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REVISTA DO CENTRO DE PESQUISA E FORMAÇÃO / N o 12, julho 2021 Sistemas alimentares, mediação cultural e ambiguidades em tempos de carestia RESENHA

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REVISTA DO CENTRO DE PESQUISA E FORMAÇÃO / No 12, julho 2021 Sistemas alimentares, mediação cultural e ambiguidades em tempos de carestia

RESENHA

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Sergio Molina

Resenha do livro: MORI, Elisa; STROETER, Guga (org.). Uma árvore da música brasileira. São Paulo: Edições Sesc, 2020.

Na parede sala da casa do músico Guga Stroeter em São Paulo, ainda nos anos 1990, o pôster emoldurado da “árvore do jazz” (The Jazz Tree), que ele havia adquirido em uma loja de discos em Amsterdã, sempre cha- mou a atenção de amigos que o visitavam. A curiosidade que despertava, mesmo naqueles que não eram aficionados pelo jazz, foi o ponto de parti- da para imaginar um projeto semelhante no âmbito da música brasileira, que Guga e Elisa Mori — pesquisadora e sua parceira nessa empreita- da — inicialmente batizaram de “Árvore genealógica da música popular brasileira”.

Na introdução desta publicação agora viabilizada pelas Edições Sesc (2020), Guga conta que ele e Elisa logo entenderam que era prudente não entrar na (velha) polêmica do que seria “legitimamente brasileiro”, prefe- rindo, então, o que “aconteceu no território brasileiro e contou com a par- ticipação de artistas brasileiros, então a música é brasileira”.

A escolha frutificou, e esse critério serviu como norte para a curado- ria, a aventura de tentar dar conta da farta e diversificada coexistência de gêneros e estilos que aqui foram acolhidos, semeados, entrecruzados, colhidos e retransfigurados. Um país que, do ponto de vista estrutural,

“parece ainda em construção e já é ruína” (como disse uma vez Caetano Veloso) e que, ao mesmo tempo, do ponto de vista de seu fértil bioma cul- tural, é palco aberto para sugestivas reinvenções que vêm se espraiando por, e para além, de sua vastidão territorial. E a música que aqui se en- gendra seguramente deriva das criativas inflexões entoativas que a lín- gua portuguesa inspira, com suas improváveis musicalidades e sotaques característicos.

Com o amadurecimento do projeto, Guga e Elisa optaram por retirar do título as palavras “popular” e “genealógica”, e acrescentaram, cautelo- samente, a palavra “uma” para precedê-lo. Afinal de contas, certamente

1 Compositor, doutor em música pela Universidade de São Paulo, coordenador da área de música na Faculdade Santa Marcelina (SP) e autor de Música de Monta- gem: a composição de música popular no pós-1967 (É Realizações, 2017).

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REVISTA DO CENTRO DE PESQUISA E FORMAÇÃO / No 12, julho 2021 Um panorama da música brasileira na visão de seus artistas

haveria “outras” formas de abordar o conteúdo, partindo-se de diferentes critérios de base, estratégias de pesquisa e narrativas de percurso.

No belo pôster que o livro traz encartado, podemos visualizar o cru- zamento das primeiras raízes (africanas, indígenas e europeias) de nos- sa centenária árvore musical, e um tronco central de onde os principais galhos, pouco a pouco, vão lateralmente se esgueirando: música tradicio- nal (a “cultura popular”), música de concerto, samba, marchinha, música caipira, bossa-nova, MPB, tropicália, jovem-guarda, instrumental, forró e baião, entre outros. Acompanhando “com o dedo” cada galho, encontrare- mos outras ramificações como frevo, black music, clube da esquina, van- guarda paulista, rap etc. Ao longo dos galhos e ramos, aparecem os nomes dos(as) principais artistas, sejam compositores(as) ou intérpretes. E na dobra interna da orelha esquerda da capa, o leitor poderá encontrar uma

“Linha do tempo da música brasileira”, listando o surgimento dos princi- pais gêneros musicais entre 1500 e 2020.

O corpo das 386 páginas do livro é constituído de 23 textos escritos, em sua maioria, por músicos participantes de várias das “cenas” musicais selecionadas, quase sempre no olhar de quem viveu a passagem do final do século XX para este início do XXI.

E é justamente nesse contexto que podemos nos deparar tanto com a riqueza quanto com as inerentes contradições da iniciativa. Generalizando, podemos constatar que, especialmente no contexto da música popular, boa parte dos relatos até aqui publicados na forma de livros, artigos etc. vêm sendo feita principalmente por jornalistas, historiadores ou pesquisadores muitas vezes ligados às universidades públicas2. Não é incomum, portan- to, que em tais relatos o resultado possa transparecer o distanciamento que existe entre pesquisador e objeto, o que impede, por si só, que detalhes significativos sejam contemplados. Em contrapartida, como aqui ocorre, ao dar voz aos próprios agentes participantes, a publicação contribui para lançar luz a nuances que muito provavelmente escapariam ao pesquisador

“desenraizado”, já que, no caso de um músico-escritor, sua voz fala de “um lugar” que lhe dá autoridade para isso; conhece os “meandros” porque está intimamente ligado a determinada prática musical e naturalmente envol- vido em seu contexto social. Ao mesmo tempo, compreendendo seu papel na proposta do livro, o músico convidado pode descrever as especificidades do gênero que lhe cabe e, com cautela, colocar-se estrategicamente na posição de observador. Assim evita enaltecer sua própria atuação, mesmo que, em alguns momentos, ela seja bastante significativa.

2 Importante lembrar que a canção popular, por exemplo, ainda não é devidamente tratada como conteúdo musical e artístico nos cursos superiores de música.

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É o que acontece, por exemplo, na afinada “prosa” do violeiro Paulo Freire, em seu texto sobre música caipira e sertaneja:

No Urucuia, tive a oportunidade de assistir a diversas Folias [de Reis]

e de participar delas (como folião). É uma experiência incrível. Vai ou- vindo… (…) depois de cantar anunciando o nascimento, começam as brincadeiras: lundu, dança do quatro, os ponteados de viola. Quando amanhece, a Folia para. (pp. 117-8.)

Numa toada semelhante, o percussionista Ari Colares conta sobre sua primeira, transformadora e definitiva vivência com a cultura popular:

Em minha primeira viagem, aos 18 anos de idade, para o interior do Rio de Janeiro e sua fronteira com Minas Gerais, especificamente para acompa- nhar as folias de reis da região, adquiri uma paixão definitiva pelas músi- cas e danças tradicionais brasileiras. (…) Nas comunidades tradicionais, os ritmos se consolidam como idiomas — dentro da grande linguagem musical

— baseados na tradição oral e na capacidade de seus mestres, guardiões das expressões culturais e musicais, de transmiti-los de geração a geração, até que encontrem outra forma de difusão em ambientes alheios aos ri- tuais, para servirem puramente à fruição estética. (pp. 26-28.)

Já o sambista Nei Lopes, de Irajá (RJ), discorre sobre “O amplo e di- versificado universo do samba” e localiza no século XIX a presença de cor- tejos reais com estandartes etc., nas festas do povo negro baiano, em sua maioria oriundo do oeste africano. Aportando no Rio, tal festejo se trans- formaria nos “ranchos carnavalescos” que teria o “Ameno Resedá” como destaque nos anos 1920: “intitulando-se ‘rancho-escola’, forneceu o modelo no qual se inspiraram as primitivas escolas de samba” (p. 92). Mais tarde,

“… por volta da década de 1970, as escolas começaram a perder o caráter de arte negra para se transformarem em expressão artística mais des- compromissada, eclética e universal” (p. 99).

Ainda sobre esse lugar “musical” de fala, o leitor atento poderá se de- parar com uma série “achados”, como a síntese certeira do “chorão” Izaias Bueno, afirmando que “o choro não é simplesmente um gênero; é uma forma de se executar uma determinada melodia” (p. 89). Ou a curiosa história de uma “tradição inventada”, a das marchinhas de São Luiz de Paraitinga, no cativante conto-canto de Suzana Salles:

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… começou na década de 1980. Alguns moradores, cansados de descer para Ubatuba [SP] e ficar ouvindo som mecânico à beira-mar (…) re- solveram compor (…). O Festival de Marchinhas Carnavalescas de São Luiz do Paraitinga foi a maneira pela qual a cidade começou a inventar a tradição. (…) e tudo foi multiplicado e reverberado, como tudo floresce e acontece em cultura. Carnaval de repertório próprio, com acervo cres- cente de milhares (sim, milhares!) de marchinhas, renovadas a cada ano… (p. 113.)

Mais à frente, completa: “São Luiz do Paraitinga nos lembra que o Carnaval somos nós, nas ruas, cantando e nos divertindo, e essa força da alegria reside no coração e nas mentes de quem o faz” (p. 114).

Abrangente e minucioso, o capítulo “A música pelo Brasil no fim de século” chama à atenção. Formado em jornalismo na federal da Paraíba, o compositor Chico César assume com desenvoltura e precisão o papel de artista-testemunha-repórter. Inicia com a constatação que, de sua imen- sa coleção de discos produzidos nos anos 1990, apenas “a ponta do ice- berg” se fez conhecer. Nessa coleção, “maguebeat, ‘nova MPB’, rap, axé, forró universitário e de pé de serra, bumbá e artistas reunidos estão lado a lado com (…) criadores que não tiveram acolhida generosa no imaginá- rio da restrita cena nacional, mas (…), de fato, deram suporte para que outros ocupassem o front do fulgor fugaz dos holofotes” (p. 263). No caso específico da chamada “nova MPB”, Chico identifica como “decisiva” a pro- jeção do “charme cosmopolita e repertório eclético” de Marisa Monte, e como “pedra básica na fundação”, o álbum Sobre todas as coisas, de Zizi Possi. A quantidade de redutos percorridos e artistas nomeados a seguir é generosa, atravessando São Paulo, Rio-Niterói, Bahia, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Belo Horizonte, Belém, Amapá, Maranhão, Paraíba e Rio Grande do Norte e do Sul.

Como ocorre no relato de Chico César, a visão de Eder “O” Rocha sobre a música pernambucana é ampla e inclusiva, fazendo jus à sua extrema riqueza. Eder parte das três “nações” africanas — nagô, queto e jeje — e passa pela música de candomblé de onde derivam os blocos de maracatu de baque-virado, para chegar em frevo, boi, caboclinho, baião, xote, cavalo- -marinho, estilos de coco, ciranda, música de capoeira, maculelê e música Armorial. Música de raízes sólidas e “alma aberta” (p. 341).

Por outro lado, em outros (poucos) capítulos, em que a tônica da narra- tiva se apresenta muito autocentrada, o relato acaba não dando conta da amplitude do gênero em questão, e artistas desbravadores, fundamentais por sua criação e desenvolvimento, não são adequadamente destacados.

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Ainda assim, o norte curatorial vale a pena, pois o mais intrigante é o que pode ser aferido nas somas e entrelaces de conteúdos, que apenas uma leitura transversal dos capítulos pode proporcionar: determinados movi- mentos musicais e artistas supostamente pontuais vão aos poucos tendo sua importância redimensionada, na medida em que são referências obri- gatórias para muitos dos narradores.

Um exemplo evidente disso é a força da música das comunidades ne- gras, que ao longo dos anos 1970, 1980 e 1990 resistiu enquanto expres- são cultural legítima das periferias das grandes cidades, gestando gêneros que hoje alcançam uma influência protagonista e indiscutível na música do século XXI3. Tais histórias, que se cruzam e se complementam, apare- cem tanto no texto de Marco Mattoli (samba-rock), quanto nos de Jorge Lampa (black-music), do rapper Xis (hip-hop), de Junio Barreto (mangue- beat) e de Kassin (música eletrônica).

Mattoli explica, por exemplo, como a presença contundente da expres- são cultural da população negra nas periferias do Rio, São Paulo e Porto Alegre fez “uma mistura única de samba, rock, soul e funk, [na qual] Jor- ge Ben, Tim Maia, Branca di Neve, Originais do Samba e Wilson Simo- nal (…) são reverenciados e respeitados por uma grande massa (…) como artistas fundamentais (…)” (p. 194); um “fenômeno cultural (…) escondido da mídia, da classe média branca paulistana e do resto do país” (p. 198).

Conta que Jorge Ben, figura central nessa cena, morava no Brooklin (de São Paulo) e personalizava “o lado mais black da jovem guarda”. E em São Paulo também residiam os Originais do Samba e o Trio Mocotó. De Porto Alegre, o “suingue” (como o samba-rock lá é denominado) de Luís Vagner ecoava tradições centenárias de uma cidade que até hoje abriga dois dos mais antigos clubes negros em atividade, além de tradicionais terreiros de candomblé.

O argumento ganha força quando o rapper Xis — da Zona Leste da capital paulista —, ao falar de hip-hop, descreve o surgimento dessa múl- tipla manifestação artística no Bronx (de Nova York) dos anos 1970, capi- taneada por Afrika Bambaataa. Por hip-hop ficaria conhecido o complexo artístico que envolvia dança (os b-boys ou b-girls), artes visuais (o grafite),

3 Esta resenha foi escrita poucos dias após um remix, em levada de funk (carioca), feito pelo DJ Pedro Sampaio (RJ) a partir de uma música de Cardi B, ter sido in- corporado pela rapper nova-iorquina como parte de sua apresentação na cerimônia de entrega do prêmio Grammy 2021.

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e o emergente rap (rhythm and poetry)4. Xis mostra como essas manifes- tações vieram bater no Brasil, via equipes de baile, e ressalta que o movi- mento “Black is Beautiful” tinha o LP Negro é lindo (mais uma vez, Jorge Ben – 1971) como referência seminal.

O tema volta a aparecer no capítulo sobre manguebeat, a cargo de Ju- nio Barreto, de Caruaru (PE). Contextualizando o Recife dos anos 1980, fala que Chico Science:

… participou da primeira “nação”, o coletivo Hip-Hop, grupo pioneiro no gênero em Pernambuco. Nele exercitavam a arte do grafite, do contor- cionismo em forma de breakdance e da poesia cantada com rimas fortes.

Curtiam Africa Bambaataa, (…) que misturou o funk de James Brown com a eletrônica do Kraftwerk no mesmo groove. (p. 348.)

Ao mencionar Fred Zero Quatro, conta que “foi também na adolescên- cia que [ele] descobriu a música e sua grande influência: Jorge Ben (…), com seu som, que misturava samba, rhythm and blues, baião e funk numa alquimia muito original” (p. 349).

A Black Music propriamente dita é o tema de Jorge Lampa. No final de seu texto, Lampa convida todos para uma experiência de escuta reno- vada desse universo cultural, na qual poderíamos colocar, de maneira in- tegrada, nosso próprio corpo como um território aberto para impressões multissensoriais: “afinal, o ouvido pensa, o cérebro dança e o corpo escuta”

(p. 247).

Outras inter-relações sonoras poderão ser identificadas por cada leitor no contato com esse rico emaranhado das vertentes musicais. E há ain- da espaço para a inclusão de conteúdos não explorados a fundo — quem sabe em uma futura reedição ampliada — como a música do Norte, Cen- tro-Oeste e Sul, a vanguarda paulista, assim como uma maior pesquisa dedicada ao também amplo universo de nossa música de concerto (quase uma “árvore à parte”), tanto no âmbito da criação quanto no da interpre- tação. Nomes como Guiomar Novaes, Nelson Freire, Eleazar de Carvalho, Jocy de Oliveira, Flo Menezes e Duo Assad, por exemplo, merecem seu lu- gar no pôster.

4 O rap compreendia a atuação do DJ (Disc Jockey) que enfatizava os “momentos em que as gravações originais priorizavam as batidas, só com baixo e bateria”, e do MC (Master of Ceremonies), que improvisava o canto poético falado sobre essas bases (p. 295).

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Criativa e desafiadora, Uma árvore da música brasileira traz ao final um breve glossário sobre gêneros e movimentos musicais, além das bio- grafias dos autores envolvidos.

E não será surpresa se por acaso algum(a) jovem criador(a), ao ad- mirar o pôster, se sentir estimulado(a) para cruzar o que ainda não se cruzou, contradizer o que ainda não foi contradito e, ao “inventar novas tradições”, poder se lançar sem amarras, sonoramente, a outros infinitos.

E não se esqueça de emoldurar o pôster. Certamente fará sucesso na parede da sua sala!

Referências

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