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Torcidas organizadas e seus jovens torcedores = diversidades e normativas do torcer = Torcidas organizadas and their young supporters : diversities and normatives of supporting

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Vitor dos Santos Canale

Torcidas organizadas e seus jovens torcedores:

Diversidades e normativas do torcer

Torcidas organizadas and their young supporters:

diversities and normatives of supporting

Campinas

2012

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO FÍSICA

Vitor dos Santos Canale

Torcidas organizadas e seus jovens torcedores:

Diversidades e normativas do torcer

Orientadora: Profa. Dra. Heloisa Helena Baldy dos Reis Coorientadora:Carmen Lúcia Soares

Torcidas organizadas and their young supporters:

diversities and normatives of supporting

Dissertação de Mestrado apresentada à Pós Graduação da Faculdade de Educação Física, da Universidade Estadual de Campinas, para a obtenção do Título de Mestre em Educação Física, área de concentração: Educação Física e Sociedade.

Dissertation presented to the Post Graduation Programme of the School of Physical Education of State University of Campinas to obtain the Master’s degree in Physical Education. Concentration area: Physical Education and society.

Campinas, 2012

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO VITOR DOS SANTOS CANALE, E ORIENTADO PELA PROFª. DR ª. HELOISA HELENA BALDY DOS REIS.

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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA POR ANDRÉIA DA SILVA MANZATO – CRB8/7292

BIBLIOTECA DA FACULDADE DE EDUCAÇÃO FISICA UNICAMP

Canale, Vitor dos Santos, 1985-

L628i Torcidas organizadas e seus jovens torcedores: diversidades e

normativas do torcer / Vitor dos Santos Canale. - Campinas, SP: [s.n], 2012.

Orientadores: Heloisa Helena Baldy dos Reis. Carmen Lúcia Soares

Dissertação (mestrado) – Faculdade de Educação Física,

Universidade Estadual de Campinas.

1. Futebol. 2. Futebol - Torcedores. 3. Gaviões da Fiel (Futebol). I. Reis, Heloisa Helena Baldy dos. II. Soares, Carmen Lucia. III. Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação Física. IV. Título.

Informações para a Biblioteca Digital:

Título em inglês: Torcidas Organizadas and their young supporters: diversitites and normatives of supporting

Palavras-chaves em inglês: Soccer

Football fans

Gaviões da Fiel (Soccer)

Área de Concentração: Educação Física e Sociedade Titulação: Mestrado em Educação Física.

Banca Examinadora:

Heloisa Helena Baldy dos Reis [orientador] Carmen Lúcia Soares [coorientador] Carlos Alberto Máximo Pimenta Felipe Tavares Paes Lopes Data da defesa: 08-11-2012

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Dedico este trabalho à minha mãe, Ana Maria dos Santos (in memorian), sinônimo de amor, luta e dedicação. De todos os caminhos que abrimos juntos nunca pensei que chegaríamos aqui.

Da sua torcida nasceu essa conquista, obrigado por sempre estar comigo.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à Laura, sopro de amor e felicidade da minha vida, antídoto contra a monotonia da busca do sentido para vida, sem seu carinho este trabalho não existiria.

À minha família que a vida agregou: Fatiminha Fraccaro por sua preocupação e apoio incondicional, Glaucia Fraccaro por cuidar da Laura e de mim, Bruninho esse irmão querido que mesmo longe nunca falha e Fernandão, meu irmão sumido. Aos gatos Bibico e Chop, assíduos acompanhantes da dissertação. Ao Pai Mário e Mãe Vânia, esteios espirituais, afetivos e morais todas as palavras que existem não expressam o que vocês e a nossa Casa representam para mim.

Ao pessoal do Miguxos F.C., que depois virou o Pagode do Souza F.C., por vários dos momentos mais descontraídos e emocionantes da minha vida na Unicamp, se todo futebol fosse assim...

Aos meus grandes amigos corintianos Thomaz Fonseca, João Priolli e Samuel ‘Bussunda’ Pereira, pelo apoio, a conversa, a cervejinha e os aperitivos dessa vida. Discutir futebol com vocês é conhecer um pouco mais da vida, esse momento que acontece entre os jogos.

Lesão, Glen e Max pela companhia nos jogos, na quadra e por várias dicas esclarecedoras. Parceiros das arquibancadas, cada um me ensinando ao seu jeito o que é ser paulistano e corintiano.

À professora Heloisa Reis pelos anos de orientação, incentivos e trabalho juntos e à professora Carminha pela leitura animada e atenciosa.

À todos do GIEF, muito mais que um grupo de estudos, um grupo de amigos. Diana, Serginho, Marcel, Enrico, Paulo, Max, Marco, Marcos, Tiago tudo que esse trabalho porventura tenha de positivo tem um pouco de vocês.

Às contribuições de Vila Maria, Heloisio Dutra e Alex Minduin, que me confiaram suas histórias sobre as torcidas organizadas de ontem e de hoje, meu profundo respeito e admiração por suas caminhadas. Aos professores Pimenta e Toledo, pelas atenciosas conversas sobre metodologia e modos de observação nas torcidas organizadas, é enriquecedor ser um pesquisador neófito e ser tratado com tamanho respeito e atenção.

Ao Paulinho, Romarinho e Emerson Sheik, por promover a união entre os modos de ser da torcida e do time, justamente no título mais esperado da história corintiana.

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CANALE, Vitor dos Santos. Torcidas organizadas e seus jovens torcedores: Diversidades e

normativas do torcer. 2012. 121f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) – Faculdade de

Educação Física. Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2012.

RESUMO

Esta dissertação é fruto de uma pesquisa sobre as coletividades torcedoras ao longo do século XX no Brasil e suas relações com a violência nos distintos períodos deste século, momento de afirmação e disseminação do futebol no país. O objetivo desta dissertação é traçar, a partir de uma retomada histórica dos coletivos de torcedores, a gênese de um modelo hegemônico de torcida organizada, fundado pelos Gaviões da Fiel, que influenciou a existência de outras torcidas em São Paulo e pelo Brasil. A partir de marcos das formas coletivas de torcer, como os sócios dos clubes das capitais paulistas e cariocas das primeiras décadas do século, torcidas uniformizadas e organizadas em São Paulo e no Rio de Janeiro entre as décadas de 1940 e 1960 e o nascimento e disseminação entre os jovens das torcidas organizadas até 1995, ano da tragédia do Pacaembu, enfrentamento entre torcedores de Palmeiras e São Paulo no estádio paulistano, acontecimento marcante nos estudos sobre violência relacionada ao futebol, são observáveis os caminhos de uma lógica e normativa torcedora, fundamentada no clubismo e em outras representações internas e externas ao futebol, caras aos jovens torcedores. Assim, as rivalidades e a violência relacionadas ao futebol são questões que abarcam além do esporte em si, dialogando com as relações de cor e de classe, com os embates entre diferentes grupos dentro das metrópoles, somados à necessidade de exercer socialmente condutas impostas pela masculinidade, bem como o desejo do torcedor de participar enquanto agente ativo do espetáculo do futebol, buscando o reconhecimento e o papel central das torcidas no esporte, seja pela festa ou pela violência. A metodologia e fontes utilizadas foram revisão bibliográfica sobre violência no esporte e torcidas, notícias jornalísticas tratadas enquanto fontes primárias, entrevistas com membros da torcida organizada Gaviões da Fiel, acrescidas de observações de campo nos Gaviões da Fiel e em sua dissidência, o Movimento Rua São Jorge.

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CANALE, Vitor dos Santos. Torcidas organizadas e seus jovens torcedores: Diversidades e

normativas do torcer. 2012. 121f. Dissertation (Master’s degree in Physical Education) –

School of Physical Education, State University of Campinas, Campinas, 2012.

ABSTRACT

This dissertation is the result of a survey of football supporter groups throughout the twentieth century in Brazil, concerned with their relations to violence in different periods of this century, a time of affirmation and dissemination of football in the country. The aim is to show how contemporary forms of collective organizations of fans own their current constitution to earlier ones, detaching the football supporter groups and their younger fans from a wave of violent self-genesis. Starting from landmarks of collective forms of supporting, such as club membership in the cities of São Paulo and Rio de Janeiro in the early decades of the century, uniformed and organized supporter groups in the states of São Paulo and Rio de Janeiro between the 1940s and 1960s, and the birth and spread of young supporters and young supporting groups until 1995, year of the tragedy in the Pacaembu stadium, it can be observed that supporting is an activity with its own logic and normative rules. These are specially based on “clubism” and other internal and external representations to football, dear to the young fans. Thus, rivalries and violence are related to matters spanning beyond the sport itself, dialoguing with the relations of color and class, the clashes between different groups within the metropolis, the need to exercise social behavior imposed by masculinity and the desire to participate as an active agent of the spectacle of football, seeking recognition and the role of central supporters in sports, either by cheering or by violence. The methodology and sources used were a literature review on violence in sport and supporting groups, primary sources, interviews with members of the “Gaviões da Fiel” supporting group, and field observations of the “Gaviões” in its dissenting group, the “Movimento Rua São Jorge”.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ALN – Aliança Libertadora Nacional ARENA – Aliança Renovadora Nacional CGC – Cadastro Geral de Contribuintes

FEF – Faculdade de Educação Física – Unicamp

FIFA – Federation Internationale de Football Association FPF – Federação Paulista de Futebol

GEF – Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Futebol GF – Gaviões da Fiel

GIEF – Grupo Interdisciplinar de Estudos sobre Futebol IB – International Board

IFCH – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – Unicamp MDB – Movimento Democrático Nacional

MR-8 – Movimento Revolucionário 8 de Outubro MRSJ – Movimento Rua São Jorge

PCB – Partido Comunista Brasileiro PCdoB – Partido Comunista do Brasil TO – Torcida Organizada

TOF – Torcida Organizada do Fluminense TOV – Torcida Organizada do Vasco TU – Torcida Uniformizada

UBA – Universidad de Buenos Aires

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SUMÁRIO

1.INTRODUÇÃO...17

2. SOBRE AS PRÁTICAS TORCEDORAS COLETIVAS - DA FITINHA NO CHAPÉU ÀS TORCIDAS UNIFORMIZADAS...27

2. 1 marco de distinção em tão fidalgo esporte: os donos do jogo e as fitinhas no chapéu...27

2.2 A compostura perdida... os novos torcedores e seus exóticos modos...41

2.3 torcidas uniformizadas, charanga e torcidas organizadas: novos paradigmas torcedores no futebol profissional ...46

3. ASPECTOS DA NORMATIZAÇÃO E DA LEGITIMIDADE TORCEDORA EM CONFORMAÇÕES COLETIVAS...55

3.1 Modernização e conformação em âmbito nacional do futebol brasileiro e as novas conformações de torcedores em São Paulo ...58

3.2 O Corinthians, o corintianismo e uma nova vanguarda torcedora nos anos de chumbo do Parque São Jorge...63

4. CLUBISMO, CORINTIANISMO, PERTENCIMENTO NA TORCIDA ORGANIZADA E VIOLÊNCIA NO FUTEBOL...85

4.1. O vículo clubístico e o clubismo...86

4.1.2 O pertencimento clubístico e as torcidas organizadas ...92

4.2 Por quê os torcedores brigam?...95

4.2.1 O que a academia brasileira tem a dizer?...102

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS...113

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1. INTRODUÇÃO

As emoções mais viscerais que em primeiro lugar vêm à minha mente são as do futebol. Os jogos que eu joguei, aqueles que assisti, moram em lugares que variam do obscuro aos mais luminosos da minha memória. Sentir o coração parar de aflição segundos antes de uma cobrança de pênalti, esquecer-se das agruras da vida com o prazer de um gol, de um título, se sentir mais vivo só de saber que em algum lugar existirá um futebol, bem ou mal jogado, te esperando, tanto faz, pois lá estará uma bola rolando no chão.

Muito se argumenta do pertencimento nacional por meio do futebol e do pertencimento clubístico, condição fundamental a qualquer torcedor; mas pouco se expressa sobre a relação dos indivíduos com o jogo em si. O amor ao jogo e tudo que o torna imponderável, é o que me atrai, me aproxima e toma conta de mim.

O futebol dos campeonatos infantis e adolescentes em Valinhos, que passou a ser o futebol dos Muchachões1, sem nunca deixar de ser o jogo das quartas e domingos na televisão, no rádio e por vezes nos estádios. Todos esses momentos de fruição, de prazer, todos esses espaços de exercer uma identidade boleira, se não foram determinantes, ao menos, foram fundamentais para as minhas escolhas acadêmicas e de vida.

A escolha do futebol como campo de estudo, não meramente dimensão apaixonada da vida, não advém apenas da ideia de regozijo pessoal, mas um caminho para pensar o Brasil a partir desta área de estudos multidisciplinar. Reconhecer a importância do futebol na vida dos indivíduos não só na contemporaneidade como durante todo o século XX brasileiro é pensar processos vastos e de longa duração, que direta ou indiretamente atrelam o futebol e a sociedade brasileira, dimensões que não existem autonomamente uma a outra.

A minha trajetória de estudos sobre o futebol começou durante a iniciação científica ao pensar em como se articulavam os conceitos de futebol-arte e identidade nacional nas crônicas de João Saldanha. O que culminou com a maior aproximação com o campo da Educação Física, já que minha graduação é em História. O contato inicial a partir do GEF2, grupo coordenado pela professora Heloisa Reis, foi aprofundado nos estudos da iniciação científica, orientados pela mesma.

1

Torneio de várzea disputado na Unicamp e organizado pela Atlética do IFCH (Instituto de Filosofia e Ciência Humanas). O nome Muchachão, é uma homenagem a Muchacho, bibliotecário folclórico do Instituto.

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A participação no GIEF (Grupo Interdisciplinar de Estudos sobre Futebol) desde 2008 trouxe a possibilidade de entrar em contato com uma imensa variedade de temas e perspectivas sobre o futebol. A chance de desenvolver leituras, projetos, artigos em um dos raros ambientes de poder horizontais no meio acadêmico foram um dos estímulos para refletir sobre a diversidade de assuntos do futebol e seus possíveis enfoques.

A possibilidade de mudar radicalmente o enfoque dos estudos, que num primeiro momento versavam sobre os textos de crônicas esportivas e hoje refletem sobre os torcedores, predominantemente os torcedores organizados, exemplifica a diversidade de possibilidades para se pensar a sociedade brasileira a partir do futebol.

Contudo, refletir sobre a diversidade da sociedade brasileira não é pensar só em diferentes grupos, métodos de pesquisa ou problemas possíveis, mas também, e principalmente, pensar a simultaneidade de papéis sociais que os indivíduos desempenham nas diferentes atribuições que tem ou escolhem para si em seu cotidiano.

O torcedor, e nesta dissertação será analisado o torcedor organizado, tem sofrido um processo que obscurece a diversidade de sua atuação social como cidadão nos espaços em que o futebol não predomina. O estereótipo dos torcedores individualmente e em grupos versa sobre a violência, a alienação, vagabundagem, posições essas gestadas numa sociedade que vê no trabalho e nas pretensas esferas sérias da vida, os únicos valores possíveis de exaltação.

A reflexão sobre a condição marginal do torcedor, os embates por legitimidade, conceito que mudará diversas vezes ao longo do século XX, e as relações de sociabilidade e violência desses torcedores serão de grande importância para pensar um panorama de longa duração que dialoga e é tributário do momento atual.

A escolha de ir a campo analisar detidamente grupos de jovens dentro das torcidas organizadas, mais especificamente o grupo chamado de moleques ou maloqueiros3 vem da percepção do papel que a mídia imputa a esses jovens, e também, da observação do papel dos jovens dentro das torcidas organizadas, seu pertencimento ao grupo, os valores, identidades que os formam e que ajudam a formar dentro das torcidas.

Se por um lado os jovens torcedores são tachados como baderneiros, violentos, deturpadores de uma pretensa ordem do futebol, por outro lado são reconhecidos como

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Tanto moleques como maloqueiros são termos nativos utilizados pelos torcedores organizados para referir-se aos jovens torcedores organizados, majoritariamente da periferia da cidade de São Paulo. O emprego do termo não traz significado pejorativo e é utilizado recorrentemente entre os torcedores.

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abnegados que desempenham tarefas primordiais à manutenção da torcida organizada e à sua apresentação nas arquibancadas. Muitos desses jovens zelam pela sede de suas instituições, fazendo trabalhos desde recepção até a venda de artigos da torcida; participam do departamento de bandeiras confeccionando-as, fazendo sua manutenção e expondo-as nos estádios; integram também as baterias das agremiações. Por terem uma relação, muitas vezes, intermitente com o mundo do trabalho ou por trabalharem informalmente nas torcidas os jovens torcedores têm a oportunidade de viver o cotidiano das torcidas organizadas de um modo específico, diferente dos torcedores que devem responder às demandas da vida adulta, como a manutenção de emprego e família (TOLEDO,1996).

Assim, pensar como se mesclam as visões do torcedor violento e do torcedor abnegado, que correlações de forças estão envolvidas em ambas as caracterizações e como elas dialogam com a conduta dos grupos de torcedores é importante para o entendimento das representações feitas sobre as diferentes formas de torcer em grupo do século XX. Bem como historicizar as condutas dos jovens torcedores e as suas representações dentro de uma dinâmica maior, que seja capaz de refletir sobre as formas de torcer ao longo do século passado, para a partir disso, compreender que a violência no espetáculo futebolístico não é uma criação das torcidas organizadas e nem sequer é meramente um problema interno e específico ao futebol, mas um problema da sociedade que este esporte faz parte, relacionado com a dinâmica das grandes metrópoles, o estilo de vida dos jovens e o perene pânico moral relativo às multidões.

O objetivo desta dissertação é traçar, a partir de uma retomada histórica dos coletivos de torcedores, a gênese de um modelo hegemônico de torcida organizada, fundado pelos Gaviões da Fiel, que influenciou a existência de outras torcidas em São Paulo e pelo Brasil.

Modelo este que sobre diversos aspectos se apresenta como a soma de experiências torcedoras e políticas anteriores, bem como de constantes mudanças e desafios ao longo de sua história, num embate frequente entre a manutenção de determinados valores e a criação de novas lógicas.

A relevância científica da pesquisa se dá pela influência que o modelo organizativo, a lógica e os valores fundantes dos Gaviões da Fiel têm dentro das concepções das torcidas organizadas de São Paulo. O modelo bem sucedido dos Gaviões da Fiel, a medida que a torcida amealhou influência e poder dentro do Corinthians, um grande número de associados, o reconhecimento e respeito do torcedor em geral, o status nos enfrentamentos físicos, além da

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manutenção de uma grande sede e diversos departamentos, fazem da torcida um paradigma para suas adversárias, num misto de respeito e admiração, por vezes velados, e estimulam o desejo de superação no sistema de status que rege as relações entre torcidas. Por isso, a experiência histórica dos Gaviões da Fiel e sua genealogia trazem elementos para a reflexão dos modelos e lógicas dos torcedores organizados em São Paulo.

Por não ser uma temática propriamente nova, dada a tradição de estudos sobre torcidas organizadas que remontam ao final dos anos 1970, a presente dissertação empreende um avanço no reconhecimento de uma tradição, em constante metamorfose das torcidas organizadas paulistanas a partir do modelo proposto pelos Gaviões da Fiel, enquanto os estudos anteriores de maior relevância focaram-se em análises das principais torcidas da cidade de São Paulo, suas convergências e divergências, não interessados na genealogia dos valores dessas agremiações.

Os procedimentos metodológicos utilizados foi a revisão bibliográfica da produção sobre violência no espetáculo esportivo desenvolvida na Escola de Leicester, primeiro paradigma da temática; os estudos da Universidad de Buenos Aires, referência sobre embate entre torcedores na Argentina, cuja produção tem contato direto com a produção nacional pelo trabalho do Professor Pablo Alabarces.

No Brasil a produção nacional sobre torcidas e torcidas organizadas encontra-se em diversas áreas do conhecimento, como Educação Física, Antropologia, Sociologia e História, afirmando a abordagem multidisciplinar que a questão recebe na academia. As bases de dados utilizadas foram a base Acervus, que reúne o material disponível em todas as bibliotecas da Unicamp, bem como o artigo de Enrico Spaggiari e Sérgio Giglio: A produção das ciências humanas sobre futebol no Brasil: um panorama (1990-2009) e o livro Levantamento da produção sobre futebol nas Ciência Humanas e Sociais do Grupo de Estudos sobre Futebol e Torcida da Universidade Federal de Minas Gerais, em todos as palavras torcida, torcedores e torcidas organizadas foram os descritores chave da pesquisa, também fundamental foi a intensa rede de trocas de informações que tem se formado entre os pesquisadores da ampla temática do futebol nos diversos congressos que abordam a temática esportiva mesmo que de modo transversal.

Somada à revisão bibliográfica a utilização de fontes como periódicos e sites de internet proporcionaram a possibilidade de acompanhar mesmo que a distância e com todos os problemas existentes nestas fontes o cotidiano da torcida estudada. Os sites institucionais das torcidas e seus

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perfis em redes sociais foram utilizados como os canais institucionais dessas agremiações para a comunicação com seus torcedores e o público em geral.

As entrevistas semi-estruturadas com dois fundadores dos Gaviões da Fiel4 tiveram por objetivo reconstituir a partir da fala torcedora os primeiros anos da torcida, o ideário inicial da agremiação, bem como a violência nas primeiras décadas da torcida. O viés político da instituição que foi ressaltado em ambas as entrevistas e as reflexões sobre a figura emblemática de Flávio de la Selva, sócio número um da torcida, foram informações que não estavam previstas no roteiro inicial das questões, mas por serem consideradas de grande importância pelos entrevistados como um modo de entender toda a história dos Gaviões da Fiel não podiam deixar de serem pensados na dissertação.

A entrevista semi-estruturada com uma das lideranças do Movimento Rua São Jorge (MRSJ) teve por objetivo inicial obter informações sobre a organicidade do movimento, respostas sobre questões estruturais e conhecer a fala institucional do grupo sobre a questão da violência, tema cujo qual os representantes do movimento são recorrentemente sabatinados em esferas governamentais. Também inclusa nas aspirações da entrevista estava a chancela do entrevistado para que eu frequentasse a sede da torcida, comparecesse às atividades como palestras, festas, concentrações de jogos e excursões; a acolhida de Alex Minduin se mostrou fundamental para a abertura dos espaços e para diversas experiências ao longo do percurso da observação de campo.

O Movimento Rua São Jorge foi observado ao longo do ano de 2011 com a participação intermitente em festas, reuniões, concentrações para os jogos e uma excursão. O acesso ao site e os contatos pessoais foram os meios privilegiados para obter informações sobre a realização das atividades e também para entender os rumos que o movimento trilhou ao longo do ano. A partir dos primeiros meses de 2012 por conta da volta do MRSJ aos Gaviões da Fiel, objetivo almejada pelo grupo de torcedores desde sua saída da sede da torcida no Bom Retiro quatro anos antes, as observações de campo seguiram nos Gaviões da Fiel até a final da Copa Libertadores da América, momento do título inédito da equipe corintiana. Todas as idas a campo foram descritas e refletidas a partir de um caderno de campo, cujas informações auxiliaram a refletir não apenas o momento presente da torcida como as continuidades de determinados valores e práticas na história dos Gaviões da Fiel.

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A escolha do Movimento Rua São Jorge, grupo de torcedores dissidentes dos Gaviões da Fiel, para a observação de campo baseia-se na hipótese repercutida pela Polícia Militar do Estado de São Paulo e pelo Ministério Público local de que esse agrupamento de torcedores tem um alto número de jovens tidos como violentos. Esta hipótese também se baseia em relatos de torcedores e em relatos midiáticos de que o MRSJ é conhecido entre os corintianos como o grupo mais violento dentro dos Gaviões da Fiel.

O Movimento da Rua São Jorge, por se constituir em um movimento de torcedores vinculados aos Gaviões da Fiel, não sendo assim uma torcida autônoma, obrigou-me no percurso de pesquisa a inicialmente filiar-me aos Gaviões da Fiel5 antes do contato inicial com o MRSJ. Na tentativa de uma aproximação com o movimento a realização de uma entrevista com uma das lideranças foi fundamental para possibilitar as minhas idas e consecutivo acompanhamento da dinâmica dos torcedores.

As visitas à sede, espaço onde fiz parte das entrevistas, acompanhei a palestra aos novos sócios, além da concentração para jogos no Pacaembu e uma excursão6, propiciaram não somente a experiência de torcedor participante do Movimento Rua São Jorge, como foram momentos de observação da dinâmica torcedora, da relação desse grupo com os outros integrantes da cidade e do espetáculo futebolístico como um todo, além da aproximação junto ao coletivo de torcedores. Assim, a aproximação que propicia a melhor observação dos acontecimentos, e muitas vezes o entendimento deles, além da possibilidade de diálogos mais abertos com os torcedores se mescla ao distanciamento do pesquisador necessário à reflexão dos processos sociais. Situações de extrema importância para a análise das continuidades e mudanças dentro das torcidas organizadas, forma de superação dos lugares comuns e preconceitos que revestem as representações sobre as torcidas organizadas. As idas a campo, neste caso, foram uma experiência determinante para todas as análises desenvolvidas durante a dissertação.

No segundo capítulo, intitulado Sobre as práticas torcedoras coletivas – Da fita no

chapéu às torcidas organizadas, busco estabelecer uma sequência de práticas coletivas de torcer,

seus envolvidos, como essas práticas se relacionaram com a dinâmica histórica de seu período e sua importância no estabelecimento de um clubismo primeiro no espaço das cidades de cada agremiação, posteriormente estadual e, por fim, o clubismo como acontecimento nacional para as

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No sistema de pertença desses torcedores, todo apoiador do Movimento Rua São Jorge é um torcedor dos Gaviões da Fiel, mas nem todos os Gaviões aderem ao MRSJ.

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maiores equipes do país. As análises deste capítulo abarcam da primeira década do século XX até a derrocada das torcidas uniformizadas paulistas, recorte que inclui desde a primeira etapa de disseminação do futebol nas capitais passando por uma crescente popularização, que vai desde a chegada dos torcedores populares aos grounds até a naturalização da figura do torcedor e posterior formação de organizações de vínculo fluído para o apoio às suas equipes. Etapa esta que pode ser caracterizada como uma escalada do torcedor popular em termos de status e importância no esporte. Neste período serão abordadas mais detidamente as Charangas, as Torcidas Organizadas cariocas e as Torcidas Uniformizadas paulistas. O clubismo e a conformação de uma massa de torcedores, bem como a já existente violência entre os adeptos do futebol, são questões que irão ser de grande importância ao longo do século e agem como espectro moral, exemplo e formas aglutinadoras dos torcedores desde então. O capítulo se encerra com a derrocada da grande maioria das torcidas uniformizadas paulistas, exceção feita à Torcida Uniformizada do São Paulo (TUSP), marcando mais de uma década de ausência quase total de organizações de torcedores na cidade de São Paulo, enquanto no Rio de Janeiro o panorama de efervescência das torcidas organizadas locais e da Charanga se mantém durante a segunda metade da década de 1950 e início dos anos 1960.

Frente à impossibilidade de analisar as diversas peculiaridades regionais, me atenho aos casos do Rio de Janeiro e de São Paulo, principalmente no que tange às similaridades e diferenças dos modos organizativos dos torcedores em ambas as capitais. A existência de um circuito frequente de partidas amistosas entre equipes dos dois estados pode ser interpretado como a possibilidade de trocas de experiência frequentes não apenas entre atletas e dirigentes, mas também entre os torcedores, principalmente os chefes de torcida, elementos de liderança carismática do período.

No terceiro capítulo analiso o processo que levará à fundação dos Gaviões da Fiel, atualmente a maior torcida organizada corintiana e, possivelmente, a maior do país. Sua trajetória será pensada a partir da bibliografia acadêmica sobre o assunto, bem como de entrevistas com os envolvidos na fundação e no processual crescimento da torcida. A existência dos Gaviões da Fiel não pode ser compreendida como uma questão significativa apenas para a história do futebol, o que já não é diminuto, mas deve ser analisada sob o espectro da relevância do associativismo na sociedade brasileira pós-ditadura, a ocupação do espaço público e a luta dos torcedores por poder e representatividade dentro da estrutura interna dos clubes, espaços de poder negado às classes

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populares. A história dos Gaviões da Fiel, como primeira torcida organizada de grande impacto social, será de extrema relevância para a reflexão dos grupos que se formam dentro da instituição, suas determinações e a maneira como a violência se apresenta no cotidiano dos torcedores organizados desta torcida organizada.

Os Gaviões da Fiel ao inventar um modo de organização até então inexistente em São Paulo vai servir de exemplo a outras torcidas organizadas do Corinthians e de clubes adversários, casos de uma relação multifacetada entre os torcedores dos diversos times, misto de amizade, admiração, reconhecimento, mas também de rivalidade e enfrentamento.

Pensar a diversidade de interações possíveis entre os agrupamentos de torcedores é um modo privilegiado de entender as dinâmicas e os processos históricos em sua complexidade, sem se deixar levar por modelos prontos ou hipóteses acabadas. O capítulo analisa o marco de expansão das torcidas organizadas em seu número de sócio, transição entre a década de 1980 e 1990, conforme análises de Toledo (1996, 2002), Pimenta (1997) e Reis (2006). Momento histórico que trouxe, conforme torcedores e diretores entrevistados, uma nova lógica às torcidas organizadas, muito mais empresarial, juvenil e com a reformulação de determinados valores fundadores dos Gaviões da Fiel. O capítulo se encerra com o enfrentamento de torcedores do São Paulo Futebol Clube e Sociedade Esportiva Palmeiras pela Super-Copa de Futebol Júnior no ano de 1995, marco nos estudos relativos à violência no espetáculo futebolístico e evento que desencadeou a ação do poder público no sentido de proibir a atuação e existência das torcidas organizadas que tiveram integrantes envolvidos neste episódio, acontecimento que também será retomado no capítulo seguinte.

O aumento no número de associados nas torcidas organizadas paulistas, e principalmente nos Gaviões da Fiel; o aumento no número de casos registrados, pela polícia e pela mídia, de violência relacionada ao futebol, seja ou não no espaço dos estádios, e os consecutivos estereótipos que processualmente moldaram as novas representações sobre os torcedores, neste período passam da imagem do torcedor organizado carnavalizado e abnegado, para serem suprimidas em prol de representações que dialogam com a violência. Assim, o estereótipo que imputa tão somente à torcida organizada e o seu torcedor a responsabilidade pela violência no futebol ganha força no período (AGUILERA,2004).

No quinto capítulo a análise teórica a partir da bibliografia estrangeira que trata de violência relacionada ao futebol, marcadamente a produção inglesa da escola Leicester e a

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produção argentina da UBA7, bem como a análise da produção nacional sobre torcidas organizadas e violência no Brasil. A partir da análise bibliográfica a pergunta: Por que os torcedores brigam, será refletida a partir dos aspectos do clubismo, de uma identidade interna à torcida organizada e por fim a análise de conceitos como a emoção prazerosa da batalha, a masculinidade, a identidade individual e coletiva nas torcidas organizadas a partir das observações de campo desenvolvidas tanto no Movimento Rua São Jorge, como nos Gaviões da Fiel.

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2. – SOBRE AS PRÁTICAS TORCEDORAS COLETIVAS – DA FITA NO CHAPÉU ÀS TORCIDAS UNIFORMIZADAS.

2.1 – Marca de distinção em tão fidalgo esporte: os donos do jogo e as fitinhas no chapéu

A chegada do futebol ao Brasil, ainda hoje, é motivo de discussão nos espaços acadêmicos, dada a busca de um marco inicial ou de um potencial introdutor da prática na sociedade brasileira. No entanto, os mitos fundadores que herdaram tal honraria mais poderiam exemplificar o nascimento dos clubes de futebol na década de 1900 e 1910 no Rio de Janeiro e em São Paulo do que nos dar assertivas sobre a chegada do esporte ao país.

Charles Miller, em São Paulo, e Oscar Cox, no Rio de Janeiro, são representantes de um mesmo grupo social: as elites com proximidade das novidades acontecidas na Europa. Desde 1902, marco histórico do início do futebol na cidade de São Paulo, existem publicações que estimulam e ensinam tanto os praticantes ou futuros praticantes, como os potenciais torcedores os preceitos e os códigos desse recém-chegado esporte.

Estas publicações tiveram um papel pioneiro de interpretação, internalização e esclarecimento das regras e conhecimento das formas de jogar, papel que seria levado a cabo posteriormente pelos jornais, mas que no início do século XX ficava a cargo de jogadores, jornalistas ou comerciantes de artigos esportivos (TOLEDO, 2002).

Levando em conta que esses manuais foram os primeiros meios de estímulo e conhecimento do novo esporte, podemos perceber que a existência de uma pequena parcela de habitantes letrados no Brasil restringia sua circulação. Os guias de aprendizado formal ficavam restritos às parcelas da população de maior poder aquisitivo.

Em uma sociedade que dava seus primeiros passos na prática esportiva o principal esporte era o remo e o interesse da colônia britânica pendia mais para o críquete do que para o futebol8, o jogo com os pés teve de galgar espaços entre a preferência do seleto grupo das elites das grandes cidades brasileiras.

O costume de apoiar uma equipe, já existente no país (DAMO,2007; MELO,2012), fazia com que grandes contingentes acorressem às raias para dar suporte aos clubes de regatas e suas

8 PEREIRA, Leonardo Affonso Miranda. Footballmania: uma história social do futebol no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Editora Nova fronteira. 2000.

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respectivas equipes de remo. Os jornais da época traziam as informações das disputas e estimulavam o comparecimento para o que então era tido como um evento social de grande repercussão na cidade.

Os clubes caprichando, cada um querendo fazer mais bonito. O que dava a regata, então, embandeirava tudo o que era poste e árvore. Do barracão do Guanabara ao morro da Vitória. Uma regata tinha de ter mais foguetes do que a outra. Mais barcas, nos rebocadores, mais lanchas. E mais carros no corso. (RODRIGUES FILHO, 2003)

A disseminação do futebol, naquele início de século XX, pelas capitais carioca e paulista dependia, em parte, pela forma que esse esporte seria aceito pelos adeptos dos clubes já existentes, desafiando as preferências estabelecidas por outras modalidades esportivas, e também por quão bem sucedidas seriam as redes de sociabilidade que o jogo poderia implementar nos espaços urbanos.

Desta forma, podemos elencar uma pequena comunidade inicial de praticantes do futebol nas capitais de São Paulo e do Rio de Janeiro, que apesar de um perfil social e uma conduta semelhantes, aí inclusa a defesa do amadorismo, não conseguiram coibir a disseminação e, a posterior, popularização do jogo.

Apesar das grandes cidades9 contarem desde o terceiro quartel do século XIX com associações de prática esportiva, assim o associativismo com fins esportivos já era conhecido entre os brasileiros; a partir da década de 1910 o rápido aumento de clubes e a diversificação dos seus integrantes foram a tônica do processo que traria a reboque outros grupos sociais e novas experiências ao jogo.

O circuito futebolístico que se estabeleceu tanto em São Paulo como no Rio de Janeiro gradualmente foi acrescido de times tanto na várzea como nos espaços chancelados pelas federações locais10. A diversidade de modos como as associações foram constituídas, seus

9 São os exemplos de cidades como São Paulo (STREAPCO, 2011), Rio de Janeiro (PEREIRA, 2000) e Porto Alegre (DAMO, 2002)

10

Os participantes dos eventos chancelados pelas federações eram os únicos a poderem participar dos campeonatos paulista e carioca. O primeiro teve sua primeira edição em 1902 e o segundo iniciou suas disputas em 1906. O fato de um time disputar torneios na várzea não significa que em algum momento o clube não possa ascender à disputa dos campeonatos oficiais, reconhecidos pelas federações locais, como foram os casos de Corinthians e Palmeiras. Também não pode ser deixado de lado o fato de que as próprias federações que davam, e ainda dão, legitimidade aos campeonatos estaduais mudaram de nomes e sofreram diversas disputas e dissidências internas ao longo do século passado.

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objetivos e as demandas que buscavam atender colocam entidades sob quase todos os aspectos díspares numa mesma designação: clubes de futebol.

Clubes já existentes das classes abastadas abriram espaços para a constituição de uma equipe de futebol11, novos clubes das altas classes voltados principalmente ao futebol de competição12, clubes de fábricas interessados no esporte13 e entidades formadas a partir de sociabilidades de bairros e encontros dançantes14, além dos clubes de colônia15, são sintomáticos da diversidade de encontros entre indivíduos e possibilidades de expressão que o futebol poderia alcançar no primeiro quartel do século passado.

Longe de reificar a constituição dos clubes de futebol no cenário esportivo brasileiro há de se levar em conta questões como a sociabilidade entre os indivíduos e as cadeias de interdependências (ELIAS, 1992, 2000) que uniam e estimulavam os praticantes e apoiadores do jogo no início do século XX. Desta forma, a questão não se resume simplesmente ao futebol, mas pode também ser compreendida como a constituição de laços entre grupos organizados de formas até então inexistentes ou incipientes na sociedade brasileira.

A possibilidade de afirmar sociabilidades de bairro, ou aquelas constituídas a partir do mesmo ambiente de trabalho ou ainda de pertencimento de classe, creio não fossem os fatores fundamentais à constituição das equipes, sendo sobrepujadas pelo interesse na prática em si, mas são fatores de destaque ao se escolher com quem jogar e contra quem se jogará, modo com que se fundamentam uniões e potenciais rivalidades.

Os clubes são espaços privilegiados para a observação daquilo que Norbert Elias definiu como cadeias de interdependência. Neste caso numa sociedade brasileira que flerta entre uma estrutura segmentar e funcional (ELIAS, 1992).

11 O caso do Flamengo em 1912. 12

Exemplo do Botafogo Football Club, fundado em 1904 (PEREIRA, 2000), e do São Paulo Futebol Clube de 1935 (STREAPCO, 2011).

13 São muitos os clubes de fábrica no Brasil, mas dois deles atingiram uma considerável atenção da mídia ao longo do século XX e um espaço na memória futebolística nacional são o Clube Atlético Juventus de São Paulo, criado a partir do Cotonifício Rodolfo Crespi, no bairro paulistano da Mooca; e o Bangu Atlético Clube do Rio de Janeiro, vinculado à Companhia Progresso Industrial do Brasil. Fátima M. R. F. O futebol nas fábricas In. Revista USP – Dossiê Futebol. Volume 22. São Paulo. Ano 1994. Páginas 102-109.

14 Entre os vários exemplos existentes podem ser citados o Bonsucesso e o Andaraí no Rio de Janeiro. 15

São vários os exemplos de equipes que na sua fundação implementaram um recorte étnico, são os casos do Palestra Itália (posteriormente rebatizado de Sociedade Esportiva Palmeiras)e a Portuguesa de Deportos em São Paulo, além do carioca Vasco da Gama.

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A condição do Brasil analisado como um todo16, de região que oscila e convive ao longo do séculos XX e XXI com situações de ligações segmentares e funcionais17 caracteriza-se por: situações como a ausência ou a atuação negativa do Estado em determinados espaços, “elevada violência física nas relações entre sexos; domínio masculino” (ELIAS & DUNNING, 1992) e a tendência à formação de bandos, nas linhas de segmentação social, cujo objetivo é o enfrentamento de outros grupos18, com ênfase em um conceito de masculinidade fundada na violência e na virilidade que aproximam o país das características das sociedades segmentares. Por outro lado, a existência de uma comunidade nacional ligada por vastas cadeias de interdependência, um horizonte de possibilidade de mobilidade social aproximam a sociedade brasileira dos conceitos pensados por Elias e Dunning para um local em que prevalecem as ligações funcionais.

As grandes cidades brasileiras do início do século XX foram espaços relevantes para a análise de como as cadeias de interdependência vão se tornar cada vez maiores e como a relação entre os grupos sociais trouxeram consigo novas situações. O espaço da cidade não suprimiu as diferenças e segregações até então existentes, mas colocou as relações entre os indivíduos num patamar de maior proximidade e necessidade mútua pela complexidade da divisão social do trabalho que o ambiente urbano engendrou na história nacional.

Para cada clube, além dos jogadores, existiu uma assistência, denominada de espectadores, que por mais heterodoxas que fossem traziam consigo motivações que os faziam estar ali durante a atuação de terceiros, tanto nos espaços chancelados pelas federações locais como nas várzeas.

E é sobre essa assistência, que foi constituída ao longo da trajetória dos clubes, tornando-se indissociável da vida das associações esportivas ao longo do século XX, que analisaremos.

16 Consciente de que analisar grandes contingentes populacionais em uma vasta área, como é o caso do Brasil, indubitavelmente nos levará à generalizações, creio que o exercício não seja destituído de valor, já que a conformação de um governo centralizado não ameniza as diferenças e peculiaridades regionais, mas a atenua sob uma mesma lógica executiva, jurídica, legislativa.

17 Creio não incorrer em uma falha teórica ao analisar os dois modelos de ligação conjuntamente por dois fatores: A condição que todos os grupos sociais não compartilham das mesmas experiências e oportunidades dentro da sociedade, por isso estando em situações diferentes no processo civilizador (ELIAS,1994), o que proporciona a convivência e o embate de diversos grupos com os mais variados conceitos e práticas sobre desde a formação de comunidades até a relação com a violência; e segundo por compreender que o esquema apresentado por Elias e Dunning no livro A busca da excitação(ELIAS & DUNNING,1992) seja baseado em tipos ideais, que mesmo que tenham um correspondentes nas sociedades contemporâneas ou passadas não invalidam análises que mesclam os dois tipos de ligações.

18 Apesar de crer que o objetivo de qualquer grupo não seja unicamente o enfrentamento e que esse enfrentamento pode ser, muitas vezes, o meio e não o fim em si, o argumento não tem sua eficácia alterada.

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Mais do que fazer um apanhado histórico sobre a constituição e popularização das torcidas de futebol, este capítulo reflete sobre a atuação desses torcedores e os processos históricos que levaram às diferentes formas de se torcer coletivamente ao longo da primeira metade do século passado.

O recorte que foi adotado privilegiou os clubes de São Paulo e do Rio de Janeiro que fazem parte do chamado sistema Fifa-IB (DAMO, 2007). Mesmo que os clubes que hoje compõem esse sistema não fizessem parte de competições de alto rendimento e nem campeonatos de reconhecimento oficial nos seus primeiros anos19, suas trajetórias e a de seus torcedores são de extrema importância para entendermos a criação de uma massa torcedora e de seu ethos.

Dada a baixa cobertura dos jornais20 ao futebol na primeira década do século passado, quando o esporte aos poucos21 galgou adeptos para a prática e assistência, os dados que podemos apreender a partir dessa fonte para pensarmos os torcedores do período são restritos. Contudo, o clássico O negro no futebol brasileiro, de Mario Filho22, traz alguns indicativos de como se dava a frequência aos matchs de football23 organizados pelos clubes participantes do campeonato carioca. Bem como o estudo histórico apresentado por Leonardo Pereira24, que versa sobre as primeiras décadas do futebol carioca, a partir de vasta documentação que abarca desde atas de reuniões, variados jornais do período, álbuns pessoais de atletas da época até manuais de prática esportiva.

Mario Filho chamava a área reservada aos sócios dos clubes de alto padrão financeiro carioca de corbeille de flores, justificada pela grande presença de mulheres da alta sociedade do Rio de Janeiro que apoiavam seus parentes, amigos ou pretendentes. Com estas jovens senhoras compartilhavam espaço os demais sócios dos clubes, todos eles do mesmo perfil sociocultural. O vínculo já existente em outros espaços entre esses torcedores e os jogadores era reafirmado no

19 Exemplo da diversidade de origens e histórias específicas dos clubes que, cada um ao seu modo, fizeram parte desde a fundação ou tardiamente das federações locais. Instituições essas criadas também com objetivos específicos e formulações próprias sobre o que deveria ser a prática do futebol.

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Nos primórdios do futebol as notícias que eram vinculados por meios dos jornais traziam informações limitadas, como quais equipes que se enfrentariam, o local e o horário dos jogos e a escalação dos times, muitas vezes já alinhadas em seus padrões de jogo e com seus atletas nas respectivas posições. (RODRIGUES FILHO,2003; PEREIRA,2000; DAMO,2002.)

21

PEREIRA, Leonardo Affonso Miranda. Footballmania: uma história social do futebol no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Editora Nova fronteira. 2000.

22 Mesmo consciente de determinadas inconsistências na obra de Mario Filho e das críticas feitas por Pereira (PEREIRA,2000) e de todo o debate travado no livro A Invenção do País Futebol (HELAL, LOVISOLO & SOARES,2007), creio que o uso da obra do jornalista carioca possa trazer proventos à análise.

23 Partidas de futebol, em inglês. 24 Op. cit.

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campo, em forma de apoio e torcida. O compartilhar de espaços de religiosidade, estudo e festividades era ampliado aos campos de jogo, um dos objetivos era desfrutar de um entretenimento entre iguais, ou seja, membros da mesma condição social que desfrutavam das mesmas influências culturais.

Valores como a competitividade, o desejo pela vitória e pela prática futebolística de excelência, características buscadas por todo esportista, eram postas em perspectiva frente à inserção de jogadores indesejáveis ao grupo. As competição se maninham sob a preservação de determinados valores, vistos como norteadores e inerentes ao jogo por dirigentes de clubes e federações, atletas e sócios.

O amadorismo, a boa educação formal e a obrigatoriedade do trabalho não braçal serviam de justificativa para barrar uma vasta gama de atletas e clubes do circuito de competições organizado pelas federações. Conforme as representações que as elites paulistanas e cariocas faziam dos demais integrantes das cidades a lista dos indesejáveis ao convívio era vasta: trabalhadores braçais, afro-descendentes, pobres, imigrantes sem posses e boa parte das pessoas de famílias sem tradição no cenário local ou nacional. Sintomático o fato de que a imensa maioria da sociedade do período somasse uma ou mais dessas características, por isso diversos jogadores estavam alijados da prática do futebol de competição das federações em São Paulo e no Rio de Janeiro, e também dos campos decisórios da sociedade brasileira (PEREIRA, 2000).

O fato de existirem restrições aos grupos supracitados no futebol promovido pelas federações locais não pode nos fazer perder de vista as exceções que confirmam a regra no sistema de exclusão velada que afetava as classes populares.

Como o caso do Bangu, clube que disputou os campeonatos cariocas desde a primeira década do século XX com trabalhadores negros da linha de produção da Cia. Industrial do Brasil. O clube apadrinhado pelo Fluminense, nas palavras de Mario Filho (RODRIGUES FILHO, 2003), era necessário para calar os críticos e transparecer democracia à disputa. Situação diferente à ocorrida com o Corinthians no circuito paulistano, que após ser reconhecido na várzea por diversas conquistas, tem sua entrada no campeonato paulista negada por anos, até que em 1917 consegue integrar pela primeira vez o torneio, mesmo não tendo nenhum negro no time.

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Seus jogadores não eram integrantes da elite, mas também não eram negros, um valor considerado favorável ao time do Bom Retiro no período25(STREAPCO, 2011).

Na contramão desse sistema hermético de reconhecimento e apoio entre iguais, o jogo começa a receber outro tipo de torcedor, o associado. Para ser mais exato, além de não-associado o vínculo desse torcedor com o seu clube, creio eu, não fizesse sentido lógico aos então jogadores e dirigentes dos times até aquele momento. Os sentidos do torcer por um clube, que sua simples existência o representa estavam em formação neste momento histórico do futebol (PEREIRA, 2000; HOLLANDA, 2009).

Os espaços voltados a esses novos torcedores aumentaram processualmente nos grounds26 tanto do Velódromo em São Paulo como das Laranjeiras no Rio de Janeiro27. Apesar da ausência de qualquer conforto, sendo obrigados a assistirem os jogos em pé e apertados, esses novos agentes sociais do futebol estavam dispostos a se divertir, torcer e compartilhar esse espaço do jeito que fosse possível.

Um jogo do Fluminense contra o Corinthians, da Inglaterra28, que atraía para o estádio em 1910 uma pequena multidão, era exemplar sobre esse processo [ a formação de uma classe torcedora]. Sem conseguir entrar para assistir à partida, muitos dos interessados na disputa acabaram aceitando a proposta de Mano, o ainda pequeno filho de Coelho Neto – que morava então em frente ao campo: 1$000, ele deu entrada para inúmeros torcedores em sua casa enquanto o pai dormia, tendo ainda cobrado a metade desse preço para aqueles que se dispusessem a assistir à partida de cima do galinheiro. A surpresa do literato, que ao acordar encontra um desconhecido negro subindo as escadas da sua casa, foi tão grande quanto o lucro do menino, que arrecadou 25$000 com sua estripulia. Aproveitando-se da oportunidade, Mano percebia aquilo que em breve se tornaria constatação óbvia para os que acompanhavam o jogo: o crescente interesse de um público até então excluído do recinto dos estádios pelos jogos da liga. Embora alguns deles, como Chico Guanabara – um ‘capoeira destemido e respeitado’ que morava nas imediações do estádio do Fluminense – acabassem (por conta de sua torcida apaixonada) por ganhar a proteção dos seus sócios, na maior parte das vezes tratava-se de uma paixão

25 Poucos jogadores negros conseguiram fazer parte do campeonato paulista naquele período, suas participações representavam exceção e especificidades, como El Tigre Friedereich. (STREAPCO,2011).

26 Eram chamados de ‘grounds’ os campos de jogos das equipes, preferi manter o termo nativo, pois esses espaços guardam diferenças significativas dos estádios edificados posteriormente.

27 O ground do Velódromo, como diz o próprio nome, inicialmente fora pensado como um espaço para a prática e competição do ciclismo, sendo posteriormente remodelado à prática do futebol (STREAPCO,2011). Enquanto as Laranjeiras não tinham condição de abrigar um significativo contingente de torcedores. Sendo que o primeiro estádio carioca de grandes proporções foi o de São Januário (1927) e em São Paulo o Pacaembu (1940).

28 Clube da cidade de Tolworth, nos arredores de Londres. Hoje conhecido como Corinthian-Casuals, após a fusão com a equipe do Casuals, em 1939. O time foi um dos bastiões do amadorismo inglês, negando-se a participar da transição vivida por vários clubes do amadorismo rumo à profissionalização. As regulares excursões da equipe por países onde o futebol ainda não tinha grande tradição fazia-os além dos defensores do amadorismo, uma missão civilizadora futebolística, já que nas primeiras décadas do futebol no Brasil tinha-se a vinda de clubes estrangeiros, principalmente os ingleses, como oportunidade para lições sobre o futebol.

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absolutamente unilateral, não havendo relação direta entre torcedores e o clube para o qual dedicavam sua devoção. (PEREIRA, 2000)

Ao pensar a questão da precariedade do espaço legado à assistência popular nos jogos, alguns questionamentos e reflexões ganham sentido. Inicialmente, o fato de que os clubes não esperavam receber essa assistência em seus fields29, posteriormente já consciente desse afluxo de torcedores não se davam conta de sua vastidão. Deste modo, crê-se que se esse novo contingente de torcedores populares aceitava e ocupava os espaços que lhe era proporcionado, invadindo o campo só em caso de desavenças entre as equipes e sistema que reafirmava a existência já segregada entre os torcedores do mesmo time. O argumento de que torcedor existe apenas para torcer era remodelado e burlado com a maior intimidade que o torcedor da geral ganhou com o espetáculo futebolístico.

Esse processo histórico estimulou o torcedor popular, mal alojado nos estádios, à inventividade de práticas nos espaços que ocupa. Ao longo do século e com o passar das gerações de torcedores as práticas das arquibancadas também se remodelaram diversas vezes, afetadas inclusive pela massificação do público futebolístico no Brasil. Creio ser relevante pensar que a entrada desses novos atores sociais, as classes populares, tornou mais acirrado o embate sobre novas perspectivas do jogar e do torcer, reelaborando e incidindo sobre representações até certo ponto alicerçadas no ideário nacional, mais especificamente num habitus das classes médias e altas.

O habitus constitui um sistema de esquemas de percepção, de apreciação e de ação, quer dizer, um conjunto de conhecimentos prático adquiridos ao longo do tempo que nos permitem perceber, agir e evoluir com naturalidade num universo social dado. Constitui uma espécie de segunda natureza inconsciente, num sentido prático. Enquanto coletivo individualizado pela incorporação do social, ou indivíduo biológico coletivizado pela socialização, o habitus não é uma invariante antropológica, mas uma matriz geradora, historicamente construída, institucionalmente enraizada e socialmente variável. O

habitus é um operador de racionalidade, mas de uma racionalidade prática, inerente a um

sistema histórico de relações sociais; assim, transcende o indivíduo. O habitus é criador, inventivo, mas nos limites de suas estruturas. (BOURDIEU,2002)

A escolha consciente e dedicada em apoiar uma equipe, que não manifestava nenhuma característica premente desses torcedores; o fato de serem relegados à condição torcedores de menor importância, afinal os atletas amadores jogavam com objetivos outros que agradar esta parcela da torcida; não eram fatores que freavam o aumento constante da torcida.

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Torcer por um clube de futebol é participar ativamente da vida social, construindo identidades que extrapolam o indivíduo, a casa e a família. Vivencia-se concretamente o pertencimento na rua, no estádio, em pleno domínio público. (DAMO, 2002: 12)

Sobre esse pertencimento clubístico em construção, que extrapola o espaço futebolístico de um modo geral, vale frisar que é uma dimensão construída e reafirmada nos diferentes espaços da sociedade, relacionados direta ou indiretamente ao futebol. Assim, qualquer espaço de interação é potencialmente local de exteriorização, cooptação, disputas e jocosidades entre os torcedores.

As torcidas dos grandes times, da década de 1910 em diante, não podiam mais passar imunes aos torcedores vindos das camadas populares, que se interessavam pelo futebol e escolhiam os times que desejavam apoiar. A conformação de uma multidão torcedora pode ser observada como uma novidade do período (PEREIRA, 2000), ainda mais se tratando da ocupação de um espaço privado que até então não era de livre circulação. O futebol se alimentou e foi estimulado pela conformação de grandes massas urbanas que se unem e se dissipam em momentos específicos. As comemorações nas principais avenidas, tanto dos triunfos dos clubes como da seleção são indicativos que não só as greves, as reivindicações da classe trabalhadora e o carnaval usavam do espaço público, mas também o futebol proporcionava essa ascendência sobre as multidões.

Assistência foi um termo muito comum usado pela imprensa esportiva até os anos 30, como pode ser constatado em A Gazeta Esportiva. Situação que definia o status de torcedores mais populares, que se contrapunham aos sócios, notabilizados por laços mais estreitos, mesmo de parentesco, com os integrantes dos clubes que se projetavam nos campos patrocinados pelos clubes mais elitizados. (TOLEDO, 2002: 223)

O conceito de comunidades imaginadas30 desenvolvido por Benedict Anderson, como o conceito de clubismo pensado por Arlei Damo (2002, 2007) possam trazer importantes contribuições para a reflexão de como atrelaram as coletividades de torcedores, que fora o time predileto poucas características traziam em comum.

30 ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas. São Paulo. Companhia das Letras. 2008. Consciente da especificidade do debate de identidade nacional e de que o conceito de comunidade imaginada tenha sido forjada por Anderson para este campo de debate, creio ser válida a utilização do conceito para a compreensão das torcidas pelas diversas aproximações que são possíveis fazer entre o conceito e as reflexões sobre as torcidas de futebol.

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Assim, dentro de um espírito antropológico, proponho a seguinte definição de nação: uma comunidade política imaginada – e imaginada como sendo intrinsecamente limitada e, ao mesmo tempo, soberana.

Ela é imaginada porque mesmo os membros da mais minúscula das nações jamais conhecerão, encontrarão, ou sequer ouvirão falar da maioria de seus companheiros, embora todos tenham em mente a imagem viva da comunhão entre eles. Era a essa imagem que [Ernest] Renan se referia quando escreveu, com seu jeito levemente irônico: ‘ Ora, a essência de uma nação consiste em que todos os indivíduos tenham muitas coisas em comum, e também que todos tenham esquecido muitas coisas. (ANDERSON, 2008).

O argumento de Anderson pensado na esfera futebolística, relativa à conformação dos clubes, nos dá indicativo dessa comunidade de sentimento e proximidade forjada pela adesão à mesma equipe como um sentido em si próprio, mas não destituído de importância. A comunidade imaginada propiciada pelo torcer forja um conjunto de características que constrangem sob diferentes níveis seus adeptos, a diferença dessa adesão em relação aos Estados é de que referente aos clubes a escolha é voluntária, um pertencimento escolhido numa vasta comunidade que se expandem do municipal para o nacional e em alguns casos de maior expressão global.

O clubismo, categoria pensada por Damo31, pode ser uma das pistas para pensarmos o que levava esses torcedores a estabelecerem vínculos com essas equipes. Se por um lado os clubes não representavam os torcedores sob as mesmas características de classe, cor, localidade da cidade, pois o futebol jogado na maioria desses clubes era um divertimento com claro recorte classista e objetivo exclusivista privilegiando as classes mais abastadas das cidades, por outro lado passaram a representar, dada a condição de identidade e representatividade forjada por esses novos torcedores, sob a expansão de uma comunidade fechada entre indivíduos de uma trajetória de vida semelhante para uma comunidade imaginada forjada sob novos paradigmas.

O vínculo clubístico que serve de mola propulsora ao futebol como espetáculo não se caracteriza por uma adesão aleatória. O vínculo ad infinitum é fundamental para que o clubismo funcione plenamente, mas isso só é possível de ser entendido tomando-se o clubismo em perspectiva semiológica. Isto implica pensar que é o sistema de pertenças que sugere, e até mesmo constrange, determinadas atitudes. Se você ama o Inter, dirá o sistema, você não apenas o ama acima de todos os outros clubes senão que odeia o Grêmio. (DAMO, 2007)

O sistema de pertenças, citado por Damo, não pode ser considerado algo ontológico ao jogo, mas constituído socialmente por tramas de adesões, exclusões e criações de rivalidades no ambiente futebolístico. O fato de serem tramas forjadas sob uma relativa autonomia do meio

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futebolístico, não extingue sua força, mas influencia nesse ambiente as representações que os indivíduos fazem de si próprios e do coletivo o qual fazem parte, a torcida. A leitura de uma realidade futebolística e a atuação social dos indivíduos, ao se tratar do futebol, é em grande parte pautada nesse sistema que reafirma tradições, mas também vive de constantes mudanças.

O pertencimento clubístico e o fato dos indivíduos estarem inseridos numa ampla comunidade imaginada de seus clubes influi também no capital social amealhado pelos torcedores ao longo da vida. O conceito de capital, proveniente da tradição marxista, foi apropriado e expandido por Pierre Bourdieu para analisar as relações entre os indivíduos ao acumular riquezas e relações privilegiadas não necessariamente econômicas e as formas como essas relações do âmbito cultural, social, educacional, dentre outros são responsáveis por desigualdades nas sociedades modernas. O lugar e a evolução de cada indivíduo no espaço social relacionam-se, simultaneamente, ao volume global de capital que ele detém; à repartição desse capital entre capital econômico, social e cultural; à evolução, no tempo, dessas propriedades e das estratégias de reconversão desenvolvidas. Essas diferentes espécies de capital funcionam como fichas o jogo social de que ele participa. Em função de sua posição no jogo, de sua força relativa, ele desenvolve estratégias que lhe permitem manter ou galgar novas posições (BOURDIEU, 2002).

O fato do Fluminense ser um time de ricos, considerado mais educado e melhor entendedor do espírito esportivo que seus adversários, acumulando ainda o rótulo de equipe vencedora faz, conforme as palavras de Mario Filho, com que até os valentões32 e os trabalhadores de baixa remuneração que torcem pelo tricolor carioca atribuam a si próprios essas características (RODRIGUES FILHO, 2003). Esses torcedores continuavam entre os extratos mais pobres da população carioca, porém as representações que faziam de si próprios não tinham só relação com os seus proventos individuais, mas também à trajetória de status da sua equipe. Desta forma, creio que o conceito de forma-representação utilizado por Toledo (TOLEDO, 2002) seja de extrema importância para analisar a postura desses torcedores a partir da sua relação com o clube, como estes torcedores faziam representações de si próprios, das suas torcidas e da sua

32 O termo valentão era utilizado no início do século XX para fazer referência a jovens e jovens-adultos que moravam nas periferias da cidade e pela coerção física e intimidação buscavam respeito e sobrevivência nos ambientes urbanos. A ausência de qualquer respeito aos mais ricos, idosos etc. e o fanatismo pela defesa da honra dos times causava receio em relação aos estragos que os valentões poderiam causar. No entanto, afirma Mario Filho, cada clube e suas respectivas diretorias guardavam e buscavam controlar muito bem seus valentões caso o jogo exigisse algum de seus préstimos.

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