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Luiz Alexandre Rossi**

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Academic year: 2021

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Luiz Alexandre Rossi**

Resumo: pensamos a partir da lógica dos vencedores e da vitória. Nessa lógica, Deus e o seu Messias se encontram ao lado daqueles que são vitoriosos em meio a uma multidão de derrotados. O conceito de Messias passa a ser representado a partir da lógica daquele que detém o domínio socioeconômico-político. Nessa representação Deus sempre é exteriorizado como representante do rico e do dominador. Agora, tanto o céu quanto a terra passam para o controle dos ricos.

Suas portas são severamente vigiadas e não é possível a entrada de qualquer um. A vítima deixa de ter direitos no céu como na terra. A diminuição de seus direitos na terra é o mais justo reflexo da realidade celestial. Consequentemen- te, Deus e o seu Messias não estão mais ao lado dos pobres e excluídos. A lógica perversa nos impede de ver com clareza que a sorte dos mais fracos e pobres da sociedade é justamente a medida do êxito de qualquer sociedade. A releitura do messianismo de Jesus, proposta neste artigo, encontra a sua mais franca expressão na opção pela classe oprimida que nasce da fé num messias que não vence, mas nem por isso deixa de ser solidário.

Palavras-chave: Messianismo. Pobre. Galiléia. Solidariedade. Vitória.

A submissão a todas as formas de imperialismo faz parte do cenário político e his- tórico do povo de Deus: assírio, babilônio, persa e grego. Um após o outro im- puseram toda sorte de violência, destruição, morte, exílios, imposição cultural, medo, fome e falta de esperança. Um após o outro novas formas de imperialismo O MESSIAS DERROTADO COMO CHAVE

DE LEITURA DO MESSIANISMO DOS POBRES:

O CASO GALILÉIA*

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* Recebido em: 05.06.2015. Aprovado em: 12.06.2015.

** Pós-doutor em Teologia pelo Fuller Theological Seminary). Pós-doutor em História Antiga

pela UNICAMP. Doutor em Ciências Sociais e Religião pela UMESP. Professor e pesqui-

sador no Mestrado e Doutorado em Teologia da PUCPR. Coordenador da graduação em

Teologia da PUCPR.

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se impõem até que no horizonte aparece um outro império que se apresentaria como mais forte de todos eles, o império romano.

O avanço do Império Romano em direção da Palestina pode ser datado em 63 a.C., quando Pompeu conseguiu tomar Jerusalém sem muitos problemas, reinte- grando Hircano como sumo-sacerdote, mas desse momento em diante deven- do se reportar aos romanos para prestar contas de suas funções administrati- vas. Uma conquista que fará com que a Palestina permaneça subjugada à águia romana e cujo domínio alimentaria o ódio do povo por muitos séculos.

Não é possível minimizar o período da dominação romana. Nela encontramos o cená- rio apropriado para a emergência de lutas, guerrilhas e sublevações populares contínuas. A Palestina poderia ser descrita como um dos maiores focos de rebeldia contra a expansão imperial romana. Poderíamos ainda acrescentar que na Palestina do primeiro século a situação econômica da população en- contrava-se em queda vertiginosa, refletindo na deterioração da qualidade de vida. As pessoas mais vulneráveis viviam cercadas pela instabilidade e pela penúria. Horsley (1987, p. 29) descreve que a violência na região era “ins- titucionalizada” porque havia sido determinada pela conquista imperial. Ele afirma que os romanos possuíam sua ideologia autolegitimadora de “defender seus amigos e aliados” e de levar “civilização” e “paz” para o resto do mundo.

Todavia, a conquista imperial era marcada pelo uso abusivo da violência, atin- gindo populações inteiras seja pelo assassinato ou pela escravidão.

A Palestina se configurava como um conjunto de cidades dominadas e submetidas ao poder romano. É possível afirmar que a maior parte da história judaica na Palestina (e as províncias da Galiléia, Samaria e Judéia) do primeiro sécu- lo envolveu protesto e resistência contra as provocações e opressão romana (HORSLEY, 1987, p. 33). As principais vítimas dessa política expansionista romana eram justamente os camponeses. Para eles, a dominação romana signi- ficava fundamentalmente uma pesada tributação e, mais do que isso, uma séria ameaça a sua existência, haja vista que muitos deles foram expulsos de suas terras (HORSLEY; HANSON, 1995, p. 43).

As operações militares periódicas em diversos pontos da Galiléia e a carga econômica

extra imposta sobre os camponeses pelo tributo romano e pela arrecadação de

taxas especiais tiveram um efeito desastroso sobre os camponeses galileus. Os

impostos exigiam do povo um grande esforço que levava, irremediavelmente,

à miséria. A prática da cobrança de impostos beneficiava um determinado gru-

po social de Roma que vivia à custa dos impostos. A cobrança de impostos, so-

mado a outras formas de opressão, produzia o aumento do número de pobres,

marginalizados, enfermos entre outros, que se tornavam reféns das estruturas

de poder romano. Através destas políticas, a Galiléia viu crescer o número de

enfermos, de desempregados e de agricultores sem-terra.

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A Galiléia é a região onde Jesus teria passado a maior parte da sua vida e, portanto, o local principal onde podemos localizar as influências por ele sofridas. Não é possível menosprezar a informação de que Jesus era originário da aldeia cam- ponesa de Nazaré. Na Galiléia, temos um verdadeiro centro de movimentos de resistência judaica/nacionalista anti-imperialista, isto é, contra Roma. Uma região onde pululavam agitações de todas as ordens e que favorecia, por isso mesmo, a aparição de um colaborador divino que subjugasse as forças roma- nas trazendo, enfim, a liberdade tão aguardada e desejada pelo povo camponês.

Jesus fala e age numa situação de injustiça sistêmica e de maldade estrutural em que uma grande porcentagem de pessoas sacrificadas era a responsável em tornar o processo de construção do império possível. Jesus nasceu e viveu no contexto social do século I d.C., um período em que a importância do império romano é incontestável e determinante. Na cidade de Nazaré, por exemplo, a presença exploradora do império Romano se manifestava duplamente, seja pela cobrança de impostos, seja pela presença do exército. Os judeus nos dias de Jesus continuavam sendo um povo subjugado. E a relação entre Império e povo subjugado é a de poder, como registrou Horsley (1987, p. 5):

geralmente o regime imperial estabelece inicialmente sua dominação pela força militar, frequentemente acrescida de apreciável superioridade militar. A domi- nação é frequentemente mantida, entretanto, pelo seu significado econômico e cultural. As relações entre o subjugador e o subjugado pode ser conveniente- mente entendido em termos de três dimensões inter-relacionadas, mas analitica- mente separadas: a econômica, a política e a cultural.

O contexto agrário e camponês da Galiléia é extremamente propício para a proliferação de milagres, curas, profecias. E esse dado é de suma importância, pois ajuda a definir e circunscrever o ambiente da época. E é decisivo salientar que na sociedade da Palestina judaica do século I os camponeses constituem 90% ou mais da população. É na sociedade camponesa da Galiléia que encontramos a maioria dos movimentos de reação popular contra a ocupação romana e, con- sequentemente, o surgimento dos maiores distúrbios sociais da classe agrícola em Israel.

SÉCULO I: UM PERÍODO EXPLOSIVO DE REVOLTAS

Podemos certamente encontrar as origens do messianismo nas condições político-eco- nômicas que atingem o povo. Devemos não somente perceber os contornos religiosos do messianismo, mas também enxergar seu significado econômico.

Em termos gerais a situação da sociedade judaica havia sido determinada pe-

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las conquistas imperiais. Os romanos, naturalmente, possuíam sua ideologia de autolegitimação em que a defesa dos amigos e aliados afirmava-se como prioridade, sem se esquecer da tarefa quase “messiânica” de levar civilização e paz aos povos conquistados - diga-se de passagem, o resto do mundo. Mas, no afã de civilizar e pacificar, Roma deixava um rastro de violência. Seus exércitos utilizavam a força como recurso

único e inesgotável. Assim, as vítimas da violência iam se sucedendo a partir da pobre- za, fome e desespero. Muitos camponeses, tendo sido forçados a abandonar suas terras, transformaram-se em trabalhadores diários esperando por trabalho.

Ao olharmos para o século I da era cristã, não há como não observar um quadro caótico:

contínuos levantes, distúrbios e protestos sociais. Somado a isso, temos ainda outro fator que contribuiu enormemente para a insatisfação popular e o endi- vidamento camponês. Estamos falando das secas periódicas e da fome crônica dela resultantes. O prolongamento da carestia esteve por trás da crescente agi- tação nas décadas de 50 e 60 do século I. Foram tantos e inúmeros os levantes que podemos afirmar que a nação judaica, no século I, passava por um período explosivo de revoltas espalhadas por todo o país, com a consequente aversão à ocupação romana, vitimadora de todas as dores e opressões suportadas pelo povo. Foi uma época de extrema agitação política na Palestina. Época de cres- cente desagregação da estrutura socioeconômica da sociedade judaica, que produzia um grande número de excluídos das suas raízes sociais tradicionais.

A região da Galiléia pode ser considerada a mais apropriada como geradora de movi-

mentos de libertação, pois nela acontecia o “crescimento de grupos radicais

anti-romanos, dado ao fato de estar localizada ao norte a classe camponesa,

vítima de altas taxas e impostos” (SCARDELAI, 1998, p. 25). A dominação

romana era vista como totalmente ilegítima. A expectativa de ações redentoras

sempre esteve presente como instrumento de libertação dos problemas sociais

da terra. E, de fato, foram os camponeses que forneceram a imensa maioria

daqueles que originariamente expulsaram os romanos e resistiram fortemente

à reconquista romana do país. Além disso, a caótica situação social causada

pela ocupação romana fazia prevalecer um clima de permanente insatisfação

e de constante tensão popular. O ar que se respirava era um misto de expecta-

tiva e de ação. Muitos movimentos populares surgiam com programa de ação

popular bastante claro e bem direcionado, onde se buscava a concretização da

atividade redentora de Deus. Além disso, esses movimentos anunciavam a re-

novação radical e súbita da ordem social caótica na qual estavam momentane-

amente vivendo. A procura por justiça era quase uma obsessão, chegando até

mesmo aos camponeses em meados do século I. Procuravam entre o banditis-

mo local lideranças que pudessem guiá-los na difícil tarefa de se conseguir jus-

tiça. A esse respeito diz Augé (1978, p. 105): “o domínio romano sobre o povo

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judeu favoreceu o surto de correntes proféticas e apocalípticas: o cristianismo é, de certa forma, dentro deste contexto, o primeiro movimento messiânico”.

É a situação agrária judaica que possibilitará compreender melhor a emersão do mes- sianismo na Galiléia. Para Horsley (1984, p. 471) “o meio camponês judaico constitui um fenômeno social muito mais contundente para demonstração da força messiânica no tempo de Jesus do que a literatura possa sugerir”. Mudan- ças nas condições econômicas são de especial interesse para nós. O contexto econômico permite divisar a estrutura básica da maioria

das sociedades camponesas e seu nível de subsistência. Assim, os camponeses não são capazes de iniciativas drásticas em ambiente de segurança econômica.

Todavia, sempre que os padrões tradicionais de vida tenham sido atingidos, os movimentos populares de libertação têm seu espaço de germinação garanti- do. Seria parcialmente verdadeiro afirmar que as condições econômico-sociais agudas favorecem e oferecem condições de se desencadearem tanto o bandi- tismo social, como movimentos messiânicos.

Uma das preocupações essenciais de uma sociedade predominantemente camponesa é a alimentação. Em jogo está a produção de alimentos e a própria sobrevi- vência. Portanto, a questão fundamental, que está por trás, é exatamente o problema da terra, ou melhor, o do acesso a terra. Os camponeses não somente precisavam lutar pela própria sobrevivência, mas deles também era requerido um “excedente”. A razão pode ser encontrada na seguinte afirmação de Hors- ley (1995, p. 60): “os camponeses são cultivadores rurais cujos excedentes são transferidos a um grupo dominante, que os usa para pagar o seu próprio padrão de vida e distribuir o restante a grupos da sociedade que não cultivam, mas precisam ser compensados pelos seus bens e serviços específicos”.

Numa época de opressão e violência, causadas sobremaneira pela política de ocupação romana, o advento de figuras públicas carregadas de carismatismo facilmente mexia com a massa. Podemos dizer que o século I foi marcado por sucessivos períodos de exaltação e de entusiasmo populares. As sérias complicações po- líticas e sociais em que a nação se viu mergulhada propiciou o terreno fértil sobre o qual floresceu o tipo carismático. E parte integrante de sua manifesta- ção era estar presente no meio do povo camponês, como verdadeiro porta-voz de seus anseios.

As manifestações messiânicas devem ser lidas a partir do complexo quadro social,

político e religioso presente entre os séculos II e I a.C. Para Scardelai (1998,

p. 101), “existem evidências contundentes que podem ser colhidas a partir de

rebeliões periódicas que se originaram no meio camponês judeu e que se pro-

pagaram por toda a Terra de Israel durante o caótico período de desintegração

e o caos político-social, de modo particular após a morte de Herodes Magno,

em 4 a.C.” Caos social que permanece por causa de uma péssima administra-

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ção quando se procura pelas características que apontam para a crescente qua- lidade de vida do povo camponês: “os representantes da aristocracia judaica, em delegação a Roma após a morte de Herodes, tinham se queixado de que ele tinha virtualmente esgotado o país” (HORSLEY, 1995, p. 65); mas, por outro lado, não se pode negar a eficiência do regime de Herodes, que “manteve um controle social rigoroso e opressivo através de uma rede de fortalezas em todo o reino, um numeroso exército, uma polícia de segurança e até um sistema de informantes” (HORSLEY, 1995, p. 71).

Por volta do ano 6 d.C. encontramos o povo às voltas com o censo de Quirino, que traz consequências desastrosas para a época. A finalidade do censo era o de cadas- trar as posses e bens de cada judeu, tendo em vista uma

política fiscal para o recolhimento de tributos. O fato de recolher tributos não significa que todos tinham acesso a terra e condições de produzir para poder pagar.

Na verdade, havia muito mais pessoas procurando emprego que o número daquelas que podiam ser contratadas. Essa pressão econômica somada à falta de produção de alimentos que pudesse atender à demanda de subsistência e de excedentes criava a figura do empréstimo e, consequentemente, da dívida. Uma situação que se agravava em detrimento da bitributação, que funcionava como um instrumento incontestável de pressão para o camponês tomar empréstimo: um verdadeiro caldeirão onde o empréstimo contínuo deve ter aumentado signi- ficativamente a dívida de uma família, com grande risco de perda total da terra.

Depois cairia na classe do proletariado rural, a dos trabalhadores sem-terra, ou se tornaria um arrendatário meeiro, talvez no seu próprio pedaço de terra anterior.

De fato, nada de alívio para o camponês faminto e sobretaxado.

Esse cadastramento e seu consequente aumento de impostos significavam escravidão, submissão e pauperismo. Um dos mais atingidos pela política tributária ro- mana seria, sem sombra de dúvidas, a população agrária da Galiléia. E não podemos esquecer que, para a mentalidade da época, pagar tributo significava, entre outras coisas, perder o direito à terra prometida e ainda submeter-se às leis de outro povo - um povo pagão.

Podemos lançar nossos olhos, de forma resumida, para a Palestina do século I, a fim de constatar o fermento revolucionário em efervescência, da seguinte maneira:

Judas, “o galileu”, parece ter sido o primeiro a pegar em armas com o objetivo

de resistir ao censo de Quirino (ano 6 d.C.) - conforme colocado acima. Esse

movimento somente foi esmagado definitivamente quando o exército romano

conseguiu encurralar Simeão Bar Koba e seus comandados em Beter, onde fo-

ram massacrados no ano de 135. Contudo, o fermento popular alcançou o nível

de insurreições duas vezes durante esse período, a saber: nos anos 66-70 com

os líderes Manaém e João de Gíscala, e novamente nos anos compreendidos

entre 132-135, quando Simeão foi reconhecido como o Messias aguardado.

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Durante o governo do procurador Cúspio Fado (44-66 d.C.) certo Teudas foi reconhecido como profeta, tendo conseguido arrastar centenas de seguidores para o deserto. Indicando que na década de 40 e 50 houve uma considerável atividade por parte de “agitadores populares”.

Aos abusos tributários romanos, a população camponesa respondia com movimentos rebeldes de libertação. E não devemos fazer pouco caso da intensidade da tributação colocada sobre os ombros dos mais pobres. Na verdade, o tributo romano era sobreposto aos dízimos e impostos devidos ao templo e ao sacer- dócio. Não é difícil compreender que os produtores judeus estavam sujeitos a uma bitributação. O peso dos tributos agrários sobre os camponeses “era responsável pela absorção de praticamente 40% da sua produção” (SCARDE- LAI, 1998, p. 143) - ou mais de 40%, segundo outro estudioso (HORSLEY, p.

63). O endividamento da classe camponesa era somente mais um instrumento com que os ricos extraíam mais excedentes dos

produtores. Segundo Hanson, os produtores “não tinham de deduzir apenas 40% ou mais do total de sua colheita, mas ainda pagar empréstimos e os juros sobre os empréstimos”, e prossegue dizendo que dessa maneira os ricos conseguiam que os seus devedores nas aldeias produzissem os bens necessários para o seu estilo de vida mais ocioso em Jerusalém. E, certamente, sendo influenciados por tão fortes contradições da vida, os camponeses da Galiléia, e principalmente aqueles pertencentes à classe baixa, alimentavam expectativas em torno de reis messiânicos num grau muito mais acentuado. Vivia-se, portanto, uma dupla e complexa tensão: a da espiral da violência e a da espiral do endividamento dos camponeses, por causa da perda das terras e do crescimento das grandes propriedades fundiárias.

O clima de constante tensão acabou por consolidar os movimentos populares, que en- contravam no quadro social caótico e desfavorável a força motriz para seus gritos e atividades de rebelião contra a ordem estabelecida: força dos campo- neses que se juntavam como vítimas da política de impostos do império que sacrificava o povo do campo.

UM PROJETO DE LIBERTAÇÃO NASCIDO NA PERIFERIA

Não se pode entender a missão messiânica nos campos da Galiléia dissociada de um

projeto de libertação incondicional. O perfil do messias para o camponês gali-

leu é muito claro e passível de identificação: um messias que tem compromis-

so com o seu próprio tempo e sua própria geografia. Um messias que esteja

situado historicamente! Assim, aceitar a vinda de algum messias sem a plena

realização da redenção de Israel “consistiria num ato de fé vazio, incoerente,

e contraditório às demandas da história e das tradições de Israel” (SCARDE-

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LAI, p. 340). Consequentemente, para a maioria do povo judeu, Jesus não pôde ser identificado como o messias enviado por Deus para libertar Israel das forças romanas que esmagavam sua existência.

Eram duas, portanto, as visões e significados que dois grupos têm quando olham para Jesus - ainda que os dois grupos sejam de tradição judaica. O primeiro deles não consegue enxergar em Jesus o messias esperado. Afinal, os tributos e im- postos continuam a ser cobrados e o Império Romano ainda se encontra em pé. O fracasso da missão de Jesus pode ser avaliado através da situação so- ciopolítica, que se manteve praticamente inalterada, permanecendo os judeus sob o jugo das forças de ocupação de Roma, através do pagamento de taxas e impostos. Nesse sentido, messias é sinônimo de vitória e de libertação. O selo que autentica a ação do messias seria justamente a marca da libertação. Já o segundo grupo - aquele formado pelos discípulos ainda que também judeus e criados conforme a tradição judaica - percebe Jesus como o messias. A dife- rença é fundamental, pois falamos de grupos com a mesma raiz sociorreligio- sa, mas que chegam a resultados completamente diferentes.

Sabe-se que o movimento de Jesus estava, pelo menos inicialmente, baseado na vida camponesa. Jesus era galileu e, naturalmente, conhecedor de todas as expecta- tivas inerentes ao povo do campo em pleno século I.

Poderíamos dizer que tais expectativas eram como o oxigênio que mantinha em pé o povo e sua esperança. Tanto é assim que até mesmo entre alguns dos discípu- los de Jesus, a visão do significado messiânico se confundia. Para alguns, e podemos nos lembrar dos que caminhavam ao longo da estrada que conduzia para a vila de Emaús, havia desapontamento diante do terrível golpe de que haviam sido vítimas, narrada com as seguintes palavras: “Nós esperávamos que fosse ele quem redimiria Israel” (Lucas 24,21). Mas também podemos trazer à lembrança a possível desavença entre Judas e o movimento de Jesus.

Não seria inconcebível pensar que Judas tenha se sentido traído pelos projetos de Jesus. Qual era a concepção messiânica de Judas? Muito possivelmente sua visão de redenção messiânica era aquela partilhada pela imensa maioria de judeus: o messias era aquele esperado para livrar Israel do jugo romano.

Parece-me que Scardelai (1998, p. 279) está correto ao afirmar que “a espe- rança messiânica de cunho nacionalista permanecia mais viva do que nunca entre seus discípulos”.

Penso que seja razoável supor que também os discípulos de Jesus o interpretaram como o Messias prometido pelos profetas, que viria restaurar o reino de Israel. A re- leitura que eles fazem é justamente a partir da dor da frustração e do fracasso.

O próprio título colocado pelo procurador romano na cruz de Jesus - “o rei dos

judeus” e a própria maneira da condenação são contundentes ao nos mostrar

que as autoridades romanas comungavam com as mesmas noções a respeito

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de Jesus, entendendo-o como um pretendente messiânico contra imperial. Vale lembrar que a cruz era uma execução reservada para os considerados rebeldes e subversivos da ordem instalada.

Percebemos acima o quadro de crise social que estava instalado na Palestina do século I; período em que aumentou significativamente o fenômeno do banditismo e das atividades populares que buscavam a libertação política. Nesse caso, não soa estranho usar as palavras de Hobsbawn (apud HORSLEY, p. 179) para uma possível caracterização do período: “o banditismo social e o milenarismo - as formas mais primitivas de reforma e revolução - andam historicamente juntos”.

A LÓGICA DOS POBRES EM MEIO A UMA SITUAÇÃO CONTRADITÓRIA

Os discípulos de Jesus possibilitam um meio de conciliação entre a expectativa dos judeus em relação ao messias - que não se realizou de forma empírica ou fac- tível - e o próprio mundo em que estão vivendo. Estamos às voltas com o que denomino de realismo histórico dentro do movimento messiânico. De certa forma os primeiros discípulos percebem que nem Deus venceria o poderoso Império Romano. Trata-se sem dúvida de uma clara compreensão dos limites da história, isto é, historicamente algumas situações não são possíveis. Nesse movimento a sucessão do tempo histórico vigente é rompida à medida que se dá a elaboração da experiência de ressurreição de Jesus.

O que se tem agora é uma re-messianização da esperança messiânica nos seguintes termos: messias é aquele por quem se deve esperar. Há uma

readequação da messianidade de Jesus pelos discípulos. Inaugurou-se o tempo da espe- rança. Um tempo que não cabe mais no processo histórico e, por isso mesmo, estimula a comunidade cristã a construir uma nova sociedade e nela realizar as novas relações sociais que preparam o mundo do messias. Temos então um novo tempo social; um tempo que conduz à realização do modelo veiculado pela categoria do messias. Ainda que não haja nenhuma solução real no movi- mento dos discípulos - uma vez que a escatologia nunca chegará - os ardentes desejos e esperanças colocados na ressurreição reforçam o movimento e res- suscitam a mensagem de libertação vez após vez, apesar de todos os fracassos.

Houve uma ressignificação do conceito de messias por parte dos discípulos de Jesus.

Isso parece inegável. Os discípulos fizeram um esforço descomunal a fim de

superar a crise que se instalava. A porta da crise era justamente essa: como ex-

plicar às gerações posteriores que eles haviam superado as expectativas messi-

ânicas já estratificadas e absolutizadas e cristalizadas ao redor do messianismo

como instrumento de vitória e de libertação?

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Uma possível solução para o impasse entre os conceitos pode ser encontrada na própria experiência dos discípulos de Jesus. São eles os responsáveis pela redefini- ção do conceito de messias à luz da ressurreição, ao contrário dos judeus que permaneceram coerentes à expectativa messiânica de que o Reino de Deus se estabeleceria de forma histórica sobre a terra. São, portanto, os discípulos que, ao reconhecerem em Jesus o ressuscitado, modificam, paulatinamente, a noção de factibilidade ou não do paraíso terrestre. Essa alteração acontece exatamente porque Jesus apresenta-se como um messias derrotado, mas justo!

O que sobressai é a afirmação revolucionária do deslocamento de uma novidade sociorreligiosa: a ressurreição não é a dos vitoriosos e poderosos, mas sim de alguém política e religiosamente derrotado, fraco e pobre.

A leitura dos discípulos de Jesus a respeito do messias a partir da ressurreição exige uma profunda transformação e ressignificação em nossas teologias que afir- mam necessariamente o messias como sinônimo de vitória. A confissão de que Jesus é o Messias a partir da experiência dos primeiros discípulos exige de nós uma nova concepção de Messias que, segundo Jung (1998, p. 41):

Não seja mais aquela que associa o Messias com vitórias ‘fantásticas’, supra-hu- manas, que nos protegeria definitivamente da provisoriedade da história humana.

Confessar que Jesus é o Cristo é perceber que ele é o Messias não pelas suas vitórias, mas sim pela sua fidelidade plena à missão recebida de Deus de anun- ciar a dignidade radical de todos os seres humanos e em nome dessa verdade enfrentar até a morte as forças idolátricas dos impérios.

Talvez, ainda sem saber, os discípulos naquela ocasião estivessem tecendo uma pro- posta de redenção messiânica numa dimensão inteiramente

inédita. A nova percepção os levava a perceber que a vitória - enquanto libertação política - não era critério básico e fundamental para compreender o messias.

Messias não seria alguém que se reconhecesse no imediato da história, mas sim no continuum do compromisso de vida com os pobres.

Ora, a lógica comum que imperava no século I estava umbilicalmente ligada ao sucesso

do messias. Não havia espaço - pelo menos momentaneamente - para outras

lógicas e/ou racionalidades. Ou seja, não era possível para a mentalidade do

palestinense camponês do século I compreender e crer num messias que não

fosse eminentemente vencedor. Messias era sinônimo de sucesso. E, para os

judeus, Jesus não aboliu a injustiça nem a opressão. Ora, a condição essencial-

mente relevante para o cumprimento das prerrogativas messiânicas judaicas

estava justamente baseada na suspensão dos efeitos da injustiça e da opressão

de consequências centenárias. Nesse caso, podemos pensar que o aparente fra-

casso de Jesus estava diretamente circunscrito ao ideal utópico da restauração

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de Israel como uma nação independente. É claro que, diante da não-realização desse ideal desde muito tempo cultivado, gera-se um ambiente de expectativa frustrada.

Mas penso que seria outra a lógica daqueles que permaneciam ao lado de Jesus mesmo em meio a essa situação contraditória. Para eles Jesus continuava a ser mes- sias e, em consequência disso, acompanhavam-no exteriorizando dessa forma sua solidariedade àquele que era martirizado pela violência romana. Jesus, para esses, era mártir, mas muito mais do que isso, era vítima como todos eles também o eram. Jesus é percebido como a fotografia mais fiel que retratava o processo de vitimização em que o povo camponês se encontrava diante das forças de ocupação romana.

Contudo, o movimento de Jesus foi capaz de absorver e superar a frustração que se abatera sobre os discípulos imediatamente após a morte dele. Como seria pos- sível reconhecer o messias-redentor diante do fracasso da redenção? Como seria possível superar uma onda de frustrações sem precedentes que favorecia especulações acerca de quem seria o próximo candidato a messias e libertador da opressão e da injustiça? Quem seria o próximo a ser escalado na sucessão messiânica?

De acordo com a análise de Scardelai (1998, p. 254-5):

a esperança messiânica judaica trazia como traço mais característico a expec- tativa pela redenção religiosa e nacional de Israel. Mas a esse aspecto não se pode facilmente responder à luz da missão redentora de Jesus... Politicamente, Jesus foi um malogro, insignificante, pois além de não trazer de volta o reino da- vídico, ele fora ironicamente submetido a morte humilhante nas mãos do maior inimigo, Roma. Apesar do total insucesso e malogro como líder, seus seguidores espontaneamente fariam com que o movimento de Jesus emergisse discretamen- te do seio do judaísmo, tornando-se uma religião mundial na qual estiveram embutidas as marcas do ideal messiânico judaico.

Como os discípulos re-significam o messianismo de Jesus? Qual o salto de qualidade que dão para a superação da crise? Para os discípulos, o sentido de messias como aquele que é vitorioso adquire um novo valor. A lógica se faz diferente.

Não está mais limitada a somente um grupo e seus valores e ideais já estrati-

ficados pelo tempo. A morte e ressurreição de Jesus é a leitura que a comuni-

dade dos discípulos de Jesus faz de sua solidariedade numa situação-limite do

ser humano. Um Deus que não abandona o ser humano na situação crítica e

ainda infunde esperança no povo. O messianismo dos primeiros discípulos não

se fundamenta na concepção de que Deus está sempre do lado do vencedor. Ao

contrário, segundo Sung (1998, p. 38) “Confessar que Jesus, derrotado, conde-

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nado e morto pelo Império Romano e o Templo, ressuscitou é crer num Deus que não está associado com o vencedor. Essa fé permite distinguir a vitória e o poder da verdade e justiça”.

Talvez o caminho esteja diante de nossos olhos: um movimento de caráter libertador só poderia ser definido como messiânico à medida que se expressasse na história do povo sofrido como um agente catalisador da esperança do grupo que está sofrendo. Onde está a novidade? Penso que é possível elaborar um referencial que venha ao encontro da esperança messiânica que não seja o referencial da vitória. Ou pelo menos, que se indague de qual vitória se está falando. Ora, o referencial que estamos utilizando é aquele que identifica Deus como aquele que não abandona os pobres, mesmo que a realização dos desejos não se rea- lize ou plenifique. Portanto, não há uma satisfação plena dos desejos do povo, mas sim uma amenização das necessidades fundamentais e uma intensificação da mística solidária de Deus com os pobres.

RESSURREIÇÃO COMO SINÔNIMO DE INSURREIÇÃO

Faz-se necessário reconsiderar a questão que envolve esse assunto a partir da ressur- reição. Talvez seja esse o elemento novo e substancial que é inserido na leitura do messianismo de Jesus pelos discípulos. Nesse sentido, supera-se o conceito de messias judaico, não pela negação de um projeto histórico de liberdade, mas pelo acréscimo de um novo sentido. Um novo cunho herme- nêutico é oferecido pelo movimento de Jesus no que se refere à compreensão do messianismo. Supera-se a crise da falta de sucesso e da frustração pela não- -concretização da libertação nacional com a ressignificação do que vem a ser messias. E essa ressignificação se dá a partir da ressurreição. A ressurreição é consequência do messias preso à cruz; e cruz simbolicamente não está ligada a nenhum bem; ao contrário, nela reside o encontro da dor, do sofrimento e do fracasso. Entretanto, na ressurreição nasce a promessa e a esperança de que não haja mais pobres. Ressurreição e insurreição são modelos que se encon- tram juntos para um mesmo caminhar; construções teóricas teológicas que nascem em ambiente comum — pelo menos em relação ao texto bíblico.

Estamos ao redor do ano 330 a.C. Época em que o avanço da cultura helênica se faz

sentir com toda a sua força e sua visão escravista. Tal avanço representou um

abalo na vida do povo da Bíblia. A prisão do corpo representava a pior das

prisões; implicava a coisificação da vida e o exílio na própria terra; época

de resistência e de insurreições. Pois é exatamente diante desse modelo so-

ciopolítico marcado pelo escravismo que, segundo Mosconi (1996, p. 131)

uma nova forma de reflexão teológica terá seu início: “a teologia e a prática

apocalíptica”.

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Enquanto o escravismo reduzia o corpo humano à escravidão e a mercadoria de compra e venda, o povo fomentava uma nova maneira de viver em esperança e, assim, enfrentar a situação caótica que estava instalada. E é precisamente durante a insurreição macabaica que a fé na ressurreição dos que morrem para defender a vida e a liberdade tem a sua gênese. São eles vítimas do domínio grego que se expande feroz e ameaçadoramente, mas, sobretudo, são vitoriosos na nova percepção da vida que incutem na realidade histórica que vivem.

Corpo traz em si uma multiplicidade de significados. Falamos de corpo em relação a comer, beber, tocar e ser tocado, amar e ser amado... A ressurreição, nesse contexto, representa sempre uma volta do corpo a se alimentar, a beber, a ser tocado e a ser amado. Para os discípulos de Jesus a eternidade está presa ao corpo. Entretanto, um espírito não tem corpo, de modo que não pode exercer suas funções naturais e muito menos sentir e satisfazer as suas necessidades básicas e fundamentais. Só onde há espírito o Império pode se fazer passar por Deus sem nenhum tipo de contestação. Essa é a grande novidade naquele contexto histórico. A ressurreição de espíritos não seria uma novidade num ambiente em que se acreditava na possibilidade de eles voltarem.

A novidade está justamente colocada no retorno do pobre com o seu corpo. Uma ame- aça mais radical e eficaz ao Império Romano, que pensava ter eliminado mais um líder messiânico rebelde. Porém, ao “ressuscitar”, os discípulos indicavam uma nova maneira de ler a expectativa dos pobres e a situação política do Im- pério Romano. Ou seja, a partir da ressurreição estaria plantada a semente da permanente luta dos pobres pela sua subjetividade. “Os pobres sempre tereis convosco” (com um novo contorno hermenêutico) é ao mesmo tempo um libelo de resistência e um incômodo que desestabiliza os impérios de todas as épocas ao indicar que a solidariedade dos pobres está presente mesmo além da morte.

De certa forma, estamos falando da recuperação da subjetividade de cada e todo ser humano que se encontra excluído e vitimado pelo sistema social.

A ressurreição se apresenta então como um grito apocalíptico. Seu ambiente social é o da dor e da opressão, da deslegitimação da vida e do aprisionamento do corpo.

Sua formulação teórica acontece no contexto histórico da insurreição maca- baica. Sua esperança é colocada na ressurreição dos que morrem lutando pela liberdade. Portanto, insurreição e ressurreição estão inseridas nos limites da história. Conceitos que não se perdem fora da história, ao contrário, convocam para a luta e garantem a vitória, ainda que morram!

A crucificação e posterior ressurreição de Jesus tem um caráter ressignificador de

sua missão messiânica. Notadamente, ele rompe com as expectativas já há

muito enraizadas na religião da época, na qual se vislumbrava a restauração

político-econômica do reino de Israel como a mais plena e insuperável reali-

zação do messias. Mas também não podemos cair ingenuamente na ação do

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messias que possibilita apenas a libertação do poder do pecado para todos aqueles que cressem.

Uma questão que se levanta, e de extrema importância, pode ser proposta da seguinte forma: tantos pretendentes messiânicos (alguns deles citados acima) surgiram e desapareceram juntamente com seus movimentos. Todos, sem exceção, fra- cassaram em seus postulados principais. De fato, até esse ponto não podemos vislumbrar nada de especial nessa história. Muitos homens e mulheres, muitos defensores da liberdade humana alcançaram a morte pela libertação de seu povo. Como então entender a manutenção no tempo e no espaço do messianis- mo de Jesus a partir de seus discípulos?

Lembremos que as expectativas dos camponeses da Galiléia também eram as expec- tativas dos discípulos de Jesus. Todavia, a morte de Jesus, ajustada pelas au- toridades do templo bem como pelas forças do Império Romano, impôs uma mudança de rumo sobre o movimento que até então não havia sido necessária.

A morte não seria mais entendida como malogro de um pretenso programa messiânico. Ao contrário, se a morte de Jesus não serviu para animar e fomen- tar a luta contra aqueles que oprimiam o povo, serviu, sim, para mostrar que a solidariedade de Deus para com os pobres é mais forte do que a morte e ainda como elemento animador e aglutinador dos que criam em Jesus e se uniam com o objetivo de perseverar ante a perseguição.

É significativo que Bloch (1996, p. 1259) conceba Jesus como um messias mártir, cujo sacrifício radicalizou e acabou por ressignificar o messianismo tradicional:

“Os últimos não teriam ido através da agonia da dúvida, ele poderia, seme- lhante a muitos outros mártires, ter derivado um senso de plenitude a partir do sofrimento”. Ora, o messias blochiano seria um rebelde vencido cuja res- surreição acaba despertando a fé da primeira comunidade de discípulos que estavam à sua volta. Consequentemente, Jesus-Messias não seria mais um mo- delo perfeito a ser imitado, mas sim um homem que provocou uma grave crise histórica e que continua agindo sobre a história dos movimentos populares ao longo da história. Assim quebraram na cruz e na ressurreição de Jesus-Messias pelo menos três limites: a) os limites raciais do messianismo judeu; b) os li- mites religiosos; c) um desdobramento epistemológico voltado não mais para a pretensa vitória conquistada pelo messias, mas sim aos atos de solidariedade do messias junto às vítimas da história.

A experiência da morte/assassinato pela qual passa Jesus não significava para os discí- pulos o fim da obra messiânica; mas sim a confirmação do quadro de messiani- dade de Jesus: mesmo morrendo, não se esquece dos pobres para os quais veio dar a vida. Para eles, Jesus, mesmo perdendo, ainda continuará a ser o messias!

Qual a novidade? A descoberta, por parte dos discípulos de Jesus, de que a sociedade

perfeita não é factível. Porém, é meta indispensável para dinamizar e orientar

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a luta por um mundo mais justo. A partir da fé num Messias que morre na cruz para justamente ficar ao lado dos pobres, as igrejas e movimentos sociais podem desenvolver grandes experiências a partir das demandas da ética. Com isso, torna-se possível conhecer e elaborar projetos, a curto, médio e longo prazo, com o objetivo inquestionável de defender a vida.

O movimento messiânico manifesta uma firme e inabalável atitude positiva em rela- ção a este mundo e ao presente. A convicção de que a felicidade é possível na história é certeza inquestionável e indelével nos movimentos messiânicos.

Todavia, o que se deve ressaltar não é a busca de um e mesmo paraíso para todos. A aspiração máxima que conduz à ressignificação do messianismo é muito mais uma negação comum dos pobres da infra-humanidade bem como da inumanidade a que estão sujeitos ao longo de suas vidas. Nesse sentido, a releitura do messianismo de Jesus encontra a sua mais franca expressão na opção pela classe oprimida que nasce da fé num messias que não vence, mas nem por isso deixa de ser solidário.

CONCLUSÃO

Faz-se necessário uma mudança na maneira de visualizar a questão do messias como sinônimo de vitorioso. Essa mudança pode muito bem ser iniciada por um jogo de perguntas muito bem colocadas por Moltmann. Diz ele que, numa sociedade desestruturada socialmente, onde os sinais de miséria estão espa- lhados cronicamente por todos os lados, a pergunta que se faz é basicamente a seguinte: “Como Deus pode permitir isso?” Mas essa é a questão levantada a partir de um ângulo distorcido e unilateral. É a pergunta de quem assiste passi- vamente a morte de seus semelhantes; penalizado, sim; todavia, passivamente.

Contudo, Moltmann (1977, p. 33) propõe uma nova pergunta; esta, sim, a par- tir das vítimas e que lança um novo olhar sobre a realidade: “Onde está Deus?”

Pergunta da vítima que procura compreender Deus não a partir da vitória dos que a produziram. Ao contrário, esse questionamento sugere a compreensão de uma nova dimensão existencial, qual seja, a comunhão do messias no sofri- mento da vítima; comunhão solidária entre as vítimas produzidas pelo mesmo ambiente social de caos e de degradação humana; vítimas que se multiplicam;

vítimas cada vez mais numerosas e cada vez mais pobres.

Na Divina Comédia, de Dante, está colocada no portal do inferno a seguinte inscrição:

“Os que entram por esta porta deixem fora toda a esperança”. Creio que essa

inscrição vale também para as vítimas que vivem sem possibilidade de gerar a

esperança. Sem sombra de dúvida o messianismo dos pobres é uma tentativa

de resgatar a esperança - um sonhar acordado - ainda que seja diante das portas

do inferno. Não se trata de aceitar a derrota e adotar a vida como um inferno ir-

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reparável. Mas, sim, de compreender o messias - e podemos aqui nos lembrar da experiência dos discípulos de Jesus - como expressão de sua solidariedade para com as vítimas da violência, da fome, da miséria e da morte. Os excluídos da história são incluídos e imbuídos de uma ação messiânica quando praticam a fraternidade e a solidariedade. O messias dos pobres não é aquele que concede a vitória. Trata-se de um messias diferente, ou seja, um messias que leva a esperança para dentro do inferno da vida. Como se a companhia do messias fosse sinal suficiente de que as ameaças de tortura e violência dos mecanismos vitimadores da existência não existissem como fundamento da nossa sociedade.

O que talvez importa seja de fato o duplo aspecto da solidariedade que está presente e realçando toda a questão do messianismo de Jesus: sua solidariedade - o mes- sias que não abandona os camponeses, mesmo na cruz - e a solidariedade dos camponeses que permanecem com Jesus, apesar da cruz.

THEE DEFEATED MESSIAH AS A KEY TO READ THE MESSIANISM OF THE POOR: THE GALILEE CASE

Abstract: we think from the logic of winners and victory. In this logic, God and his Messiah are alongside those who are victorious in a crowd of defeated. The Messiah concept is now represented from the logic that holds that the social, economic and political fields. In this representation God and his Messiah is always externalized as a representative of the rich and domineering. Now both the heaven and the earth pass into the control of the rich. Its doors are severe- ly guarded and the entry of anyone is not possible. The victim ceases to have rights in heaven and in earth. The reduction of their rights in the land is the most fair reflection of the heavenly reality. Consequently, God and his Mes- siah are no longer with the poor and excluded. The perverse logic prevents us from seeing clearly that the fate of the weakest and poorest of society is precisely the measure of success of any society. Rereading the messianism of Jesus, proposed in this paper, finds its most overt expression in the choice of the oppressed class that is born of faith in a messiah who have not won, but it is nevertheless to be supportive.

Keywords: Messianism. Poor. Galilee. Solidarity. Victory.

Referências

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Referências

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