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MESTRADO EM DIREITO São Paulo 2012

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1 ERRATA

1. Questões formais

- centralização do texto do Resumo e Abstract; - Nota de roda-pé n. 20: leia-se “status” em itálico;

-Nota de roda-pé n. 101: leia-se leigos e “guarantor of fairness” em itálico;

-Nota de roda-pé n. 151 e p. 165: leia-se “Revista Direito GV” em itálico;

-Nota de roda-pé n. 163: leia-se “ilegtimatio ad causam” em itálico;

- p. 117: leia-se habeas corpus e habeas data em itálico.

2. Atualizacões

- p. 35 e 38: há nova lei do CADE (Lei n. 12.529/11) que entrará em vigor em junho de 2012.

3. Questões textuais

Página da Dissertação Onde se lê Leia-se

p. 14 Por fim, após apresentaremos Por fim, apresentaremos

p. 16 tem papel um tem um papel

p. 26 - circunstancia

- por meio de do

- circunstância - por meio do

p. 27 apresentam as apresentam

p. 35 podemos perceber nos permite concluir

p. 37 que normalmente são encontradas em leis esparsas

DESCONSIDERAR

p. 39 LAP LPA

p. 40 - lato sensu

- assembléia

- lato sensu - assembleia

p. 41 deve deverá

p. 42 dotadas dotada

p. 43 - coeltividade

- para tanto escolhemos

- coletividade

- sendo que para tanto escolhemos

p. 44 são sejam

p. 47 (inserir autores em nota de roda-pé) DESCONSIDERAR

p. 58 notificação do Ministério Público notificação ao Ministério Público p. 60 confirmam a preocupação cada vez

maior de preocupação

confirmam a preocupação

(4)

2 p. 71 - encontramos reforço do

- ação civil pública pelo

- reforçou o

- ação civil pública proposta pelo

p. 72 não inclua não incluir

p. 74 de idade transportes coletivos

de idade aos transportes coletivos

p. 75 para fins de responsabilidade civil e

administrativa o juiz remeterá as peças à autoridade competente, para fins de responsabilidade civil e administrativa

p. 76 - inúmeras

- comprovem

- algumas - comprove

p. 81 serem

ser

p. 82 - do caso

- Outro interessante e conhecido (...)

- do carro

- DESCONSIDERAR esta última frase da página

p. 86 elenca elencava

p. 87 compensação compensação

p. 93 argumento argumentos

p. 97 ela ele

p. 121 - dispões

- assumir a o pólo

- dispõem - assumir o polo

p. 123 se o houver repercussão social ou se trata se houver repercussão social ou se tratar p. 124 Legitimidade da Defensoria Pública para

a ACP: duas (três) posições.

DESCONSIDERAR

p. 137 - se aplica

- todas as coletivas

- aplica-se

- todas as ações coletivas

p. 149 - exceução - execução

p. 156 criminalização dos direitos difusos criminalização dos direitos coletivos p. 189 verificamos, mais uma vez constata-se, mais uma vez

4. Notas de roda-pé com problemas de redação/digitação

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(10)

8 SUMÁRIO:

INTRODUÇÃO ... 12

1.ALGUMAS QUESTÕES PARA COMPREENDER A TUTELA COLETIVA ... 14

1.1.UMA QUESTÃO HISTÓRICA E SOCIAL ... 14

1.2.UMA QUESTÃO PSICOLÓGICA ... 21

1.3.UMA QUESTÃO DE ACESSO À JUSTIÇA ... 24

1.4.A TUTELA COLETIVA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ... 30

1.4.1.NORMAS DE DIREITO MATERIAL ... 33

1.4.2.NORMAS DE DIREITO PROCESSUAL ... 37

2.A INDENIZAÇÃO PUNITIVA COMO FORMA DE PREVENIR DANOS COLETIVOS ... 41

2.1.ARESPONSABILIDADE CIVIL COLETIVA ... 42

2.1.1.ELEMENTOS BÁSICOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL ... 42

A)CONDUTA “HUMANA”(AÇÃO OU OMISSÃO) ... 43

B)DANO (MATERIAL, MORAL, ESTÉTICO, SOCIAL E MORAL COLETIVO) ... 44

C)NEXO CAUSAL ... 47

2.1.2.EVOLUÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO ... 49

A)TEORIA DA IRRESPONSABILIDADE, FEUDAL, REGALISTA OU REGALIANA ... 50

B)TEORIAS CIVILISTAS ... 51

B.1)TEORIA DOS ATOS DE IMPÉRIO E DE GESTÃO ... 52

B.2)TEORIA DA CULPA CIVIL OU DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA ... 52

C)TEORIAS PUBLICISTAS ... 54

C.1)TEORIA DA CULPA ADMINISTRATIVA OU CULPA DO SERVIÇO ... 54

C.2)TEORIA DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA OU DO RISCO ... 55

D)RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO ... 57

2.1.3.EVOLUÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL ENTRE PARTICULARES ... 59

A)DA OBJETIVAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL ... 60

(11)

9

2.1.4.PANORAMA DA RESPONSABILIDADE CIVIL COLETIVA ... 65

A)CONSUMIDOR ... 66

B)MEIO AMBIENTE ... 68

C)CRIANÇA E ADOLESCENTE ... 72

D)IDOSO ... 74

E)PORTADOR DE DEFICIÊNCIA ... 76

2.2.UMA NOVA FORMA DE PREVENÇÃO DOS DANOS COLETIVOS: A INDENIZAÇÃO PUNITIVA ... 79

2.2.1.ORIGEM E NOSSO CONCEITO DE INDENIZAÇÃO PUNITIVA ... 80

2.2.2.SUPERAÇÃO DE CRÍTICAS E IMPORTÂNCIA DA INDENIZAÇÃO PUNITIVA ... 84

A)AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL ... 85

B)CARÁTER SANCIONADOR ... 88

C)ENRIQUECIMENTO ILÍCITO OU SEM CAUSA ... 90

D)APLICAÇÃO DA INDENIZAÇÃO PUNITIVA... 91

2.2.3.FUNDAMENTOS PARA A UTILIZAÇÃO DA INDENIZAÇÃO PUNITIVA NA TUTELA COLETIVA . 96 3.A INDENIZAÇÃO PUNITIVA NO PROCESSO COLETIVO ... 102

3.1.ESPÉCIES DE DIREITOS COLETIVOS QUE COMPORTAM O PEDIDO DE INDENIZAÇÃO PUNITIVA . 102 3.2.ESPÉCIES DE TUTELAS E DE AÇÕES COLETIVAS ... 105

3.3.ASPECTOS PROCESSUAIS COLETIVOS E A INDENIZAÇÃO PUNITIVA ... 106

3.3.1OBJETO DAS AÇÕES COLETIVAS ... 107

A)AÇÃO POPULAR ... 107

B)AÇÃO CIVIL PÚBLICA ... 109

B.1)INQUÉRITO CIVIL ... 110

B.2)COMPROMISSO OU TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA ... 112

C)IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA ... 114

D)MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO ... 115

E)RELAÇÃO DA INDENIZAÇÃO PUNITIVA COM OS OBJETOS DAS AÇÕES COLETIVAS ... 118

3.3.2.LEGITIMIDADE ATIVA E PASSIVA ... 120

(12)

10

B)AÇÃO CIVIL PÚBLICA ... 122

C)IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA ... 126

D)MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO ... 127

E)LEGITIMIDADE PARA REQUERER A INDENIZAÇÃO PUNITIVA ... 130

3.3.3.COMPETÊNCIA ... 131

A)AÇÃO POPULAR ... 131

B)AÇÃO CIVIL PÚBLICA ... 132

C)MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO ... 133

D)IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA ... 134

E)RELAÇÃO COM A FIXAÇÃO DA COMPETÊNCIA ... 135

3.3.4.SENTENÇA E COISA JULGADA ... 136

A)AÇÃO POPULAR ... 136

B)AÇÃO CIVIL PÚBLICA ... 137

C)IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA ... 139

D)MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO ... 139

E)MOMENTO DE EXIGÊNCIA DA INDENIZAÇÃO PUNITIVA ... 140

3.3.5.LIMINARES (CAUTELAR E TUTELA ANTECIPADA) ... 141

A)AÇÃO POPULAR ... 142

B)AÇÃO CIVIL PÚBLICA ... 143

C)IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA ... 145

D)MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO ... 145

E)POSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DA INDENIZAÇÃO PUNITIVA ... 147

3.3.6.LIQUIDAÇÃO E EXECUÇÃO DA SENTENÇA COLETIVA ... 148

A)DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS EM SENTIDO ESTRITO... 149

B)DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS ... 150

C) O QUE FAZER COM A INDENIZAÇÃO PUNITIVA ... 151

(13)

11

REFERÊNCIAS ... 160

ANEXO I:TABELA DE TRATADOS/CONVENÇÕES INTERNACIONAIS QUE VERSAM SOBRE A PROTEÇÃO A DIREITOS COLETIVOS EM SENTIDO AMPLO ... 181

ANEXO II:TABELA DOS CRITÉRIOS DE BUSCA UTILIZADOS NO STJ ... 188

ANEXO III:TABELA DE DADOS DAS VARAS FEDERAIS EM SÃO PAULO ... 190

(14)

12 INTRODUÇÃO

A presente Dissertação tem basicamente dois objetivos principais, quais sejam, defender a aplicação da indenização punitiva no âmbito da tutela coletiva e indicar, mesmo que de forma breve, implicações processuais da aplicação da indenização punitiva nas ações coletivas.

É importante observar que não tratamos de todas as ações coletivas e nem de todos os aspectos processuais de forma exaustiva, mas buscamos apenas visualizar, de forma prática, a aplicabilidade da indenização punitiva no âmbito da tutela coletiva.

No primeiro capítulo procuramos contextualizar e demonstrar a importância da tutela efetiva dos direitos coletivos em sentido amplo, indicando algumas barreiras que devem ser ainda superadas pelos operadores do direito. Além disso, fornecemos um panorama geral sobre as normas de direito material e de direito processual que tratam dos direitos coletivos em sentido amplo e que são fundamentais para a compreensão de como deve funcionar a tutela coletiva.

No segundo capítulo apresentamos inicialmente um panorama geral sobre os pressupostos básicos da responsabilidade civil, sobre a evolução da responsabilidade civil, tanto do Estado, quanto dos particulares, a fim de demonstrar que há uma tendência à objetivação da responsabilidade civil e à prevenção de danos e, nesse sentido, a indenização punitiva configurar-se-ia como uma nova forma de prevenir novos danos à coletividade.

Ainda no segundo capítulo indicamos a origem da indenização punitiva (punitive damages), mas deixando bem claro que a indenização punitiva não se confunde com as punitive damages e que só deve ser utilizada para a tutela coletiva e não no âmbito da tutela

individual. Procuramos indicar também quais seriam os fundamentos para a utilização da indenização punitiva, mesmo ante a inexistência de previsão legal expressa nesse sentido.

(15)

13

responder são: a indenização punitiva pode ser fixada em sede de cognição sumária (tutela antecipada ou cautelar)? Quando ela pode ser exigida? Quem pode requerê-la? A indenização punitiva pode ser fixada de ofício pelo juiz?

(16)

14

1.ALGUMAS QUESTÕES PARA COMPREENDER A TUTELA COLETIVA

O presente item foi desenvolvido com o objetivo de apresentar apenas algumas razões que justificam a importância da tutela coletiva, isto é, motivos pelos quais é inegável a existência e a necessidade de proteção material e processual dos direitos coletivos em sentido amplo.

Inicialmente, verificaremos que os direitos coletivos lato sensu são fruto das

modificações sociais pelas quais a sociedade vem passando e que sua existência atual pode ser bem compreendida se analisarmos historicamente a evolução da sociedade na qual nos inserimos hoje.

Em seguida, apontaremos alguns obstáculos de ordem psicológica que devem ser superados para que a tutela coletiva possa ser corretamente utilizada. Dentre tais obstáculos psicológicos, destaca-se a questão da didática, isto é, a forma pela qual nos é transmitido um conhecimento que, a nosso ver, possui relação direta com a dificuldade que alguns operadores do direito encontram para aceitar e utilizar da forma adequada a tutela coletiva.

Abordaremos, ainda, a tutela jurisdicional coletiva como uma das formas de se garantir o acesso à justiça nos dias de hoje. Entretanto, para chegarmos a tal afirmação apresentaremos os conceitos das espécies de direitos coletivos em sentido amplo e mencionaremos alguns dos instrumentos processuais existentes e que podem ser utilizados para a tutela de tais direitos.

Por fim, após apresentaremos este breve panorama sobre a evolução e a importância da tutela coletiva, verificando em quais normas do ordenamento jurídico brasileiro, seja de ordem material, seja de ordem processual, encontramos previsões específicas sobre os direitos coletivos em sentido amplo.

1.1.UMA QUESTÃO HISTÓRICA E SOCIAL

(17)

15

Quanto às possíveis leituras que podem ser feitas sobre a Revolução Francesa cumpre mencionar que não existe unanimidade entre os historiadores, vez que existem diversas correntes interpretativas deste momento histórico. Lynn Hunt1 nos indica três, quais sejam, (i) a leitura marxista (Karl Marx), segundo a qual houve o triunfo dos interesses da burguesia e o início do desenvolvimento do sistema capitalista; (ii) a leitura revisionista (Alfred Cobban), segundo a qual os grandes proprietários de terras, tanto aristocratas, quanto burgueses visavam estabelecer uma elite unificada e (iii) a leitura peculiar de Alexis de Tocqueville, que afastando-se das interpretações sociais, vê na Revolução Francesa uma questão política consistente no engrandecimento do poder atribuído ao Estado. Como poderemos perceber, adotaremos a leitura marxista da Revolução Francesa para explicar o caráter extremamente individualista assumido pelo Direito e, consequentemente, pelo processo em suas origens (Direito Romano).

Mesmo existindo diversas leituras e interpretações por parte dos historiadores acerca da Revolução Francesa, o fato é que normalmente a história é impulsionada por uma disputa pelo poder e para a manutenção de privilégios para certo grupo de pessoas, até que ocorra novamente um ponto de tensão entre a classe mais favorecida e a classe menos favorecida, dando origem a um novo confronto modificador da realidade.

A partir da Revolução Industrial, no entanto, principalmente com a intensificação do movimento do proletariado é que o indivíduo começa a ser visualizado num contexto social, o direito e o processo começam então a assumir incipientes feições coletivas.

Ao mesmo tempo em que a expansão industrial demandava grande quantidade de mão-de-obra acabou gerando também a insatisfação de um número considerável de pessoas que passaram a se organizar para reivindicar melhores condições de vida: era o início da luta operária2, até hoje existente e regulada de forma individual e coletiva pelo direito e processo do trabalho.

Com o atual estágio de desenvolvimento do Estado (o chamado Estado neoliberal) que propiciou inúmeras mudanças socioeconômicas, tais como: o alargamento da produção em

1 HUNT, Lynn (tradução de Laura Teixeira Motta).

Política, Cultura e Classe na Revolução Francesa. São

Paulo. Companhia das Letras. 2007. p. 24-30. 2

(18)

16

massa, o brusco aumento das relações de consumo, o processo de globalização etc, houve a necessidade não mais da defesa apenas do indivíduo como apregoava o Estado Liberal, concepção explicitada pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1.789. Mas também se verificou a necessidade de real proteção aos direitos coletivos lato sensu,

concepção que surgiu primeiramente na Constituição Mexicana de 1.917. Daí decorrem as recentes expressões e definições acerca dos denominados: direitos coletivos em sentido amplo, dos quais são subespécies os direitos coletivos em sentido estrito, os direitos difusos e os direitos individuais homogêneos.

Acompanhando essa onda de produção em massa dos bens de consumo, alimentada pela supremacia do regime capitalista em quase todos os países do mundo, temos a chamada cultura de massa, que nas lições de Edgar Morin, educador francês, pode assim ser traduzida:

Cultura de massa, isto é, produzida segundo as normas maciças da fabricação industrial; propaganda pelas técnicas de difusão maciça (que um estranho neologismo anglo-latino chama mass media); destinando-se a uma massa social, isto

é, um aglomerado gigantesco de indivíduos aquém e alem das estruturas internas da sociedade (classes, família, etc)3.

Como veremos, a cultura de massa é uma cultura: ela constitui um corpo de símbolos, mitos e imagens concernentes à vida prática e à vida imaginária, um sistema de projeções e de identificações específicas. Ela se acrescenta à cultura nacional, à cultura humanista, à cultura religiosa e entra em concorrência com estas culturas4.

A cultura de massa pode ser apontada então como uma das principais fontes de difusão dos grandes fornecedores de bens de consumo, tem papel um muito importante no âmbito da tutela coletiva, pois, por meio dela podem ser causados inúmeros danos transindividuais, sendo que o exemplo mais corriqueiro que podemos mencionar é justamente a veiculação de publicidades ou propagandas enganosas ou abusivas5.

Neste sentido é que surge a necessidade não apenas de reformulação do direito material, mas também do direito processual individual, o que não causou em nosso ordenamento jurídico qualquer prejuízo ao princípio constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5°, XXXV, da CRFB/88), uma vez que qualquer lesado

3 MORIN, Edgar (tradução de Maura Ribeiro Sardinha).

Cultura de massa no século XX: Neurose. 9ª ed. Rio de

Janeiro. Forense Universitária. 1997. p. 14.

4 MORIN, Edgar (tradução de Maura Ribeiro Sardinha).

Cultura de massa no século XX: Neurose. 9ª ed. Rio de

Janeiro. Forense Universitária. 1997. p. 15/16.

(19)

17

individualmente continua com a possibilidade de ingressar com uma ação junto ao Poder Judiciário para a solução de sua lide. Mas estendendo-se tal prejuízo a um grande número de pessoas, o Estado a fim de garantir maior celeridade, com base no princípio da eficiência (art. 5°, LXXVIII, da CRFB/88), por exemplo, sugere a reunião e permite a propositura de ação coletiva para a tutela de todas as pessoas lesadas e da coletividade.

Seguindo-se esse processo evolutivo, a década de 70, tem especial destaque quando verificamos a intensa obra doutrinária produzida na Itália sobre a tutela coletiva. Um dos autores que nos chama a atenção para tal fato, citando, inclusive, os grandes juristas italianos à época é Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, segundo ele:

A Itália tem cumprido um papel de extrema relevância para a construção e o aprimoramento da tutela dos direitos coletivos. Essa importância não decorre, entretanto, de modo central, da sua experiência legislativa ou jurisprudencial, mas, principalmente, da preocupação, do envolvimento e do brilhantismo dos juristas italianos no tratamento do tema.

(...)

Não obstante o caráter e o teor vanguardista das obras supramencionadas6, o tema dos interesses coletivos ou difusos aparece com vigor nos anos 70, com autores como Vittorio Denti, Mauro Cappelletti, Andrea Proto Pisani, Vicenzo Vigoriti, Nicolò Trocker e Michele Tarufo, dentre outros, culminando com os congressos realizados em Pavia e Salermo, respectivamente nos anos de 1974 e 19757.

A década de 80 marcou de forma intensa o novo pensamento jurídico que culminou com a atual tutela jurisdicional aplicada aos direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos. Pois, à época viabilizava-se o acesso à justiça com a instituição dos juizados especiais cíveis e criminais e, percebeu-se a incompatibilidade entre as normas processuais vigentes para a defesa dos direitos individuais e a necessidade de tutela dos direitos coletivos em sentido amplo. São aceitas assim no direito brasileiro duas vertentes de atuação: a individual e a coletiva. Relembrando que a ação popular (Lei n. 4.717/65) já possuía nítido caráter de proteção aos direitos coletivos em sentido amplo no Brasil.

Podemos traçar um paralelo interessante com a classificação dos direitos fundamentais em gerações ou dimensões e o surgimento da tutela coletiva em nosso ordenamento jurídico, vez que por meio dessa simples comparação podemos visualizar nitidamente a preocupação

6 O autor se refere às obras de Emilio Bonaudi (1911:

La tutela degli interessi collettivi) e de Ugo Ferrone (1912: Il processo civile moderno: fondamento, progresso e avvenire).

7 CASTRO MENDES, Aluisio Gonçalves.

Ações Coletivas no Direito Comparado e Nacional. 2ª ed. São Paulo.

(20)

18

da atual Constituição da República Federativa do Brasil com a proteção dos direitos coletivos

lato sensu.

Muito embora não exista certa unanimidade entre os doutrinadores8 quanto à classificação dos direitos fundamentais, vez que para alguns, como é o caso, por exemplo, de Paulo Bonavides9, além dos direitos fundamentais de primeira, de segunda e de terceira geração, existiriam também os direitos fundamentais de quarta geração10 e de quinta geração11, vale a pena mencionarmos tal classificação comparando-a com os direitos coletivos em sentido amplo.

Os direitos fundamentais de primeira geração que surgiram no século XVIII, mas predominaram no século XIX, consagram o valor liberdade e foram inspirados diretamente na Revolução Francesa (1.781) e na Revolução Americana (1.787), momentos históricos nos quais a burguesia, classe emergente à época, reivindicava que seus direitos ligados à liberdade fossem respeitados pelo Estado. Tal geração de direito fundamental possui assim as seguintes características: são direitos estritamente individuais (subjetivos), são direitos de caráter negativo, isto é, demandam uma abstenção por parte do Estado, compreendem basicamente os direitos civis e políticos e são oponíveis principalmente ao Estado, seu principal destinatário.

Por sua vez, os direitos fundamentais de segunda geração, predominantes no século XX e inspirados pela Revolução Industrial, apregoam o valor igualdade. São direitos de natureza coletiva, compreendendo os direitos sociais, econômicos e culturais. Ao contrário dos direitos fundamentais de primeira geração que possuem maior carga de efetividade porque exigem um não fazer do Estado, os direitos fundamentais de segunda geração ao exigirem uma atuação do Estado, acabam sendo menos efetivos e o argumento do Estado que justifica essa menor efetividade é a tese da reserva do possível, que pode ser resumida como as limitações orçamentárias enfrentadas pelo Estado para a gestão e implementação dos direitos sociais, por meio de políticas públicas.

Por fim, os direitos fundamentais de terceira geração consagram o valor fraternidade, visando à necessidade de colaboração entre os chamados países desenvolvidos e os países subdesenvolvidos. São por tal motivo, direitos transindividuais por excelência. Como

8 Para Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior os direitos fundamentais se classificam apenas em direitos de primeira, de segunda e de terceira geração. Vide: ARAÚJO, Luiz Alberto David e Vidal Serrano Nunes Júnior. Curso de Direito Constitucional. 8ª. ed. São Paulo. Saraiva. 2004. p. 99/101.

9 BONAVIDES, Paulo.

(21)

19

exemplos desta categoria de direitos fundamentais, podemos citar: o direito ao meio ambiente (art. 225, da CRFB/88), o direito à paz, o direito ao desenvolvimento ou progresso, o direito de autodeterminação dos povos (art. 4º, da CRFB/88) entre outros.

Hoje, não há dúvidas de que em nosso ordenamento jurídico convivem e são tutelados tanto os direitos individuais, como os direitos coletivos em sentido amplo. Ressaltando a importância dessa convivência, vale mencionar as palavras de José Afonso da Silva, segundo ele:

A Constituição, agora, fundamenta o entendimento de que as categorias de direitos humanos fundamentais, nela previstos, integram-se num todo harmônico, mediante influências recíprocas, até porque os direitos individuais, consubstanciados no seu art. 5º, estão contaminados de dimensão social, de tal sorte que a previsão dos direitos sociais, entre eles, os direitos da nacionalidade e políticos, lhes quebra o formalismo e o sentido abstrato. Com isso, transita-se de uma democracia de conteúdo basicamente político-formal para a democracia de conteúdo social, senão de tendência socializante12.

Portanto, essa simples reflexão comparativa nos permite visualizar melhor e compreender não só a evolução histórica e social da tutela coletiva, mas também verificar a importância que vem sendo atribuída aos direitos coletivos pela própria CRFB/88, ponto de partida e de chegada de toda interpretação legal em nosso ordenamento jurídico. Percebemos, pois, que a partir dos direitos fundamentais de segunda geração, o indivíduo deixou de ser o foco único e exclusivo de preocupações. Isso porque o poder soberano do Estado já havia sido controlado, fazendo-se necessário agora então também o controle das atividades exercidas pelos detentores do capital, ou seja, a tutela da coletividade contra os abusos perpetrados pelo poder econômico.

Na chamada era da globalização, não podíamos nos esquecer também da crescente importância que vem sendo atribuída aos tratados internacionais. Dessa forma, o Brasil, assim como diversos outros países, é parte signatária em diversos tratados internacionais que são integrados em nosso ordenamento jurídico por meio de um processo de internalização13, cujo encerramento ocorre com a publicação de um Decreto por parte do Presidente da República.

12 AFONSO DA SILVA, José.

Curso de Direito Constitucional Positivo. Malheiros. 27ª ed. São Paulo. 2006. p.

184/185.

(22)

20

Assim, considerando-se que os tratados internacionais são incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro normalmente com o status de lei ordinária, exceto quando

tratarem de direitos humanos fundamentais, desde que aprovados nos termos do art. 5°, § 3º, da CRFB, possuindo em tal hipótese caráter de norma constitucional14, efetuamos uma pesquisa junto ao sítio eletrônico da Presidência da República para verificarmos a existência de Tratados Internacionais sobre a tutela dos direitos coletivos em sentido amplo.

A Tabela (Anexo I) juntada ao presente trabalho, nos permite concluir que com o passar do tempo, principalmente durante o século XXI, foram sido criados, aceitos e, consequentemente, recepcionados pelo ordenamento jurídico brasileiro diversos Tratados Internacionais que dispõem sobre a proteção aos direitos coletivos lato sensu.

Verifica-se, pois, que a cada etapa de desenvolvimento social e histórico, o direito deve evoluir na tentativa de sempre acompanhar as constantes mudanças da realidade social. Mauro Cappelletti já nos alertava sobre a necessidade de aproximação entre a teoria e a prática jurídica, vez que segundo ele faz-se necessário repensarmos uma questão primordial na atualidade: o acesso efetivo à justiça. Dentre os problemas enfrentados para o alcance de um efetivo acesso à justiça, o jurista italiano nos indica justamente a questão da representação

dos interesses difusos em juízo que, em sua visão, seria a “segunda grande onda” renovatória

a ser enfrentada pelo processo civil moderno. Corroborando a crítica à visão extremamente individualista do processo, ele nos afirma que:

A concepção tradicional do processo civil não deixava espaço para a proteção dos direitos difusos. O processo era visto apenas como um assunto entre duas partes, que se destinava à solução de uma controvérsia entre essas mesmas partes a respeito de seus próprios interesses individuais. Direitos que pertencessem a um grupo, ao público em geral ou a um segmento do público não se enquadravam bem nesse esquema. As regras determinantes da legitimidade, as normas de procedimento e a atuação dos juízes não eram destinadas a facilitar as demandas por interesses difusos intentadas por particulares15.

A tutela coletiva está diretamente relacionada, pois, com a própria evolução da sociedade e da forma pela qual os ordenamentos jurídicos são capazes de se adaptarem para a efetiva proteção dessas novas espécies de direitos.

14 No julgamento do RE 466343/SP (STF; Pleno; julgado em 03.12.2208; Rel. Min. Cezar Peluso), a leitura do voto do Min. Gilmar Mendes nos permite entender o posicionamento do STF sobre o status legal dos Tratados Internacionais recepcionados antes da CRFB/88 ou sem o quórum especial de Emenda Constitucional, segundo o posicionamento do STF, tais tratados assumem um caráter supralegal.

15 CAPPELLETTI, Mauro (tradução de Ellen Gracie Northfleet).

Acesso à Justiça. Porto Alegre. Fabris. 1988. p.

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1.2.UMA QUESTÃO PSICOLÓGICA

Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, com base em Mauro Cappelletti e Bertrand Russel, nos indica um obstáculo de ordem psicológica que justificaria a resistência à tutela coletiva, vejamos:

Estaria o processo civil, segundo o mestre italiano, entre duas concepções: a tradicional, que enxerga a relação processual, tão-somente, como a resolução de conflito entre Caio e Tício e a nova, que procura construir um novo tipo de justiça, capaz de tutelar os direitos, mas, também os novos interesses legítimos, que dizem respeito a setores, grupos, classes e coletividades inteiras. O rompimento com a visão tradicional esbarraria em dificuldades de ordem política, em razão das forças retrógadas, e de ordem psicológica, pois, como dizia Bertrand Russel, é muito mais fácil conservar do que inovar, pois requer muito menos esforço de imaginação, de ânimo e de inteligência16.

Ou seja, segundo o mencionado doutrinador o mero fato da tutela jurisdicional coletiva ser inovadora, é motivo para que seu pleno desenvolvimento e aplicação prática sejam embaraçados. Concordamos com Aluisio Gonçalves de Castro Mendes e, ousamos indicar um outro obstáculo, também de ordem psicológica, que ao nosso ver, prejudicaria também o reconhecimento e a utilização da tutela coletiva por parte dos operadores do direito. Trata-se de uma questão de didática, resumidamente da forma pela qual o conhecimento nos é transmitido e incorporado ao nosso intelecto.

O método utilizado para organizar nosso raciocínio, ou seja, a forma pela qual o conhecimento nos é transmitido, pode ser indicado, a nosso ver, como um dos obstáculos à ampla aceitação e utilização dos meios jurídicos existentes para a tutela da coletividade.

Desde pequenos somos condicionados a fragmentar as disciplinas e em cada disciplina aprendemos separadamente cada conteúdo, sem que, na maioria das vezes, nos seja dada a chance de relacionar todas as unidades de conhecimentos apreendidas e tampouco de estabelecer relações entre essas próprias disciplinas.

Ou seja, desde criança quando iniciamos a nossa alfabetização estamos acostumados a isolar as áreas do conhecimento sem que façamos qualquer interrrelação entre elas. O problema se acentua na atualidade, isso porque há uma tendência cada vez maior à especialização.

16 CASTRO MENDES, Aluisio Gonçalves de.

Ações coletivas no Direito Comparado e Nacional. São Paulo.

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Se pensarmos em como são organizadas as disciplinas de um curso de Direito, por exemplo, a constatação dessa fragmentariedade é nitidamente percebida. Inúmeras são as disciplinas jurídicas existentes, tais como, o direito civil, o direito penal, o direito do trabalho, o direito societário, o direito tributário, o direito internacional público e privado, o direito constitucional, o direito administrativo, o direito processual civil, o direito processual penal etc.

Isso sem mencionarmos outras áreas do direito, tão específicas, que somente quem de fato trabalha ou já trabalhou com tais matérias conhece o assunto de forma mais aprofundada, é o que ocorre, por exemplo, com o direito agrário, o direito portuário, o direito econômico, o direito financeiro, o direito desportivo etc.

Claro que essa especialização não ocorre apenas com os ramos do Direito, mas em outras áreas do conhecimento também podemos encontrar uma multiplicidade de disciplinas e consequentemente de especialistas para cada uma delas.

Essa intensa especialização, como decorrência da expansão e multiplicação das ciências na era moderna, trouxe para o âmbito processual (individual e coletivo) uma importante consequência, qual seja, a valoração cada vez maior das chamadas provas científicas17. Assim, a nomeação de peritos e de assistentes técnicos acaba sendo crucial para a solução de muitas lides, é o que ocorre frequentemente com ações relacionadas à degradação ambiental. É o que podemos extrair de recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça: REsp n. 1060753/SP (2ª Turma; Rel. Min. Eliana Calmon; Julgado em 01.12.09; DJe 14.12.2009); MS n. 13921/DF (1ª Seção; Rel. Min. Humberto Martins; Julgado em 25.03.09; DJe 06/04/2009) e REsp. n. 886137/MG; 2ª Turma; Rel. Min. Humberto Martins; Julgado em 25.04.08; DJe 25/04/2008).

Destacando a dificuldade encontrada para solucionarmos um problema multidimensional, justamente em razão da fragmentariedade em que se baseia nosso saber, vale mencionar as palavras de Edgar Morin, pois, segundo ele:

A maneira de pensar que utilizamos para encontrar soluções para os problemas mais graves de nossa era planetária constitui um dos mais graves problemas que devemos enfrentar. Quanto mais multidimensionais se tornam os problemas, maior a incapacidade para pensá-lo em sua multidimensionalidade; quanto mais progride a crise, mais progride a incapacidade para pensá-la; quanto mais globais se tornam os problemas, mais impensáveis se tornam. A inteligência cega se torna, assim,

17 TARUFFO, Michelle (tradução de Cândido Rangel Dinamarco).

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inconsciente e irresponsável, incapaz de encarar o contexto e complexo planetários18.

Essa visão fragmentada e extremamente especializada pode ser considerada prejudicial à tutela coletiva, isso porque a tutela da coletividade requer uma visão global sobre o assunto e, por muitas vezes também, uma visão interdisciplinar por parte tanto dos representantes das partes, quanto do julgador.

Edgar Morin, preocupado com a reforma do ensino, inclusive, o universitário, nos indica que se faz necessária uma verdadeira reforma do pensamento com vistas a se construir um raciocínio contextual e complexo. Não sendo suficiente, pois, apenas a visão isolada sobre determinado assunto.

A reforma necessária do pensamento é aquela que gera um pensamento do contexto e do complexo. O pensamento contextual busca sempre a relação de inseparabilidade e as inter-retroações entre qualquer fenômeno e seu contexto, e deste com o contexto planetário. O complexo requer um pensamento que capte relações, inter-relações, implicações mútuas, fenômenos multidimensionais, realidades que são simultaneamente solidárias e conflitivas (como a própria democracia que é o sistema que se nutre de antagonismos e que, simultaneamente, os regula), que respeite a diversidade, ao mesmo tempo que a unidade, um pensamento organizador que conceba a relação recíproca entre todas as partes. Pascal já havia formulado o imperativo que hoje em dia precisa ser introduzido em todos os nossos ensinamentos. Se todas as coisas são causadas e causantes, ajudadas e ajudantes, mediatas e imediatas e mantidas por uma ligação material e insensível que as sujeitam, torna-se impossível conceber o todo e tampouco o todo sem conceber as partes19.

As lições de Morin nos chamam a atenção para a necessidade de uma revisão na forma de transmissão do conhecimento e da forma pela qual normalmente somos condicionados a construir um raciocínio.

Como em razão da excessiva fragmentariedade e especialização das disciplinas, inclusive, jurídicas, a visão global, que é necessária para o correto entendimento e aplicação prática da tutela coletiva, é bem prejudicada.

Somando-se ao fato da ausência de uma visão global entre os juristas, temos o problema da ausência de unificação de todas as normas de tutela tanto material, quanto processual coletiva. Isso demanda que os operadores do direito conheçam todas as normas

18 MORIN, Edgar (tradução de Maura Ribeiro Sardinha).

Educação e Complexidade: os sete saberes e outros ensaios. São Paulo. Cortez. 2005. p. 19.

19 MORIN, Edgar (tradução de Maura Ribeiro Sardinha).

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existentes e selecionem para cada caso concreto aquela que tem melhor aplicabilidade, segundo a teoria do diálogo das fontes, conforme veremos no item 1.4. mais a frente.

A questão da dificuldade de construirmos uma visão global sobre um assunto, e no âmbito jurídico, sobre determinado caso, está, como já mencionamos, no isolamento do objeto de estudo.

Essa visão isolada facilitou e facilita muito o desenvolvimento do processo civil individual, na medida em que permite a visualização exata de cada uma das partes e do objeto do processo. O mesmo não ocorre no processo civil coletivo, isso porque nem sempre, por exemplo, as vítimas do dano são identificadas.

Outro fator importante que também deve ser considerado como um empecilho psicológico, diz respeito ao receio do julgador em proferir uma decisão que afetará um número determinado ou indeterminado de pessoas, o que não se verifica em uma ação individual, cujas partes são desde logo previamente identificadas. Assim, não há dúvidas de que o magistrado não se sente tão à vontade para proferir a sentença em uma ação coletiva, em razão justamente da repercussão social, política, jurídica ou econômica que seu posicionamento causará.

Assim, o fato da tutela coletiva ainda ser uma novidade, corroborado pela grande dimensão das ações coletivas e pela dificuldade humana de construir uma visão global sobre determinado assunto, nos instiga a tratar de instrumentos para a efetividade da tutela coletiva, e a reconhecer e superar nossas próprias limitações em prol da evolução não só do direito, mas também de outras áreas do saber.

1.3.UMA QUESTÃO DE ACESSO À JUSTIÇA

Antes de verificarmos o problema do acesso à justiça que se relaciona diretamente com o surgimento dos direitos coletivos em sentido amplo, faz-se necessário inicialmente verificarmos o conceito de cada uma das espécies de direitos coletivos lato sensu, bem como

os principais instrumentos processuais disponíveis em nosso ordenamento jurídico para a tutela desses direitos.

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sentido amplo”, outros optam pela expressão “direitos coletivos em sentido amplo”. Também

encontramos divergência em relação à subdivisão dos direitos coletivos em sentido amplo, isso porque em alguns países inexiste o conceito de direitos individuais homogêneos.

A divergência na doutrina quanto à nomenclatura utilizada pelo Código de Defesa do Consumidor em relação aos direitos ou interesses coletivos, difusos e individuais homogêneos, embora na prática não implique em grande importância verificar-se se a proteção é conferida a um interesse ou a um direito coletivo, uma vez que ambos são protegidos pelo CDC, a confusão terminológica pode ser explicada da forma abaixo.

Kazuo Watanabe, com quem concordamos, afirma que os termos “direitos” e

“interesses” devem ser considerados como sinônimos, sendo este o verdadeiro objetivo do Código de Defesa do Consumidor, conforme a lição do citado doutrinador que passamos a transcrever:

A necessidade de estar o direito subjetivo sempre referido a um titular determinado

ou ao menos determinável, impediu por muito tempo que os ‘interesses’ pertinentes,

a um tempo, a toda coletividade e a cada um dos membros dessa mesma

coletividade, como, por exemplo, os ‘interesses’ relacionados ao meio ambiente, à saúde, à educação, à qualidade de vida etc., pudessem ser havidos por juridicamente protegíveis. Era a estreiteza da concepção tradicional do direito subjetivo, marcada profundamente pelo liberalismo individualista, que obstava a essa tutela jurídica (...) Hoje, com a concepção mais larga do direito subjetivo, abrangente também do que

outrora se tinha como mero ‘interesse’ na ótica individualista então predominante,

ampliou-se o espectro da tutela jurídica e jurisdicional 20.

É interessante mencionar a crítica elaborada por Cássio Scarpinella Bueno21 à redação dada ao art. 21, caput, da Lei n. 12.016/09 (“nova” Lei do Mandado de Segurança),

totalmente pertinente ao tema ora tratado, vez que o autor critica especificamente o legislador

que fez uso da expressão “interesses legítimos” para a impetração de Mandado de Segurança

Coletivo por parte dos Partidos Políticos com representação no Congresso Nacional. Segundo o jurista, esse termo não corresponde à realidade jurídica brasileira que adota o sistema de jurisdição única. A expressão “interesse” é utilizada em países da Europa (por exemplo, a França) que adotam em oposição ao sistema adotado no Brasil, o chamado sistema do contencioso-administrativo. Assim, tais países europeus com o objetivo de diferenciar as matérias a serem submetidas ora à jurisdição administrativa (interesses), ora ao sistema

20 WATANABE. Kazuo. GRINOVER, Ada Pellegrini.

Código de Defesa do Consumidor cometado pelos autores do anteprojeto. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 800-801.

21 SCARPINELLA BUENO, Cássio.

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judicial (direitos), diferenciam “direitos” de “interesses”. Isso não ocorre em nosso país, vez que todas as matérias, inclusive, as afetas à Administração Pública podem ser submetidas à apreciação do Poder Judiciário (sistema da jurisdição única), daí a insustentabilidade da diferenciação.

No presente trabalho adotaremos a expressão “direito”, vez que é a nomenclatura que

nos parece mais adequada ao ordenamento jurídico brasileiro e de uso mais corrente entre os operadores do direito.

Encontramos um conceito legal dos direitos coletivos em sentido amplo no art. 81 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) que por sua vez subdivide-os em três espécies: direitos difusos, direitos coletivos em sentido estrito e direitos individuais homogêneos. Portanto, o Brasil adotou uma classificação tripartite dos direitos coletivos em sentido amplo.

Os direitos difusos (art. 81, § único, I do CDC) são antes de tudo, o direito de todo cidadão exigir do Estado que sua atividade seja determinada pela finalidade de atender ao interesse da maioria, são por isso, vitais à existência humana. São considerados transindividuais (aspecto subjetivo), com indeterminação absoluta de seus titulares, ou seja, não possuem um titular individual e a ligação entre os vários titulares difusos decorre de mera circunstancia de fato (aspecto objetivo), como por exemplo, morar em uma mesma região.

No campo das relações de consumo podemos mencionar os seguintes exemplos de lesões causadas a direitos difusos: a publicidade enganosa ou abusiva (art. 37 do CDC) e a colocação no mercado de produtos com alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança dos consumidores (art. 10 do CDC). Já no campo do direito ambiental, podemos mencionar como exemplos: a explosão de uma usina nuclear e a proibição para que determinada fábrica emita poluentes atmosféricos.

Em suma, podemos definir os direitos difusos pelos seguintes aspectos: sua satisfação ou lesão só se dá se atingidos todos os seus titulares; não há condições de apropriação individual, de renúncia ou transação, de transmissão por ato inter vivos ou causa mortis; são

indivisíveis; sua defesa em juízo é feita por meio de do instituto da substituição processual, uma vez que é impossível a identificação do titular do direito material e não é raro também a mudança no pólo ativo da relação de direito difuso quando se altera a circunstância de fato.

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27

indivisibilidade e origem do direito material), o direito material é indivisível e sua origem é a prévia relação jurídica base que os lesados mantinham entre si ou com a parte contrária.

Assim como os direitos difusos, os direitos coletivos em sentido estrito apresentam as algumas características semelhantes, quais sejam: sua satisfação ou lesão só se dá se atingidos todos os seus titulares; não há condições de apropriação individual, de renúncia ou transação, de transmissão por ato inter vivos ou causa mortis; são indivisíveis; sua defesa em juízo é

feita por meio de do instituto da substituição processual, uma vez que é difícil a identificação do titular do direito material.

Como exemplos de lesões a direitos coletivos em sentido estrito, relacionados com o direito do consumidor podemos citar: o aumento indevido de prestações de consórcios ou de mensalidades escolares, os clientes de um banco, os segurados de uma empresa de seguros, os conveniados de uma empresa de assistência médica, os clientes de um crediário, os usuários de uma empresa de cartão de créditos e até mesmo as pessoas integrantes determinada classe profissional que sofram lesões ou danos causados pelo ente com o qual se encontram vinculados.

Os direitos individuais homogêneos (art. 81, único, III do CDC) pertencem a uma comunidade de pessoas individualizadas que também são indeterminadas, mas determináveis (aspecto subjetivo). Caracterizam-se também quanto ao aspecto objetivo, pelo fato de serem divisíveis entre os integrantes da comunidade vítima e titulares do direito material lesado, cuja origem se revela por uma fato comum.

Portanto, a divisibilidade do direito material envolvido, é o que explicitamente diferencia os direitos individuais homogêneos dos direitos difusos e dos coletivos em sentido estrito. Aluisio Gonçalves de Castro Mendes assim se posiciona quanto a este critério diferenciador:

A impossibilidade de decomposição do interesse ou direito em partes singulares pode ser material ou jurídica e deve ser analisada sob o prisma dos objetos imediato e mediato do pedido formulado.

(...)

Os casos de indivisibilidade e, portanto, de interesses difusos e coletivos, de acordo com os critérios fixados na lei brasileira, são numericamente reduzidos, se comparados com os relacionados aos direitos individuais homogêneos22.

22 CASTRO MENDES, Aluisio Gonçalves.

Ações Coletivas no Direito Comparado e Nacional. São Paulo. RT.

2ª Ed. 2010. p. 216/218. Pode-se notar que este autor se filia à corrente que adota a expressão “interesses”

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Podemos mencionar como características dos direitos individuais homogêneos: inserem-se no patrimônio individual de seu titular; são transmissíveis por ato inter vivos ou causa mortis; podem ser objeto de renúncia ou transação; via de regra, são defendidos em

juízo pelos próprios titulares, o que não afasta a possibilidade de ser utilizado também o instituto da substituição processual, desde que ocorra a concordância do titular e haja expressa autorização legal para isso, conforme o art. 6º do Código de Processo Civil (CPC).

Podemos citar como exemplos de direitos individuais homogêneos: uma ação que visa obrigar o fabricante de um automóvel a substituir a peça defeituosa em todos os veículos da série ou uma ação que visa anular determinado tributo considerado inconstitucional, com a restituição dos valores pagos.

É valido observar, contudo, que na prática é bem difícil a distinção entre essas três espécies de direitos coletivos em sentido amplo, sendo que se afigura como necessário a sua identificação, a observância ao pedido e à causa de pedir descritos na petição inicial da ação coletiva.

A Lei n°. 12.016/09 que regulamentou o mandado de segurança individual e coletivo estabeleceu em seu art. 21, parágrafo único, que o mandado de segurança coletivo é cabível apenas para as hipóteses envolvendo direitos coletivos em sentido estrito e direitos individuais homogêneos. Podemos notar basicamente que esta lei consagrou a expressão “direito” ao invés da expressão “interesse” e que não admite a impetração de mandado de segurança coletivo para a tutela dos direitos difusos. Quanto a esta segunda conclusão, é válido observar que ela não se encontra em consonância com a CRFB/88 e tampouco com o sistema processual coletivo brasileiro que é composto principalmente pelo CDC e pela lei de ação civil pública, mas complementado por outras legislações esparsas que também tratam dos direitos coletivos em sentido amplo.

Tal previsão legal afronta a CRFB/88 na medida em que a expressão “direito”

utilizada no art. 5º, inciso LXIX, do texto constitucional deve ser entendida em sentido amplo, abrangendo, pois, também os direitos difusos, não sendo autorizado ao legislador infraconstitucional limitar algo que não foi limitado pelo constituinte originário, ainda mais pelo fato do mandado de segurança ser considerado uma garantia fundamental.

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a tutela dos direitos difusos e dos direitos coletivos em sentido estrito, não fazendo qualquer referência aos direitos individuais homogêneos.

Alguns ordenamentos de civil law só contemplam a tutela dos direitos difusos e coletivos: são eles os da Áustria, Chile, Perú, da Província de Catamarca (Argentina) e do Uruguai23.

Ao contrário do que possamos imaginar, a lei da ação civil pública (Lei n. 7.347/85) não foi o primeiro diploma legal a viabilizar a defesa dos direitos coletivos em sentido amplo, pois, antes dela já existia em nosso ordenamento jurídico a lei da ação popular (Lei n. 4.717/65) que pode ser considerada como um marco importante da tutela jurisdicional coletiva. E, antes mesmo da lei da ação popular, o Decreto-lei n. 5.452/43 que aprovou a

Consolidação das Leis do Trabalho, já trazia em seu Capítulo IV intitulado “Dos Dissídios

Coletivos”, normas processuais coletivas, mesmo que restritas ao ramo do direito do trabalho. Vale observar que não basta que a ação vise à tutela de um direito coletivo em sentido amplo para ser caracterizada como uma ação coletiva, mas segundo as lições de Antonio Gidi24, com as quais concordamos, os elementos indispensáveis para que uma ação seja considerada como coletiva são: a legitmidade para demandar, o objeto do processo e os efeitos da autoridade da coisa julgada.

Atualmente, podemos indicar como principais diplomas legais existentes no ordenamento jurídico brasileiro que tratam da tutela processual coletiva: a lei da ação popular (Lei n. 4.717/65); a lei da ação civil pública (Lei n. 7.347/85); o código de defesa do consumidor (Lei n. 8.078/90); a lei de improbidade administrativa (Lei n. 8.429/92) e a lei do mandado de segurança (Lei n. 12.016/09).

Mas, em outros diversos diplomas legais podemos encontrar dispositivos legais que disciplinam alguns aspectos do processo coletivo, por exemplo: (i) o art. 209 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA; Lei n. 8.069/90) determina que a competência para o ajuizamento da ação é a do local onde ocorreu ou deva ocorrer a ação ou omissão; (ii) o art. 80 do Estatuto do Idoso (EI; Lei n. 10.741/03) prevê que a competência para o ajuizamento da ação é a do lugar do domicílio do idoso e (iii) o art. 2º, § 1º da Lei n. 12.153/09 que proíbe a propositura de ações coletivas no âmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Pública.

23 GRINOVER, Ada Pellegrini. Kazuo Watanabe e Linda Mullenix.

Os processos coletivos nos países de civil law e common law: uma análise de direito comparado. São Paulo. RT. 2008. p. 234.

24 GIDI, Antonio. El concepto de acción colectiva.

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Assim o surgimento e o reconhecimento jurídico-positivo dos direitos coletivos em sentido amplo, inclusive com a previsão de instrumentos para a sua defesa no ordenamento jurídico brasileiro, ao menos, estimula o acesso à justiça da coletividade. Em sua clássica obra

“Acesso à Justiça”, Mauro Cappelletti, nos fornece um conceito de acesso à justiça e sintetiza

bem qual é a real necessidade da moderna doutrina processualista: estudar formas que garantam o acesso à justiça, segundo ele:

O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos.

(...)

O “acesso” não é apenas um direito social fundamental, crescentemente

reconhecido; ele é, também, necessariamente, o ponto central da moderna processualística. Seu estudo pressupõe um alargamento e aprofundamento dos objetivos e métodos da moderna ciência jurídica25.

Portanto, o chamado processo civil coletivo é na verdade uma das expressões modernas do acesso à justiça, na medida em que flexibilizou e/ou alterou alguns conceitos tradicionais do processo civil individual, tais como a legitimidade ativa para a propositura de uma ação, a fim de adaptá-los às espécies de direitos transindividuais.

1.4.A TUTELA COLETIVA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Muito embora decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheçam a existência de um microssistema processual coletivo26 em razão da interação expressa existente entre o art. 21 da Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85; LACP) e o art. 90 do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90; CDC), verifica-se que no ordenamento jurídico brasileiro existem muitas outras leis que prevêem normas de direito material coletivo e/ou de direito processual coletivo. E, dessa forma, também há decisões do STJ que ampliam para além do CDC e da LACP o chamado microssistema processual coletivo, por exemplo, no REsp. n.

25 CAPPELLETTI, Mauro (tradução de Ellen Gracie Northfleet).

Acesso à justiça. Porto Alegre. Fabris. 1988. p.

12/13.

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1177453/RS (STJ; 2ª Turma; Rel. Min. Mauro Campbell Marques; J. em: 24/08/2010), ficou

decidido que “o microssistema específico de proteção aos direitos coletivos ‘lato sensu’ são

formados basicamente - mas não exclusivamente – pelas Leis n. 4.717/65 (LAP), 7.347/85 (LACP) e 8.078/90 (CDC)” e no REsp. n. 1085218/RS (STJ; 1ª Turma; Rel. Min. Luiz Fux; J. em: 15/10/2009) que a Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/92), a Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85), a Lei da Ação Popular (Lei n. 4.717/65), a Lei do Mandado de Segurança Coletivo (Lei n. 12.016/09) o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90), o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90) e o Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03) “compõem um microssistema de tutela dos interesses transindividuais e sob esse enfoque interdisciplinar, interpenetram-se e subsidiam-se”.

Este último julgado do STJ (REsp n. 1085218/RS), inclusive, será de grande importância para nós quando verificarmos qual o exato conceito de indenização punitiva por

nós adotado e os limites da influência da “punitive demage theory” para o presente trabalho

(veja item 2.2.1).

Como não existe um Código27 que reúna todas as normas de direito material e de direito processual que tratam da tutela dos direitos coletivos em sentido amplo, o operador do direito deve possuir amplo conhecimento de todas as leis existentes e verificar seja com base nos critérios tradicionais de hermenêutica jurídica, seja com base na chamada teoria do

“diálogo das fontes”, qual a regra de direito material e/ou processual a ser aplicada.

Os tradicionais critérios de hermenêutica jurídica são, segundo Norberto Bobbio28, os seguintes: hierarquia, especialidade e cronologia. O critério da hierarquia, que é o mais forte de todos, determina que a norma de hierarquia superior revoga a norma de hierarquia inferior. O critério da especialidade (art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei n. 4.657/42; Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro; LINDB) determina a aplicação da regra especial em detrimento da regra geral, embora ambas possam coexistir. Por fim, o critério da cronologia, o mais fraco de todos, estabelece que havendo duas normas de mesma hierarquia, deve prevalecer a norma posterior, desde que tratem do mesmo assunto (art. 2°, § 1°, da LINDB).

Quanto à aplicação dos mencionados critérios clássicos de interpretação, cumpre apenas ressaltar que o CDC é considerado uma norma principiológica, ou seja, que reúne

27 Vale observar que já foram sugeridos dois Anteprojetos de Código de Processos Coletivos: (i) o Anteprojeto de Código de Processos Coletivos do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP – Ada Pellegrini Grinover) e o (ii) Anteprojetos de Código de Processos Coletivos da UERJ/UNESA (Aluísio Gonçalves da Costa Mendes). Além desses, também temos o Código Modelo de Processo Coletivo para a Ibero-América (Antonio Gidi). 28 BOBBIO, Norberto.

Teoria Geral do Direito. Tradução de Denise Agostinetti. São Paulo: Martins Fontes,

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32

normas (princípios e regras) que devem ser observadas sempre que se configure uma relação de consumo. Rizzatto Nunes29nos afirma justamente isso: “A Lei n. 8.078/90 é uma norma de ordem pública e de interesse social, geral e principiológica, o que significa dizer que é prevalente sobre todas as demais normas especiais anteriores que com ela colidirem” (grifo nosso). Destacamos a afirmação de Rizzatto Nunes em razão dele aparentemente excepcionar a aplicação do CDC às normas posteriores à sua entrada em vigor, provavelmente o autor possui este entendimento com base no critério da especialidade que, como visto, deve prevalecer quando em conflito com o critério cronológico.

No entanto, este não parece ser o melhor entendimento, justamente porque o CDC é uma norma principiológica e que rege todas as relações de consumo, devendo ser aplicado sempre que restar configurada a relação de consumo. Inclusive, este parece ser o entendimento do próprio STJ. Podemos ilustrar esta afirmativa se pensarmos em um exemplo emblemático: a Lei n. 9.656/98 que regulamenta os planos privados de assistência à saúde.

Antes da entrada em vigor da referida norma, os planos de saúde já existiam e atuavam no mercado fornecendo contratos com diversas cláusulas prejudiciais ao consumidor, dentre elas, por exemplo, a que limitava o tempo para internação do segurado. Em 18 de outubro de 2004, portanto, após a entrada em vigor do CDC, o STJ editou a Súmula n. 302 que afirma ser

“abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado”. Ou seja, o reconhecimento por parte do STJ da abusividade deste tipo de cláusula contratual ocorreu com base nas normas gerais estabelecidas pelo CDC, mesmo a norma específica do setor sendo posterior a este diploma legal.

Por sua vez, a chamada “teoria do diálogo das fontes”, elaborada pelo alemão Erik Jayme (Heidelberg) e, apresentada em nosso ordenamento jurídico por Cláudia Lima Marques, basicamente determina a convivência de todas as normas jurídicas existentes, sendo que caberá ao operador do direito verificar qual a caraceterística de cada uma delas (complementaridade; subsidiaridade; aplicação da norma mais favorável) a fim de que o problema possa ser solucionado da melhor forma possível, atendendo-se também à finalidade para a qual a lei em questão foi criada. A grande diferença, portanto, desta teoria em relação aos critérios clássicos de hermenêutica jurídica, consiste no fato da possibilidade de convivência de todas as normas jurídicas e não de sua revogação total (ab-rogação) ou parcial (derrogação) do sistema jurídico30.

29 NUNES, Rizzatto.

Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005. 30 MARQUES, Cláudia Lima.

Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 5ª ed. São Paulo: Revista dos

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Cláudia Lima Marques, inspirada nesta ideia de “diálogo” entre as normas jurídicas

estabelece três espécies de diálogos entre o CDC e o CC/2002, são eles (i) diálogo sistemático de coerência: uma lei serve de base conceitual para outra; (ii) diálogo sistemático de complementaridade e subsidiariedade: o que não estiver expressamente previsto em uma lei pode ser aplicado à outra lei, desde que não haja incompatibilidade e (iii) diálogo de coordenação e adaptação sistemática: são as influências das modificações nas leis gerais sobre as leis especiais e vice-versa31.

É curioso notar também que os direitos coletivos em sentido amplo, infelizmente, ainda não estão incluídos dentre as cláusulas pétreas, é o que podemos extrair da leitura do art. 60, § 4°, inciso IV, da CRFB. Segundo este dispositivo constitucional apenas os direitos e garantias individuais não podem ser objeto de emenda constitucional tendente a aboli-los. Sem dúvida, a não inclusão dos direitos coletivos lato sensu no rol das cláusulas pétreas é

resquício de um individualismo jurídico que hoje não mais se justifica e permite, em tese, a sua abolição por meio de uma proposta de emenda constitucional, o que se mostra totalmente temerário para a tutela jurisdicional coletiva.

Segue abaixo o levantamento de algumas disposições legais que tratam tanto da tutela material, como da tutela processual coletiva. O critério utilizado para organizar a elaboração dos textos dos itens abaixo foi o cronológico, ou seja, inicia-se o levantamento com as normas mais antigas até chegarmos nas normas mais recentes que dispõem sobre os direitos coletivos em sentido amplo. Ressalte-se que o objetivo da elaboração deste item não foi o de esgotar todas as leis que dispõem sobre os direitos coletivos em sentido amplo, mas apenas o de indicar que muitas outras leis trazem normas para a tutela de tais direitos, abandonando-se a ideia de restrição ao CDC e à LACP.

1.4.1.NORMAS DE DIREITO MATERIAL

Muito antes da própria Constituição da República Federativa do Brasil, o Código Tributário Nacional (CTN; Lei Federal n. 5.172/66), hoje elevado à categoria de Lei Complementar em razão do que dispõe o art. 146 da Constituição da República Federativa do

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Brasil, determina no caput do seu art. 78 que o poder de polícia pode ser exercido para

fazer-se respeitar os direitos individuais e coletivos. O poder de polícia no direito tributário fazer-se materializa por meio da cobrança de taxas, uma das espécies de tributos existentes (art. 5°, CTN). Portanto a legislação tributária é clara ao prever a taxa de polícia para a proteção dos direitos coletivos em sentido amplo. No direito ambiental podemos identificar alguns exemplos de taxas de polícia criadas para a proteção do meio ambiente. É o que ocorre, por exemplo, com a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (TCFA) atualmente disciplinada pela Lei Federal n. 10.165/0032. No âmbito do direito ambiental, alguns autores33 defendem, inclusive, que todas as espécies tributárias e, não apenas as taxas de polícia, poderiam ser utilizadas como instrumentos da tutela ambiental. Mas, como bem indicamos, o CTN não faz qualquer restrição quanto à espécie de direito coletivo a ser tutelada, portanto, em tese, todas as espécies tributárias poderiam ser utilizadas para a proteção de quaisquer direitos coletivos em sentido amplo.

A Lei Federal n. 6.766/79 que regulamenta as questões afetas ao parcelamento do solo urbano já previa em seu art. 4º, § 3º, que a reserva de faixa não edificável vinculada a dutovias devem observar critérios e parâmetros que garantam a segurança da população e a proteção ao meio ambiente. Ou seja, percebe-se certa preocupação com o direito coletivo em sentido estrito e com os direitos individuais homogêneos da população próxima ao loteamento ou desmembramento e, também uma preocupação no âmbito do direito difuso, na medida em que impõe a observância de parâmetros para a proteção do meio ambiente.

A Lei n. 7.853/89, dentre outras coisas, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos das pessoas portadoras de deficiência. A norma elenca algumas das áreas prioritárias para a tutela das pessoas portadoras de deficiência, tais como: educação, saúde, formação profissional e do trabalho, recursos humanos e edificações. Os arts. 3º e 4º, ambos do Decreto n. 3.298/99 estabelecem, respectivamente, os conceitos de deficiência34: deficiência permanente, incapacidade e deficiência física, auditiva, visual, mental e múltipla.

O Estatuto das crianças e dos adolescentes (Lei n. 8.069/90, ECA), possui um Capítulo específico para a proteção judicial dos direitos coletivos em sentido amplo (Capítulo VII)

32 SOUZA, Jorge Henrique de Oliveira.

Tributação e Meio Ambiente. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p.

196-197.

33 CARRAZZA, Roque Antonio.

Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2004. p.

641.

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relacionados aos direitos das crianças (até doze anos incompletos; art. 2º, caput, ECA) e dos

adolescentes (de doze a dezoito anos; art. 2º, caput, ECA). No art. 208 do ECA encontramos

um rol exemplificativo dos direitos metaindividuais das crianças e adolescentes, tal afirmação decorre do disposto no parágrafo único deste dispositivo legal. É curioso notar que logo no início do ECA, em seu art. 6º, é estabelecido que os direitos coletivos lato sensu relacionados

às crianças e aos adolescentes devem ser levados em consideração para a interpretação do Estatuto.

A Lei Federal n. 8.429/92 (LIA) que dispõe sobre os atos de improbidade administrativa, sem dúvida, é norma de extrema importância e que tutela os direitos difusos e coletivos dos cidadãos no que se refere à exigência de probidade por parte dos agentes públicos no exercício de suas funções.

A Lei Federal n. 8.884/94 que, dentre outras disposições, regula a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, com base na liberdade de iniciativa, na livre concorrência, na função social da propriedade, na defesa dos consumidores e na repressão ao abuso do poder econômico, prevê expressamente no parágrafo único do seu art. 1º que é a coletividade a titular dos bens jurídicos protegidos por este diploma legal.

A Lei Federal n. 8.987/95 que dispõe sobre o regime de concessão e permissão dos serviços públicos prevê expressamente em seu art. 7º, inciso II, que os usuários dos serviços públicos têm o direito de receber do poder concedente e da concessionária de serviços públicos informações para a defesa dos direitos individuais ou coletivos.

Referências

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