Prática dialógica de leitura no uso da Biblioteca Escolar
Amanda Chiaradia Magalhães1, Vanessa Cristina Girotto1
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Instituto de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal de Alfenas, Brasil. amanda.ch.magalhaes@gmail.com, vanessagirotto@yahoo.com.br
Resumo: Esta pesquisa tem como objetivo investigar o espaço da Biblioteca Escolar como potencializador da aprendizagem da leitura a partir de uma dinâmica orientada por princípios que regem a leitura dialógica. Buscamos identificar, a partir de observações comunicativas e relatos comunicativos de vida, quais as transformações ocorridas que auxiliaram o rompimento de um espaço, muitas vezes, utilizado para promover práticas mecânicas e desarticuladas de leitura de mundo, a partir da prática da professora responsável por este espaço. Apesar dos desafios encontrados, os resultados indicam uma ampliação nos conhecimentos instrumentais das crianças que frequentaram o espaço, aprendizagem e formação docente dialógica, bem como uma mudança na organização da própria escola, com repercussões para outros espaços educativos da cidade.
Palavras-‐chave: Leitura Dialógica; Biblioteca Escolar, Aprendizagem Dialógica; Sala de Leitura.
Dialogical reading practice in the use of the School Library
Abstract. This research aims to investigate the space of the school library as intensifier of learning to read from a dynamic guided by principles dialogical reading. We seek to identify from communicative observations and communicative reports of life, which occurred transformations that helped the breakup of a space often used to promote mechanical and disjointed practices of world reading, from the practice of the teacher responsible for this space. In addition to the challenges encountered, the results indicate an expansion in instrumental knowledge of children who attended space, dialogical learning and teacher training, as well as a change in the school organization, with implications for other educational spaces of the city.
Keywords: Dialogic reading; School Library; Dialogic Learning; Reading room.
1 Introdução e referencial teórico
A Biblioteca Escolar pode ser um centro dinâmico de grande potencial para desenvolver, junto da sala de aula não só a leitura da palavra, mas também, a leitura de mundo (Freire, 2011) das crianças, dependendo de como é organizado esse espaço. Fazendo rapidamente uma retrospectiva histórica brasileira, sabemos que o espaço da Biblioteca foi pensando desde a colônia (Silva, 2009) mas somente em 2010 foi promulgada a Lei n° 12.244 (BRASIL, 2010) que estabelece, entre outras coisas, que no prazo máximo de 10 anos, todas as escolas do Brasil tenham uma Biblioteca Escolar.
Porém, sabemos que, em muitos casos, existe uma distância entre o que é proposto pela Lei e o que é realmente possível de ser feito ou realmente realizado, como nos revelam os dados do Censo Escolar (2014): das 188.673 institituições escolares no país apenas 67.464 (36%) contam com Biblioteca Escolar. Além disso, de acordo com Maroto (2012) o fato de um gestor declarar que há biblioteca escolar não garante que ela funcione como deveria.
Para Milanesi (2013) o trabalho dentro da biblioteca escolar precisa e deve estar cada vez mais próximo do público que ela atende. Fazer projetos pontuais e, por vezes, longe do interesse dos(as) alunos(as), utilizar a biblioteca como espaço de castigo ou reforço escolar acaba por distanciar ainda mais o sujeito do mundo da leitura.
Pensando em todos esses aspectos a proposta deste artigo é apresentar os dados preliminares de uma dissertação de mestrado que tem como objetivo repensar o espaço da biblioteca a partir da formação dialógica da profissional que atua neste espaço, com o foco na aproximação entre: organização do espaço, recursos e sujeitos para atuarem de forma crítica e efetiva na formação do(a) leitor(a). A perspectiva dialógica de aprendizagem foi elaborada por pesquisadores(as) do Centro de Investigação em Teorias e Práticas Superadoras de Desigualdades-‐ Universidade de Barcelona, ES (CREA) e pode ser definida pela interação social entre as pessoas, mediada pela linguagem e considera esta interação como peça fundamental para a aprendizagem (Flecha, 1997). Tais interações são pautadas por ações fundamentadas teorica e metodologicamente nesta vertente e são orientadas por 7 princípios, são eles: diálogo igualitário, inteligência cultural, transformação, dimensão instrumental, criação de sentido, solidariedade e igualdade de diferenças, “que se articulam [...] e, na prática se dá como uma unidade.” (Mello, Braga & Gabassa, 2012, p. 44).
Assim, a teoria dialógica pressupõe que a leitura compartilhada de clássicos é uma das formas mais efetivas de se ampliar o repertório leitor, constituindo uma atividade educativa de êxito. Além disso, pesquisadores do assunto (Flecha, 1997; Soler, 2001; Girotto, 2011) afirmam que o dialogar a respeito do que está sendo lido ajuda na criação de sentido, potencializa a instrumentalização leitura e escrita melhorando o desempenho dos(as) educandos(as) podendo, dessa forma, associar a leitura da palavra com a leitura do seu próprio mundo.
Podemos afirmar, com base na literatura sobre o assunto, que a leitura dialógica prevê a construção coletiva de significado e conhecimento com base no diálogo, além de que esta forma de compartilhar a leitura permite um aprofundamento tanto no âmbito da leitura da palavra quanto na leitura de mundo, gerando então a ampliação e a construção de novos saberes (Girotto, 2011). Foi pensando nesse impacto positivo que nos propusemos a investigar a transformação do espaço da Biblioteca em leitura dialógica levando em conta os desafios e as potencialidades ali encontrados.
2. Metodologia
Para a realização da pesquisa adotamos como referencial metodológico a Metodologia Comunicativa Crítica (MCC) (Gómez, Latorre, Sánchez & Flecha, 2006) em uma abordagem qualitativa. Tal metodologia, nas palavras de Gómez et al. (2006), pode ser explicada da seguinte maneira “comunicativa porque supera a dicotomia objeto/sujeito mediante a categoria de intersubjetividade e crítica (coincidindo com a metodologia sócio-‐crítica) porque parte da capacidade de reflexão e autorreflexão das pessoas e da sociedade.” (Gómez, Latorre, Sánchez & Flecha, 2006, p. 12) É uma metodologia que requer uma interação horizontal, que busca uma situação ideal de diálogo (Gómez et al., 2006).
Para coleta de dados utilizamos instrumentos específicos da MCC: a observação comunicativa e o
relato comunicativo de vida cotidiana (Gómez et al., 2006) que é realizado em um contexto familiar ao
prevê a reescrita da análise incluindo também a versão do(a) participante. Apenas após esse momento de diálogo e reflexão conjunta é que o texto final da pesquisa é escrito (Gómez et. al, 2006).
No que diz respeito à análise das informações a MCC prevê que os dados sejam organizados identificando os elementos transformadores (que alcançam os objetivos propostos) e obstaculizadores (aqueles elementos que dificultaram e, muitas vezes, impediram a realização da transformação do contexto). Tais elementos obstaculizadores e transformadores são analisados por um viés de mundo
da vida e do sistema, como teorizado por Habermas (1987).
2.1 Procedimentos: a escolha do local, dos sujeitos participantes e coleta de informações
Após a pesquisa ter sido aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade, apresentamos a proposta para a Secretaria de Educação do Município e após aprovação convidamos as instituições de ensino da rede municipal de educação para conhecer a proposta. Encontramos uma escola interessada em participar. A proposta da atividade e da pesquisa foi então apresentada para a direção, supervisão, professoras(es) e para a professora de biblioteca desta escola. Tendo a anuência de todos (as) os (as) envolvidos, inciamos o trabalho.
Durante todo o ano de 2015 a pesquisadora atuou na biblioteca escolar como voluntária e formadora, assim como previsto pela MCC criando uma relação de proximidade entre pesquisadora e sujeitos participantes, para que desta forma, os resultados sejam mais próximos da realidade observada. Foi realizado um acompanhamento semanal na escola, por meio da formação dialógica da professora bem como por meio do referencial teórico da Aprendizagem Dialógica, os aspectos da pesquisa eram explicados e estudados e a atividade de leitura dialógica era desenvolvida.
Já no segundo semestre, após a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido iniciamos a coleta dos dados, e junto a isso, começamos na Universidade um Curso Formação Porfessores de 30 horas na vertente dialógica além de continuarmos com o acompanhamento semanal na instituição. Este curso (oferecido pela orientadora do mestrado em conjunto com as mestrandas) teve como objetivo aprofundar o estudo teórico da proposta que vinha sendo desenvolvida no espaço da biblioteca e foi aberto, também, às professoras de outras escolas e aos estudantes da Universidade. Todas as informações foram gravadas em áudio tendo sempre como foco a atuação da professora de biblioteca.
3. Resultados parciais e discussões preliminares
Realizamos um total de 2 relatos comunicativos de vida cotidiana e 26 observações comunicativas e encontramos vários elementos obstaculizadores e transformadores, porém, para fins de apresentação neste artigo indicaremos o impacto na dimensão instrumental a partir da transformação do espaço físico e a criação de sentido na formação da professora.
Destacamos primeiramente a transformação física do espaço da biblioteca. Em nossa primeira visita o espaço estava desorganizado, estantes altas, acervo desorganizado, mesas enconstadas nas paredes o que dificultava a utilização, luzes queimadas, paredes sujas. Organização esta próxima daquilo que a teoria nos indicou como o não funcionamento correto do espaço da biblioteca (Maroto, 2012), caracterizando um elemento obstaculizador.
luzes foram trocadas. Essa reorganização criou uma aproximação entre o espaço e os sujeitos que o frequentam, tornando este espaço como mais um a favor da aprendizagem de conteúdos escolares. Outro elemento transformador foi o impacto na formação da professora. Em seus relatos comunicativos ela deixou claro que em todos esses anos de trabalho ela não havia participado de uma formação específica para atuar na biblioteca, disse que não conhecia as atribuições do cargo, nem estudos sobre o assunto e que apesar de ter vontade de inovar, ficava sempre presa a projetos pontuais que eram instituídos. Foi a partir da implantação do projeto que ocoreu o que Flecha (1997) denomina criação de sentido para a professora, já que ela teve elementos para buscar e se atualizar, conhecer estratégias de leitura e aprender sobre o trabalho dentro de uma biblioteca escolar. Os resultados encontrados até o momento indicam uma ampliação nos conhecimentos instrumentais das crianças que passaram a frequentar mais o espaço, foco na aprendizagem e na formação dialógica da docente, bem como uma mudança na organização da própria escola uma vez que o projeto continuou na dinâmica curricular em 2016.
Referências
Brasil, (2010). Lei n° 12.244/2010 de 24 de maio de 2010 que dispõe sobre a universalização das
bibliotecas nas instituições de ensino no país. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-‐2010/2010/lei/l12244.htm. Acessado em: 02 de Março de 2016.
Brasil, (2014). Ministério da Educação. Planilhas para download. Brasília: MEC/Inep, 2014. Disponível em:http://www.qedu.org.br/brasil/censoescolar?year=2014&dependence=0&localization=0&it em=. Acessado em: 02 de Março de 2016.
Flecha, R. (1997) Compartiendo palabras: El aprendizaje de las personas adultas a través del diálogo. Barcelona: Editorial Paidós.
Freire, P. (2011) Pedagogia do Oprimido. (50ª ed.) Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Girotto, V.C. (2011) Leitura Dialógica: primeiras experiências com Tertúlia Literária Dialógica com
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Gómez, J., Latorre, A., Sánchez, M., Flecha,R. (2006). Metodologia comunicativa crítica. Barcelona: El Roure.
Habermas, J. (1987). Teoría de la acción comunicativa. Volumen 1. Racionalidad de la acción y
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Maroto, Lucia Helena (2012). Biblioteca Escolar, Eis a questão! Do espaço do castigo ao centro de fazer
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Mello, R.R., Braga, F.M., Gabassa, V. (2012) Comunidades de Aprendizagem: outra escola é possível. São Carlos: EDUFSCar.
Silva, R. J. (2009, julho/dezembro). Leitura, biblioteca e política de formação de leitores no Brasil.
Brazilian Journal of Information Science, v. 3, pp. 75 – 92.
Soler, M. (2001)Dialogic reading: A new understanding of the reading event. (Tese de doutoramento). Universidade de Harvard, Cambridge. Recuperado em 20 de abril de 2016 de http://www.worldcat.org/title/dialogic-‐reading-‐a-‐new-‐understanding-‐of-‐the-‐reading-‐