REGIONAL JATAÍ
UNIDADE ACADÊMICA ESPECIAL DE ESTUDOS GEOGRÁFICOS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
ANA PAULA SARAGOSSA CORRÊA
ESPAÇO E EXISTÊNCIA DOS TRABALHADORES COM DEFICIÊNCIA VISUAL NA CIDADE DE GOIÂNIA-GO: vivência clara e visões obscuras
Jataí-GO
2020
ANA PAULA SARAGOSSA CORRÊA
ESPAÇO E EXISTÊNCIA DOS TRABALHADORES COM DEFICIÊNCIA VISUAL NA CIDADE DE GOIÂNIA: vivência clara e visões obscuras
Dissertação apresentada ao Programa de Pós- graduação em Geografia/PPG-GEO (Stricto Sensu) Universidade Federal de Goiás/Regional de Jataí/CAJ-UFG, sob Orientação do Prof. Dr. Eguimar Felício Chaveiro.
Jataí-GO
2020
CDU 911.3 Corrêa, Ana Paula Saragossa
ESPAÇO E EXISTÊNCIA DOS TRABALHADORES COM DEFICIÊNCIA VISUAL NA CIDADE DE GOIÂNIA-GO [manuscrito] : vivência clara e visões obscuras / Ana Paula Saragossa Corrêa. - 2020.
CXXXII, 132 f.: il.
Orientador: Prof. Dr. Eguimar Felício Chaveiro.
Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Goiás, Unidade Acadêmica Especial de Estudos Geográficos, Programa de Pós Graduação em Geografia, Jataí, 2020.
Bibliografia.
Inclui siglas, mapas, fotografias, abreviaturas, símbolos, gráfico, tabelas, lista de figuras, lista de tabelas.
1. deficiência visual. 2. trabalho. 3. existência. 4. socioespacial.
5. Goiânia. I. Chaveiro, Eguimar Felício , orient. II. Título.
https://sei.ufg.br/sei/controlador.php?acao=documento_imprimir_web&acao_origem=arvore_visualizar&id_documento=1269192&infra_sistema=1… 1/2
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
COORDENAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO - REGIONAL JATAÍ ATA DE DEFESA DE DISSERTAÇÃO
Ata nº 04/2020 da sessão de Defesa de Dissertação de Ana Paula Saragossa Côrrea, que confere o título de Mestra em Geografia.
Aos quatorze dias do mês de fevereiro de 2020, a partir das 14:00, no Instituto de Estudos Sócio- Ambientais (IESA)/UFG, realizou-se a sessão pública de Defesa de Dissertação intitulada " ESPAÇO E EXISTÊNCIA DOS TRABALHADORES COM DEFICIÊNCIA VISUAL NA CIDADE DE GOIÂNIA-GO: VIVÊNCIA CLARA E VISÕES OBSCURAS " . Os trabalhos foram instalados pelo Orientador, Professor Doutor Eguimar Felício Chaveiro (IESA-UFG) com a participação dos demais membros da Banca Examinadora: Professor Doutor William Ferreira da Silva (UFG), membro titular interno; Professor Doutor Ronan Eustáquio Borges (IESA-UFG), membro titular externo. Durante a arguição os membros da banca não sugeriram alteração no título do trabalho. A Banca Examinadora reuniu- se em sessão secreta a fim de concluir o julgamento da Dissertação, sendo a candidata aprovada pelos seus membros. Proclamados os resultados pelo Professor Doutor Eguimar Felício Chaveiro, Presidente da Banca Examinadora, foram encerrados os trabalhos e, para constar, lavrou-se a presente ata que é assinada pelos Membros da Banca Examinadora, aos quatorze dias do mês de fevereiro de 2020.
TÍTULO SUGERIDO PELA BANCA
Documento assinado eletronicamente por Eguimar Felício Chaveiro, Orientador, em 27/02/2020, às 17:29, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015.
Documento assinado eletronicamente por William Ferreira Da Silva, Professor do Magistério Superior, em 27/02/2020, às 18:29, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º,
§ 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015.
Documento assinado eletronicamente por Ronan Eustaquio Borges, Professor do Magistério Superior, em 28/02/2020, às 15:27, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º,
§ 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015.
A auten cidade deste documento pode ser conferida no site h ps://sei.ufg.br/sei/controlador_externo.php?
acao=documento_conferir&id_orgao_acesso_externo=0, informando o código verificador 1178539 e o código CRC D8D5E99C.
Referência: Processo nº 23070.003370/2020-22 SEI nº 1178539
Aos movimentos sociais das Pessoas Com Deficiência, em especial à ADVEG.
AGRADECIMENTOS
Esta pesquisa é uma composição de um coletivo uma vez que foram muitas mãos, falas e momentos que auxiliaram em sua elaboração. Portanto, a pesquisa parte de um coletivo de
“gentes”. Vozes, momentos e espaços ecoam nas páginas desta dissertação. E nessas páginas gostaria de agradecê-las pelos momentos propiciados para que essa pesquisa acontecesse.
O primeiro contato com a pesquisa se deu em um projeto de extensão de “Cartografia Tátil”, localizado na UNESP câmpus Rio Claro-SP, coordenado pela professora Maria Isabel de Freitas, nos anos de 2010 – 2012, anos iniciais de minha graduação. Os momentos vivenci- ados naquele projeto, em conjunto com os vários diálogos com a Paula Juliasz e Bruno Zuche- rato, iniciaram as minhas indagações sobre o mundo das Pessoas com Deficiência Visual. Essa vivência foi primordial para a composição desta pesquisa e aqui gostaria de deixar registrada minha gratidão a vocês.
A distância entre Goiás e São Paulo ficou menor com os companheiros de graduação.
Apesar da distância física, as risadas proporcionadas pela vivência nas redes sociais diminuíram o impacto da saudade. Agradeço a Nati Guidetti, Cecy, José Renato, Bruna, Vivi e Ralf.
À orientação do professor José Gilberto de Souza na pesquisa em iniciação cientifica.
Essa experiência representou o meu amadurecimento na Geografia Crítica e também me auxi- liou na construção da minha carreira enquanto Geógrafa.
O Grupo “Dona Alzira” foi a inspiração para esta pesquisa. O acolhimento e a humani- dade do grupo deram-me os lampejos necessários para que as angústias fossem materializadas em ciência. Nesse intuito, gostaria de deixar meu abraço a todos os membros. Cada momento e diálogos vivenciados estão na pesquisa. Gratidão a todos.
Os novos amigos dessa caminhada, me fizeram aproximar mais de uma nova realidade que, através do grupo de estudos “Dona Alzira”, me proporcionou amadurecimento científico, carinho e amizades recíprocas. À Carol (gratidão por tudo, Carolzita), Thiago Sebá, Daisy, Wilson, Angelita, Josy, Valdir e minha Luana-Clarice, pelos diálogos de afeto e poesia.
Ao amigo e orientador Prof. Eguimar Chaveiro, pelas prosas poéticas e os momentos de
filosofia com café. Meu muitíssimo obrigada, com muito carinho, por acreditar em mim e por
me ensinar tanto.
À ADVEG pelo apoio à pesquisa e seus associados, em especial ao Aldenor, Deni, Eli- ana, Eunice, Veimatos, Romeu e Ana. Ao Alisson, que contribuiu enormemente com os diálo- gos e paciência para me ensinar tanto. Obrigada, meu amigo. Sua parceria foi fundamental para esta pesquisa.
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG) pelo apoio a esta pes- quisa.
Ao Programa de Pesquisa em Geografia da Regional de Jataí, em especial os professores Dimas e Willian. Obrigada pelo acolhimento.
Aos colegas de trabalho da UEG, pela compreensão, apoio e contribuições acadêmicas em especial prof. Antônio, prof. Priscylla, Prof. Bruno, Prof. Alan, Prof. Saulo e aos colegas de trabalho em nome de João Neto, Cleibe, Flavius, Olavo, Lívia, Jessyca, Edivaldo e Elineide.
Ao apoio logístico na cidade de Jataí, Thiago Rocha, obrigada. À Anna Ligia, pelo apoio e ajuda nas transcrições das entrevistas.
Aos amigos de Iporá: Márcia, Jaci, Mabson, Stella, Juliana Minotto, André, Nathália, Natália, Ricardo Borges e Alarisse.
À minha amiga-irmã Loraine Gaino.
À minha família: minha mãe, Marilene; meu pai, Edgar; Audria, Jéssica e minha avó Jandira, pela compreensão da minha ausência e pelo apoio nessa jornada de vida. Muito obri- gada, com amor.
Aos amigos Barra-Garcense Maristela, José Francisco, Cristielle, Vinicius, Paulista e Bia. Obrigada por nos acolher nessa nossa nova jornada.
À família de meu esposo, Maria Angelina, Celi, Eugênia, Evellyn e Sara. Obrigada pela compreensão e carinho. Aos meus sobrinhos, Gabi, Sanjah, Dedê e José. Amo vocês.
Ao meu esposo, Ariel que, na sua paciência, amor e dedicação, me segurou as mãos,
nos variados momentos difíceis... Sem seu apoio não conseguiria terminar essa jornada. Obri-
gada por tudo e, principalmente, obrigada por me amar como sou.
Guardei-me para a epopéia que jamais escreverei.
Poetas de Minas Gerais e bardos do Alto Araguaia, vagos cantores tupis, recolhei meu pobre acervo, alongai meu sentimento.
O que eu escrevi não conta.
O que desejei é tudo.
Retomai minhas palavras, meus bens, minha inquietação, fazei o canto ardoroso, cheio de antigo mistério mas límpido e resplendente.
Cantai esse verso puro, que se ouvirá no Amazonas, na choça do sertanejo e no subúrbio carioca, no mato, na vila X, no colégio, na oficina, território de homens livres que será nosso país e será pátria de todos.
Irmãos, cantai esse mundo que não verei, mas virá um dia, dentro em mil anos, talvez mais... não tenho pressa.
Um mundo enfim ordenado, uma pátria sem fronteiras, sem leis e regulamentos, uma terra sem bandeiras, sem igrejas nem quartéis, sem dor, sem febre, sem ouro, um jeito só de viver, mas nesse jeito a variedade, a multiplicidade toda que há dentro de cada um.
Uma cidade sem portas, de casas sem armadilha, um país de riso e glória como nunca houve nenhum.
Este país não é meu nem vosso ainda, poetas.
Mas ele será um dia o país de todo homem.
(ANDRADE, 2000 [1945], p. 161)
RESUMO
Demandas de vida estão intrinsecamente relacionadas aos conflitos socioespaciais e à existência das pessoas com deficiência visual. Ao analisar o cotidiano das pessoas com deficiência visual, foi possível compreender que o espaço, ordenado pelos interesses do modo de produção capitalista, atravessa o sujeito com deficiência visual através das várias barreiras, concretas e abstratas, que verticalizam suas composições existenciais no mundo do trabalho. O objetivo geral da dissertação está em pesquisar o espaço e a existências dos trabalhadores com deficiência visual em Goiânia-GO. Para tanto, o estudo propõe investigar onde estão os trabalhadores deficientes visuais e quais cartografias existenciais esses sujeitos tecem na cidade. Nesse contexto, o principal problema da pesquisa está em descobrir como o espaço se interpõe à composição existencial do trabalhador com deficiência visual e como esses trabalhadores reverberam sua existência no espaço. A composição teórico-metodológica da dissertação está na tríade “espaço, sujeito e existência”, que pertence respectivamente à produção do espaço, às práticas sociais, entrelaçadas pelos conceitos geográficos de território e de lugar, e pelas questões subjetivas propostas pela teoria da micropolítica. Essas questões serão pesquisadas a partir dos apontamentos teóricos de Harvey (2008;2012), Santos (2004a;2004b), Souza (2013), Lefebvre (2011), Haesbaert (2007) e Berdoulay e Entrikin (2012). As tensões macropolíticas estão compostas pelos dados secundários de fontes governamentais, como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), obtidos no último Censo realizado em 2010 e na última Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), ano-base de 2017. Além disso, Slee (2018), Pochmann (2014;2018) e Antunes (2019) ajudaram a desenhar o histórico sobre a categoria “Trabalho” no cenário nacional. A construção teórico-metodológica das Cartografias Existenciais partiu do pressuposto de que as percepções socioespaciais dos trabalhadores com deficiência visual são subjetivas, originadas da sua condição concreta no mundo social de que fazem parte (GUATTARI; ROLNIK, 1999). Para elaborar as Cartografias Existenciais foram entrevistados oito trabalhadores com deficiência visual, sendo cinco cegos e três com baixa visão. As Cartografias Existenciais demonstraram que o espaço geográfico é organizado para perpetuar os interesses do capitalismo. Conclui-se que os impedimentos, verificados através das barreiras arquitetônicas, urbanísticas e atitudinais, indicaram que a deficiência está decalcada pela opressão social de um corpo sem “eficiência” em um mundo organizado para a produção de capital. Dessa feita, defende-se que as Pessoas são produtoras de suficiências, sendo que o trabalho, na sua ontologia, cria possibilidades de vidas.
Palavras-Chave: deficiência visual; trabalho; existência; socioespacial; geografia, Goiânia-
GO.
ABSTRACT
Life demands are intrinsically related to socio-spatial conflicts and the existence of people with visual impairment. When considering the daily lives of visually impaired people, it was clear that the space - ordered by the interests of the capitalist methods of production - passes through the visually impaired subject through the various barriers: concrete and abstract, that verticalize their existential compositions in the world of work . The aim of this study is to research both the space and the existence of visually impaired workers in Goiânia-GO. For this purpose, this study investigates where the visually impaired workers are, and what existential cartographies these subjects provide in the city. The research problem is to discover how the space is inter- posed to the existential composition of the visually impaired worker and how they reverberate their existence in the space. This dissertation consists of theoretical and methodologically by the triad "space, subject and existence", belonging respectively to the production of space, so- cial practices, intertwined by geographical concepts of territory and place, and the subjective issues proposed by the micro-politics theory. These questions will be researched based on the theories of Harvey (2008; 2012), Santos (2004a; 2004b), Souza (2013), Lefebvre (2011), Haesbaert (2007) and Berdoulay and Entrikin (2012). The macro-political tensions are com- pounded by secondary data from government sources, such as the Brazilian Institute of Geog- raphy and Statistics (IBGE), obtained in the last Census conducted in 2010, and in the last Annual Social Information Report (RAIS), base year 2017. In addition, Slee (2018), Pochmann (2014;2018) and Antunes (2019) helped draw the history of the "Work" category on the national scene. The Existential Cartographies were based on the assumption that the socio-spatial per- ceptions of visually impaired workers are subjective, coming from their concrete condition in the social world (GUATTARI; ROLNIK, 1999). Eight visually impaired workers were inter- viewed to draw up the Existential Cartographies, five of whom were blind and three had low vision. It showed that the geographic space is organized to keep the interests of capitalism. It is concluded that the impediments, analyzed through the architectural, urban and attitudinal bar- riers, pointed that the disability is based on the social oppression of a body without "efficiency"
in an organized world for the capital production. Therefor, it is argued that People are producers of sufficiency, and work, in its ontology, creates live possibilities.
Keywords: visual impairment; work; existence; socio-spatial; geography, Goiânia-GO.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Catarata ... 33
Figura 2: Coriorretinite macular. ... 34
Figura 3: Visão tubular ... 35
Figura 4: Perda do campo visual por doença degenerativa. ... 35
Figura 5: Falhas do campo visual por doença degenerativa... 36
Figura 6: Trajetória da caminhada até a Biblioteca Braille em julho de 2018. ... 77
Figura 7: Barreiras urbanísticas – Avenida Goiás, em frente ao prédio “Goiás Fomento” ... 78
Figura 8: Corredor de acesso à Biblioteca Braille... 79
Figura 9: Trajeto de ida à praça cívica, lado esquerdo – com semáforo para pedestre ... 80
Figura 10: Trajeto de volta, pela Avenida Goiás em direção Avenida Anhanguera, próxima à Praça Cívica. Faixas de pedestre sem semáforo. Trajetória guiada por Ana... 81
Figura 11: Croqui da câmara escura. ... 95
Figura 12: Processo do trabalho na câmara escura. ... 96
LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1: Empregados formais em 31/12/2017 por condição quanto à deficiência. ... 42
Gráfico 2: Total de trabalhadores com deficiência com empregos formais em Goiás no ano de 2017. ... 44
Gráfico 3: Grau de instrução das pessoas com deficiência no país com 15 anos ou mais, segundo o Censo de 2010. ... 45
Gráfico 4: Grau de instrução do total trabalhadores com empregos formais no país, segundo a RAIS de 2018. ... 46
Gráfico 5: Grau de instrução dos trabalhadores com deficiência visual no país, segundo a RAIS de 2018. ... 47
LISTA DE TABELAS Tabela 1: Censo do IBGE 2010 – Deficiência visual no Brasil e no estado de Goiás. ... 37
Tabela 2: Deficiência visual em Goiânia-GO. ... 41
Tabela 3: Empregos no Brasil e em Goiás em 31/12/2017. ... 43
LISTA DE QUADROS Quadro 1: Uma matriz dos possíveis significados do espaço como palavra chave. ... 63
Quadro 2: Uma matriz do espaço geográfico do Parque para Robson ... 65
Quadro 3 - Trabalho e preconceito. ... 84
Quadro 4 - Trabalho público x privado. ... 85
Quadro 5: As cartografias existências dos Trabalhadores com deficiência visual ... 121
LISTA DE MAPAS Mapa 1: Quantidade de entrevistados com deficiência na amostragem do município de Goiânia-GO ... 39
Mapa 2: Quantidade de entrevistados com deficiência visual na amostragem do município de Goiânia-GO ... 40
Mapa 3:Expansão urbana de Goiânia de 1991 a 2018. ... 72
Mapa 4: Trajeto Trabalho x Casa de Fernando no início da década de 2000. ... 101
Mapa 5: Rota de ida à Universidade feita por Joana ao longo da graduação. ... 107
LISTA DE SIGLAS
ADVEG Associação de Deficientes Visuais do estado de Goiás
BV Baixa visão
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CEBRAV Centro Brasileiro de Reabilitação e Apoio ao Deficiente Visual
CF Constituição Federal
CID Classificação Internacional de Doenças
CIF Classificação Internacional de Funcionalidade, Deficiência e Saúde CLT Consolidação das Leis Trabalhistas
DPI Disabled People’s International DV Deficiência visual
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICEVI Conselho Internacional de Educação de Deficientes Visuais LBI Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com deficiência LDB Lei de Diretrizes e Bases
LIBRAS Língua Brasileira de Sinais OMS Organização Mundial de Saúde ONU Organização das Nações Unidas PCD ou PcD Pessoas com deficiência
PNE Portador de necessidade especial PPD Pessoa portadora de deficiência RAIS Relação Anual de Informações Sociais
UPIAS Union of the Physically Impaired Against Segregation
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ... 15
CAPÍTULO 1 – TRABALHADORES COM DEFICIÊNCIA VISUAL: PERCEBENDO O INVISÍVEL. ... 19
1.1 H
ISTÓRIA DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA:
DA EXCLUSÃO SOCIAL À QUEBRA DO PARADIGMA. ... 20
1.2 M
OVIMENTOS SOCIAIS E A CONSTRUÇÃO DOM
ODELOS
OCIAL DED
EFICIÊNCIA... 27
1.3 O
S TRABALHADORES DEFICIENTES VISUAIS:
QUEM SÃO? ... 31
CAPÍTULO 2 –DEFICIÊNCIA VISUAL, TRABALHO E ESPAÇO NA METRÓPOLE GOIÂNIENSE ... 50
2.1 A
CONSTRUÇÃO TEÓRICA DO TRABALHO NO CONTEXTO ATUAL. ... 54
2.2 A
ORGANIZAÇÃO E A PRODUÇÃO DO ESPAÇO NA PERSPECTIVA DAP
ESSOA COM DEFICIÊNCIA VISUAL... 60
2.3 A
PESSOA COM DEFICIÊNCIA VISUAL EMG
OIÂNIA-GO:
A METRÓPOLE NO LUGAR. ... 70
CAPÍTULO 3 – O MUNDO É DRAMA E O ESPAÇO UM TRAUMA: AS CARTOGRAFIAS EXISTENCIAIS DOS TRABALHADORES COM DEFICIÊNCIA VISUAL ... 83
3.1 O
DEVIR DOS TRABALHADORES COM DEFICIÊNCIA VISUAL E SUAS CARTOGRAFIAS EXISTENCIAIS... 90
Robson ... 90
Leandro ... 93
Fernando ... 100
Daniel ... 103
Joana ... 106
Mariana ... 109
Larissa ... 113
Borges ... 116
3.2 T
RABALHO EP
ESSOAS COMD
EFICIÊNCIA VISUAL: U
MA PONTE AO MUNDO! ... 120
CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 123
REFERÊNCIAS ... 128
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa é uma construção tecida por várias experiências correlacionadas aos diferentes tempo-espaço circundados: um acúmulo de experiências pessoais e profissionais dos sujeitos entrevistados e da própria pesquisadora construiu a complexidade da proposta. Estar em contato direto com os trabalhadores com deficiência visual fez com que o desenvolvimento da pesquisa pudesse captar nuances as quais fizeram com que as linhas desta dissertação pudessem trazer informações que, em um trabalho sem a utilização da percepção, não pudesse relatar que todas as Pessoas desejam e que esses desejos também são os responsáveis pela transformação espacial. O contraponto é olhar, através das cartografias existenciais, o mundo do trabalho para as Pessoas Com Deficiência. E o desafio nesse sentido é compreender qual é o mundo do trabalho que aguarda esses sujeitos.
O estado da arte demonstrou que há poucos estudos na temática. Segundo Alves et al (2018), de 2006 a 2017 foram publicados 183 artigos nacionais sobre “trabalho e pessoa com deficiência”. As áreas que mais publicaram foram a Psicologia com 35%, 19% em Saúde Pública e 16% sobre Medicina Ocupacional. Os artigos trazem discussões teóricas em forma de ensaios ou revisões bibliográficas e poucos trabalhos de campo. Os trabalhos na ciência geográfica sobre as Pessoas com deficiência (PcD) compreendem a temática “Educação e Inclusão”. Sobre “deficiência visual e trabalho” as pesquisas são mais escassas. Nas buscas realizadas nos Periódicos da CAPES e na Scielo, usando os termos “trabalho e pessoa com deficiência visual”, “trabalho e deficiência visual” e “trabalho e deficiente visual” foram encontrados artigos próximos aos que Alves et al (2018) identificaram. Os artigos encontrados discutem os diretos que as pessoas com deficiência visual têm de trabalhar, o estudo de casos de inclusão ou não dessas pessoas no mercado de trabalho e trabalho e saúde.
Compreendendo a grandeza da problemática, exposta pelo levantamento do estado da arte, uma dúvida foi levantada pela pesquisa: Quem são os trabalhadores com deficiência visual?
Segundo o IBGE (2011) 3,44% da população brasileira não enxergam ou apresentam
grande dificuldade em enxergar. Segundo dados do Ministério da Economia (BRASIL, 2018),
apenas 1% dos empregos formais está ocupado por Pessoas com Deficiência (PcD). Do total
de empregos ocupados pelas PcD apenas 14% (BRASIL, 2018) pertencem às pessoas com
deficiência visual. Os números mostraram que há uma exclusão social elevada das PcD no
mundo do trabalho. E que há uma baixa contratação das pessoas com deficiência visual. Isso demonstra que os impactos das barreiras
1ainda são enormes. Dessa forma, outra pergunta foi lançada: Quais são as barreiras que os deficientes visuais enfrentam para ter acesso ao trabalho? E quem são os trabalhadores com deficiência visual em Goiânia?
O recorte espacial da pesquisa foi baseado em alguns critérios. O primeiro foi relacionado aos sujeitos. No desenvolvimento do projeto, em busca de informações sobre as pessoas com deficiências visuais em Goiás, foi descoberta a Associação de Deficientes Visuais do estado de Goiás (ADVEG). A associação se localiza na cidade de Goiânia-GO. Além disso, a cidade contém a maior concentração de pessoas no estado. Por esse motivo foi escolhida Goiânia: pelo seu tamanho e pela localização da ADVEG.
A princípio, a pesquisa iria entrevistar cegos. Os primeiros trabalhos de campo, realizados em julho de 2018, mudaram os critérios de escolha. Foi suposto que a ausência de visão seria um fator determinante sobre as barreiras de acessibilidade aos espaços e ao trabalho, por exemplo. Porém, os resquícios visuais também confluem para uma problemática espacial e existencial, dada a complexidade das classificações de “Baixa Visão”. Dessa maneira, as pessoas cegas e com baixa visão foram incluídas na pesquisa.
O primeiro trabalho de campo e o levantamento do estado da arte delinearam a construção teórica que partiu de uma tensão dialética entre as escalas macropolíticas e micropolíticas. A proposta da construção entre essas duas análises foi inspirada nos livros lançados em 2018 “Uma Ponte ao mundo: Cartografias existenciais da Pessoa com Deficiência e o Trabalho”, organizados por Chaveiro e Vasconcellos (2018) e o “As esferas da insurreição”, de Rolnik (2018). A leitura desses textos reverberou na construção teórico- metodológica da pesquisa. O primeiro livro faz uma introdução à discussão, de forma cientifica e poética, sobre o mundo do trabalho para as pessoas com Deficiência. Já Rolnik (2018) faz um convite para compreender a dinâmica social através da filosofia e da psicanálise.
A autora realiza um chamamento para a compreensão do contexto político momentâneo, a ascensão da ultradireita no país, através das análises micropolíticas. A pergunta que circunda esta dissertação está em como compor a compreensão geográfica dentro da escala micropolítica? Para responder a essa pergunta foi proposta uma tríade entre “espaço, sujeito e existência”.
1 Segundo a Lei Brasileira de Inclusão ( Lei n° 13.146/2015) as barreiras constituem ” qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que limite ou impeça a participação social da pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento e de expressão, à comunicação, ao acesso à informação, à compreensão, à circulação com segurança, entre outros”.
Além disso, a construção teórico-metodológica, composta por “Espaço, sujeito e existência”, converge com a proposta do grupo de pesquisa do “Instituto de Estudos Socioespaciais” (IESA), da Universidade de Goiás, chamado “Espaço, sujeito e existência - Dona Alzira”. A proposta da pesquisa nasceu dentro desse grupo de pesquisa. Dessa maneira, as determinações sociais compõem a produção do espaço que será estudado, tendo como suporte os teóricos Harvey (2008;2012), Santos (2004a;2004b), Souza (2013), Lefebvre (2011), Haesbaert (2007), Berdoulay e Entrikin (2012) e Massey (2009).
As tensões macropolíticas estão compostas pelos dados secundários de fontes governamentais, como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sobretudo do último Censo realizado em 2010 e da última Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), ano-base de 2017. Além disso, Slee (2018), Pochmann (2014;2018) e Antunes (2019) ajudaram a desenhar o histórico sobre a categoria “Trabalho” no cenário nacional.
Por conseguinte, a construção teórico-metodológica da micropolítica partiu do seguinte pressuposto: as percepções socioespaciais dos trabalhadores com deficiência visual são vislumbres subjetivos originados da sua condição concreta no mundo social de que fazem parte.
Assim, a subjetividade se dá por fluxos contínuos de sensações, modos de existir, de amar e de comunicar, imagens, sons, afetos, valores e formas de consumo. Esses fluxos são fabricados na trama das premências sociais, institucionais, técnicas e individuais. Todos os sujeitos coletivos, institucionalizados, independentemente do grau de instrução ou de conhecimento são produtores de subjetividade (GUATTARI; ROLNIK, 1999).
Contar o que é espaço através das narrativas dos trabalhadores com deficiência visual é construir signos espaciais (CHAVEIRO, 2015). Nesse sentido, a história, a memória e a materialidade podem se cruzar para construir uma matriz representativa da inserção dos sujeitos com deficiência visual no espaço. Nesse sentido, as narrativas de vida, a composição das experiências, o trabalho de campo e o exercício da escrita são elementos importantes na construção da pesquisa do geógrafo.
As entrevistas construíram as narrativas de vidas, ou as ditas cartografias existenciais
2, compondo uma tensão dialética entre as escalas. Foram cartografados oito trabalhadores com deficiência visual. O critério para essa escolha foram as indicações dos associados da ADVEG, que se basearam nas experiências de vida no mundo do trabalho. Os nomes dos trabalhadores entrevistados são fictícios. As entrevistas foram realizadas entre abril e setembro de 2019.
2 Segundo Chaveiro e Vasconcellos (2018, p.27) “a premissa de uma leitura sobre cartografias existenciais deve abrir as comportas das disposições para que os sujeitos enunciem sua experiência de vida e suas histórias como recursos e meios para mudar a atitude do mundo para com elas”.
Foram feitas a partir da metodologia “aberta”, ou seja, não havia um roteiro específico, mas uma temática que incluiu o itinerário de vida e de trabalho. A maior parte das entrevistas ocorreu no próprio ambiente de trabalho. Essas falas resultaram na cartografia existencial desses sujeitos.
A proposta desta dissertação consiste em pesquisar o mundo do trabalho para Pessoa com Deficiência Visual. Para tanto, a pesquisa compreendeu que para esses sujeitos, que possuem um corpo “anormal”, o espaço padronizado e mecânico da atual sociedade é um atravessamento na sua existência e o mundo, em sua trama, constrói possibilidades.
A proposta central desta pesquisa é que o trabalho pode ser uma rede, embalada por sonhos, desejos e sentidos, que possibilite a construção de singularidades, de um espaço suficiente de possibilidades de vida. Assim, como posto por Chaveiro e Vasconcellos (2018), o trabalho é uma ponte ao mundo. Cartografar existências é a ferramenta central para entender o drama diário enfrentado pelas PCDs.
A dissertação foi construída em três capítulos. O capítulo 1 “Trabalhadores com
deficiência visual: olhando o invisível” tratará o objeto de pesquisa, apresentando os aspectos
gerais e a introdução da temática. Nesse capítulo será possível analisar, no contexto
macropolítico e macroeconômico, as perspectivas da construção histórica do mundo do trabalho
para as pessoas com deficiência visual. Os gráficos elaborados nesse capítulo estão adequados
à linguagem gráfica para a leitura das pessoas com baixa visão. Além disso, todas as imagens
da dissertação também estão acompanhadas de descrição para as pessoas cegas interpretarem
os dados. O capítulo 2 “Espaço, trabalho e deficiência visual na metrópole de Goiânia” definirá
os conceitos geográficos e sua relação com o objeto de pesquisa. O capítulo 3 “O mundo é
drama e o espaço um trauma: as cartografias existências dos trabalhadores com deficiência
visual” trabalhará com os dados empíricos dos trabalhos de campo, realizados entre abril e
setembro de 2019. Os nomes dos sujeitos cartografados são fictícios. Por fim, o último capítulo
irá fazer um entrelaçamento entre as “cartografias existenciais” e a teoria geográfica.
CAPÍTULO 1 – TRABALHADORES COM DEFICIÊNCIA VISUAL: PERCEBENDO O INVISÍVEL.
“Com o passar dos anos me rodeia uma constante névoa refulgente que aos poucos reduz todo o existente a algo informe e sem cor. Quase a uma idéia.
A vasta noite elementar e o dia cheio de gente são essa neblina de luz incerta e fiel que não declina e que espreita na aurora. Gostaria de ver um rosto algum dia. Ignoro a inexplorada enciclopédia, o prazer de livros que minha mão sabe ler, as altas aves e as luas de ouro.
Aos outros todos resta o universo;
à minha penumbra, o hábito do verso”.
(BORGES, 1998[1985], p.480)
Perceber o invisível se tornou um desafio desde o primeiro trabalho de campo desta pesquisa, realizado em julho de 2018. “Olhar” o mundo com outros sentidos também tornou-se um exercício de construção não só para este trabalho, mas na composição da vida pessoal da pesquisadora. Desde então, construir uma relação espacial através do imperceptível aos olhos é o exercício constante. A literatura é uma composição que pode extravasar os sentidos dos olhos.
Nessa proposta, após o primeiro trabalho de campo, a pesquisadora compôs o texto abaixo, como um exercício de síntese e de arte com base na seguinte pergunta: o que é ser cego no mundo contemporâneo?
O sabor do vento me proporciona aquela visão. Esta que os videntes nunca enxergaram. Assim como eu não posso ver as cores, os outros não enxergam o imperceptível: o canto do subjetivo. Ambos, videntes e cegos, não enxerga- mos. Porém, este mundo que eu enxergo me parece o mais próximo do real...
A luz também cega.
Constatou-se que as relações socioespaciais
3dos deficientes visuais possuem e produ- zem uma subjetividade diversa. Contudo, a subjetividade diversa advém das relações objetivas socialmente constituídas (GUATTARI, 1993). No espaço geográfico, a máquina social do tra- balho funciona como parte de um agenciamento maior, que envolve a vida dos sujeitos que o
3 Segundo Souza (2013) é compreender e elucidar o espaço através das relações sociais.