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O ensino da Língua Portuguesa em nossas escolas é uma disciplina obrigatória em todos os níveis do sistema de ensino brasileiro. Conforme Halliday et al (1974),

o ponto de partida para qualquer análise do papel do ensino da língua materna é a compreensão da natureza da linguagem e das características que definem uma língua materna por oposição a outra, estrangeira (HALLIDAY et al, 1974, p. 259)

A linguagem é uma atividade social. Qualquer falante pode utilizar línguas diferentes, mas aquela que é determinada pela comunidade da qual pertence é sua língua materna ou nativa. A maior parte dos falantes tem uma única língua materna, a qual permanece por toda a vida.

Durante o aprendizado da língua é comum as crianças cometerem desvios relacionados ao padrão da língua, principalmente nos níveis fonético e fonológico, mas com o passar do tempo esses desvios desaparecem e, no momento em que chegam à escola, as crianças já dominam a língua materna, isto é, são falantes da língua materna. A aprendizagem de novas habilidades da língua, como o ensino da escrita e da leitura, são processos que produzem desvios de algum tipo, mas é um erro pensar o processo de aprendizagem em si próprio como organizado essencialmente pela prática de correção de erros.

O ensino da língua materna, em sua fase inicial, depara-se com um trabalho muito grande, o ensino da leitura e da escrita. De acordo com (HALLIDAY et al, 1974, p. 259), ao alcançar essas novas habilidades, a criança concomitantemente aprende a utilizar a linguagem para fins completamente novos,

“e é neste ponto que surge pela primeira vez o principal problema do ensino da língua materna, o do equilíbrio entre o ensino 1prescritivo e 2proscritivo, de um lado,

1 Ensino prescritivo é o ensino da gramática normativa, cujo objetivo é a correção da linguagem.

2 Ensino proscritivo da língua é quando a atenção é centrada no que não pode ser feito na linguagem.

O ensino prescritivo envolve o ensino proscritivo, pois cada faz isso implica um não faz isso.

e o ensino 3descritivo, do outro [...].” Tal questão aparece porque as normas do português escrito se diferem das normas do português falado.

Ao discorrer sobre os tipos de ensino, o autor apresenta três tipos de abordagem da língua: o produtivo, o prescritivo e o descritivo, os quais são definidos da seguinte forma:

O ensino produtivo da língua é um ensino de novas habilidades. [...] O ensino prescritivo da língua é a interferência com as habilidades existentes, tendo em vista substituir um padrão de atividade, já adquirido com sucesso, por outro, sendo por isto restrito à língua materna. [...] O ensino descritivo da língua é a demonstração do modo como a língua funciona, compreendendo falar de habilidades já adquiridas, sem procurar alterá-las, porém mostrando como podem ser utilizadas. (HALLIDAY et al, 1974, p.260)

Dentre os três tipos de ensino destacados pelo escritor, o ensino prescritivo é o mais valorizado nas escolas. Halliday et al (1974) declara que há um enorme desprezo pela língua falada.

Todos os três tipos de ensino destacados acima têm seu lugar no ensino da língua materna, entretanto é preciso que sejam equilibrados e percebidos seus diferentes propósitos. O ensino prescritivo constitui instruir as crianças a trocarem seus próprios modelos de linguagem que não são aceitos por outros padrões aceitáveis. Em outras palavras, o ensino prescritivo seleciona os padrões da língua de uma determinada comunidade linguística prestigiada, utiliza formas padronizadas de ensino a fim de convencer os discentes a se conformarem com os modelos propostos.

Esse tipo de instrução abrange um elevado número de diferentes formas. Algumas prescrições adotam a fala e a escrita, ao passo que a maior parte relaciona-se exclusivamente à linguagem falada ou a linguagem escrita. Na língua escrita encontramos o caso específico de prescrições que se realizam sob a forma de transferência de padrões da língua falada para a língua escrita, especificamente no início do ensino da leitura e da escrita. Conforme Halliday et al (1974), o ensino da escrita e da leitura é 4produtivo e não prescritivo. É possível ocorrer algum ensinamento prescritivo se instruirmos aos alunos que certos modelos admitidos durante a fala não devem ser transmitidos para a escrita.

As regras ortográficas como a maneira de escrever, a pontuação e o uso das letras maiúsculas são ensinadas produtivamente. Outro exemplo de

3 Ensino descritivo tem como objetivo mostrar o funcionamento da linguagem.

4 Ensino produtivo tem como objetivo o desenvolvimento de novas habilidades.

instrução prescritiva é a correção de aspectos formais da linguagem escrita da criança, impedindo-lhe de transmitir para a linguagem escrita modelos admitidos na linguagem falada. Nesse tipo de correção ocorre um certo perigo, pois não lhe é apresentado nenhum critério geral de correção, dessa maneira, podem considerar que lhe está sendo solicitado para aprenderem um modo totalmente novo de linguagem, modo que tem pequena relação com a linguagem que utilizam.

O ensino prescritivo da língua escrita tem se concentrado particularmente nos vários pode e não pode da gramática tradicional. Há duas formas em que o ensino prescritivo da linguagem pode ocasionar grandes prejuízos:

a primeira maneira é tornar-se proscritivo, salientando-se a atenção naquilo que não deve ser feito e a segunda maneira, é a possibilidade de ocupar o principal espaço no ensino da língua materna, fato esse que certamente ainda ocupa comumente no ensino da língua.

Quando a instrução prescritiva ocupa a maior parte do tempo total do estudo do idioma materno constrói-se nas crianças uma falsa imagem da natureza da língua. Além de estabelecer nas crianças uma incompreensão da natureza da linguagem, a qual não permitirá neles o uso e a valorização da língua materna, também tornará para eles muito mais penoso aprenderem uma segunda língua.

Diante disso, muitos professores da língua portuguesa manifestam interesse numa mudança que se distancie do ensino prescritivo, contanto que se coloque algo mais proveitoso em lugar dele. De acordo com Halliday et al (1974, p.

265) “o que poderia ocupar esse lugar é o ensino descritivo e produtivo.”

A descrição é o segundo componente do ensino da língua. No ensino descritivo é apresentado o modo de funcionamento da linguagem. Nesse tipo de instrução a língua materna deve desempenhar a função principal, pois é a língua que a criança melhor conhece. É uma mudança notável propor que os alunos devam aprender alguma coisa a respeito da natureza da linguagem.

Britto (1997) em sua tese de doutorado teceu importantes reflexões sobre o papel da escola, a qual, segundo o autor não é ensinar a gramática tradicional, mas ensinar à escrita. Nas palavras do autor:

Trata-se, isso sim, de garantir a todos o acesso à escrita e aos discursos que se organizam a partir dela. Para tanto deve estar claro que o ensino da escrita não se confunde com um mero ensino de regras de uso (ainda que em alguma dimensão, o pressuponha) e, muito menos, com o ensino da norma culta. O acesso à escrita implica o reconhecimento de formas de

discurso e o domínio de sistemas de referência específicos (BRITTO, 1997, p. 248)

Portanto, conforme o excerto acima, o ensino da língua, considerando a reflexão metalinguística e os conhecimentos de língua como fenômeno não se mistura com a gramática tradicional e nem se reserva à superfície da frase, mas sim no nível de enunciados.

O objetivo do estudo das línguas, a materna e as estrangeiras, é basicamente habilitar os alunos a usarem essas línguas sem a necessidade de entender como e quais são as funções dessas línguas. Pode acontecer que durante o estudo da língua estrangeira, ao atentar-se para a língua materna, o aluno construa para si alguns conceitos sobre o que a linguagem faz e como o faz.

Realizar correlações do ensino com as experiências das crianças torna a instrução mais útil; o ensino precisa ter relação com o aluno. A criança através de seu grande conjunto de experiências da língua materna tem material suficiente a fim de que lhe possa ser oferecido um ensino descritivo da linguagem em qualquer fase escolar.

Se o conhecimento sobre como a sociedade funciona, especificamente sua comunidade social, faz parte da educação da criança, da mesma forma, é parte da educação da criança conhecer o funcionamento da língua. Esse conhecimento deve ser dado ao aluno através da relação com o idioma materno dele, já que é a única língua conhecida. Assim, conforme Halliday et al (1974, p. 268) “o que entendemos por ensinamento lingüístico descritivo consiste portanto em mostrar à criança como a língua funciona, mediante à exposição, a ordenação e os acréscimos relativos ao seu uso da língua materna.”

O principal empenho na instrução da língua materna deve fazer-se no ensino produtivo e descritivo e não no prescritivo. Não é preciso classificar as categorias linguísticas para ensinar como funcionam; podemos fazer muita coisa com o mínimo de terminologia. Quando a iniciação do aluno na linguagem escrita é realizada por meio de demonstrações ligadas ao uso da língua falada o ensino se torna mais vantajoso. Segundo Halliday, “quanto mais fizermos a escrita e a fala parecerem operar com a as mesmas formas da língua, diferenciando-se somente na substância, tanto mais importante a escrita parecerá ser” (HALLIDAY et al, 1974, p.

272).

Desse modo, torna-se mais fácil para a criança entender o funcionamento do sistema na língua escrita, pois a instrução é realizada através de

modelos na linguagem falada relacionados com situações reais construídas de sentido. Se a gramática e o léxico da língua portuguesa for exposta ligada diretamente em situações em que a língua é usada, prioriza-se o significado contextual da linguagem para introduzir o significado formal. Esta prática é útil durante toda a fase do aprendizado da língua pelos alunos; logo, o ensino descritivo da língua materna poderá ser muito valorizado na área educacional.

O terceiro tipo de abordagem linguística é o ensino produtivo. Como vimos no item anterior, a instrução descritiva da língua tem o objetivo de apresentar à criança o modo de funcionamento da língua e a noção de seu uso, já a instrução produtiva da língua visa ajudar o aluno a ampliar o uso de seu idioma materno de modo mais eficiente. Ao comentar sobre o ensino produtivo Halliday et al (1974) faz a seguinte observação:

Ao contrário do ensino prescritivo, o produtivo não pretende alterar padrões que o aluno já adquiriu, mas aumentar os recursos que possui, e fazer de modo tal que tenha a seu dispor, para uso adequado, a maior escala possível de potencialidades de sua língua, em todas as diversas situações em que tem necessidade delas (HALLIDAY et al, 1974, p. 276).

É necessário que o aluno aprenda as variedades linguísticas adequadas a diversos contextos, bem como a amplitude e o uso de seus registros.

O docente, ao analisar o uso e a significação de determinado elemento, simultaneamente reflete sobre a tendência dos diferentes elementos se unirem a diversos tipos de contexto. Durante o ensino o estudante aprenderá que alguns elementos encontrados na linguagem falada não são encontrados na linguagem escrita.

O foco do ensino produtivo está basicamente na amplitude e o uso das diferentes variedades linguísticas mais do que a introdução de novos padrões formais da língua. Esse tipo de ensino é um aspecto frequente da aula de língua nativa, seu objetivo é o uso mais eficaz da língua portuguesa. Para cada propósito há o português adequado e eficiente e é a competência de falar e escrever esse português que a instrução produtiva procura criar. No ensino da língua portuguesa estima-se demais o ensino prescritivo, não se usa a descrição, e a instrução produtiva é centralizada na composição literária, ao contrário dos enunciados sobre a linguagem, visto que para examinarmos um trabalho literário é preciso falar sobre

a linguagem dele. No ensino da língua, é importante estudarmos todos os usos dela, tanto literários quanto os não literários.

A resposta para ajudar o aluno a desenvolver sua capacidade na língua materna está “[...] em reduzir o ensino prescritivo ao mínimo, em introduzir a descrição científica válida e alargar os horizontes do ensino produtivo” (HALLIDAY et al, 1974, p. 280). Para que o ensino da língua materna se torne útil e eficaz é necessário que se realize ligado à maneira como a linguagem é usada na/para vida.

Ao encerrar a discussão sobre o ensino produtivo, o escritor inglês aponta quatro principais finalidades do ensino da língua materna:

A primeira é educacional: todos deveriam conhecer alguma coisa sobre o modo como sua própria língua funciona. A segunda é pragmática: todos precisam aprender a usar sua língua o mais eficientemente possível. A terceira e a quarta são indiretas, no sentido em que seu valor está na aplicação, a saber, conhecer a língua materna é estar bem equipado para aprender uma língua estrangeira e para compreender e apreciar a literatura pátria (HALLIDAY et al, 1974, p. 281).

3 UMA ANÁLISE SOCIOINTERACIONISTA DOS PCNS DE LÍNGUA

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