, DESCRITIVO E PRODUTIVO ... 34

3 UMA ANÁLISE SOCIOINTERACIONISTA DOS PCNS DE LÍNGUA PORTUGUESA DO SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL ... 40

4 ASPECTOS SOCIOINTERACIOINSTAS NA PROPOSTA CURRICULAR DE LÍNGUA PORTUGUESA DO ESTADO DE SÃO PAULO ... 54

4.1 OS PCNs E A PROPOSTA CURRICULAR DO ESTADO DE SÃO PAULO ... 64

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 67

REFERÊNCIAS ... 69

ANEXOS ... 74

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INTRODUÇÃO

A linguagem foi tratada, durante muito tempo, no ensino de Língua Portuguesa apenas em sua função de expressar ou comunicar o pensamento.

Visava-se ao produto e não se enxergava o processo. Os estudos e reflexões de Mikhail M. Bakhtin (1992) trouxeram nova luz ao problema, pois que para ele a linguagem não é um produto acabado, mas sim, um fenômeno social, histórico e ideológico em constante evolução; o que importa não são as formas estáveis da língua, o essencial são as modificações da língua apresentadas nas enunciações. A linguagem é o lugar de interação entre autor e leitor, locutor e ouvinte numa atividade sociocomunicativa. O filósofo russo defende a ideia de que a linguagem é dialógica, ou seja, há sempre a presença do outro. A consciência linguística do homem é reflexo das interações que ele exerce na sociedade. A identidade do sujeito se forma a partir das relações dialógicas com outros indivíduos. Todo comportamento humano fundamenta-se na interação.

Estudos desenvolvidos no Brasil têm apontado que predomina no ensino de Língua Portuguesa um acentuado prescritivismo gramatical. Essa questão é constatada em algumas pesquisas como em Pernambuco (2007), ao analisar o trabalho do professor de português, conclui que o professor trabalha com a concepção de que a língua é apenas instrumento de comunicação e que aprender a Língua Portuguesa é aprender as normas gramaticais.

Também verificamos tal fato em Paschoal (2009), ao discorrer sobre um ensino produtivo da gramática, afirma que predomina o ensino da metalinguagem, realizado por meio de atividades de descrição gramatical, domínios de conceitos e regras gramaticais, assim privilegia-se o saber gramatical no ensino da Língua Portuguesa.

Pensando nisso, acreditamos ser relevante nossa pesquisa para a sociedade, especialmente, para a esfera educacional ao verificarmos as mudanças possíveis que os PCNs e a Proposta Curricular do Estado de São Paulo têm trazido ou poderão ainda trazer para o trabalho pedagógico dos docentes.

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Sendo assim, nosso objetivo é realizar uma revisão bibliográfica dos documentos pertencentes à esfera educacional, especialmente os PCNs de Língua Portuguesa do segundo ciclo do ensino fundamental lançados no Brasil em 1997, do currículo do estado de São Paulo e a proposta curricular de Língua Portuguesa do estado de São Paulo lançados em 2008.

Essas reflexões bakhtinianas servem de sustentação aos estudos do Interacionismo Sociodiscursivo, no qual nos basearemos para realizar este trabalho.

Tomaremos como suporte teórico os estudos de Bakhtin (1981), Bronckart (2006), Marcuschi (2007) e Halliday (1974).

A metodologia consiste numa análise qualitativa das propostas pedagógicas dos PCNs de Língua Portuguesa do segundo ciclo do ensino fundamental, e a proposta curricular de Língua Portuguesa do estado de São Paulo.

O trabalho é composto por quatro capítulos: o primeiro é intitulado Interacionismo bakhtiniano, no qual realizamos reflexões sobre alguns aspectos filosóficos bakhtinianos que são constituídos pela interação social e o dialogismo e também acerca do Interacionismo Sociodiscursivo (ISD) proposto por Bronckart (2006). No segundo capítulo realizamos algumas considerações sobre ensino prescritivo, descritivo e produtivo da língua. No terceiro capítulo fazemos uma análise sociointeracionista dos PCNs de Língua Portuguesa no segundo ciclo do ensino fundamental. No quarto capítulo, discorremos sobre os princípios sociointeracionistas na proposta curricular de Língua Portuguesa do estado de São Paulo e realizamos uma comparação entre a proposta curricular de Língua Portuguesa do estado de São Paulo e os PCNs de Língua Portuguesa do segundo ciclo do ensino fundamental, com o objetivo de investigar as aproximações e os distanciamentos desses documentos.

Com esta pesquisa, buscamos verificar as contribuições trazidas por essas propostas educacionais para o ensino de Língua Portuguesa e discutir, com base nelas, os efeitos dos princípios interacionistas na ampliação das habilidades de leitura e escrita dos alunos do ensino fundamental.

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1 INTERACIONISMO BAKHTINIANO

Discorreremos nesse capítulo acerca de algumas reflexões e descobertas bakhtinianas tais como interação social, dialogismo, ideologia, consciência linguística, sentido, enunciado e gêneros do discurso.

A ideologia reflete e produz mudanças na sociedade. Tudo que é ideológico está diretamente ligado ao signo, no momento em que deparamos com o signo, ali está o ideológico. A consciência individual é composta por signos e esses signos são materializados somente através do processo de interação social, logo, os signos emergem entre sujeitos socialmente organizados. O signo, o ideológico e o contexto social estão sempre ligados.

De acordo com Bakhtin/Volochinov (1981, p. 35, grifo dos autores) “A consciência individual não só nada pode explicar, mas, ao contrário, deve ela própria ser explicada a partir do meio ideológico e social. A consciência individual é um fato sócio-ideológico.” Dessa forma, podemos afirmar que a consciência individual só se constitui por meio das relações sociais e ideológicas. Segundo o filósofo russo, “A consciência adquire forma e existência nos signos criados por um grupo organizado no curso de suas relações sociais” (BAKHTIN/ VOLOCHINOV, 1981, p. 35).

Os signos ideológicos são manifestados pela comunicação social e sustentados através da palavra. Para Bakhtin/ Volochinov (1981), a palavra é o fator ideológico primordial, é a forma mais sensível na interação social. A comunicação e o discurso se encontram na palavra, a qual está diretamente ligada a um contexto histórico, social e ideológico.

O signo é o resultado de um acordo entre sujeitos socialmente organizados no processo de interação. Conforme Bakhtin/ Volochinov (1981, p. 44) esta é a: “Razão pela qual as formas do signo são condicionadas tanto pela organização social de tais indivíduos como pelas condições em que a interação acontece. Uma modificação destas formas ocasiona uma modificação do signo.”

A modificação do ser no signo ideológico é determinada pela luta de classes ou confronto de interesses sociais. Segundo os autores, “[...] classes sociais diferentes servem-se de uma só e mesma língua. Consequentemente, em todo signo ideológico confrontam-se índices de valor contraditórios. O signo se torna

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arena onde se desenvolve a luta de classes (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1981, p. 46, grifo dos autores). O conflito de classes sociais é a razão pela qual o signo ideológico se torna vivo e dinâmico, na ausência de tal fator, o signo seria apenas um objeto sem vida para a sociedade.

O elemento principal responsável que faz com que uma palavra se torne palavra é a sua significação, uma palavra sem sua significação fica limitada ao seu estado físico. O filósofo da linguagem ao discorrer sobre a palavra afirma que

“As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1981, p. 41). Assim sendo, a palavra constitui o signo ideológico elementar.

Todo ser humano faz parte de uma esfera social específica. Dessa maneira, podemos concluir que a consciência de todo indivíduo é condicionada por fatores históricos, sociais e ideológicos e especialmente povoada por vozes sociais, a qual é denominada pelo filósofo de heteroglossia dialogizada, pois as vozes sociais que permeiam a consciência estão em contínuas relações dialógicas e o meio social no qual o sujeito se constitui é plurivocal ou heteroglóssico.

Na perspectiva bakhtiniana, a linguagem não é um produto acabado, mas sim, um fenômeno social, histórico e ideológico em constante evolução; o que importa não são as formas estáveis da língua, o essencial são as modificações da língua apresentadas nas enunciações. A língua se apresenta como um produto acabado e imutável apenas para a consciência individual.

O falante faz uso da língua para suas necessidades enunciativas numa dada situação concreta, ou seja, em cada contexto o locutor utiliza uma forma específica da língua; da mesma forma que servimo-nos da gramática para construirmos nossos textos. Conforme o filósofo,

O que importa não é o aspecto da forma linguística que, em qualquer caso

em que esta é utilizada, permanece sempre idêntico. Não; para o locutor o que importa é aquilo que permite que a forma linguística figure num dado contexto, aquilo que a torna signo adequado às condições de uma situação concreta dada (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1981, p. 92-3).

Desse modo, o que é essencial na língua para o locutor e o receptor são os sentidos adquiridos num contexto enunciativo particular, ou seja, o aspecto novo, e não o sistema linguístico enquanto sinal estável. O processo de compreensão não é identificar a forma linguística utilizada, mas sim compreender a

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significação da forma linguística numa enunciação concreta. Ainda sobre o processo de compreensão Bakhtin/Volochinov (1981) afirma:

[...] aquilo que constitui a descodificação da forma linguística não é o reconhecimento do sinal, mas a compreensão da palavra no seu sentido particular, isto é, a apreensão da orientação que é conferida à palavra por um contexto e uma situação precisos, uma orientação no sentido da evolução e não do imobilismo (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1981, p. 94).

O valor da língua consiste no signo variável e móvel; o que torna a língua um signo é o caráter de mobilidade. Assim, entendemos que o ensino de uma língua somente será eficiente se a forma da língua for introduzida sempre numa situação concreta, se a palavra for inserida de forma isolada configura-se em um sinal e não um signo.

Bakhtin (1981) assevera que a consciência linguística dos sujeitos falantes está diretamente relacionada com a linguagem no sentido dos diversos contextos possíveis de uso, ou seja, o que importa é a língua utilizada no contexto de enunciações, tal fator envolve sempre um contexto ideológico. O pensador russo declara que “A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1981, p. 95). Nesse sentido, há sempre o caráter ideológico nas palavras que pronunciamos. A vida se apresenta através dos nossos enunciados, é impossível separar a língua de seu conteúdo ideológico; consequentemente, todo enunciado que é materializado na interação verbal também é ideológico.

A língua, para a consciência linguística dos falantes nunca se apresenta como um sistema de formas normativas; a língua para os indivíduos que a falam se apresentam sempre em sua forma “viva”, nos mais variados contextos de uso.

Todo enunciado é produzido para ser respondido no contexto do processo ideológico. De acordo com o autor:

Toda enunciação, mesmo na forma imobilizada da escrita, é uma resposta a alguma coisa e é construída como tal. [...] Toda inscrição prolonga aquelas que a precederam, trava uma polêmica com elas, conta com as reações ativas da compreensão, antecipa-as (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1981, p.

98).

Diante disso, podemos afirmar que o ato de compreensão da linguagem é uma resposta. Ao compreender, o indivíduo assume uma posição não

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somente diante da enunciação, mas, diante de valores. Toda enunciação suscita no interlocutor uma resposta, a qual sugere um acordo ou um desacordo defronte a um jogo de valores. “A compreensão é uma forma de diálogo; ela está para a enunciação assim como uma réplica está para a outra no diálogo. Compreender é opor à palavra do locutor uma contrapalavra” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1981, p.

132, grifo dos autores).

Compreender qualquer acontecimento humano significa desvendar em que constitui tal acontecimento axiologicamente. Vejamos abaixo uma citação do primeiro texto de Bakhtin, “Para uma filosofia do ato”, no qual observamos sua relação filosófica com a axiologia e com o “existir” humano:

Não é nossa intenção construir um sistema logicamente unificado de valores com o valor fundamental – minha participação no Ser – situado à frente, ou em outras palavras, construir um sistema ideal de vários valores possíveis. Nem, propomos dar uma transcrição teórica dos valores que têm sido realmente, historicamente, reconhecidos pela humanidade, de modo a estabelecer entre eles relações dialógicas tais como subordinação, co- subordinação, etc., isto é, de modo a sistematizá-los. O que nós queremos fornecer não é um sistema, nem um inventário sistemático de valores, onde conceitos puros (auto-idênticos em conteúdo) interconectam-se sob a base da correlação dialógica. O que queremos fazer é uma representação, uma descrição da arquitetônica real, concreta, do mundo dos valores experimentados – não com uma fundação analítica à frente, mas com aquele centro real, concreto, tanto espacial quanto temporal, do qual surgem avaliações, asserções e ações, e onde os membros constituintes são objetos reais, interconectados por relações-eventos no evento único do Ser (BAKHTIN, 1993, p. 78).

Ainda, no campo da compreensão, quando o indivíduo identifica apenas a forma linguística ou o sinal, sem considerar a situação enunciativa, constitui-se uma prática mecanicista e passiva de compreensão. O contexto é o elemento essencial que determina o sentido da palavra; o isolamento da palavra provoca a estabilização do sentido, impedindo a pluralidade de significações.

Conforme o pensador, “os contextos encontram-se numa situação de interação e de conflito tenso e ininterrupto” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1981, p. 107). Dessa forma, a produção do sentido ocorre por meio das relações dialógicas entre sujeitos num dado contexto social e histórico, e ideológico.

Toda produção ideológica é proveniente da interação social e é também condicionada por essa interação. Todo comportamento humano fundamenta-se na interação. De acordo com os autores (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1981, p. 112) “[...] a enunciação é o produto da interação de dois indivíduos

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socialmente organizados [...]”. A enunciação é determinada pela situação social em que é produzida.

Para Bakhtin/Volochinov (1981) a palavra é o produto da interação entre locutor e ouvinte. E a esse respeito, o escritor declara:

Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. [...] Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro.

Através da palavra defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise em relação à coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apóia sobre mim numa extremidade, na outra apóia-se sobre o meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1981, p. 113, grifo dos autores).

Dessa forma, os contextos possíveis de uma palavra encontram-se numa situação de interação social. A consciência linguística do homem é reflexo das interações que ele exerce na sociedade. Todo sujeito se constitui, forma sua identidade, na sua relação com o outro, num dado contexto histórico-social e ideológico. O sujeito apresenta três características fundamentais: possui uma consciência individual que se modifica a partir de suas relações com outros sujeitos, contudo, há certa permanência das características de cada um; carrega traços sociais e históricos da sociedade em que está inserido e age conforme os valores daquilo que o faz agir, e pelos quais também se responsabiliza.

A interação verbal é a esfera da constituição dos sujeitos e de produção da linguagem como declara o notável filósofo russo:

A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas lingüísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua. [...] Um importante problema decorre daí: o estudo das relações entre a interação concreta e a situação extralingüística – não só a situação imediata, mas também, através dela o contexto social mais amplo. Essas relações tomam formas diversas, e os diversos elementos da situação recebem, em ligação com uma ou outra forma, uma significação diferente (assim, os elos que se estabelecem com os diferentes elementos de uma situação de comunicação artística diferem dos de uma comunicação científica). A comunicação verbal não poderá jamais ser compreendida e explicada fora desse vinculo com a situação concreta. A comunicação verbal entrelaça-se inextricavelmente aos outros tipos de comunicação e cresce com eles sobre o terreno comum da situação de produção (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1981, p. 123-4, grifo dos autores).

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Conforme o fragmento supracitado acima, a enunciação é um produto da interação social. O elemento principal constitutivo de toda enunciação ou expressão é o exterior, o qual se encontra no meio social. O fator fundamental da língua é a interação verbal.

Para Bakhtin/Volochinov (1981), a forma da enunciação é determinada pela situação social e pelo seu auditório, a qual reflete ideologicamente o tipo, a estrutura e a composição social do grupo.

O tema e a significação compõem a enunciação. O escritor russo ao discorrer sobre o tema da enunciação afirma que o sentido da enunciação é definido não só pela situação histórica concreta e as formas linguísticas, mas pelos elementos extraverbais do contexto social, ou seja, o contexto histórico, social e ideológico na qual está inserida.

Segundo o autor, “se perdermos de vista os elementos da situação, estaremos tão pouco aptos a compreender a enunciação como se perdêssemos suas palavras mais importantes” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1981, p. 129). A significação da enunciação é determinada pelos elementos idênticos cada vez que são expressos.

Nessa perspectiva, tema e significação da enunciação estão vinculados, não há significação sem tema; é impossível identificar a significação de uma palavra isolada sem relacioná-la ao tema, isto é, sem criar um enunciado concreto. No processo de compreensão nada permanece estável, “É por isso que a significação, elemento abstrato igual a si mesmo, é absorvida pelo tema, e dilacerada por suas contradições vivas, para retornar enfim sob a forma de uma nova significação com uma estabilidade e uma identidade igualmente provisórias”

(BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1981, p. 136).

Nesse sentido, podemos dizer que a concepção de linguagem na visão bakhtiniana fundamenta-se principalmente em três questões: o sujeito é social e se constitui na sua relação com os outros. O sistema linguístico é aberto e dinâmico e o foco da linguagem está no aspecto social, histórico, axiológico, ideológico e dialógico.

O conceito de dialogismo não é o mesmo que o diálogo “face a face”, no sentido do senso comum, é o diálogo que define o existir humano. Vejamos o que Bakhtin diz acerca da concepção dialógica da linguagem:

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Não há uma palavra que seja a primeira ou a última, e não há limites para o contexto dialógico (este se perde num passado ilimitado e num futuro ilimitado). Mesmos os sentidos passados, aqueles que nasceram do diálogo com os sentidos passados, nunca estão estabilizados (encerrados, acabados de uma vez por todas). Sempre se modificarão (renovando-se) no desenrolar do diálogo subseqüente, futuro. Em cada um dos pontos do diálogo que se desenrola, existe uma multiplicidade inumerável, ilimitada de sentidos esquecidos, porém, num determinado ponto, no desenrolar do diálogo, ao sabor de sua evolução, eles serão rememorados e renascerão numa forma renovada (num contexto novo). Não há nada morto de maneira absoluta. Todo sentido festejará um dia seu renascimento. O problema da grande temporalidade (BAKHTIN, 1992, p.413- 4, grifo do autor).

Assim, podemos entender que a linguagem dialógica tem seu sentido produzido através da interação entre os sujeitos num determinado contexto concreto social. A ideia central do dialogismo bakhtiniano baseia-se no fato de que todo enunciado envolve a relação com vários enunciados, ou seja, na enunciação encontramos sempre enunciados anteriores e enunciados posteriores. Para Bakhtin (1992), a linguagem é definida a partir dessa corrente infinita de enunciados concretos que estão em constante mudança, é esse aspecto que torna o sistema linguístico dinâmico.

Sobral, ao escrever sobre o dialogismo bakhtiniano, afirma que independentemente do enunciado ser subjetivo e fechado, este permanece sendo dialógico:

[...] porque (1) não pode haver enunciado sem sujeito enunciador, (2) o sujeito não pode agir fora de uma interação, mesmo que o outro não esteja fisicamente presente; (3) não há interação sem dialogo, que é uma relação entre mais de um sujeito, mesmo no caso do chamado “discurso interior”, discurso do sujeito dirigido a si mesmo, “o falar com os botões” [...]

(SOBRAL, 2009, p. 35).

A concepção do dialogismo é ampla e refere-se a três aspectos diferentes da linguagem: o primeiro relaciona-se a condição de ser e agir dos sujeitos, o sujeito somente existe na relação com outros sujeitos; o segundo, refere- se a condição de produção de enunciados; adquirimos e produzimos enunciados em contato com os usos da linguagem nos contextos sociais, logo, os enunciados nascem dos diálogos; o terceiro aspecto relaciona-se ao fato do dialogismo ser o modo de composição de enunciados. Conforme Sobral, todo enunciado, toda voz é dialógica:

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[...] todo discurso (e mesmo toda palavra) é arena, lugar de enfrentamento, de presença do outro, não se podendo pois conceber um discurso monológico no sentido de discurso que neutralize todas as vozes que não a daquele que enuncia, mesmo que esse seja a impressão causada pela materialidade do texto (SOBRAL, 2009, p. 37).

Desse modo, não há um enunciado sem outros enunciados, não há eu sem o outro, nem o outro sem eu; antes mesmo de falar o locutor articula e muda sua linguagem conforme a imagem construída de seus interlocutores. Na visão bakhtiniana, o interacionismo/dialogismo se estabelece a partir do confronto entre as diferenças, no campo de luta, em que o elemento principal está no fato de que todo ser humano é formado nas relações uns com os outros.

Os estudos bakhtinianos da linguagem consideram a língua constituída pela interação verbal, portanto a presença do outro é essencial na vida do sujeito, somos produto da alteridade, sobre esse aspecto, Bakhtin afirma que:

Tudo o que me diz respeito, a começar por meu nome, e que penetra em minha consciência, vem-me do mundo exterior, da boca dos outros (da mãe, etc.), e me é dado com a entonação, com o tom emotivo dos valores deles. Tomo consciência de mim, originalmente, através dos outros: deles recebo a palavra, a forma e o tom que servirão para a formação original da representação que terei de mim mesmo (BAKHTIN, 1992, p. 378).

Nessa perspectiva, o pensador acrescenta que viver é assumir uma posição diante de um universo de valores; a vida humana é instituída de um diálogo inacabado e viver é participar desse diálogo que fundamenta nossa existência. Nas palavras do pensador:

Ser significa conviver. A morte absoluta (o não-ser) é o estado de não ser ouvido, de não ser reconhecido, de não ser lembrado. Ser significa ser para o outro e, através do outro, ser para si. O ser humano não tem um território interior soberano, está todo e sempre na fronteira; olhando para dentro de si ele olha para os olhos de outro ou com os olhos de outro (BAKHTIN, 1992, p. 341).

O conceito de interação proposto pelo escritor russo é essencialmente fundado no dialogismo, a qual tem seu início no discurso interior com discursos contínuos. A interação também é marcada como parte integrante do processo constante de construção dos sentidos, visto que, sem ela, ocorre uma separação do diálogo e, desse modo, não há sentido; ao tratar de interação, Bakhtin relata a própria base do sentido que é a relação entre sujeitos. Para o homem, só há sentido aquilo que responde a determinada coisa, e essa resposta pode não somente ser

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produzida a enunciados que antecedem o discurso como também poderão ser dada a enunciados que poderão suceder o discurso.

Da mesma forma, a interação é um conceito amplo que abrange vários níveis que são: a relação verbal direta ou indireta entre sujeitos; o contexto concreto da relação social, incluindo os lugares sociais, as posições e as imagens dos sujeitos envolvidos na interação; a situação social particular do lugar em que ocorre a interação e o horizonte histórico, social e cultural dos indivíduos envolvidos na interação. Portanto, a interação na perspectiva bakhtiniana é estabelecida pela condição pessoal, social, cultural, axiológica e histórica dos sujeitos envolvidos e palas situações materiais e institucionais imediatas da relação verbal.

Os gêneros do discurso também são constituídos pelas interações dialógicas. Nesse universo encontramos diversas tradições culturais e a pluralidade de signos na cultura. O gênero depende mais do contexto comunicativo e da cultura do que da palavra, Bakhtin (1992) leva em conta o processo de sua produção e não seu produto.

Conforme Bakhtin (1992, p. 279) a definição de gêneros do discurso é dada como “[...] tipos relativamente estáveis de enunciados [...]”, isto significa que o gênero discursivo é estável e mutável. Estável porque traz aspectos que reconhecemos e mutável porque estão em constantes mudanças. Tais tipos são histórica e socialmente marcados, pois se relacionam diretamente às diferentes situações sociais, que por sua vez os determinam com características temáticas, composicionais e estilísticas e, mudam de acordo com as alterações nas esferas de atividade em que são constituídos. Verificamos isso a partir das seguintes considerações do autor:

Todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam, estão sempre relacionadas com a utilização da língua. Não é de surpreender que o caráter e os modos dessa utilização sejam tão variados como as próprias esferas da atividade humana […]. O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas, não só por seu conteúdo (temático) e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos recursos da língua – recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais –, mas também, e sobretudo, por sua construção composicional (BAKHTIN, 1992, p. 279).

Em outras palavras, o agir suscita certos tipos de enunciados numa dada esfera de atividade da língua, logo, cada esfera de utilização da língua constrói modelos relativamente estáveis de enunciados, esses enunciados se estabilizam por

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certo período e se alteram em função das mudanças que ocorrem nessas esferas de atividade; falamos sempre por meio de gêneros no interior de uma dada esfera de utilização da língua.

Sobral (2009) ao discorrer sobre os aspectos de estabilidade e mudança na obra de Mikail Bakhtin traz considerações essenciais para a compreensão da obra bakhtiniana:

Percebe-se que, no percurso que vai do dialogismo ao gênero, há uma mesma concepção: a diferença e a semelhança, a mudança e a estabilidade, se acham em tensão permanente, no aqui e agora e ao longo do tempo, já que, para o Círculo, no mundo humano o “absolutamente novo”

pressuporia sujeitos que conhecessem tudo o que existe para então criá-lo ou identificá-lo; o “absolutamente mesmo” pressuporia a total imutabilidade do mundo humano, a própria indistinção. Logo, a articulação entre o repetível e o irrepetível, a atividade em geral e os atos específicos dessa atividade, presentes na concepção do ato, percorrem toda a obra do Círculo – do dialogismo ao gênero (SOBRAL, 2009, p. 118).

Bakhtin (1992) ao classificar os gêneros do discurso em primário e secundário, diz que os gêneros primários se tornam componentes dos gêneros secundários como na seguinte afirmação: “Durante o processo e sua formação, esses gêneros secundários absorvem e transmutam os gêneros primários (simples) de todas as espécies, que se constituíram em circunstâncias de uma comunicação verbal espontânea” (p. 281). Os gêneros primários provem de esferas cotidianas, são modalidades simples e não são derivados da cultura letrada, já os gêneros secundários são modalidades complexas originados nas esferas da cultura letrada.

Nos gêneros secundários e para o discurso lido ou escrito predomina a compreensão responsiva de ação retardada, que neste caso, trata-se de identificar o que foi dito e compreendido de modo ativo depois de algum tempo se repetir no discurso do ouvinte.

Para conceituar gênero Bakhtin (1992) considera o querer-dizer do locutor no uso e na construção dos sentidos:

O querer-dizer do locutor se realiza acima de tudo na escolha de um gênero do discurso. Essa escolha é determinada em função da especificidade de uma dada esfera da comunicação verbal, das necessidades de uma temática (do objeto do sentido) do conjunto constituído dos parceiros, etc.

Depois disso, o intuito discursivo do locutor, sem que este renuncie à sua individualidade e à sua subjetividade, adapta-se e ajusta-se na forma do gênero determinado (BAKHTIN, 1992, p. 301).

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Os gêneros são compostos pelo conteúdo temático, a construção composicional e o estilo, esses aspectos são assim definidos: o conteúdo temático se refere à finalidade discursiva do texto e não a um assunto específico; a construção composicional está relacionada com a forma arquitetônica, a qual é estabelecida pelo projeto enunciativo; o estilo é uma seleção de meios linguísticos, isto é, escolha de recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua conforme a imagem do interlocutor e de como se pressupõe sua compreensão responsiva ativa do enunciado.

Vários aspectos extralinguísticos promovem mudanças no gênero, as interferências externas da sociedade vão se manifestar no estilo do gênero; cada gênero representa uma dada esfera social. É impossível se comunicar verbalmente sem fazer uso de um gênero, falamos sempre por meio de gêneros no interior de uma dada esfera de utilização da língua. Dessa forma, podemos dizer que nossa fala é estabelecida através dos gêneros do discurso, adaptamos nosso dizer às diversas formas existentes dos gêneros discursivos.

Os gêneros do discurso são um número variado ilimitado, haja vista que a diversidade da atividade humana é inesgotável e, em cada esfera dessa atividade há um conjunto de gêneros do discurso que vai ampliando-se de acordo com o desenvolvimento da esfera de atividade humana, daí a extrema heterogeneidade dos gêneros do discurso. Essa é a razão da inexistência de uma lista de gêneros com a descrição de cada estilo, estrutura composição e conteúdo temático.

Nesse sentido, se desprezarmos a natureza do enunciado e a variedade dos gêneros do discurso, perderemos a ligação existente entre a língua e a vida e sua historicidade. Como declara o filósofo russo, “A língua penetra na vida através dos enunciados concretos que a realizam, e é também através dos enunciados concretos que a vida penetra na língua” (BAKHTIN, 1992, p. 282).

1.1 O INTERACIONISMO SOCIODISCURSIVO (ISD)

O interacionismo sociodiscursivo, doravante (ISD), preconiza as atividades humanas como “ações situadas” como produtos da interação. Estas

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ações é a interação das dimensões físicas e psíquicas do ser humano. Conforme Bronckart (2009) a ação é o produto da apropriação, realizada pelo organismo humano, das particularidades da atividade social com a intervenção da linguagem. A linguagem está diretamente ligada à interação social, ou seja, não se separam. Esta ampla corrente contemporânea das Ciências Humanas/Sociais tem como estudo principal a atividade discursiva no desenvolvimento humano. O interacionismo sociodiscursivo deriva das reflexões de Bakhtin, particularmente, daquelas que tratam do interacionismo.

Para desenvolver o pensamento sobre interacionismo sociodiscursivo, Bronckart (2006) recorre a Saussure e Vygotsky, especificamente na ideia de que a constituição do pensamento consciente humano se estabelece a partir dos signos da linguagem. O ponto central da psicologia vygotskyana refere-se ao psiquismo. Para Vygotsky o psiquismo é proveniente do social. Além desses autores, os fundamentos do interacionismo social são construídos também a partir da obra de Spinoza com contribuições de Darwin, Hegel, Marx e Engels.

Uma das introduções mais precisas do interacionismo social se encontra em Bakhtin, especialmente, na obra denominada Marxismo e filosofia da linguagem. O pensador russo tinha como objetivo unir as bases da filosofia da linguagem com o marxismo, e seu ponto central era debater sobre o regime e as condições de desenvolvimento da ideologia. O autor se baseou em três princípios:

toda produção ideológica é semiótica; os signos são provenientes da interação social e estabelecidos por essa interação; todo pensamento é de natureza social, dialógica e semiótica.

O ISD tem como objetivo mostrar que o texto ou a prática situacional da linguagem é o instrumento fundamental para o desenvolvimento humano. A consciência é produto da vida social. A linguagem social determina o pensamento humano. A linguagem não é apenas um meio de expressão, mas é um instrumento constitutivo e criador de processos psicológicos como cognição, percepção, sentimentos e emoções. Nessa perspectiva, o ISD trata do funcionamento psicológico, e tem como unidades de análise a linguagem, o agir e o pensamento consciente.

O desenvolvimento humano é construído através das relações sociais, esse é o ponto central em que é elaborada toda obra de Jean-Paul Bronckart. A linguagem é constituída por práticas interativas, as quais estabelecem o pensamento

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social que conduz o agir humano. O agir comunicacional, assim como a racionalidade social, é fundamentado na construção de valores e/ou significações historicamente construídos por um grupo e relativos a um contexto sociocultural, os quais constituem o ser humano.

Bronckart (2006) sugere dois modos de agir: o agir geral, que é denominado de agir não verbal, e o agir de linguagem, denominado de agir verbal. O primeiro se caracteriza pelo “[...] ângulo das atividades coletivas, isto é, das estruturas de cooperação/colaboração que organizam as interações dos indivíduos com o meio ambiente” (BRONCKART, 2006, p.138). Essas atividades coletivas são variadas e se alteram ao longo do tempo conforme as necessidades do homem, logo é um agir não verbal através de atividades coletivas num contexto social. O segundo modo representa a atividade de linguagem em uso, isto é, no contexto social, e atribui a uma ação, portanto é um agir verbal no texto. No entanto, é necessário dizer que o agir geral quase sempre exige o agir de linguagem.

As capacidades psíquicas do homem são reflexos de suas relações sociais e também instrumento de transformação constante. A história social humana é formada por três pré-construídos: o primeiro é composto pelos diversos tipos de atividades humanas; o segundo é composto pela atividade de linguagem, a qual é construída sob a forma de textos contextualizados e, o terceiro é composto pelos mundos formais de conhecimento, que pressupõe aos valores relativos a um dado contexto social. Dessa forma, os indivíduos se apropriam de algumas propriedades desses pré-construídos, em um sistema dinâmico que produz sua evolução permanente. Em outras palavras, “a tese do interacionismo, e em particular de Vygotsky (1934/1997), então, é que a interiorização dos signos da língua natural em uso no ambiente é a condição da transformação do psiquismo prático em um pensamento consciente” (BRONCKART, 2006, p. 106).

Saussure contribuiu de forma significativa para o desenvolvimento do interacionismo social ao considerar a língua essencialmente social, ao colocar em evidencia o caráter histórico da linguagem e sua constante evolução. Conforme Bronckart (2006), a interiorização dos signos na transformação do psiquismo primário em um pensamento consciente exerce um papel fundamental por seu caráter imotivado, discreto e arbitrário.

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Por seu caráter imotivado [...], os signos conferem ao funcionamento psíquico uma autonomia real no que concerne às condições de reforço do meio, autonomia que é uma condição para o estabelecimento de representações permanentes. Por seu caráter discreto, os signos introduzem delimitações, recortes no funcionamento representativo, em outros termos, eles aí estabilizam unidades, o que constitui uma condição para que se possa instaurar um sistema de operações ou de pensamento.

Finalmente, por seu caráter radicalmente arbitrário, enfim, os signos provocam um desdobramento do funcionamento psíquico; [...].

(BRONCKART, 2006, p.113, grifo do autor)

Os elementos do pensamento são produto da interiorização dos elementos da linguagem, os quais são essencialmente proposicionais. Nesse sentido, o resultado da interiorização das estruturas da linguagem é realizar a fragmentação de uma operação psíquica até então informe, nesse princípio contínuo.

Sendo os signos resultados da interação social, assim como os textos em que se constituem, os signos avançam continuamente dependentes desse uso, os significados produzidos são estáveis em um determinado momento, e se transformam constantemente. As atividades humanas são estabelecidas através desses signos e desses textos com sentidos em constante mudança. Segundo Bronckart (2009),

As produções de linguagem de um indivíduo, portanto, efetuam-se, necessariamente, na interação com uma intertextualidade, em suas dimensões sociais sincrônicas em suas dimensões históricas de traços de construções conceituais e discursivas [langagières] dos grupos sociais precedentes (BRONCKART, 2009, p. 38, grifo do autor).

Dessa forma, a língua não pode ser tomada como única e homogênea.

O conceito de discurso, na perspectiva do interacionismo sociodiscursivo, indica o funcionamento da linguagem em situações concretas de uso. Pelo fato de a linguagem ser constituída por práticas situadas, utiliza-se a expressão atividade de linguagem equivalente ao termo discurso definido anteriormente.

Já, a noção de texto, no quadro do interacionismo sociodiscursivo é dada como uma unidade comunicativa porque representa as atividades de linguagem de um grupo social e também, representa linguísticamente uma determinada ação de linguagem. Desse modo, o texto não é uma unidade linguística, pois não depende do linguístico, mas está condicionado pela ação que o gerou. De acordo com Bronckart (2006),

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[...] os textos são produtos da operacionalização de mecanismos estruturantes diversos, heterogêneos e por vezes facultativos. [...] Qualquer produção de texto implica, conseqüente e necessariamente, escolhas relativas à seleção e à combinação dos mecanismos estruturantes, das operações cognitivas e de suas modalidades de realização lingüística (BRONCKART, 2006, p. 143).

Assim, os gêneros de texto surgem através das seleções dos mecanismos estruturantes para a produção do texto, os quais permanecem momentaneamente estabilizados pelo uso. Essas escolhas são influenciadas pelas formações sociais em que o texto está sendo desenvolvido. O texto deve ser adequado a uma determinada situação comunicativa social. Em razão desse aspecto, os gêneros se alteram com o tempo das formações sociais de linguagem, não podendo ser caracterizados como estáveis e definidos. Ao discorrer sobre gêneros, Bronckart (2006) os considera como um espaço mais intensamente textual do que discursivo, caráter que distingue dos gêneros discursivos bakhtinianos, os quais consideram o contexto comunicativo e não o produto.

Bronckart (2009), em suas reflexões teóricas sobre a concepção de texto no ISD, declara que:

A noção de “tipo de texto” será claramente abandonada, a favor das de gênero de texto e tipo de discurso. A partir de agora, são os gêneros, como formas comunicativas (romance, editorial, enciclopédia, etc.), que serão postos em correspondência com as unidades psicológicas que são as ações de linguagem, enquanto os tipos de discurso (narração, discurso teórico, etc.) serão considerados como formas lingüísticas mais específicas que entram na composição dos gêneros (BRONCKART, 2009, p.15, grifo do autor).

Para uma melhor compreensão acerca dos tipos textuais e gêneros textuais apresentamos a definição realizada por Marcuschi (2007), o qual assume uma posição semelhante a do pesquisador Bronckart (2006):

Usamos a expressão tipo textual para designar uma espécie de seqüência teoricamente definida pela natureza lingüística de sua composição {aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas}. Em geral, os tipos textuais abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição, injunção. Usamos a expressão gênero textual como uma noção propositalmente vaga para referir os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica. Se os tipos textuais são apenas meia dúzia, os gêneros são inúmeros. Alguns exemplos de gêneros textuais seriam: telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal,

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romance, bilhete, reportagem jornalística, aula expositiva, reunião de condomínio, noticia jornalística, horóscopo, receita culinária, bula de remédio, lista de compras, cardápio de restaurante, instruções de uso, outdoor, inquérito policial, resenha, edital de concurso, piada, conversação espontânea, conferência, carta eletrônica, bate-papo por computador, aulas virtuais e assim por diante. (MARCUSCHI, 2007, p. 22-3, grifo do autor)

A partir do fragmento acima, podemos entender as diferenças entre tipos textuais e gêneros textuais com maior clareza. Nos tipos textuais prevalece o reconhecimento de sequências linguísticas típicas, já nos gêneros textuais, prevalece as características sócio-comunicativas determinada por conteúdo temático, funcionalidade, estilo e composicionalidade.

Ainda refletindo sobre texto, o pesquisador Baltar (2007) assegura que o conceito de texto usado pelo interacionismo sociodiscursivo se equivale à concepção bakhtiniana de texto/discurso/enunciado, isto é, “[...] trata-se da unidade comunicativa verbal, oral ou escrita, gerada por uma ação de linguagem, que se acumula historicamente “no mundo das obras humanas”, que os indivíduos utilizam para interagir uns com os outros nos diferentes ambientes discursivos da sociedade”

(BALTAR, 2007, p. 147, grifo do autor).

Ao discorrer sobre as condições de produção dos textos, as quais são elementos que exercem influência na organização textual, Bronckart (2006) afirma que para qualquer análise das condições de produção de um texto, devem ser observados três elementos que o agente (produtor do texto) constrói: as representações relacionadas ao aspecto físico da ação, ou seja, o emissor, eventuais co-emissores, espaço e tempo da produção; as representações relacionadas ao aspecto sociossubjetivo da ação verbal, ou seja, o quadro social de interação, o papel do enunciador, o papel dos destinatários e as relações do objetivo; e, enfim, as outras representações da situação e dos conhecimentos disponíveis na pessoa ou agente, relativas à temática do texto. O agente apresenta também um saber pessoal do arquitexto referente a textos preexistentes de sua comunidade verbal e dos tipos de gêneros. Dessa forma, o agente deverá escolher o tipo de gênero mais adequado à situação comunicativa e aplicá-lo em função das características específicas do contexto social.

Do mesmo modo, ao apresentar um esquema geral da arquitetura textual, Bronckart (2006), aponta três níveis estruturais: o plano mais profundo é denominado de infra-estrutura, o qual se define pelas propriedades do conteúdo

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temático e pelos tipos de discursos e suas modalidades de articulação; o segundo plano é estabelecido através dos mecanismos de textualização, os quais atribuem ao texto sua coerência linear; os mecanismos de conexão marcam as enunciações da progressão temática; os mecanismos de coesão nominal inserem temas ou personagens novos e asseguram sua retomada ao longo do texto; os mecanismos de coesão verbal contribuem para a organização temporal dos processos verbalizados no texto; finalmente, o terceiro plano é o mais superficial, refere-se a coerência pragmática e interativa do texto e é composto pelos mecanismos de tomada de responsabilidade enunciativa e de modalização. A ordenação das vozes tem como objetivo tornar perceptível as instâncias responsáveis pelo que é expresso no texto. A modalização serve para deixar evidente as avaliações que decorrem dessas instâncias e se dirigem a determinados aspectos do conteúdo semiotizado, ela se cumpre por meio de modalidades como alguns advérbios, auxiliares de moralização, algumas frases impessoais e outros.

O interacionismo sociodiscursivo sustenta que a prática dos gêneros de textos e dos tipos de discurso, a saber, a produção e interpretação dos mesmos, é o momento essencial de aprendizagem social. Quando discorremos sobre gêneros de texto, observamos que, no momento de uma nova produção textual, o agente efetua um duplo processo de adoção e adaptação à situação comunicativa. O agente, para executar esses mecanismos avança em seu conhecimento dos gêneros que são adequados a uma interação social, [...] “ao mesmo tempo em que também aprende a gerenciar as indexações sociais de que cada é portador; inscrevendo-se, assim, na rede de significações cristalizadas nos modelos preexistentes e aprendendo a se situar em relação a eles” (BRONCKART, 2006, p. 154).

Ao classificar os gêneros, Bronckart (2006) assevera que eles não podem ser tomados como sistema estável, pois seus modos de estruturação são heterogêneos. Nesse sentido, Bronckart (2006) retoma o filósofo russo, o qual definiu gêneros do discurso como “tipos relativamente estáveis de enunciado”

(BAKHTIN, 1992, p. 279). Tais tipos são histórica e socialmente marcados, visto que se relacionam diretamente a diversas situações sociais, e se transformam de acordo com as esferas de atividades em que são constituídos. Entretanto, como já mencionamos, é importante destacar que Bronckart (2006), ao discorrer sobre gêneros textuais leva em conta mais os aspectos relacionados à estrutura textual do

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que os aspectos relacionados ao discurso o que é característico das reflexões bakhtinianas.

Já, Marcuschi (2007) em suas observações sobre os gêneros textuais, se equipara aos estudos bakhtinianos da linguagem ao considerar mais o aspecto discursivo do gênero textual. De acordo com o autor,

[...] os gêneros textuais surgem, situam-se e integram-se funcionalmente nas culturas em que se desenvolvem. Caracterizam-se muito mais por suas funções comunicativas, cognitivas e institucionais do que por suas peculiaridades lingüísticas e estruturais. São de difícil definição formal, devendo ser contemplados em seus usos e condicionamentos sócio- pragmáticos caracterizados como práticas sócio-discursivas (MARCUSCHI, 2007, p. 20).

Porém, Marcuschi (2007) ressalta que o fato de considerar mais os aspectos discursivos do que os aspectos estruturais não significa que podemos desprezar a forma, haja vista que muitos gêneros textuais são determinados pelas formas, outros tantos são as funções que os determinam e, ainda haverá gêneros que serão estabelecidos pelo próprio suporte ou lugar em que aparecem.

Conforme Bronckart (2006), os tipos de discurso podem ser definidos através de um conjunto de operações cognitivas, as quais são manifestadas pelas regras linguísticas.

Esses tipos e os mundos discursivos que exprimem contribuem, como também já vimos, para colocar em interface representações individuais (que têm sede em um organismo-agente) e representações coletivas (que têm sua sede nas obras humanas). Esses tipos constituem-se, na realidade, como formatos obrigatórios dessa colocação em interface. Quando o agente (re)produz um tipo de discurso, ele deve proceder ao planejamento interno dos segmentos envolvidos, aprendendo, assim, a ativar esses processos, indissoluvelmente mentais e linguageiros, que são os raciocínios:

raciocínios práticos implicados nas interações dialogais (conferir Roulet et.

al. 1985); raciocínios causais/cronológicos implicados nos relatos e nas narrações (conferir Ricoeur 1983); raciocínios de ordem lógica e/ou semilógica implicados nos discursos teóricos (conferir Grise 1984) (BRONCKART, 2006, p. 154-5, grifo do autor).

Como vimos no excerto acima, os processos de mediação que ocorrem nos tipos de discurso corroboram o desenvolvimento das propriedades principais dos indivíduos, já que é por meio da mediação que se transferem as grandes formas de operações cognitivas do pensamento humano. Alguns exemplos dos efeitos da mediação para o desenvolvimento humano são o domínio dos raciocínios, a inserção no tempo e a construção da identidade. Segundo Bronckart (2006), os

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resultados da mediação proporcionados pela aprendizagem e pelo conhecimento progressivo dos mecanismos textuais e da responsabilização enunciativa são claros e úteis. Para o autor,

A aprendizagem, em leitura e em produção, da distribuição das vozes é, por exemplo, uma oportunidade de se tomar conhecimento das diversas formas de posicionamento e de engajamento enunciativos construídos em um grupo, de se situar em relação a essas formas, reformulando-as, o que faz com que esse processo contribua, sem dúvida alguma, para o desenvolvimento da identidade das pessoas. Por sua vez, a aprendizagem dos mecanismos de coesão verbal e o domínio de seu uso parece ter incidências decisivas sobre as construções psicológicas evidentemente complexas que são as representações do tempo e de sua organização (BRONCKART, 2006, p. 156).

A representação e sistematização dos gêneros textuais não são possíveis de serem realizadas, em virtude do número ilimitado de atividades de linguagens efetuadas por meio dos gêneros textuais, contudo, o ISD sustenta que há regularidades possíveis de serem sistematizadas como os tipos de discursos discutidos acima, os quais, retomando, são

[...] um conjunto finito de categorias recorrentes nas línguas naturais, que funcionam como universais, diretamente relacionados aos recursos gramaticais das línguas, que [...] refletem os engajamentos enunciativos que estão em jogo na interação verbal que se dá por meio de um gênero textual.

[...] essa categoria de tipos de discurso também está relacionada às operações de raciocínio do pensamento consciente (BALTAR, 2007, p.

149).

É necessário destacar que o termo “discurso” utilizado pelo ISD se diferencia das demais concepções estabelecidas em outros campos teóricos como Análise do Discurso e Linguística Textual. Nesse caso, a palavra discurso ou tipos de discursos se relaciona com a “[...] organização retórica das unidades lingüísticas disponíveis numa língua natural” (BALTAR, 2007, p. 150). Podemos encontrar também, no ISD, a expressão discurso sendo substituído pela expressão atividade de linguagem.

Bronckart (2006) propõe quatro tipos de discursos: narração, relato interativo, discurso teórico e discurso interativo. Conforme o teórico, tais tipos de discurso são instituídos pela oposição autonomia vs. implicação que o autor mantém no momento de produção e pela proporção de conjunção vs. disjunção a situação comunicativa. Dessa maneira, a narração é qualificada pelo conjunto disjunto e autônomo, o relativo interativo pelo conjunto disjunto e implicado, os dois dispostos

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no campo do narrar, o qual implica na disjunção das operações de construção do conteúdo temático com a situação de produção do agente; já o discurso interativo é caracterizado pelo par conjunto e implicado, o discurso teórico pelo par conjunto e autônomo, ambos inseridos no campo do expor, que é marcado pela conjunção das operações de construção do conteúdo temático com a situação de produção do agente.

A seguir, descreveremos alguns modelos importantes de saberes para o desenvolvimento humano. As condições de construção do desenvolvimento humano são reunidas em quatro grandes modelos: o behaviorismo, o construtivismo, o cognitivismo e o interacionismo social.

O behaviorismo apresenta a realidade de um conhecimento universal definitivo. Esse modelo não questiona a respeito das circunstâncias histórico, econômico e social de construção dos saberes científicos, não reflete a diversidade de seu conteúdo e estatuto referente a diversidade das historias e culturas das comunidades humanas e enaltece uma proposta de construção que é autoritária.

Ainda que tais críticas sejam em si mesmas fundamentadas, é inevitável que a operação do pensamento behaviorista da aprendizagem continue na maioria dos mecanismos de formação contemporâneos.

O modelo construtivista é proveniente das teorias da epistemologia genética e dos estágios de desenvolvimento de Piaget. O teórico contribuiu significativamente para a educação e a contribuição essencial trata da atuação que representam os mecanismos interativos à disposição do sujeito, dos quais têm por principio a biologia, a saber: o jogo das assimilações e das acomodações. Para Piaget, os sistemas internos são os únicos elementos reais do desenvolvimento, atribuindo somente um papel secundário ao aprendizado, o qual é considerado uma consequência e não uma causa. Três críticas principais são dirigidas ao modelo construtivista piagetiano, as quais são: semelhante ao behaviorismo, essa concepção não questiona a respeito das circunstâncias histórico, econômico e social de construção dos saberes científicos. Piaget reduziu o papel dos fatores sociais no desenvolvimento do conhecimento humano para acentuar o desenvolvimento individual e lógico, proveniente da ordem biológica; as sugestões de formação não representaram um papel decisivo nos processos do desenvolvimento, e as instâncias culturais, sociais e didáticas desses trabalhos realizados não são reconhecidas como aptas de criar efeitos diferenciados. Dessa forma, conforme

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