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O militante clandestino: memória, identidade e família

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Academic year: 2018

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JOSE GERARDO VASCONCELOS·FEDCBA

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AM I L I T A N T E C L A N D E S T I N O : M E M Ó R I A , I D E N T I D A D E E F A M í L I A

(T H E M IL lT A N T IN A C I.A N O E S T A N T S T R U G G L E : M E M O R Y , IO E N T IT Y A N O F A M IL Y )

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B C H -U F G '

P E R iO D IC O SwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

r epr ession wa s their only a im a nd, of cour se, ma king the r evolutiona r y str uggle a necessity for sur viva l. While a voiding r ela tionships tha t might r esult in str ong sentiments ofCBAp a ssio n , a nima ted by their memor ies, r eca lling tha t huma nity does not yes exist for them p e rso n a lly, one ma y see the inhuma n side of things. At the sa me time however it shows the mor e elega nt a r honor a ble mea ning of a per son isola ted in a cla ndestine str uggle. 1t a lso confir ms the fa ct tha t a member of a n illega l or ga niza tion or pa r ty ca n influence his time, r ediscover his identity, r enew his a cqua inta nce with r ela tions a nd, a t the sa me time, dr ea m.

K eyw ord s: C lan d estin e S tru ggle, M em ory,

Id en tity, M ilitan ts

I N T R O D U Ç Ã O

No Período Autoritário brasileiro, que demar-camos aqui de 1964 a 1979 a estratégia dos militan-tes de esquerda, no Brasil, para que tivessem continuidade as suas tarefas e fossem conveniente-mente sustentados seus ideais revolucionários, só poderia ser efetiva em duas situações: enfrentar aber-tamente os dirigentes do Estado, com a certeza do exílio ou da expatriação, ou procurar as sombras do esconderijo para viver na clandestinidade. A primeira opção, certamente, não traria resultados satisfatórios, tendo-se em conta a superioridade militar e bélica dos oponentes que, seguramente, sufocariam os re-volucionários progressistas e exterminariam tanto

Professor adjunto do Departamento de Fundamentos da Educação da Faculdade de Educação - Universidade Federal do Ceará e

Doutor em Sociologia.

E D U C A Ç Ã O E M D E B A T E ' F O R T A L E Z A ' A N O 2 0 • N Q 3 6 • p . 5 1 - 6 6 J9 9 8 • 51

R E S U M O

Tem essa pesquisa o objetivo de estuda r a militâ ncia na cla ndestinida de, sua identida de e a r e-la çã o que se esta belece com a fa milia . Sem luga r deter mina do, tendo a esfer a pública a fa sta da e o dir eito político a vilta do, a opçã o da luta r evolucio-ná r ia er a o único r efúgio. F ugir de tudo o que pa r e-cesse com r epr essã o poder ia ser o único a lento, fa zendo com que a luta r evolucioná r ia pa ssa sse a

ser uma necessida de do sobr evivência . Nã o constr uir la ços que possibilita ssem a emer gência de sentimen-tos, a viva ndo na memór ia a lembr a nça -de que a hu-ma nida de a inda existir ia na sua pessoa , r evela r ia o nã o huma no decr eta do, ma s, a o mesmo tempo, o sen-tido ma is a pur a do do homem, escondido na cla ndes-tinida de poder ia a fir ma r o fa to de que ta mbém o cla ndestino poder ia constr uir opr ópr io tempo, r e-compor sua identida de, r ever seus fa milia r es e, a o mesmo tempo, sonha r .

P alavras-ch ave: C lan d estin id ad e, M em ória, id en

-tid ad e, M ilitan tes

A B S T R A C T

The object of this r esea r ch is to study people involved in cla ndestine str uggles, their identity a nd r ela tionship they esta blish with their fa milies. Without a specific pla ce to live, ba r r edjr om the public

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estes como seus credos de transformação política e social. Na alternativa, a segunda condição, seriam necessárias outras formas de ação, como seqüestros, assaltos, guerrilhas. De toda sorte, era necessário rescrever constantemente o próprio nome com vistas à preservação do homem, objetivando o resgate da sua identidade política.

Os militantes de esquerda, após o movimento militar de 64, e diante da configuração do autori-tarismo, tentavam dar prosseguimento aos sonhos, ao mesmo tempo em que lutavam pela realização de suas utopias. Construiriam os caminhos possíveis de uma luta infindável, de uma época que parecia não exis-tir, de um tempo que, como afirma Boreli (1989), não corre, mas jorra. Eram lugares que distanciavam as vidas e as representações dos militantes, que faziam romper os laços de amizade, que para muitos, não poderiam jamais ser reatados. Para continuar a vi-ver, uma parte do homem deveria deixar de existir: como representação ou efetivamente.

Como a prisão representava o limite da con-dição humana, pois significaria sofrimento, tortura, delação, disputa física e psicológica, para muitos,

que não "optaram" pelo exílio, awvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAcla ndestinida de

seria o caminho viável que se abriria, sabendo dos riscos e dilemas nele inscritos. Contudo, para os jovens de classe média, a quebra dos laços de ami-zade e de família significaria um grande tormento que os levaria a encontrar uma desproteção simbó-lica, na medida em que esse rompimento deixaria o seu mundo vivido à mercê da violência política. Sua vida passaria a seguir um curso aleatório, em que o acaso seria sua única teleologia. O chão mostraria uma fenda imensa, da mesma forma que os indiví-duos, arrebatados pelos prantos, pela finitude, pe-los limites subjetivos, encontravam dificuldades na criação de mecanismos de sobrevivência satisfatórios.

Sem dúvida alguma, isso dificultaria ainda mais o enfrentamento com o regime militar. Mas, poderia ser ainda mais dramático, se esse indivíduo fosse declarado, como sugere Arendt (1990), inimigo ob-jetivo do Estado. Nesse caso, haveria menos opções ainda. As perseguições se avolumariam. Os militan-tes, para se proteger, teriam que se fechar, como que declarando o abandono do público e construindo, em muitos casos, não uma esfera privada como mostra-ria Arendt (1991), mas um espírito de seita .

Deveriam, para isso, buscar nova identidade, uma

identida de flutua nte, elaborada nas intempéries da vida cotidiana ou nos escombros da história.

Na clandestinidade, ao tentar preservar a vida, o indivíduo encontra diversas facetas da morte e da violência. A primeira é, sem dúvida, o rompimento com o mundo concreto dos homens, visto que passa-riam a sobreviver na base da mentira, matando os laços de amizade e construindo nomes e lugares como produtos de sua imaginação, como se pudesse esque-cer o próprio nome e os lugares que colocassem em risco a sua opção a outra, e a principal, é a ruptura com a família, que procuraremos mostrar nesse tra-balho. Contudo, não se pode deixar de lado o objeti-vo maior do militante nem a construção de sua identidade fundada na utopia revolucionária e no sonho coletivo.A

A B U S C A D A I D E N T I D A D E

Em fevereiro de 1978, o comandante do II Exér-cito divulgou em São Paulo a notícia de que fora des-coberto naquela cidade um arsenal guardado pela organização clandestina Va ngua r da P opula r Revolu-cioná r ia - VP R. Essa mesma informação, divulgada pelo J or na l da Anistia (1978), foi passada ao Exér-cito pelo ex-militante da organização, Adilson F er r eir a da Silva , que alguns dias antes fora preso ao tentar assaltar um automóvel de um corretor de imóveis. Ao que se sabe, Adilson vivia na clandesti-nidade há muito tempo, da mesma forma como ou-tros personagens da história brasileira também conheceram a clandestinidade, como, por exemplo,

Luís C a r los P r estes e J oã o Ama zona s.

No caso de J oã o Ama zona s, as últimas notíci-as dadnotíci-as na década de 70 eram de que o dirigente do PC do B havia sido preso juntamente com outros membros do Comitê Central do seu partido em 1976. Inicialmente dado como preso, o que logo foi escla-recido pelos órgãos de segurança que informaram sobre o seu paradeiro, ele estava foragido e condena-do à revelia em vários processos pela Justiça Militar. A nova identidade - a do militante clandestino - para existir e manter-se resistente, deveria ser fun-dada na exclusão, não simplesmente como o ato de assumir a própria negação, mas em afirmar seu uni-verso simbólico na exclusão da alteridade. Esta seria uma identida de r esistente que, segundo Figueiredo (1995), seria a expressão mais depurada do mundo contemporâneo, pois

...0 espír ito do milita nte a tr a vessou toda a ida de moder na , sendo mesmo um de seus r e-sumos ma is expr essivos, cr eio que foi o

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sé-culo XX que a ssistiu o pleno desdobr a mento desta figur a . Neste nosso século, amilitâ ncia tr a nsfor mou-se num dos modos domina ntes de existência e sua insta la çã o a lca nçou uma esca la pla netá r ia . Nã o confinou-se, igua l-mente a uma esfer a de a tivida des: há mili-tâ ncia na política , na r eligiã o, nos negócios, na s a tivida des científica s e cultur a is em ge-r a l, incluindo, pge-r ivilegia da mente, o ca mpo da contr a cultur a . É a militâ ncia como modo de vida (Figueiredo, 1995: 115 e 116).

Todavia, mesmo não podendo restringir a militância à política, é preciso que se esclareça o seu fundamento e se expresse o sentido mais original, pois

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Em nenhuma outr a condiçã o, a militâ ncia se r evela ma is do que na clandestinidade. O

a gr upa mento de milita ntes cla ndestinos r ea -liza a condiçã o pa r a disía ca de um cor te r a -dica l com a tempor a lida de munda na , sujeita a todos os contr a tempos or iundos, entr e ou-tr a s coisa s, da sempr e pr ecá r ia a r ticula çã o do cur to com o longo pr a zo (o tempo r ea l pa ssa a ser o tempo dos contr a tempos .. .) (..).

A cla ndestinida de é o impér io do mesmo

(Figueiredo, 1995: 117 e 118).

o

tempo é um tempo desconexo. Os indivídu-os podem necessitar de ampliação ou diminuição de acordo com as necessidades. Podem viver como re-fugiados em locais considerados seguros por perío-dos longos que conseguem estabelecer uma quebra om o tempo real. Da mesma forma, em um processo de fuga, podem acelerar a temporalidade de acordo

om a sua vontade. Isso implica uma escolha.

Omilita nte cla ndestino nã o escolheu se es-conder a pena s pa r a se pr oteger . Neste ca so, a melhor hipótese ser ia sa ir do pa ís ou a ba ndona r a luta r evolucioná r ia . Ocla n-destino se esconde do inimigo que está no poder , pa r a comba tê-lo. As r ígida s r egr a s

da cla ndestinida de nã o existem pa r a a pr e-ser va çã o do milita nte e de sua or ga niza çã o, como um "bem" ou um "tesour o" que nã o pode ser destr uido. A sua pr eser va çã o é no sentido de lhe possibilita r luta r contr a os milita r es. D os cla ndestinos de que fa lo, a cla ndestinida de foi uma opçã o de luta enã o defuga (Arantes, 1994: 129).

A clandestinidade foi um momento muito difí-cil como opção política. O que poderia ser o "refú-gio" transformava-se em luta revolucionária; o que deveria ser sobrevivência transubstanciava-se em alento e possibilidade. Torna-se um campo minado incompatível com a política, em nome da qual todos lutavam. Para Figueiredo (1995),

militâ ncia é sempr e o oposto do que ser ia uma a utêntica pa r ticipa çã o política . Se en-tender mos o político como o ca mpo comum e público de encontr o da salteridades, que nes-se encontr o nes-se constituem na s e pela s dife-r ença s gedife-r a ndo um pdife-r ocesso pedife-r ma nente de difer encia ções emuda nça s, deve fica r muito cla r a a incompa tibilida de entr e política e militâ ncia qua ndo esta se conver te em modo de vida (Figueiredo, 1995: 118).

As incompatibilidades com a política eram maiores quando a militância era vivida na clandesti-nidade, que representaria a fuga da política e que, na realidade, estava sendo negada pelo Estado autoritá-rio mas poderia representar para muitos jovens mili-tantes a possibilidade de escapar das malhas do terror, pois todo o sentido da vida passaria a ter uma conti-nuidade, mesmo que vivida em um espaço indefini-do ou com um identidade que flutuava em cada nome, em cada novo personagem criado pelo imaginário do militante.

Acresce evidenciar como de enorme importân-cia o despreparo da esquerda brasileira, ou pelo me-nos desses novos militantes da década de 70, para viver em situações limites, em sublevações mais acir-radas, fora do campo da política e, dizer que, ao mes-mo tempo em que precisavam ampliar sua vida política, contraditoriamente fechavam-se num espa-ço de exclusão e de suposta proteção simbólica.

Tudo se deu na década de 70, principalmente marcada pela forte repressão política, como também pelo fato de nenhuma organização de esquerda estar suficientemente preparada para enfrentar a máquina do terror institucionalizado. Todos sabiam que o raio de ação do Estado era amplo o suficiente para de-tectar os possíveis inimigos. Mesmo assim, alguns militantes da época não percebiam a própria impo-tência militar e psicológica. Vejamos o que Gabeira afirmava em 1978:

Centena s de pessoa s for a m tor tur a da s por -que, por exemplo, empr esta va m livr os. U m

(4)

a migo meu foi tor tur a do vá r ios dia s por que er a meu a va lista . E a ntes de eu ter a tivida de política . Sinto ma is pr ofunda mente a

violên-cia contr a ele do que contr a mim.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAO que eu esper a va deles er a pa u e o que eu da va er a

pa u. Eu esta va psicologica mente pr epa r a do pa r a enfr enta r a quela situa çã o (Gabeira,

1979: 37). .

Provavelmente, essa não será a posição do Gabeira de hoje, pois, ao recuar do tempo, pôde per-ceber de forma mais larga o contexto onde se encon-trava, o que possibilita a tematização da história, não como uma coisa dada, mas como um tempo saturado de "agoras" (Benjamin, 1994), que podem ser inter-pretados e rememorados, principalmente se levarmos em conta que, para muitos militares, a vitória da cha-mada linha dur a dos militares deve-se ao Gabeira,

que teria iniciado a guer r a suja .ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAÉ o que afirma o general Fontoura.

Oobjetivo da Revoluçã o nã o er a dur a r vinte a nos. Agor a , qua ndo começou a luta a r ma -da , a r evolta a r ma -da contr a a Revoluçã o, a coisa mudou de figur a . F oi isso que nos fez muda r . No fundo, no fundo, é como eu digo: quem começou essa histór ia foi o "seu G a beir a '' (Fontoura, 1994:83).

É evidente que, no momento de conflito, no instante em que a esfera pública se fechava, haveria forte possibilidade de endurecimento, de ambas as partes. Aqui marca-se o conflito de memórias que pudessem recompor simbolicamente o tempo passa-do. A esquerda para reaver os direitos usurpados e a direita para manter o que chamava de r evoluçã o.

Regina C élia Za netti, I 45, militante da União

das Mulheres Cearenses - UMC e do Partido da Re-volução dos Trabalhadores(as) pela Emancipação Hu-mana -PART, desenvolvia em 1968 estudos em um "cursinho" em São Paulo, tendo, no ano seguinte, logrado classificação para o curso de Letras da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, onde integrou o Centro Acadêmico Sapiência. O Centro Acadêmico foi fechado e forçado à clandestinidadeCBA

ex vi do tão odiado Art. 477 , passando Zanetti a fa-zer parte do Diretório Acadêmico da Faculdade São Bento, da mesma PUc. Pertencia, à época, ao PC do B, mas nutria bom relacionamento com a Açã o Liber ta dor a Na ciona l, instituída em São Paulo no ano de 1967, inicialmente com a denominação de Agr u-pa mento C omunista de Sã o P a ulo - AC -SP . Essa vinculação com a ALN solicitou ao seu encalço o então delegado Sérgio Paranhos Fleury e os vários aparelhos repressores.

Zanetti ensaia a descrição do sofrimento do clandestino, de grande intensidade, e que deve ser cobrado como dívida, consoante seu depoimento.

É uma dívida que a gente tem com o bur -guesia , com a dir eita , com os ór gã os de r e-pr essã o que se ma ntêm e que a gente quer cobr a r em a lta conta (..). Entã o você a r r

e-benta com a vida de uma pessoa , com os so-nhos, com o s pla nos, com os pr ojetos, quer dizer , você tem 18,20, 21a nos, no a uge do idea lismo; entã o, o pr imeir o e gr a nde ba que.

Érealmente desolador ter que redefinir a vida e, muitos anos depois, descobrir que o sacrifício rea-lizado para materializar um grande pr ojeto coletivo

não surtiu os efeitos desejados. Ao despertar dessa situação de sonho, embora intensamente vivido numa duríssima realidade, é que se descobre terem sido as marcas muito profundas, cujas feridas não foram todas cicatrizadas quando se desvela a política, e o que se encontra é uma visão de sacrifício, forjada pelo próprio militante, que, ao construir suas lem-branças evidentemente assume uma memória herói-ca e, em muitos herói-casos, ressentida com o mundo, pelos fracassos individuais e coletivos. O sentimento de culpa, mesmo que escondido, revela-se na fala e na revolta que passa a ser articulada ao próprio discurso.

Era como se o indivíduo tivesse que pagar pelo crime da vida com o renascimento constante de no-vos indivíduos sem identida de, gerados de sua con-dição de clandestino. O outro de si brotaria da sua exclusão, do seu silêncio e da busca constante de novos lugares e novos nomes. A identidade necessi-tava desvelar a máscara que encobria a pessoa do

1 Participou, juntamente com seu companheiro.Jorge Romeu Paiva, 46. da fundação do Comitê Democrático Operário e Popular no

Ceará. Zanetti e Paiva fizeram parte, ainda, do Partido Comunista do Brasil (PC do B) e de uma dissidência dessa agremiação intitulada Partido Comunista do Brasil ( Marxista Leninista) - PC do B (ML). Esse último deu origem ao Partido Revolucionário

Comunista - PRC, o qual, depois de novas divergências filosófico-partidárias, determinou a fundação do Partido da Revolução

Ope-rária - PRO, extinto em 1995 para formar o PART(Partido da Revolução dos Trabalhadores(as) pela Emancipação Humana).

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-militante, gerando uma bipolaridade de identidade. Como afirma Maffesoli (1996), essa bipolaridade é produzida na tensão entre o indivíduo (fechado) e pessoa (aberta).

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pois O autoritarismo tentou matar, não só efetivamente

como também simbolicamente, os indivíduos consi-derados opositores. Neste caso, Zanetti nos mostra que na busca de preservação da vida, havia a neces-sidade, por exemplo, de matar o nome. A sua identi-dade consistia em desfazer a própria identidade. O clandestino é sempre outro e os laços afetivos que poderiam afirmar sua condição humana deveriam ser desfeitos:

... toda e qua lquer a miza de que você fa zia , pelo menos no meu ca so, er a na ba se da

men-tira;a qui eu tinha uma identida de, em Recife eu constr uí outr a . F iz supletivo em Recife, tr a -ba lhei numa fir ma como secr etá r ia , ma s tudo em cima da mentir a . Ta nto no loca l de tr a ba -lho, loca l de mor a dia e cor ta ndo consta nte-mente essa s r ela ções por que qua ndo você começa a fica r visa do num ca nto, mesmo sem você esta r milita ndo, como er a o meu ca so, ma s você nunca poder ia estr eita r la ços de a miza de e fica r muito tempo. D e r epente você desa pa r ece e dizia : olha , vou escr ever . D a va um ender eço fictício e vocêmatavatodo a que-le sentimento, a quela a miza de, a quela r ela çã o.

Nesse sentido Pollak (1989) nos alerta para o fato de que a memória:

... nã o pode muda r de dir eçã o ede ima gem br u-ta lmente, a nã o ser sob o r isco de tensões difi-ceis de domina r , de cisões e mesmo de seu desa pa r ecimento, se os a der entes nã o puder em ma is se r econhecer na nova ima gem, na s nova s inter pr eta ções do seu pa ssa do individua l e no de sua or ga niza çã o. O que está em jogo na memór ia é ta mbém o sentido da identida de in-dividua l e do gr upo (pollak, 1989: 10).

o entanto, a luta pela vida representava em de-terminados momentos a morte dos sentimentos e/ou do passado. O clandestino não poderia construir his-tória. Esta seria sempre organizada como um projeto. A tradição era simplesmente aniquilada ofici-almente pela violência, mas sobrevivia simbolicamen-te na memór ia . Era como se cada instante da vida representasse sempre um amanhã e um novo trunfo de prosseguimento. O clandestino sempre partia do zero no que se refere a sua vida legal. Ele seria sem-pre outro, pois é como se estivesse constantemente morto, morrendo ou com a morte decretada.

E D U C A Ç Ã O E M D E B A T E · F O R T A L E Z A · A N O 2 0 • N Q 3 6 •FEDCBAp .A5 1 - 6 6 I 9 9 8 • 55

A bipola r ida de (..) deve, é cla r o ser compr

e-endida como uma tendência ger a l, como a lgo que va i ser a ca usa e o efeito de um "espír ito

do tempo" especifico. No ca so, o pr edomínio da pessoa ( per sona ) é cor r ela tivo a uma r e-a lide-a de r ela ciona l, a um pr ima do da comu-nica çã o. Essa poder á ser de diver sa s or dens, encontr a mo-Ia na s socieda des onde a dimen-sã o r eligiosa desempenha um gr a nde pa pel, ou a inda , o que está bem pr óximo, no que diz r espeitoCBAà a ptidã o festiva . Encontr a mo-Ia ta mbém nos a mbientes emociona is pr ópr ios à comunida de, e a té num pensa mento políti-co (Maffesoli; 1996: 310).

Os clandestinos que rememoram esse contexto bipolar de suas vidas transitam suas lembranças entre o individual e o coletivo, aguardando com muito cui-dado o momento exato para sair da clandestinidade mnemônica, podendo assim transitar entre o vivido e o transmitido e alçar uma vôo mais longo ao espaço público, para assim reforçar coletivamente essas lem-branças. Sobre isso Pollak (1989) revela que

... há uma per ma nente inter a çã o entr e o vivi-do e o a pr endivivi-do, o vivido eo tr a nsmitido. E essa s consta ta ções se a plica m a toda for ma de memór ia , individua l e coletiva , fa milia r , na ciona l e de pequenos gr upos. Opr oblema que se coloca a longo pr a zo pa r a a s memór i-a s cli-a ndestini-a s e ina udíveis é o de sua tr a ns-missã o inta cta a té o dia em que ela s possa m a pr oveita r uma oca siã o pa r a inva dir o espa -ço público epa ssa r do nã o dito à contesta -çã o ea r eivindica çã o (Pollak, 1989: 08).

Devemos esclarecer, ainda, que a relação en-tre o individual e o coletivo como ato mnemônico não deve ser fundada nos espíritos nacionais ou em monumentos, próprio de abordagem durkheimiana,

(6)

I D E N T I D A D E F L U T U A N T E E A B U S C A

D O N O M E zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

A vida legal precisava ser reconstruída; mes-mo que contingentemente, o clandestino precisava de

um nome:wvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

C omo instituiçã o, o nome pr ópr io é a r r a n-ca do a o tempo, a o espa ço e à s va r ia ções de luga r e de momento: a ssim, pa r a a lém de toda s a s muda nça s e jlutua ções biológica s e socia is, ele a ssegur a a os indivíduos de-signa dos a constância nominal, a identida -de com O sentido de identida de a si mesmo, de constantia sibi, exigida pela or dem so-cia l. C ompr eende-se, entã o, que, em inúme-r os univeinúme-r sos socia is, os dever es ma is sa gr a dos em r ela çã o a si mesmo tomem a for ma de dever es em r ela çã o' a o nome pr ó-pr io (Bourdieu, 1996: 78).

Essa reconstrução, porém, dependia da docu-mentação instituídajuridicarnente. A mentira do novo personagem transformava em verdade legal o outro de si mesmo que brotava com a sua mor te simbólica .

O clandestino passava a se esconder na documenta-ção de um outro imaginário, que, ao mesmo tempo, dividia sonho e realidade. Zanetti relatava os cami-nhos da legalização de sua outra personalidade.

Eu mor a va numa pensã o em Sã o P a ulo, de uma a miga minha ; r oubei a cer tidã o de na s-cimento - documento que tinha foto nã o da va (...). Aqui em Messeja na , que er a um loca l de menor contr ole, um loca l ma is a fa sta do, eu me a pr esentei lá numa delega cia com a cer tidã o de na scimento e consegui tir a r a identida de. A pa r tir da í a gente constr uiu toda uma documenta çã o dessa a miga minha . D o J or ge - meu compa nheir o -, a gente fez uma documenta çã o do na da , quer dizer , a gente montou uma cer tidã o de na scimento. P a ssá va mos a noite toda a pa ga ndo - isso pa r a nã o fer ir Opa pel - muito deva ga r . D e-mor a mos ma is de um mês a pa ga ndo. C

onseguimos a pa ga r e monta r uma nova per sona -lida de.

O processo cuidadoso de reconstrução do nome passava a ser fundamental, principalmente do ponto de vista simbólico, pois

o nome pr ópr io é (...)pr oduto do r ito de ins-tituiçã o ina ugur a l que ma r ca o a cesso à exis-tência socia l, ele é o ver da deir o objeto de todos os r itos de instituiçã o ou de nomina çã o sucessivos pelos qua is se constr ói a identi-da de socia l (Bourdieu, 1996: 79).

Ocorreu consoante a lúcida referência de Bourdieu (1996), isto é, o militante clandestino foi conduzido a um refúgio sob a falsa personagem, a qual, uma vez "legalizado" o documento, passaria a ser erdadeira, tanto no simulacro do nome, como na pessoa correspondente.

O abrigo dissimulado, esse não-lugar poderia representar, se olhássemos a partir de um viés não policial, um locus de segurança onde o tempo contí-nuo deveria ser recortado e reconstruído num res-guardo imaginário de segurança. Para Figueiredo (1995),

a cla ndestinida de éum r eduto da segur a nça ,

éo gr a nde dique a pr oteger a s fr icções que sustenta m essa identida de contr a a s ma r és do tempo e a s ma r ola s do outr o (Figueiredo,

1995: 118).ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

É O lugar da não-política, onde não se pode

falar em disputas, em alteridade: é o lugar do mes-mo, onde a comunicação encontra os limites de uma temporal idade que não pode ser vivida. É ainda o lugar onde os sentimentos e afetos (que como afir-ma Maffesoli( 1996) deveriam participar da cons-trução dessa identida de bipola r ) são quebrados pela força da violência.

Os processos de entrada na clandestinidade, embora pareçam diversos, na realidade, assemelham-se no assemelham-seu fundamento. Outro depoente que passou pela clandestinidade foi P a ulo Emilio de Aguia r .?

Lembra-se do momento em que, no início da década

2 Foi membro do grupo liderado por J.Pousadas, até o momento em que rompe e passa a integrar a chamada Fração Bolchevique Trotskista - FBT. Com a repressão, sai do Estado, abandona o curso na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, segue

clandestinamente para o eixo Rio/São Paulo, passando por alguns Estados do Norte e Nordeste. Participa de encontros e conferências

internacionais de seu grupo político, até o momento em que foi capturado pela repressão.

56 • E D U C A Ç Ã O E M D E B A T E · F O R T A L E Z A · A N O 2 0 • N Q 3 6 •FEDCBAp . 5 1 - 6 6 J9 9 8

(7)

a-zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAde 70, o seu grupo começa a sofrer perseguições

po-líticas por parte dos agentes do autoritarismo. Inicial-mente, entra numa semiclandestinidade, evitando freqüentar locais muito movimentados. Com o tem-po, não assistia mais às aulas na Faculdade de Direi-to da Universidade Federal do Ceará. Consegue finalmente escapar e acolhe-se na casa de militantes do Partido Comunista Brasileiro, que, apesar de sa-berem ser Aguiar integrante de outro grupo político,

om ele foram solidários. Conta-nos awvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAvia cr ucis de reconstrução de sua identida de, uma vez que sua

morte estava decretada.

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F ui da qui pa r a o Ma r a nhã o. Mudei de nome e ca r teir a de identida de. Eu consegui a tr a -vés de uma pessoa que tinha a cesso(..) a o ca r tór io. A pa r tir da í eu disse qua l er a o nome que eu quer ia pa r a mim. H omena gea n-do os gr a ndes nomes da histór ia , cr iei um nome pa r a o meu suposto pa i epa r a a minha suposta mã ee meus supostos a vós. As da ta s muito a dequa da s a os ma is diver sos momen-tos histór icos da s r evoluções mundia is. E a ssim sa í com esseDossiê Histórico gravado no meu nome. Tir ei C a r teir a de Identida de no Ma r a nhã o, tir ei C er tidã o de Alista mento Milita r e fui pa r a o Rio de J a neir o, onde ten-tei encontr a r com uma velha compa nheir a do G enoíno.

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Contudo, mesmo com a histór ia gr a va da no seu nome, o que poderia corresponder a uma certa satisfação (e daria uma idéia de infinitude, de uni-'ersalidade, de cosmopolitismo), o outro nome, o ver-dadeiro nome, não deixara de existir e era carregado no fundo falso de uma mala. Era como se quisesse mostrar o grande conflito do sonho e da realidade e

ue tudo não passava de uma grande, porém neces-sária, mentira. Aguiar lembra-se do que fez com o pouco dinheiro que sobrou da compra dos documen-tos falsos e com a ver da deir a identidade:

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le, m

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Esse dinheir o, eu meti dentr o de um fundo fa lso da ma la (..), soquei o dinheir o, soquei

osdocumentos verdadeiros, autênticos e, co-migo, eu leva va os documentos fa lsos. E a s-sim, comecei a viver na cla ndestinida de.

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sue .ias

Tudo isso, então, significava reconstruir o nome e, ao mesmo tempo, não poder desligar-se com-pletamente do antigo nome; transformar-se de agora

em diante num cidadão do mundo, num representan-te dos grandes personagens homenageados e grafados no seu novo nome. Era um indivíduo novo, que não poderia se descolar completamente do antigo, mas que, ao trazer a história em seu nome, colocava-se como um ser que poderia ultrapassar o tempo. Mui-tas vezes, a diversidade de nomes era lembrada com muito carinho pela família. É o caso de H elenir a Resende de Souza Na za r eth.

Em que leito de r io cor r er á teu sa ngue? Lenir a , pa r a uns ... P r eta pa r a os colega s da

U SP ... Nir a entr e osfa milia r es, F á tima pa r a os compa nheir os do Ar a gua ia .., H elenir a foi, a cima de tudo, uma cida dã br a sileir a cons-ciente dos seus a tos, que empunhou a ba n-deir a da justiça e da liber da de, luta ndo obstina da mente a té a mor te (Depoimento de Helenauda Rezende, sua irmã, in:Dossiê dos mor tos e desa pa r ecidos políticos a pa r tir de

64, 1995 :299).

Todavia, a busca na vida clandestina era travesti da simbolicamente de finitude, ao mesmo tempo em que haveria sempre um determinado lu-gar para a esperança, projetos e satisfações. A vida cotidiana continuava existindo. Por maior que fos-se a tentativa de desumanização, isso não atingiria completamente o mundo vivido, pois, segundo HeIler (1989), a vida cotidiana é a vida do homem por inteiro.

o

homem pa r ticipa na vida cotidia na com todos os a spectos de sua individua lida de, de sua per sona lida de. Nela , coloca m-se "em funciona mento" todos os seus sentidos, to-da s a s sua s ca pa cito-da des intelectua is, sua s ha bilida des ma nipula tiva s, seus sentimentos, pa ixões, idéia s, ideologia s (HeIler, 1989: 17).

Os clandestinos, que com todo o esforço desenvolveram uma estratégia de sobrevivência,

vi-eram o cotidiano, mesmo no novo mundo: irreal, em alguns momentos, imaginário em outros, po-rém, ao mesmo tempo recheado de realidade ple-na, mostravam caminhos concretos, possibilidades efetivas e cabíveis a qualquer ser humano. Mesmo assim, era doloroso saber que muitos amigos esta-vam sendo abatidos, e, nesse caso, o sentimento de impotência ampliava-se cada vez mais, como relata Zanetti:

(8)

... o negócio foi tã o violento, você ver o pesso-a l sendo mor to por besteir pesso-a (...). O Honestino'

foi mor to, o Gilda ,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA4aCBAH elenira,5tudo bem que

ela a inda esta va m na guer r ilha , ma s esses meninos nã o tinha m na da a ver com luta a r -ma da . Que na da , er a a UNE, er a o Movimen-to Estuda ntil, o pessoa l todinho do dir eito e da economia lá da P Uc. Entã o, um negócio a ssim muito violento, depois o exter mínio da -quele pessoa l da dir eçã o qua se toda do comi-tê Centr a l do P C do B lá na La pa . Eu me lembr o que eu esta va em Recife. Entã o um pr o-cesso muito violento e uma sensa çã o de for ça de poder io muito gr a nde dos milita r es. P a r a mim, aquilo seria eterno.

Era um mundo carregado de rupturas, abalado em projetos não realizados. Em determinados momen-tos, desenvolveu-se o sentimento da derrota, do medo da destruição e, também, da indignação. Simbolica-mente, os problemas se multiplicavam para o clan-destino. Outros setores que faziam parte de suas vidas e que não poderiam ser reencontrados amarguravam o sentimento de perda do seu mundo, dos laços fami-liares e de amizade, como também o próprio domí-nio da política e da liberdade.A

A M E M Ó R I A F A M I L I A R E A

C L A N D E S T I N I D A D E

Em 25 de julho de 1992, Dona Ma r ia de Lour des Mir a nda Albuquer que, (dois dias depois, completaria 70 anos), viúva deMá r io Albuquer que,

antigo membro do P a r tido Comunista Br a sileir o,

concedia entrevista ao jornal O P O V O , diário da ci-dade de Fortaleza - Ceará - Brasil. Teve uma família "complicada": três filhos e uma filha presos. Um genro e duas noras participaram da luta armada e, como os filhos, também foram perseguidos e presos

pela repressão. Complementando o ritual de perse-guição, sua residência fora invadida várias vezes pela polícia política. Nesse dia, O P O V O publicou uma matéria a seu respeito, intitulada Mã e Cor a gem.

F or a m dia s e noites de hor r or . "Meu ma r ido mor r eu por nã o supor ta r a s tor tur a s de nossos filhos e a s muita s inva sões à nossa ca sa ", con-ta , sem per der a a ltivez e o por te, ma r ca s que a distinguia m no pa ssa do na s muita s incur sões que fez à s pr isões à pr ocur a de notícia dos fi-lhos (JornalO P OVO, 25 de julho de 1992:6B)

A memória familiar marcada pelos sofrimento de seus filhos pode ser profundamente marcada pelo ressentimento de perdas e ausências de seus mem-bros. Contudo, a história da família poderia recom-por essas perda em sentido heróico, como se pudessem reforçar as tradições de militância herda-da dos antepassados. Os filhos nunca seriam incul-pados pelas opções tomadas, mesmo que estas opções quando colocadas em conflitos familiares gerassem ausências e mortes.

No caso do clandestino, a marca do heroísmo poderia ser integrada ao discurso familiar se esta tivesse um histórico considerado progressista, como era o caso da família de Dona Lour des Albuquer que. Todavia, o clandestino seguiria um curso desconhecido. A primeira grande providên-cia era determinar o indeterminado para ser o seu novo mundo, percorrer caminhos que poderiam ser aparentemente sem limites. Isso poderia represen-tar a possibilidade de sobrevivência individual e do grupo e, conseqüentemente, o estabelecimento de níveis cada vez maiores de rupturas com o pas-sado vivido ao lado da família e amigos. Isso reve-laria ao militante clandestino os limites da vida subterrânea e, ao mesmo tempo, o silêncio e a perda da temporalidade.

Honestino Monteiro Guimarães, militante da Ação Popular Marxista Leninista (APML), presidente da UNE no final da década de 60, desaparecido desde 1973, quando tinha 26 anos.

4 Trata-se de Gildo Macedo Lacerda, militante da Ação Popular Marxista Leninista (APML). Nasceu na cidade de Ituiutaba, no

Triângulo Mineiro, em 8 dejulho de 1949. Fez teatro amador em 1965 e 1966, participando como sócio ativo do Núcleo Artístico de Teatro Amador - NATA. Ainda secundarista, foi orador oficial da União Estudantil Uberabense (DEU) e do Partido Unificador Estudantil ( PUE). Em 1968, ingressa na Faculdade de Ciências Econômicas (FACE) da Universidade Federal de Minas Gerais. Foi logo excluído com base no decreto-lei 477, de fevereiro de 1969. Transfere-se para São Paulo, em seguida para o Rio de Janeiro. Foi eleito vice-presidente da União Nacional dos Estudantes durante a gestão 60170 na última diretoria antes da desarticulação total da entidade. Entra na clandestinidade; foi preso em 22 de outubro de 1973, em Salvador. Foi transferido para o DOI-CODI do Recife, onde foi torturado até a morte, no dia 28 de outubro de 1973.

5 Helenira Rezende de Souza Nazareth, militante do Partido Comunista do Brasil, (PC do B). desaparecida desde 1972, na guerrilha do

Araguaia, quando contava 28 anos.

58 •ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAE D U C A Ç Ã O E M D E B A T E • F O R T A L E Z A • A N O 2 0 • N Q 3 6 •FEDCBAp . 5 1 - 6 6 I 9 9 8

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ÉwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAnesse momento que o milita nte começa a escuta r o ba r ulho do silêncio, e a pensa r que

o tempo pa r ou sobr e sua ca beça . O s dia s pa ssa m a ser a bsoluta mente infindá veis. As menor es coisa s pa ssa m a ser indispensá veis

à vida . O cla ndestino deixa de ser dono do seu tempo (Arantes; 1994: 148).

Os laços afetivos começavam a ser quebrados. Era, por exemplo, questão de segurança, romper o contato com a família. E a família, desejaria romper o contato com o seu filho ou com seu parente? Esta-ria preparada para fazê-lo? Se o filho preso pudesse ser visitado, a mãe, principalmente, saberia onde localizá-lo? E o filho clandestino, onde encontrar?

Uma das grandes dissoluções enfrentadas pelo clandestino e que o marcaria definitivamente no seu percurso infindável, além da extinção do nome, era a idéia de ruptura com suas origens, a construção da passagem e da travessia para lugar nenhum. Mas, era o "abandono" da família um dos principais e grandes tormentos do clandestino. Para Zanetti, era o rompi-mento com qualquer relação familiar, que poderia ou não lhe garantir a sobrevivência. De forma pausada, explica:

Eu nã o sei se você sa be, ma s gr a nde pa r te do pessoa l que ca iu, que foi pr eso, que foi a pa ga do, foi por conta de ter ma ntido a r e-la çã o com a fa mília .

Esse sentimento de desprazer intenso é repos-to na memória como uma dívida. A necessidade de retomar ao cenário político é reconstruída pela soei-ahzação da palavra. Ao mesmo tempo em que a es--- é indispensável, o clandestino precisa existir

o pessoa, necessita de um nome, um lugar e uma idade. A tentativa de controle do indivíduo le-ao rastreamento, por parte dos órgãos de essão, das relações familiares. Em plena

clandes-de, jovens da classe média, sem muitos esque-5ce sobrevivência, tendo que romper contato com :_- ilia e, muitas vezes, até com o partido, foram ~_~etidos ao "abandono". De um lado ou de outro, eduzidos simbolicamente a fragmentos, vio-s em vio-sua dignidade, em seus projetos

coleti-dividuais.

_;0 caso da família, um pequeno deslize quan-telefonema, uma carta, um encontro, pode-ar rastros ppode-ara a repressão. O abandono total c c z s e q ü e n te m e n te , a decretação da morte da famí

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P E R IO D IC O S

lia, poderia significar uma ambígua possibilidade de preservação da vida. Zanetti, ao relatar suas memó-rias, diz:

Ocor te tota l com a fa mília cr iou um pr oblema ter r ível, ta nto da pa r te do J or ge como da mi-nha (..). Entã o se você nã o tem muito cla r o o que você está fa zendo a li e você fa z uma opçã o consciente de sa cr ifica r esses la ços fam

ilia-r es(...), você da nça . Você sa be que sa cilia-r ifica os fa milia r es em pr ol de um pr ojeto ma is a br a

n-gente onde eles fa zem pa r te ta mbém.

O projeto mais abrangente do clandestino era um projeto político que visava a lutar contra o poder estabelecido, para existir individualmente. Contudo, deveria submeter os seus próprios laços afetivos e individuais, em nome dos quais também se lutava. A família não estava sendo morta definitivamente para os que opta r a m pela clandestinidade, estava sendo momentaneamente a ssa ssina da , para ressuscitar em outro tempo, em um tempo de normalidade e de se-gurança. Quem sabe, até um tempo de felicidade e igualdade para todos!

Mesmo assim, os militantes de esquerda eram, muitas vezes, responsabilizados e inculpados pela própria família, como se levassem ao longo dos seus dias um eterno peso e um sentimento infindável do abandono, ou poderia ser simplesmente a punição que a esfera privada imporia aos ideais utópicos dos mi-litantes revolucionários de esquerda. Para Zanetti,

A fa mília todinha , a té hoje, r esponsa biliza a gente. Ta nto pela s mor tes como pela s doen-ça s, ou pelo envelhecimento de pa is e ir mã os, quer dizer , é o ca os cr ia do na fa mília .

Decretar a mor te da família em nome de um projeto foi a primeira condição imposta pelo terror do Estado. O direito a um projeto representava a pulverização do indivíduo e a "morte do passado". Viver escondido, caçado, perseguido, era o preço para continuar vivendo efetivamente. O indivíduo, vítima do terror, ultrapassando os limites prescritos pela violência, reencontra nas lembranças a amar-gura de suas opções. A família, por outro lado, prin-cipalmente a figura materna, desesperava-se em situações de perda ou de sumiço dos filhos, mesmo quando essa família tem um histórico de militância. Essa memória familiar é relatada por Dona Lour des Albuquer que.

(10)

Eu nã o sa bia pa r a onde ele tinha ido. F ui na P olícia F eder a l e eles dizia m que nã o sa bi-a m. Eu dizibi-a : sbi-a be, pois o Xbi-a vier da P olícia F eder a l esta va lá . F oi ele quem tir ou meufi-lho de lá . Eu pa ssei oito meses a tr á s do P edr o. Er a na F eder a l, er a na P olícia , er a no Exér cito. Todos os dia s eu ia lá . Ninguém da va notícia s do P edr o. F or a m oito meses. Eujá esta va que nã o a güenta va ma is. Até que meu sobr inho, que er a ca r teir o, chegou com a notícia da mor te de um estuda nte, que

po-der ia ser o P edr o.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAEu saí como uma louca na rua, como uma louca,nã o sa bia nem o que ia

fa zer . F ui na F eder a l, nã o sa bia m, fui ba ter na 1I)"Regiã o Milita r . C heguei lá entrei cor-rendo como uma loucae o gua r da a tr á s cha -ma ndo, pedindo a identida de, fui lá em ci-ma e eles quer ia m me da r um copo de leite. Eu dizia : eu nã o quer o, com esse leite vocês ma ta m estuda ntes, eu estava louca Eles di-zia m pa r a eu me a ca lma r , per gunta va m se meu filho er a milita r . Eu dizia : D eus me livr e dele ser milita r . Eu me a ca lmei, eles per gun-ta r a m: Oque é que a senhor a quer . Eu entã o contei toda a histór ia . Eles disser a m que meu filho esta va em Br a silia . Eu per gunta va se ele esta va vivo. Eles dizia m que sim. Sente a í, eles disser a m, que nós fa zemos um comu-nica do pa r a Br a sília . Eles se' comucomu-nica r a m e me disser a m que o P edr o chega r ia da qui a 20 dia s. Eu sem a cr edita r , ma s ele chegou.

Tem-se na memória familiar a necessidade do amparo e da proteção, que fora quebrada pela puni-ção aos filhos revolucionários. As figuras maternas encontravam limites para buscar os seus filhos, essa busca que poderia estar no limiar da loucura ou da irracional idade. Era a resistência de comunidades afetivas que tentavam preservar os seus descenden-tes da violência.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAÉ nesse momento que encontramos na memória familiar dos excluídos políticos a fron-teira entre o dizível e o inefável, o confessável e o silêncio. Temos a marca da proteção e, ao mesmo tempo, revela-se uma separação entre

uma memór ia coletiva subter r â nea da socie-da de civil domina socie-da de gr upos especificos, de uma memór ia coletiva or ga niza da que r e-sume a ima gem que uma socieda de ma jor i-tá r ia ou o Esta do deseja m pa ssa r a impor

(Pollak, 1989: 08).

A vida de Zanetti e o seu percurso na clandes-tinidade têm um alcance que poderia sintetizar várias outras vidas de militantes que passaram pela experi-ência da clandestinidade. A memória subterrânea desses excluídos políticos poderia ser, ainda, tema-tizada com o desamparo sob o qual o indivíduo clan-destino é, acima de tudo, um ser jogado no mundo, concomitante à sua responsabilidade por um grande projeto, de custosa execução. Para Sartre (1987),

Ohomem é, a ntes de ma is na da , a quilo que se pr ojeta num futur o, e que tem consciência de esta r se pr ojeta ndo no futur o. D e início o homem é um pr ojeto que se vive a si mesmo subjetiva mente a o invés de musgo, podr idã o ou couve-flor ; na da existe, a ntes desse pr o-jeto; nã o há nenhuma inteligibilida de no céu, e o homem ser á a pena s o que ele pr ojetou ser (Sartre, 1987:06).

Esse projeto, em nome do qual se lutava e se criava símbolos e representações (que em determi-nados casos poderiam tentar suprir a carência afetiva e familiar), poderia sofrer algumas mediações po-líticas em que o rompimento total com a família não fosse integralmente concretizado pelo militan-te clandestino. Foi o caso do companheiro de Regi-na C élia Za netti, J or ge Romeu P a iva ," 48, que no seu livro, agradece aos companheiros da época, principalmente,

Ao pr ofessor Ma cha do e a o oper á r io meta -lúr gico Antônio (Ma gela ), que sob tor tur a e a mea ça de mor te nã o der a m nenhuma infor ma çã o sobr e o C lá udio (Jorge)(Paiva, 1996:11).

6 Fez parte da diretoria da União Nacional dos Estudantes -UNE, no período em que Honestino Guimarães, vice-presidente de Jean

Marc Van Der Weid ( preso em 1969), assumia a direção da entidade; entra na clandestinidade juntamente com os outros membros da

diretoria da entidade que dirigia, passa a integrar depois da Ação Popular - AP, o Partido Comunista do Brasil - PC do B e, em seguida, juntamente com outros militantes, uma ala divergente da direção do Partido Comunista do Brasil, participa do processo do racha do PC do B, inicialmente como PC do B (ML) e, em seguida o Partido Revolucionário Comunista - PRC. Acompanha também a fundação

do Comitê Democrático Operário e Popular, integra a equipe da prefeita Maria Luiza Fontenele e ingressa no Partido dos Trabalhado-res. Foi expulso do Partido dos Trabalhadores e hoje luta para organizar o PART.

6 0 • E D U C A Ç Ã O E M D E B A T E · F O R T A L E Z A · A N O 2 0 • N Q 3 6 •FEDCBAp .A5 1 - 6 6 1 9 9 8

(11)

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A necessidade do silêncio pode sobreviver em outros nomes, como se pudessem representar as várias identidades e não somente a chamada "questão de se-gurança". Ao mesmo tempo incorpora determinações éticas inscritas no percurso do revolucionário. Lembra os dilemas e as angústias que pairavam entre a delação e a resistência física, entre a vida de quem estava sendo torturado e a opção de doá-Ia em nome do companheiro e do sonho coletivo. Essa ética do silêncio, norteadora de uma postura impecável, foi assinalada com a sobre-vivência de uns e a tortura de outros.

Paiva lembra ainda os momentos difíceis em que mantinha contato com a família na clandestini-dade, contato que seria necessário para preservar mi-nimamente os laços de afetividade e para continuar se lembrando de que tinha história, tinha família e que poderia reencontrá-Ia, embora isso representas-se a possibilidade de morte. Era sempre um risco:

A gente ficou a pa r ta do. A fa mília ficou no sul. Eu tive uma época qua ndo esta va em Sã o P a ulo, de vez em qua ndo a gente cometia al-gumas aventuras e ia pa r a o sul visita r a fa -mília . Visita va a minha mã e tr ês hor a s da ma nhã , qua tr o hor a s ... Ar ma va um esquema pa r a poder chega r em ca sa . Tinha um pesso-a l que ipesso-a npesso-a fr ente pr á dpesso-a r cober tur pesso-a . Entã o, er a muito difícil, er a muito complica do e ha -via um choque muito gr a nde com o pessoa l de ca sa por que a lguns inclusive me disser a m depois que esta va m na expecta tiva de sa ir notícia no jor na l: Morreu em Combate. Na medida em que eu vim pa r a cá - Nor deste -, o conta to com a fa mília tor nou-se impossível.

Mesmo assim, Paiva comenta essa "ruptura" e fica dividido entre a segurança, que não era somente pessoal, mas da coletividade que integrava, e o sen-timento de família:

Um de meus ir mã os botou um telefone desa r -ma do - sem gr a mpo -, pa r a eu poder me co-munica r com os meus pa is. Eu nunca o fiz por que desconfia va que isso poder ia leva r a pr oximida de da loca liza çã o da gente. Tu sa -bes como. é esse pr oblema de fa mília , do sen-timento que a gente nunca deixa de ter , ma s que veio a pa r ta r em funçã o da quele pr ocesso.

o

contato com a família dava-se através do mi-litante. Era como se o filho já estivessemorto ou de-saparecido. A família já se preparava para receber notícias que evidenciassem o que todos esperavam. Além de tudo, a chegada em casa na calada da noite, tendo que ser assegurada por outros militantes que faziam parte do seu mundo clandestino, assustava a família e reforçava ainda mais o sentimento de perda.

o

militante falaria mais alto que o sentimento do filho ou do irmão. Era somente questão de segu-rança? Provavelmente. O certo é que a tensão conti-nuava e continuaria muitos anos depois, mesmo sabendo que o filho não deixou de ser militante e o militante, do mesmo jeito, não deixou de ser filho.

Em muitos casos, a família e a política se inte-gravam, constituindo um grande entrelaçamento, como foi no caso da cadeia. Era um local determina-do, onde os militantes estavam recolhidos e retira-dos do convívio social. Esse lugar poderia ser reconstruído pela imagem da família. Como afirma

Ma r ia J osineide Cunha , 50, mulher de F a bia ni Cu-nha , 7preso 9 anos no Instituto P ena l P a ulo Sa r a sa te:

... nós já tínha mos um vínculo muito gr a nde de fa mília . Nós ér a mos uma fa mília . Vivía -mos todos a li e nos pr eocupá va -mos se um es-ta va doente, com os que nã o tinha m fa mília a qui. P or exemplo: o Genoino, qua ndo o ir mã o chega va , a gente tinha a quela pr eocupa -çã o de levá -lo a té lá , a s vezes o menino nem tinha o dinheir o do tr a nspor te e a gente da va um jeito de a r r uma r . Sa be a gente tinha a que-la coisa de fa mília mesmo. Depois, qua ndo a s pessoa s começa va m a ir de ca r r o, tinha a

que-la pr eocupa çã o de leva r e de tr a zer . Nã o, hoje é Tota quem va i por ca usa do menino.

o caso da clandestinidade isso poderia ser mais difícil pela extrema mobilidade dos militantes. A família, então, apareceria em meio aos projetos

- Foi aluno da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará. Participou de várias ações no interior do Estado, lideradas pela

ALN, possivelmente na preparação de justiçamentos que ainda hoje são obscuros nos relatos e depoimentos de militantes. Preso na

década de 70, no Instituto Penal Paulo Sarasate, por 9 anos, sendo liberado com a anistia. Continua na militância política, cultural e

ecológica no Ceará

(12)

mais a longo prazo e, de forma alguma, encontrava-se no contexto imediato da diversidade ou da disputa de projetos, onde os seus membros - pelo menos os que não optaram pela militância de esquerda - deve-riam ser resguardados.

Para a repressão, contudo, era simplesmente a possibilidade de localização do "inimigo". Não inte-ressava qualquer noção de dignidade ou de respeita-bilidade em relação ao outro. A violência política ultrapassaria o sentido da vida, muito embora os discursos oficiais, em determinados momentos, incorporassem a família com alto padrão de respei-tabilidade, como ocorrera na mensagem e no discurso do presidente João Batista Figueiredo ao Congresso Nacional sobre a Lei da Anistia. Esse discurso inicia

dizendo:wvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Br a sileir os e br a sileir a s. F eliz o homem que, eleito, cumpr e a s pr omessa s do ca ndida to.

E lembra a figura do seu pai, militar, persegui-do político e anistiado.

Vi, na minha pr ópr ia fa mília , o a ma r go de ser ór fã o de pa i vivo. C onheci a s fr ustr a ções do solda do a fa sta do da pá tr ia e do seu ser -viço, por delito político (Jornal O P O VO ,

28.06.79).ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

É evidente que o final dos anos 70 representava um momento diferenciador, quando as forças demo-cráticas se ampliavam, os militantes já regressavam dos porões, os exilados começavam a trilhar o per-curso contrário à expatriação. Do outro lado, todo um desgaste para o regime militar. O discurso deve-ria ser outro, como foi o próprio movimento pela anistia: na sua amplitude, deveria trazer a pacifica-ção nacional, a concórdia, o perdão e o esquecimen-to. Lembrar-se da família no discurso da anistia tocava o coração da sociedade representada na idéia da "abertura política" .

Mas, na óptica dos militares dos a nos de chum-bo, o que contava ainda era a destruição do inimigo inter no em nome da segur a nça na ciona l e a reposi-ção de uma suposta ordem interrompida, mesmo que muitas vezes afirmassem, ao tentar reabilitar sua memória, que a esquerda havia exagerado na dose. A

prova disso era que alguns militantes haviam sido poupados das torturas e dos sofrimentos corporais. Essa disputa pode ser exemplificada com o filho do Nelson Rodr igues, que aparece no livro de Ruy Castro (1992), como se tivesse sido torturado. Po-rém, o general Castro apresentaria outra versão para o fato.

Q ua ndo o "P r a ncha ", filho do Nelson Rodr igues, foi pr eso, nã o sa bia m quem er a ele.O "P r a ncha " er a a lto na subver sã o. U m figur ã o. Q ua ndo, a fina l, eles identifica r a m

quem ele er a , o coma nda nte do D O I me tele-fonou: '''C hefe! C a iu na r ede um peixã o. Nós pensa mos que er a um fichinha e é o P r a n-cha . Eu quer o que o senhor venha a té a qui, por que eu estou com pr oblema s ". D evia ser uma hor a da ma nhã . Bom, eu fui. P eguei o meufusquinha efui a té lá . Ele disse: " Opr o-blema é o seguinte, chefe: o C IE quer que nós entr eguemos o 'P r a ncha ' a eles. Soube que o pega mos e ma ndou vir um oficia l pa r a levá -lo ". Eu disse: "você já r egistr ou a en-tr a da ? " Regisen-tr ei. Está r egistr a do no livr o e está identifica do '. 'Entã o nã o entr egue. P or que, a pa r tir do momento em que você r e-gistr ou, a nã o ser que você r a sur e, o que eu nã o vou per mitir , ele está sob nossa r espon-sa bilida de. E se você entr ega r , eu nã o sei o que va i a contecer com ele. Entã o, nã o entr e-gue (Castro, In: D'araújo, 1994: 71).

Se o filho de Nelson Rodrigues foi poupado, isso pode revelar a influência familiar nos órgãos de repressão, o que não nos surpreenderia, haja vista que é um exemplo isolado. O problema central, e o que nos interessa, é que nem todos os que foram presos e torturados, ou viveram na clandestinidade, eram fi-lhos de Nelson Rodr igues, passando assim a convi-ver com processos de torturas extremamente brutais que em muitos casos nem os familiares escaparam desse tipo de reação, operacionalizada pela máquina do poder dirigida pelas Forças Armadas.

Massacrar a família era mais uma das técnicas de suplício, incorporada ao ritual simbólico gerado pelo autoritarismo. C a r los Augusto D iógenes P inheir o, 8 49, militante do PC do B no Ceará, foi clandestino e

8 Militante do PC do B, viveu durante muito tempo na clandestinidade. Atualmente integra a direção do Partido. Foi lançado candidato

a deputado estadual em 1994, não logrando resultado satisfatório.

(13)

asceu na clandestinidade e conviveu, mesmo depois da anistia. com uma semiclandestinidade. Podemos fazer a reconstrução de sua militância com o seu depoimento "Eu comecei a participar sem entender muito, eu não era de direção, comecei muito tímida, tentando entender o que se passava. Comecei na 7' série, no seminário do Álvaro Weyne( ... ), formamos o Grêmio e lá fui presidente do Grêmio

durante 2 anos, 7' e 8' série. Mas o meu sonho era estudar no Liceu. desde a época em que eu fazia o )0grau, eu via todo tipo de movimento sair do Liceu, as maiores lideranças que eu via na televisão que eu lia no jornal eram do Liceu. Era então o máximo de

colégio. Fiz então o 2° grau no Liceu do Ceará e durante todo essa periodo. participei de movimento, fui do Grêmio durante 2 anos. Foi

ótimo, eu sempre quis participar, sempre quis ser como o meu pai, minha mãe. como outras pessoas ( Rosa e Maria). Sempre quis vencer os desafios. como falar em som, liderar uma passeata, falar em nome do Grêmio, coisas que durante o Liceu eu aprendi. Eu cresci muito politicamente, enquanto pessoa no Liceu. Comecei a entender mais as coisas e as definições políticas. Isso foi acontecendo

naturalmente, eu sempre tive muita curiosidade para saber coisas relacionadas a meu pai, minha mãe, ao partido. Eles deram a maior força e o pessoal daqui também. A Juliana eraa esperança porque era a filha do Jorge e da Célia e eu sempre encarei isso como um

desafio enorme. como uma coisa que eu peguei para mim e disse: eu vou seguir essa caminho e com certeza não vou decepcionar".

relata a macabra lembrança e a punição que a sua

escolha proporcionou à família.wvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

A minha fa mília , meu pa i, ca mponês no inte-r iointe-r do C ea inte-r á , vivia sendo peinte-r seguido. Meu pa i teve a sua fa zenda inva dida por tr opa s do exér cito em 1970,pa r a que o velho disses-se onde eu esta va . Ma s' ele nã o tinha a me-nor idéia , nã o sa bia de na da . P a ssou dois dia s pr eso lá na fa zenda que esta va cer ca da . Atir a r a m lá em ca sa , por pouco nã o ma ta -r a m os velhos.

A clandestinidade representava outro tipo de

violência simbólica : mesmo que preservando a vida, os indivíduos encontravam dificuldades nas mínimas relações cotidianas que pudessem ser estabelecidas. Não era somente a dissolução da família que estava em jogo, perdendo o contato e destruindo os senti-mentos, mas, o que era pior, para o clandestino, era o fato de, em muitos casos, não poder reconstruir, pois

teria que ser outro e viver sempre em outro lugar.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAÉ o que relata J ulia na P a iva Za netti,CBA920,nascida na

clan-destinidade, conseqüentemente, filha de militantes clandestinos.

"

P elo que eu lembr o, qua ndo a gente mudava

de mor a dia , de loca l, o nome ta mbém muda-va.Q ua ndo a gente pr ecisa va sa ir de um de-ter mina do luga r er a por que a r epr essã o já esta va chega ndo per to, por que esta va m no enca lço de a lguém. Entã o qua ndo a gente

mudava, mudava de nome, mudava de ca be-lo,mudavade colégio, meu pa i e minha mã e,

mudavam de documentos. C om nome fa lso, pr ecisa va de documento fa lso.

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Era preciso mudar. O outro residia nele mes-mo ou nas mudanças planejadas e, ao mesmo tempo,

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P E R IO D IC O S

incertas. Ao mesmo tempo que o indivíduo mascara-va e matamascara-va o outro de si mesmo numa tentatimascara-va de-sesperada de buscar um rasgo de humanidade, teria também que matar a relação que mantinha com os outros e com o passado, pois ele necessitava ser ou-tro. Até o momento em que, mesmo na

clandestini-dade, novos laços afetivos pudessem ser

reconstruídos, como por exemplo, uma família de clandestinos, gerada no mundo fictício a que foram submetidos e que mesmo assim incorporavam um cotidiano do qual indivíduo, segundo Heller( 1989), não consegue se descolar completamente. Na esfera do cotidiano, ainda poderia existir espaço para a fe-licidade, pois

en toda socieda d ha y una vida cotidia na y todo hombr e, sea cua l sea su luga r ocupa do en Ia división socia l deI tr a ba jo, tiene una vida cotidia na (Heller, 1977: 19).

Sendo o cotidiano o mundo dos homens, o mundo em que os indivíduos se realizam por inteiro, a vida poderia ser refeita, mesmo nos escombros da vida política, que era a clandestinidade. É um senti-mento difuso o fato de que o novo ser representa um pedaço de eternidade e deve ser belo como as possi-bilidades que os revolucionários buscavam construir pensando em um mundo melhor. Entretanto, o que amargurava era o fato de esse novo ser chegar ao mundo prisioneiro ou na clandestinidade. É um pou-co o sentimento que deA Mã e, de Gorki (1982: 229):

quer ia vê-Io em liber da de, e, a o mesmo tempo, ta l idéia a a ssusta va . Zanetti, em plena clandestinida-de, rememora o nascimento de sua filha nesse perío-do

... ela na sceu com um mês a ntes do pr a zo. A gente se encontr a va com o J or ge só de vez em qua ndo por que ele via ja va pa r a F or ta

(14)

za pa r a tr a ba lha r e mor a va sozinho. Aí ele via jou e disse o seguinte: O lha , tá pr evisto ela na scer da qui a um mês. Essa va i ser a última via gem que eu vou fa zer . D epois eu vou fica r a qui a té ela na scer . Ta l dia eu en-tr o em conta to com você, - nós tínha mos um esquema s de telefonema - se eu nã o entr a r em conta to com você é por que eu ca í. Eu nã o sa bia onde ele mor a va , na da . Entã o ela na s-ceu, um dia depois que ele foi embor a . Eu nã o tinha fa mília pa r a me a poia r em na da , nã o tinha fr a lda , nã o tinha na da . Eu esta va com a per na engessa da . Entã o, a bolsa es-tour ou dur a nte a noite e eu tinha uma con-sulta no dia seguinte e eu fa lei. O pa ! a inda bem que eu tenho consulta . Ma s, o que é esse a gua ceir o todo que está sa indo do meu cor -po. Nã o sei qua ntos livr os li sobr e bebê, como é que é, como é que nã o é, e eu nã o a tinei uma coisa com a outr a ; er a uma á gua esqui-sita , um cheir o esquisito, começou a da r có-lica s. Entã o, eufui ver no livr o, o que se fa zia na quela hor a . Tinha lá : a s fa lsa s dor es do pa r to. Tome um ba nho quente que pa ssa . E é o contr á r io, se você toma r um ba nho quente, a celer a o na scimento da cr ia nça . Tomei um ba nho quente e a celer ou o na scimento, a s contr a ções, tudo. E ela qua se que na sceu no ca minho. C inco hor a s da ma nhã , lá em Recife, Boa Via gem, na beir a da pr a ia , com a per -na engessa da . Ma s ela -na sceu linda . Aí foi um pr oblema por que eu esta va na ma ter ni-da de e a s enfer meir a s chega va m e dizia m: O lha , sua filha está nua no ber çá r io, nã o tem fr a lda . E eu per gunta va : ma s o H ospita l nã o pr ovidencia ? E a enfer meir a r espondia : nã o,

nã o pr ovidencia .A

A F A M í L I A N A C L A N D E S T I N I D A D E zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Se a clandestinidade era apavorante, ser mãe na clandestinidade poderia ser gratificante. por um lado, pois o significado da vida poderia ser visualizado, mas, por outro, poderia ser ainda mais apavorante, principalmente quando se rompia o contato afetivo com o mundo, ou quando não se podia aprofundar os

laços afetivos com os novos contatos.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAA nova vida revelada implicava cuidados e limites e,

concomi-tantemente, a emergência de um novo cla ndestino político.

A exper iência da ma ter nida de e da pa ter ni-da de, dur a nte os longos a nos de cla ndestini-da de, deter mina r a m que os filhos ta mbém vivessem cla ndestinos com seus pa is. O s li-mites desta cla ndestinida de,CBAàmedida em que os filhos cr escia m, ia m se complica ndo por -que a s pr ópr ia s cr ia nça s ia m per cebendo a s pr oibições imposta s pela necessida de de de-fesa contr a a r epr essã o (Arantes; 1994: 145

e 146)

o

amanhã poderia ser muito distante e nem sem-pre era sem-previsivel...; deixar de ser você, desaparecer sem deixar vestígios ou assumir novas personalida-des; sem falar que onovo per sona gem criado nem sem-pre tinha a segurança necessária para continuar a existir; ao mesmo tempo em que nasceria quase como militante e conviveria como militante, como ocorreu com J ulia na P a iva Za netti, que deu os seus primeiros passos nos aparelhos do partido, nos esconderijos dos pais militantes, que conviveu com diversos nomes. Ela relata essa experiência de identidade múltipla:

Ma is r ecentemente, qua ndo nós mor á va mos no C a r lito P a mplona , minha mã e tinha o nome cla ndestino de Ana e meu pa i tinha o nome de Má r io, ma s essa coisa eu comecei a entender ma is pa r a fr ente, na época da Administr a çã o, qua ndo tinha9,10 a nos, embor a eles me expli-ca ssem ba sta nte a necessida de dessesnomese dessa luta toda . Isso pa r a mim er a uma coisa nor ma l.Onome nã o influencia va na r ela çã o, pois eles continua va m os mesmos, a vida que a gente leva va tinha uma cer ta r otina .

A própria Juliana teve que mudar de nome, ao mesmo tempo em que carregava no próprio nome o exemplo familiar de luta e obstinação. Mas o nome falso estava sempre relacionado com o nome verda-deiro que simbolicamente representava a manuten-ção do ideal e o desafio dos pais militantes. O outro, ou o nome falso, viria depois, conforme relata a filha de clandestinos.

Eu ta mbém tive nome fa lso, ma s só o segun-do nome. J ulia na sempr e ma nteve. O nome fa lso vinha sempr e depois. O meu nome foi

pa r a homena gea r a minha a vóJúlia, mã e do meu pa i, e Ana pa r a homena gea r a minha mã e, que ficou com esse nome fa lso ba sta nte tempo. Entã o ficou J úlia e Ana , J ulia na .

(15)

nZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

o

zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAnome clandestino e o nome real eram necessá-rios ao novo personagem. O primeiro para que se

pu-desse integrar aoswvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAcompa nheir os e ca ma r a da s que passavam a ser a sua nova família; o segundo nome, o

nome escondido, porém real, deveria coexistir para lem-brar que um dia esse personagem existiu realmente.

Essa duplicidade de nome não deveria impedir a vivência de criança, o crescimento e a maturidade intelectual dentro de uma "normalidade" possível. É

evidente que alguns cuidados deveriam ser tomados. o seu relato, Juliana Zanetti lembra de sua infância: e

IS

i-5

1

-A minha infâ ncia foi nor ma l. Eu me lembr o que eu a nda va muito com a minha mã e. Acho que pr óximo a Administr a çã o P opula r (...),

um pouco a ntes de começa r ou logo depois a contecia de nã o poder sa ir sozinha , ha via um cer to cer co de pessoa s que me leva va m pa r a o colégio, pa r a o C a sa r ã o, ma s a gente sempr e teve a fa cilida de de cr ia r a miza de onde a gente chega va . Lá no C a sa r ã o tinha uns vizinhos que tinha m uma s cr ia nça s eeu pa ssa va a ma ior pa r te do tempo br inca ndo com ela s. D iver ti-me muito na minha infâ n-cia , br inquei de boneca . F oi nor ma l. É cla r o que uma vez ou outr a isso er a inter r ompido. U ma vez a o chega r em ca sa , a lguém do ca -sa r ã o foi me deixa r e tinha um ca r r o pa r a do na r ua , que er a muito tr a nqüila e a gente br inca va muito de bila e o ca r r o lá . E qua n-do a gente nota va a lguma coisa a nor ma l, a J ulia na tinha que sa ir de ca sa , ou qua ndo o meu pa i via jou e a polícia cer cou a ca sa e a gente teve que da r uma sumida . Entã o tinha essa s coisa s br usca s, que nã o er a m tã o nor -ma is. Entã o você tinha que pa r a r de br inca r , que pa r a r de estuda r , tinha que sa ir do colé-gio no meio da a ula . J á a conteceu de muda r de colégio qua ndo er a cr ia nça , pois qua ndo tínha mos que muda r de luga r , tínha mos que muda r de colégio ta mbém

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ha As lembranças da infância, evidentemente, são

localizadas fora da década de 70. Conseqüentemente os problemas com a repressão eram diferentes das se-qüelas políticas vividas na época dos a nos de chumbo

quando seu pai era diretor na UNE. Esses cuidados revelam um outro lado da questão: onde os militantes que passaram pela clandestinidade continuaram, mes-mo depois da anistia, a manter determinados cuidados em nome da chamada questã o de segur a nça .

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Os clandestinos arrastavam-se nos escombros da vida política, expressando o sentido mais apurado da militância. Fundavam-se nos seus próprios mitos que, eram em determinados momentos, mistura de gente e de Deus; expressavam, ou deveriam expres-sar, tudo o que todos queriam fazer ou buscavam conseguir numa grande comunhão de vontades. Mas, eram eles as próprias referências e a segurança ne-cessária que alimentavam pouco a pouco os sonhos coletivos com os próprios silêncios. Eram persona-gens imaculados. Sem um arranhão em seu currículo de militante, pois continuavam lutando contra o ter-rorismo de Estado fora da cadeia, fora do exílio. Con-tudo, referendavam-se nos presos que, ao impor o silêncio como meta revolucionária atingiam os obje-tivos de manutenção dos códigos de honra.

Nesse caso, J osé D ua r te era a referência. A gran-de serenidagran-de e segurança revelava-se num código normativo e na firmeza de seus ideais revolucionários. Mesmo sob torturas, não abre a boca, como afirma An-gélica Monteir o, "nã o diz nem o nome ".Era necessário reconstruir um pouco dessa coragem de nã o dizer e na serenidade de afirmar aos compartheiros por quenã o dis-se. Um pouco desse simbolismo heróico poderia ser gra-vado no nome da filha - Xambioá - que expressaria naquele momento todo um significado - era o local de uma guerrilha - e, ao mesmo tempo, traria eternas lem-branças na beleza contida no nome, na firmeza deJ osé D ua r te e na imagem deJ osé G enoino Neto, que conhe-cia o lugar e presenconhe-ciara a morte de muitos companhei-ros, como ocorreu com Ber gson G ur jã o F a r ia s.

Sendo assim, revolucionários clandestinos ti-veram muitos nomes, organizaram-se em muitos gru-pos, mas não deixaram de amar, de viver, de lutar, de sorrir e de construir sonhos. Se não conseguiram erguer a tão almejada sociedade igualitária, deixa-ram pistas, deixadeixa-ram marcas que correram o mundo como se fossem iluminadas pelas mesmas vitrines do

Q ua r tier La tin ou simplesmente estreladas como um límpido céu de verão. Eram as palavras que, na sua simplicidade, representavam a ousadia de uma semen-te rebelde e que muito bem foram lembradas por Alves (1993): C or r e, o velho mundo está a tr á s de ti; Seja r ea lista : peça o impossível; F a ça a mor , nã o fa ça guer r a ; Épr oibido pr oibir . Todo esse movimento

que, marcado em 68, entra pela década de 70 adentro e sobrevive não somente na memória das família mas decisivamente escrevem longas passagens nas pági-nas da história recente.

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