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Teologia da cruz como novo paradigma para a relação “fé e política”: tentativa de fundamentação ética da democracia brasileira

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Academic year: 2021

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Teologia da cruz como novo paradigma

para a relação “fé e política”

Tentativa de fundam entação ética da dem ocracia brasileira

Evaldo Luis Pauly

Resumo

Com a regulamentação das con­ quistas democráticas da Constituição Federal de 1988, criaram-se no Bra­ sil esferas públicas não-estatais. Tra- ta-se da ação política - que vai além da política partidária - desenvolvida por milhares de conselhos que deter­ minam algumas políticas públicas.

Resumen

Con la reglamentación de las con­ quistas democráticas de laConstitución Federal de 1988, se crió en Brasil es­ feras públicas no estatales. Se trata de la acción política - que va más allá de la política partidaria - desarrollada por millares de consejos que determinan algunas políticas públicas. Muchos de

Abstract

W ith the reg ulatio n o f the democratic conquests of the Federal Constitution o f 1988, non-state public spheres were created in Brazil. This has to do with the political action - that goes beyond party politics - carried out by thousands of councils that determine some public policies.

Muitos desses conselhos possuem composição paritária entre socieda­ de civil e governo. Essa situação po­ lítica inusitada provoca uma revira­ volta na teologia pastoral. Atese cen­ tral do artigo é demonstrar o poten­ cial criativo da eclesiologia luterana nessa nova conjuntura.

ellos tienen una composición paritaria entre la sociedad civil y gobiemo. Esa situación política inusitada provoca una modificación en la teologia pastoral. La tesis central del artículo es demostrar el potencial creativo de la eclesiologia luterana en esta nueva coyuntura.

Many o f these councils are made up o f an equal representation o f the civil society and the government. This unusual political situation provokes a turnabout in pastoral theology. The central theme o f this article is to show the creative potential o f the Lutheran ecclesiology in this new situation.

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"Jesus Cristo vai voltar Em Porto Alegre vai morar"

Wander Wl dner, cantor punk-brega

Fé e política: nunca a pastoral bra­ sileira produziu tanto sobre um único tema Milhares de textos1 produzidos e milhares de militantes formados2. Essa pastoral permitiu a inclusão dos cristãos entre as forças políticas do chamado campo democrático e po­ pular, hoje sob hegemonia do PT3. A tese que defenderei nesta palestra é simples:

A relação entre f é e política é um a ilusão teológica. São os teólogos que pensam que a f é tem importância na política. É preciso ter humildade evan­ gélica e ser realista p a ra assum ir a materialidade das relações possíveis e factíveis entre com unidade local e p o ­

lítica partidária.

Para dem onstrá-la, assum o a metanarrativa que fundamenta a pos­ sibilidade da liberdade, exclusivamen­

te, pelo sangue de Cristo. A teologia da cruz é um novo paradigma para a relação “fé e política” fundamentada na democracia. Desde há muito, a teo­ logia e a ciência política influenciam- se mutuamente4.

Igrejas não sabem o que fazer com a construção da identidade partidária, perturbam-se com os enfrentamentos e confrontos necessários entre partidos, não compreendem a ética das mudan­ ças de táticas, das coligações... Parece que, no máximo, as igrejas estabele­ cem suas doutrinas sociais, baseadas na revelação divina e/ou na tradição teológica. Um estado justo seria aque­ le que aplicasse essa doutrina social ela­ borada desde fora do estado, cuja legi­ timidade última é a divindade.

* Cito um exem plo dessa produção: C adernos Fé e Política do CD D H d e Petrópolis/RJ, dos redatores Leonardo e W aldem ar Boff.

2 A vida do intelectual Florestan F ernandes ilustra esse fato. Veja sua entrevista a Paulo de Tarso V enceslau,na revista Teoria & D ebate, n. 13, jan/fev/m ar de 1991.

^ Há controvérsias. É consenso que não se trata de aliança tática ou estratégica entre m arxistas e cristãos. E mais. A “questão das alianças aparece com o superada: os cristãos se tom aram um com ponente dos m ovim entos populares socialistas, libertadores ou revolucionários. Eles trouxeram um a sensibilidade m oral, uma experiência do trabalho popular ‘na b ase’ e um a urgência utópica que contribuíram para enriquecer o m ovim ento”. M. LÕWY, O M arxism o na A m érica L atina, p. 60. A presença dos cristãos m udou o espirito do m ovim ento.

^ Cari SCHM IT, O conceito do politico, Petrópolis : Vozes, 1992. A edição original é de 1932. Esse pioneiro das ciências políticas afirm a que todos "o s conceitos destacados da doutrina m oderna do Estado são conceitos teológicos secularizados. Isso não vale apenas por causa de seu desenvolvimento histórico, m as tam bém na sua estrutura sistem ática.”

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Teologia da cruz com o novo para d ig m a p a ra a relação “fé e p o lítica

Partidos não sabem o que fazer com a bondade, humildade e tolerân­ cia da fé. Eles disputam pelo poder até o limite legal da lei do mais forte5. Polí­ tico não perdoa, mede conseqüên­ cias. Por isso, proponho trocar a rela­ ção ideal fé e política pela relação

conflituosa entre comunidade religio­ sa e partido político. Essa mudança paradigmática produz imediata contra­ dição: a comunidade se legitima pelo que é comum e o partido pelo que é parte. Nesta palestra, continuo avali­ ando essa mudança paradigmática6.

1 - 0 equívoco da relação antímoderna entre fé e política

Pensar a relação “fé e política” é pensar na implicação entre liberda­ de e libertação, conforme a sugestão dos autores do artigo “Perspectivas da Teologia da Libertação”7. A rela­ ção entre liberdade e libertação é feita pela ética da modernidade, que der­ rotou o absolutismo e a cristandade, expressão religiosa deste. Ao mesmo tempo, celebra a vitória da ética de­ mocrática e da tolerância religiosa. A cristandade ruiu para salvar o cris­ tianismo, tal como se deu com o fím do socialismo real8.

Tradicionalmente, fé e política são uma espécie de pretinho básico. Toda moça moderna e prática tem um no guarda-roupa. O nosso básico é o dogma de que a verdadeira fé tem implicações políticas. A fé sem obras é morta, e as boas obras são políti­ cas. Na América Latina, esse dogma assumiu a identidade sociopolítica democrática e popular. O problema é que a teologia tradicional não acei­ ta que a recíproca seja verdadeira. Sua lógica diz que é verdadeiro que a fé implica política e falso que a

^ A lei 9.504, de 30.09.97, no art. 20, perm ite o uso de recursos próprios para custear despesas de cam pa­ nha, conform e a com unicação à Justiça E leitoral (art. 18). Em alguns países m ais dem ocratizados, com o a A lem anha, o Estado financia as cam panhas políticas para com pensar essa desigualdade e coibir a corrupção dos tesoureiros de cam panha. PC Farias e Eduardo Jorge não são exclusividade nossa.

® Fiz um a avaliação anterior sobre essa relação no artigo “ P. K u r t Robert W ellm ann”, in: lig a K N O R R, G odofredo G . BO LL, M osaico Vivo, Porto A legre : CEPA, 1998.

n

P ublicado p o r A ltm ann, Bobsin, Zw etsch em E studos Teológicos, n. 2, 1997.

® U m a intuição do novo paradigm a sugere associar fatos da história da religião com fatos da história das revoluções. “N a expressão de A ntonio G ram sci, o Estado, na Rússia, era tudo e a sociedade civil não era nada. Ou seja, o Estado, que era tudo, dirigia de cim a um a sociedade civil gelatinosa. (...) aparato estatal (...) se sobrepunha a um a sociedade civil sem instituições sólidas, sem um a cidadania estruturada e sem relações ju ridicas(...)” . Tarso G EN RO , Política & m odernidade, p. 60.

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política implica fé. A lógica da tradi­ ção é condicional. Proponho a lógi­ ca bicondicional.

A tradição trabalha fé e política a partir de pressupostos escolásticos. E sempre a fé que determina a política. Nunca o contrário. Na tese escolástica, a verdadeira comunidade de fé é polí­ tica. Por quê? Porque tanto a fé cristã verdadeira quanto a política verdadei­ ra almejariam o bem. A fé, o bem su­ premo; a política, o bem comum. Ora, se a fé e a política visam algum bem, então visam ações plausíveis. Para Aristóteles, o bem como uma “forma” em si não tem sentido. Os modernos, contra os escolásticos, assumem a po­ sição aristotélica de humildade quase evangélica:

(...) ainda que haja um bem úni­ co que seja um predicado univer­ sal dos bens, ou capaz de existir separada e independentemente, tal bem não poderia obviamente ser praticado ou atingido pelo homem, e agora estamos procu­ rando algo atingível.9

O fundamento epistemológico da modernidade é a práxis, as possibili­

dades do mundo. O conceito ou a forma ideal do bem não passa de boa intenção, que “parece colidir com o método científico”. Pelo argumento da modernidade, o critério de vali­ dade da ciência é o vínculo do co­ nhecimento ao mundo do trabalho, ao ato humano de transformar a na­ tureza. O bem está na cultura e não fora dela. Trata-se de uma relação lógica de bicondicionalidade

1. Saber <-> Trabalho (na episte- mologia das ciências)

2. Fé <-* Política (na episte- mologia da teologia da cruz)

Essa segunda relação lógica toma necessário introduzir a teologia da cruz. Lutero concorda com Aristóteles, por­ que a filosofia exatamente nesse pon­ to contraria a teologia. Na última tese de Heidelberg, afirma:

O amor humano evita os peca­ dores e os maus. Cristo diz: “Não vim chamar os justos, mas peca­ dores” (Mt 9.13). E este é o amor da cruz, nascido da cruz, que não se dirige para onde encontra o bem de que possa usufruir, mas para onde possa proporcionar o bem ao mau e ao pobre.10

^ A RISTÓ TE LE S, Ética a Nicôm acos, p. 22 (1097a).

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Teologia d a cruz com o novo para d ig m a p a ra a relação “fé e p o lítica

O bem da filosofia e da política é distinto do bem da teologia da cruz. Por causa dessa diferença, o bem ocupa o mesmo lugar lógico. Bem é aquilo que deve ser feito e, ao ser feito, justifica a racionalidade da boa obra, mas não justifica o agente pro­ motor da obra! Qualquer um ou todo sujeito ético que participa do OP (= Orçamento Participativo) diz, a seu modo, “a nossa decisão por realizar esta boa obra justifica-se por razões x, y e z. Mas nenhum de nós está jus­ tificado por tê-la realizado”. É assim que, tanto na filosofia quanto na teo­ logia, a busca do bem implica uma epistemologia e que esta implique uma ética. Vejamos caso a caso. No caso da educação popular, essa im­ plicação entre epistemologia e ética produz a síntese do senso comum11. D esta d ia lé tic a entre ética e epistemologia surge a fundamenta­ ção do ato educativo, conforme Pau­ lo Freire12. Para o caso da política, a prática do bem comum pode ser pra­ ticada (ética) e, portanto, aprendida

(conhecimento). Esta é a base filo­ sófica da formação política, pois par­ te-se “do princípio de que é possível ensinar e aprender democracia, tal como é possível ensinar e aprender a jogar tênis ou tocar piano” 13. Para o caso da teologia da cruz, Lutero cha­ ma tal implicação de boas obras “no sentido de que as suas obras (do jus­ to ou justificado) não fazem a sua justiça; antes é a sua justiça que faz as obras” 14. Ou seja, a relação entre o conhecimento do que sejam as boas obras não determina a sua realização. Há, portanto, uma distinção entre epistemologia e ética; logo, elas têm relação! Obvio.

Eu me lembro do justo orgulho que senti quando aprovamos a cons­ trução do Abrivivência, um equipa­ mento de primeiro mundo para os moradores de rua da cidade, o me­ lhor projeto desse tipo no Brasil. Minha presença como pastor no Con­ selho do Orçamento foi fundamen­ tal para essa aprovação, disseram-me os assessores da CRC. Nunca em

mi-11 Veja-se o artigo de A lbrecht W E LL M E R , Sentido com um e justiça.

^ a convivência sem pre respeitosa que tive com o ‘senso com um ’, desde os idos de m inha experi­ ência no N ordeste brasileiro, a que se ju n ta a certeza que em m im nunca fraquejou de que a sua superação passa po r ele” . Paulo FREIR E, Pedagogia da esperança, p. 58. A cho que Freire definiria ciência com o a superação possível do senso com um p o r dentro dele m esm o.

1 ^ L othar KRA FT, Form ação p olítica e educação p a ra a cidadania, p. 4. Tomei um exem plo de partido conservador: a U nião D em ocrata-C ristã, da A lem anha.

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nha vida ajudei tantas pessoas e nem as conhecia. A capacidade inicial era de 80 atendimentos. Pelos levanta­ mentos da época, havia 300 morado­ res de rua na cidade. Fui justo com 80 e injusto como 220! Nada pode me justificar diante de mim mesmo. Não adianta saber que é natural, afi­ nal eu fiz o melhor que pude. A mai­ oria não faz nada e nem se sente cul­ pada. É melhor fazer alguma coisa do que nada. Bobagens para quem olha e deseja ver a sua boa obra!

Lutero tem razão: “As obras nada fazem em prol da justificação”; por isso, eu preciso da justificação so­ mente pela cruz para continuar fazen­ do boas obras. A teologia da cruz é um instrumento hermenêutico privi­ legiado para pensar e praticar a rela­ ção “fé e política”. Até porque com­ bate o risco do salto-alto da auto-su­ ficiência e da soberba de quem estamos vencendo uma eleição atrás da outra.

2 - Fé e política na história brasileira recente

No início da redemocratização, nos anos 70, as vanguardas católicas definiam a política nas CEB’s, nas pastorais sociais (CIMI, CPT, PO, PJ), da CNBB, etc. Com a constru­ ção do PT, no início dos anos 80, a política muda de mão. Surge uma estranha confirmação: os militantes cristãos se filiavam ao partido e su­ miam da igreja.

Os anos 90 criam uma realidade política inesperada. De um lado, su­ cedem-se as vitórias eleitorais das administrações populares. A conquis­

ta e a permanência do campo demo­ crático e popular no poder em alguns governos muda a conjuntura políti­ ca. De outro lado, a institucionalidade política transforma-se com a promul­ gação da leg islaçã o o rd in ária requerida pela Constituição de 8 8 .0 ECA15, a LOAS, o SUS, a LDB cri­ am em todo o país con selh os paritários de gestão dessas políticas públicas. Nunca, em nenhum lugar do mundo, a democratização da ges­ tão de políticas sociais foi tão longe!

“O Estatuto da C riança e do A dolescente já influenciou a elaboração de legislações sem elhantes em m ais de 15 países da região, constituindo um a verdadeira ponte de integração do Brasil com os países- irm ãos da A m érica Latina.” A ntonio Carlos G om es da COSTA, O novo direito da infância e da ju v e n ­

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Teologia d a cru z com o no vo para d ig m a p a ra a relação “fé e p o lític a

Outra novidade dos anos 90 é a participação direta da cidadania. Al­ gumas prefeituras - do PT ao PFL16 - criaram Orçamentos Participativos, uma forma peculiar de socialização. Acredito que o OP seja uma versão, do jeitinho brasileiro, da necessária se- cularização da gestão pública pela racionalidade política17.

Essa peculiaridade ultrapassa a relação genérica “fé e política” pela relação objetiva entre a comunidade religiosa local e os partidos que dis­ putam e se tornam governo. Em Lutero, as obras da fé perdem seu presumido valor salvífico. Em nossa democratização, as obras da fé ga­

nham relevância política. A fé não precisa de obras, mas as obras da fé precisam de política. A justificação de qualquer obra ou serviço público é dada por sua eficácia. No âmbito público, vale a justificação de resul­ tados. O campo democrático e popu- ' lar adotou, sem querer, o je ito luterano de pensar e praticar boas obras. Sem salvacionismo, apenas com racionalidade. Sintomas desse fato aparecem entre analistas brasi­ leiros que trabalham a teoria da es­ co lh a ra c io n a l18 do eleito ra d o crescentemente pragmático19. Jorna­ listas falam do novo eleitor de resul­ tados.

^ É o caso do prefeito A lceni G uerra, de Pato Branco/PR . U m a história dessa gestão pública está em L uiz A ntônio C U N H A , Educação, estado e dem ocracia no Brasil, São Paulo : C ortez, 1991, p. 110- 125. A prim eira experiência foi desenvolvida em B oa Esperança/Espirito Santo, po r A m aro C ovre, eleito em 1976 pela ARENA.

17 Luciano FED O ZZ I, O rçam ento P articipativo, p. 36: “O m om ento dos direitos políticos é o m om ento delim itado estruturalm ente pelo progressivo processo de racionalização do Estado e do poder, do qual a cidadania é, ao m esm o tem po, prom otora e resultante” .

'^ V e ja - s e Jon ELSTE R , Peças e engrenagens das ciências sociais. A idéia de escolha racional é m uito sim ples. O autor a define com o sendo “ guiada pelo resultado da ação” (p. 38), ressalvando-se que “os custos da deliberação podem exceder os benefícios” (p. 42). “A teoria da escolha racional tem o objetivo de explicar o com portam ento hum ano. Para isso, deve, em qualquer caso. p roceder em dois passos. O prim eiro passo é determ inar o que um a pessoa racional faria nas circunstâncias. O segundo passo é verificar se isso é o que a pessoa realm ente fez.”

^ V e j a - s e M arcello BAQUERO, A s eleições m unicipais de 1996 : form as em ergentes de um novo com ­ portam ento eleitoral?.

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3 - Teologia da cruz como superação da dicotomia

“fé e política”

A justificação das obras e dos serviços públicos pertence ao deter­

minado livre-arbítrio20 da racio­

nalidade democrática pela decisão da maioria depois de bem informada pelos especialistas. Esse é o limite que demarca o espaço da liberdade humana. Fora desse limite entramos na irracionalidade. Essas teses são básicas para o liberalismo que tanto assusta as teologias. Suspeito que o susto é determinado pelo medo irra­

cional e inconsciente das burocra­ cias eclesiais diante da mais leve sus­ peita de que a democratização atinja a instituição eclesiástica21. Onde os leigos controlam a pastoral, a igreja é mais liberal. Exemplo disso é a Pastoral da Criança da CNBB22. As mulheres dessa pastoral salvam cri­ anças com orações, bênçãos, balan­ ças, chás e multimistura, pagas corfi pequenas verbas do Ministério da Saúde.

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Suportar a contradição da liberdade determ inada é típica do luteranism o. Basta ler o clássico “ Da Liberdade cristã” . O cristão é senhor e ao m esm o tem po servo! N um a perspectiva filosófica, essa reflexão vem sendo feita desde Kant. Valério RO H D EN , Razão prática e direito, p. 128-129: “O ho­ m em é livre de determ inações estranhas, m as não de se autodeterm inar, e esta autodeterm inação en ­ volve um universo social, que o indivíduo codeterm ina e dentro do qual, não contra o qual, ele se determ ina” . Portanto, desde a teologia de Lutero e da filosofia m oderna é possível sustentar a possibi­ lidade da liberdade determ inada, sem perder os ganhos do hum anism o de Erasm o. V eja-se o artigo de Jean-Paul SARTRE, D eterm inação e L iberdade, in: G alvano delia VO LPE et ai., M o ra l e so c ie d a d e : atas do convênio prom ovido pelo Instituto G ram sci, 2. ed., Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1982. 21

Os presbíteros da CEPA m e incentivaram a concorrer ao cargo de Conselheiro contra a orientação dos colegas pastores. O Plano de Investim entos de 1995 da Prefeitura de Porto A legre apresenta a lista dos 42 conselheiros do O rçam ento Participativo. N enhum assessor explicou-m e por que, apenas no m eu caso, foi incluído o m eu título profissional de Pastor. O Conselheiro da Região das Ilhas m e contou que um padre foi eleito C onselheiro por sua Região e, quase im ediatam ente, foi transferido para outra Diocese. A cho que essa experiência pessoal ju stifica esta suspeita.

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Teologia da cruz com o novo p a ra d ig m a p a ra a relação “f é e p o lítica

A teologia deve criticar o libera­ lismo a partir dos próprios princípios liberais23. Esse foi o jeito de Lutero enfrentar o debate com Erasmo. E prudente criticar o liberalismo a par­ tir de bandeiras liberais24. E óbvio que a superação do liberalismo ne­ cessariamente passa por ele! A expe­ riência do terror estalinista demons­ tra que socialismo sem democracia é barbárie. A democracia é patrimônio inalienável e universal da humanida­ de, com todas as conseqüências daí advindas. A teologia da Reforma vin- cula-se a essa tradição política. Di­ retamente por sua eclesiologia, e creio que indiretamente pela teolo­ gia da cruz. No contexto de fé e polí­ tica, lembro uma tese central para negar a justificação do simpático humanismo de Erasmo:

“É necessário, portanto, poder dis­ tinguir com absoluta certeza entre o poder de Deus e o nosso, entre sua obra e a nossa obra, se é que queremos viver piedosamente.”25

Penso num caso concreto. Não importa que a escola infantil seja mantida por espíritas, luteranos ou budistas. Importa que preste um bom serviço público. Se as crianças oram à mesa para espíritos, Jesus ou Buda, é irrelevante. E necessário apenas que o alimento esteja balanceado, seja barato e os critérios da distribuição sejam justos, democráticos e trans­ parentes. Se uma criança ganhar dois bifes porque os pais foram ao culto da mantenedora, é constrangimento ilegal. Se ganha mais um bife por­ que está com anemia, é justiça! As noções luteranas de justiça ativa e

^ N orberto BO B BIO , Liberalism o e dem ocracia, p. 81-82 : “ Com isso não se q uer dizer que a relação entre dem ocracia e socialism o tenha sido sem pre pacífica. Sob certos aspectos, aliás, foi com freqüência um a relação polêm ica, não diversam ente da relação entre liberalism o e dem ocracia. Era evidente que o recíproco esforço da dem ocracia pelo socialism o e do socialism o pela dem ocracia era um a relação circular. De que ponto do círculo dever-se-ia com eçar? (...) De qualquer m odo, a dúvida sobre a validade do m étodo dem ocrático para a assim cham ada fase de transição jam ais cancelou po r com ple­ to a inspiração dem ocrática de fundo dos partidos socialistas, no que se refere ao avanço da dem ocra­ cia num a sociedade socialista, e a convicção de que um a sociedade socialista seria de longe m ais dem ocrática do que a liberal, nascida e crescida com o nascim ento e o crescim ento do capitalism o” .

Cito algumas: oportunidades iguais para todos; cada cidadão, um voto; todos são iguais perante a lei previam ente acordada pela maioria; é injusto tratar igualm ente os desiguais; a segurança social é fruto do equilíbrio do m ercado de consum o pela distribuição racional da renda m ediante a m assa salarial; é necessária a intervenção do estado na distribuição da renda através de políticas com pensatórias das desigualdades sociais; as liberdades civis vinculam -se à livre concorrência de m ercado; o estado mantém a livre-iniciativa, preservando a com petitividade pela repressão aos m onopólios e oligopólios, etc.

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justiça passiva resolvem o problema cos como esse que brotam da gestão político e pedagógico do segundo democrática não há método teológi-bife sem cair num moralismo irra- co melhor que a teologia da cruz. cional. Para resolver problemas

éti-4 - Esquema da caminhada da relação “fé e política”

nos últimos 40 anos

Década de para

60 Igrejas T R A N S IÇ Ã O Pastorais

70 Pastorais ► Partido

80 Partido A d m in istraçõ es P o p ulares

90 A d m in istraçõ es popu lares Ig rejas

Quem experimentou o processo de construção do jeito petista de go­ vernar sabe que é mais fácil ganhar e administrar uma prefeitura do que mobilizar e manter a participação efetiva da sociedade civil nas defini­ ções e controle das políticas públi­ cas. O jeito petista de governar, na verdade, não depende tanto do jeito do PT quanto do jeito como a socie­ dade civil se organiza para controlar o governo26. É preciso dizer com to­ das as letras: tão estratégica quanto a construção do partido e da admi­ nistração popular é a construção de

uma sociedade civil sempre mais or­ ganizada, fortalecida, democratiza­ da e capacitada para a participação. A política do campo democrático e popular nos mostrou que fazer polí­ tica e fazer pastoral tem o mesmo valor estratégico. Quem não for bom na pastoral não será bom nessa po­ lítica.

Numa linguagem religiosa: im­ porta que a sociedade civil cresça e que o partido diminua. Esta é a fór­ mula de o campo democrático e po­ pular consolidar-se no poder! Tra- ta-se de um êxodo às avessas: sair

26 Raul PONT, A profundar a D em ocracia e garantir o papel regulador do estado, p. 51: “N ão podem os perder de vista a questão de que a organização popular tem de ser autônom a, deve te r sua capacidade de auto-organização. (...) Isso faz com que se estabeleça um a relação de m aior controle sobre o nosso partido, sobre o governo” . N o m esm o sentido, R obert M IC H EL S desenvolve a idéia de que um a espécie de “lei de bronze” prenderia o partido revolucionário seja pela burocratização interna do partido, seja pela influência parlam entar. Em alguns casos, o partido originado das lutas populares transform a-se num “ E stado dentro do E stado” (Sociologia dos p a rtid o s po lítico s, p. 221).

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Teologia da cruz com o novo p a ra d ig m a p a ra a relação “fé e p o lítica "

de dentro da igreja para voltar para dentro da igreja. Só com piedade evangélica permaneceremos na du­ reza da pastoral, resistindo à sedu­ ção do poder secular. Graças a Deus, as obras do Orçamento Participativo são sempre mais belas que as obras da OASE, mas o OP será mais signi­ ficativo com a presença organizada e autônoma da OASE27.

Um estranho e inútil sentimento de culpa teológico parece dominar os teólogos da libertação luteranos: tra- ta-se do atrelamento de nossa igreja ao poder estatal. Os príncipes assu­ miram a chefia das igrejas da Refor­ ma. A inutilidade desse sentimento está na ilusão que o alimenta. A ilu­ são de que exista alguma instituição sem poder legitimado. O poder é a base m aterial para o conceito de hegemonia, seja de Maquiavel ou de Gramsci. A Igreja de Cristo não é uma instituição humana porque é in­ visível e tem Cristo por único cabe­ ça. A boa igreja visível, institucional, falível, pecaminosa tem a estrutura de poder menos ruim da sua socie­ dade. Os principados eram a forma de poder menos ruim. Dos piores, o menos ruim. Desculpem, mas essa é

a única possibilidade até que Deus decida nos dar a plenitude do seu Reino. Mas isso é problema de Deus e não nosso. Depois da derrota dos camponeses, em 1525, a sociedade alemã não dispunha de nada melhor do que os príncipes para mandar na igreja evangélica. A eclesiologia luterana nega a ilusão do bom poder. Toda instituição, mesmo que divina­ mente desejada, é falível. O campo democrático e popular, especialmen­ te depois da queda do muro, sabe que deve resistir à ilusão de que haja uma forma boa de governo. E menos pior redigir a proposta orçamentária sob o co n tro le do OP do que em conchavos de gabinetes. Essa justi­ ficação da democracia é necessária e suficiente, mesmo que não satisfaça o nosso desejo de liberdade. A ética moderna não nos dá nenhuma justi­ ficação absoluta. Na melhor das hi­ póteses, dá-nos mais liberdade, sem nunca saciar nossa sede por liberda­ de. Que “o justo viverá por fé” (Rm

1.17) é nosso único consolo e defesa contra a ilusão.

Outro complexo problema polí­ tico para o campo democrático e po­ pular é a atribulação permanente. E

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N um a A ssem bléia da Região H um aitá-N avegantes, o C onselheiro L othar M arkus, m em bro da P aró­ quia da Paz, convidou o coral da OA SE para abrir os trabalhos cantando m úsicas sacras alem ãs. O fato foi elogiado po r Tarso G enro em seu pronunciam ento à Plenária da Tem ática Saúde e A ssistência Social que eu coordenava, se não m e engano, em 1996.

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uma tentação viabilizar o governo desde o aparelho estatal sem o esfor­ ço de governar pelas decisões ema­ nadas da sociedade civil. Esse pro­ blema está registrado, mas não resol­ vido pela ciência política28. Nesse contexto, seria possível uma releitura da chamada teologia dos dois reinos. E preciso ter um pé na pastoral e ou­ tro no aparelho estatal. Um pé den­ tro do governo e outro fora. Os dois pés, no entanto, mantêm o equilíbrio porque são coordenados pela razão possível. Essa racionalidade está se concretizando sob duas formas. Uma primeira maneira é a da legalidade prevista pela Constituição de 88 atra­ vés da noção da paridade entre os representantes governamentais e os da sociedade civil. A paridade pres­ supõe que qualquer definição nessas políticas públicas implique um efe­ tivo pacto social entre governo e so­ ciedade civil. Essa definição legal adotou - sem querer - a doutrina da universalidade do pecado como mo­ delo paradigmático de gestão públi­ ca. Nas políticas públicas e na teolo­ gia luterana, o pecado não é dos ad­ versários, é nosso também! A omis­

são pecaminosa do governo implica o pecado da sociedade civil, que é uma atalaia dorminhoca.

U m a seg u n d a fo rm a é a informalidade pela qual se estabele­ ce uma relação de subordinação das decisões governamentais à delibera­ ção dialógica entre governo e a par­ cela da cidadania que se apresentou ao debate e à decisão pública. A re­ lativa informalidade da participação voluntária das pessoas interessadas preserva o espírito constitucional bra­ sileiro, segundo o qual o poder po­ pular emana do povo:

a) p e la p rese n ça p e sso a l do ci­ dadão q ue se apresenta à com unida­ d e dos iguais;

b) p e lo voto através do q u a l a cidadania estabelece su a represen­ tação política.

O peculiar processo democráti­ co que estamos vivenciando mostra uma complexa rede social tecida no cotidiano das cidades, das esferas de governo e das instâncias da socieda­ de civil. Tarso Genro e outros teóri­ cos vêm chamando essa rede com­ plexa de “esferas públicas

não-esta-Robert M IC H EL S, op. cit., p. 239: “A concepção realista das condições m entais das m assas nos m ostra com evidência que, m esm o adm itindo a possibilidade de um a m elhoria m oral dos hom ens, os m ateriais hum anos, dos quais os p olíticos e os filósofos não podem fazer abstração em seus projetos de reconstrução social, não estão em condições de ju stificar um otim ism o excessivo” .

(13)

Teologia da cruz com o novo para d ig m a p a ra a relação “f é e p olítica "

tais” ou “espaço público não-esta- tal”29. Essa complexidade, vivida no cotidiano, demonstra que a democra­ cia é uma possibilidade lógica para quem assumi-la como se num ato de fé. Só a fé na democracia garante a sobriedade analítica durante sua in­ terminável construção. Foi por cau­ sa da fé que Lutero legitimou o mais antigo Orçamento Participativo que conheço, o de 1523, na cidade de Leisnig30. A democracia é um ato de fé, especialmente quando invocada pelo meu adversário. Somente pela fé posso viver a minha derrota como sendo uma vitória da democracia. Democracia é o único regime no qual quem está no poder garante a possi­ bilidade permanente da sua derrota.

O ato ético de expor-se à possibili­ dade da morte para garantir a possi­ bilidade da vitória, racionalmente, só pode ser fundamentado como um ato de fé. A fé é necessária para suportar a condição democrática. Do contrá­ rio, sucumbimos à ilusão da infalibi­ lidade. Aqui está a dimensão espiri­ tual da política: a tentação da perfei­ ção pode ser superada apenas pela assunção da fé. O valoroso Partido Bolchevique caiu nessa tentação. Seu ateísmo dogmático, na minha opinião de teólogo e educador, transformou as obras do partido em obras de jus­ tificação, isto é, em ilusão religiosa, através da falsa justificação do parti­ do único através e pela teologia da glória de Stalin31.

Tarso G EN RO , C om binar dem ocracia direta e dem ocracia representativa, p. 31.

Veja-se m inha dissertação: C idadania e P astoral Urbana.

3 ' Carlos R. V. C im e LIM A , O d ev e r-se r- Kant e Hegel. “A crítica de M arx é, em m inha opinião, pertinen­ te. A solução que M arx oferece, não. Pois o problem a é apenas deslocado no tem po e no espaço. No estágio final do com unism o, após a grande revolução proletária, o Estado será o Estado divino e defini­ tivo. A eticidade nesta perfeita conciliação consigo m esm a está encerrada em seu processo de efetivação. A história, ao invés de ser um processo aberto de indivíduos livres e de povos livres, se fecha sobre si m esm a num a necessidade em repouso que elimina toda e qualquer liberdade. O m arxism o, se não for corrigido, leva logicam ente ao determ inism o e ao totalitarism o stalinista” (p. 77). O texto é anterior à queda do m uro de Berlim! Essa é, na m inha opinião, a interpretação filosófico-política que m ais se aproxim a da interpretação teológica que assumi com o teologia da cruz. A conciliação perfeita não é possível na política. A conciliação possível apenas garante e preserva a instabilidade (o não-repouso) com o condição de possibilidade da liberdade. Essa possibilidade é a cruz única e absoluta de Cristo que se deu na história hum ana, m as desde fora do tem po e do espaço. A cruz é po r todos e todas nós em qualquer tem po e lugar, conform e confessam os no Credo Apostólico.

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Estudos Teológicos. 4 I(I):I9 -3 6 , 2001

Ao participar do OP, fui testemu­ nha de uma nova kénosis32 - de um estranho e secular esvaziamento. Porto Alegre mostra que, para man­ ter-se no poder, é necessário que o partido não usurpe de sua condição de vencedor das eleições. Pelo con­ trário, é necessário que assuma a for­ ma de servo, de servidor público que se apresenta para dialogar, ouvir e executar as decisões da assembléia popular. Essa kénosis é tão óbvia, que quase passa despercebida. A formu­ lação da proposta orçamentária é prerrogativa constitucional exclusi­ va do prefeito. O prefeito esvazia-se do poder que de fato tem. Transfere- o para o OP. Esse auto-esvaziamen- to de poder aumenta o poder do pre­ feito, como demonstram os sucessi­ vos mandatos. Objetivamente: ganha p o der porqu e sabe p erd ê-lo ! A

kénosis dos vitoriosos, assim me pa­

rece, só pode ser compreendida em sua profundidade pela hermenêutica da teologia da cruz. Há risco dessa teologia virar um naturalismo piedo­ so e inócuo, assim como acontece com a d ia lé tic a que se to rn a mecanicista. Não consigo, com a hermenêutica da teologia da cruz, fazer teologia sistemática. Consigo sistematizar uma reflexão sobre o vivido na práxis coletiva da comuni­

dade local com a política partidária. Esta é nossa experiência crucis.

Leio, no séc. XXI, a tese funda­ mental da Reforma “Justificação só pela fé” como “Democracia só pela fé” ! A justificação última da demo­ cracia é a fé que, óbvio, produz boas obras por si mesma. Democracia sem fé e sem obras é racionalmente in­ concebível. Dada a fé nela, então a democracia pode ter uma concepção racional e tomar-se, por fé, falível permanentemente. De outro modo, a democracia transforma-se em sober­ ba e nega-se a si mesma! A história heróica do movimento socialista é a prova sangrenta dessa tese. Talvez uma releitura acurada da antropolo­ gia teológica do servo-arbítrio no contexto democrático supere esses paradoxos presentes no mundo da vida democrática e popular. Desse modo, vejo as conseqüências espiri­ tuais da política. Necessito da fé para fundamentar uma ação moral que pretende construir um ideal democrá­ tico que não está dado na realidade. Preciso da fé para transcender-me como agente político. Tal tran s­ cendência não é um mero desejo meu. E transcendência necessária à vida pública no campo democrático e popular.

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Teologia da cruz com o novo paradigm a p a ra a relação “f é e p olítica "

Arrisco-me, por fé, a afirmar que há uma teologia da cruz sendo vivi­ da na política brasileira. É teologia da cruz porque essa política aponta para um lugar vazio (a inexistência de tradição democrática consolidada) e diz que é exatamente desse lugar vazio33 que o poder dem ocrático cresce e se consolida pelo seu auto- esvaziamento! Um poder que já está aí, mas ainda não se estabeleceu. A teologia da cruz não é racional. A interpretação da teologia da cruz, sim, pode ser racional. Mas a cruz não! A justiça da fé e a justiça da ra­

zão são absolutamente distintas. A cruz é exclusivamente de Cristo. Esse exclusivismo é a única garantia da universalidade necessária à funda­ mentação da democracia. Seja do governo democrático e popular, seja da igreja dem ocrática e popular. Creio ter demonstrado as possibili­ dades da teologia da cruz34 como conseqüência espiritual necessária do p ro jeto p o lític o in acab ad o da modernidade, que está sendo concre­ tizad o p elas p o lític a s p ú b licas implementadas pelo campo democrá­ tico e popular.

4 - Anexo para o debate

Todos os presbíteros da IECLB são pobres e míseros pecadores. Es­ ses dirigentes eclesiásticos eleitos fazem, senão a melhor, uma das me­ lhores administrações de entidade civil no país. Deve ser insignificante o percentual de presbíteros no uni­ verso das pessoas envolvidas em

maracutaias com dinheiro público. A administração das comunidades é um exemplo vivo de que a gestão da coi­ sa pública tem conseqüências espiri­ tuais. Graças a Deus, nossos presbí­ teros são os pecadores mais hones­ tos do país.

Esse vazio foi diagnosticado pela política. “O ideal dem ocrático tradicional não se preocupou em constituir form as efetivas de ‘p articipação ig u al’ ou pelo m enos ‘m ais ig u al’, nas decisões públicas. E ste é o d esafio a que d ev em o s responder.” Tarso G E N R O , U b iratan de SO U Z A , O rçam ento

P articipativo, p. 19.

^4 A associação entre a teologia da cruz e a relação “ fé e política” é um a posição teológica tradicional. O scar C U LLM A N N , Cristo e política. O original é de 1956. Para este exegeta, a relação “ Igreja- E stado” ou “ E vangelho-E stado” faz parte do “ponto m ais central de todo o N ovo Testam ento: o relato da m orte de C risto” .

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E studos Teológicos. 4 1 (l):19-36, 2001

Papel da pastoral na democracia

brasileira

C aracterística Nas décadas anteriores No século XXI

Objetivo fundam ental da

pastoral

Formar militantes para o partido a partir do trabalho

eclesial, motivando-os, politicamente, a partir da fé

cristã.

Inserir a comunidade eclesial na sociedade civil como entidade organizada,

mobilizando filiados para uma participação qualificada pelo Evangelho

nas esferas públicas não- estatais.

Com preensão p rática de Igreja

Agência de conscientização por desejo divino, conforme a revelação e/ou a história

da Igreja.

Entidade civil prestadora de alguns serviços públicos pelo desejo democrático dos

filiados em parceria com esferas públicas não-

estatais.

Papel do teólogo/a

Dar legitimidade teológica à ideologia partidária, falando

em nome de Deus Libertador.

Ampliar e garantir a legitimidade comunitária de

algumas políticas públicas. 0 pastor representa o senso

comum da comunidade. Posição com relação à tese republicana de separação Igreja/Estado

Nega. A Igreja define a doutrina social e o Estado,

se for justo, executa. A Igreja está acima do Estado e sente-se no direito de ver e julgar a ação do Estado.

Assume. Igreja e Estado são co-responsáveis pela manutenção e ampliação da

democracia. A Igreja sabe- se sob o poder do Estado porque se reconhece como

parte da sociedade que mantém o Estado.

Relação entre fé e política

0 cristão é responsável pela política. A conversão transforma o cristão num

servo do próximo. A fé determina a política.

A política é responsável pelo cristão. 0 Estado converte-se em instrumento

a serviço da cidadania. A politica determina a fé.

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Teologia da cruz com o novo pa ra d ig m a p a ra a relação ‘f é e p o lítica

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E studos Teológicos, 4 I(J):19-36, 2001

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Referências

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