• Nenhum resultado encontrado

O processo de urbanização e o problema habitacional no Município de Carapicuíba-SP (1990-2017)

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "O processo de urbanização e o problema habitacional no Município de Carapicuíba-SP (1990-2017)"

Copied!
166
0
0

Texto

(1)

Instituto de Geociências

BRUNA RASPANTINI PELLEGRINO

O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO E O PROBLEMA HABITACIONAL NO MUNICÍPIO DE CARAPICUÍBA-SP (1990-2017)

CAMPINAS 2017

(2)

O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO E O PROBLEMA HABITACIONAL NO MUNICÍPIO DE CARAPICUÍBA-SP (1990-2017)

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO APRESENTADA AO INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS PARA OBTENÇÃO DE TÍTULO DE MESTRA EM GEOGRAFIA NA ÁREA DE ANÁLISE AMBIENTAL E DINÂMICA TERRITORIAL

ORIENTADORA: PROFª DRª ADRIANA MARIA BERNARDES DA SILVA

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA BRUNA RASPANTINI PELLEGRINO E ORIENTADA PELA PROFA. DRA. ADRIANA MARIA BERNARDES DA SILVA

CAMPINAS 2017

(3)

Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Geociências Cássia Raquel da Silva - CRB 8/5752

Raspantini, Bruna Pellegrino,

R184p RasO processo de urbanização e o problema habitacional no Município de Carapicuíba-SP (1990-2017) / Bruna Raspantini Pellegrino. – Campinas, SP : [s.n.], 2017.

RasOrientador: Adriana Maria Bernardes da Silva.

RasDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Geociências.

Ras1. Periferias urbanas - Carapicuiba (SP). 2. Metrópole. 3. Urbanização. 4. Favelas - urbanização. I. Silva, Adriana Maria Bernardes, 1967-. II.

Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Geociências. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Urbanization process and the housing problematic in the city of Carapicuíba-SP (1990-2017)

Palavras-chave em inglês:

Urban peripheries - Carapicuíba (SP) Metropolis

Urbanization

Slums - Urbanization

Área de concentração: Análise Ambiental e Dinâmica Territorial Titulação: Mestra em Geografia

Banca examinadora:

Adriana Maria Bernardes da Silva [Orientador] Regina Célia Bega dos Santos

Gilberto Cunha Franca Data de defesa: 24-08-2017

Programa de Pós-Graduação: Geografia

(4)

INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS

AUTORA: Bruna Raspantini Pellegrino

O processo de urbanização e o problema habitacional no município de Carapicuíba (1990-2017)

ORIENTADORA: Profa. Dra. Adriana Maria Bernardes da Silva

Aprovado em: 24 / 08 / 2017

EXAMINADORES:

Profa. Dra. Adriana Maria Bernardes da Silva - Presidente Profa. Dra. Regina Célia Bega dos Santos

Dr. Guilherme Cunha Franca

A Ata de Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.

(5)

Meu meio de existência, um pouco dos principais agentes de meu cotidiano:

O espaço não é apenas suporte da experiência, mas sim um suporte ativo que significa nossa experiência, que a conduz, trás ou deixa de trazer experimentações. Não obstante, ele é o produto da experiência, como matéria concreta ou como “meios cristalizados de ação”, como as “artes do fazer”. Esse todo que é o espaço, em cada lugar, cria experimentações diferentes. Agradeço aqui aos que criaram comigo diferentes e importantes experimentações.

Sou grata em especial a ciência geográfica, as ciências humanas no geral, e a todos que a elas contribuem dentro e fora da academia. Por estas lentes, às vezes embaçadas, pude parar para ver o que desde de minha adolescência, ou mesmo antes, me tomava a atenção, me fazia indagar, pensar, questionar – a reprodução da sociedade em seus diversos aspectos constantemente marcada pela injustiça social.

Agradeço a minha orientadora Adriana Bernardes da Silva que me abriu a oportunidade e o tempo necessário para fazer crescer esta pesquisa, que é um dos processos mais importantes de minha trajetória profissional.

Agradeço também ao Professor Vicente Eudes Lemos Alves, por todas as suas diversas formas de contribuição a esta pesquisa, nascido em Carapicuíba, ex- Diretor de Planejamento Urbano do município, Docente da UNICAMP, sua presença foi extremamente rica desde os campos, as entrevistas, as conversas, a participação na banca e mesmo antes desta pesquisa começar.

Sou especialmente grata aos membros da banca de qualificação e defesa, Professora Regina Célia Bega dos Santos, Professor Vicente Eudes Lemos Alves e Professor Gilberto Franca pela leitura e análise cuidadosa, pelas indagações, pela conversa, pelos apontamentos, pelo carinho, que além de terem contribuído substancialmente para o encaminhamento da presente pesquisa permanecem como reflexões pertinentes e transformadoras para o caminho que aqui se inicia.

Agradeço a todos aqueles que com seus relatos sobre o lugar e sobre suas trajetórias de vida compuseram este trabalho, aqueles que dedicaram tempo e cuidado para compartilhar comigo a realidade de um lugar que eu apenas começo a entender, que trouxeram vida a esta pesquisa; a todos os entrevistados, em especial, Alexandre Pimentel, os professores da Escola Estadual Ana Rodrigues de Liso Castelão e as moradoras da Viela São João, Cícera e Graça, estas que com seu carinho frutificaram uma aproximação além do roteiro.

Sou imensamente grata às minhas experiências culturais e sociais no geral, sobretudo, aquelas proporcionadas pelo Núcleo de Artes Afrobrasileiras da USP. Um dos poucos lugares donde tenho vivido um cotidiano, predominantemente, obstinado ao valor de uso, produção e vivência de cultura e não seu consumo, um avesso na grande cidade mercadoria, que sem dúvida contribui muito ao que sou hoje e à inspiração a esta pesquisa. Sou grata ao meu mestre Pinguim.

(6)

Aos amigos, grande suporte de minha experiência neste mundo e os colaboradores de minha transformação, meus companheiros, meus confidentes. Aquelas que fizeram parte de minha primeira “formação crítica” de vida: Mariana, Katia, Andréia, Julia e Marcela. As que me levaram para as sociabilidades das ruas, praças e mais: Ana, Mica, Mayra e Camila. Companheiras das transformações dos 20 aos 30: Tábata, Nara, Mariela, Marina, junto com as que permaneceram da minha primeira formação crítica! Minhas irmãs de coração, minha família de alma, de energia, que me abriram para amar e ver o mundo, que me fizeram crescer: Chica, Bruninha, Luna, Mimi, Quel e Carol. Aos amigos da Geografia que ainda permanecem na caminhada longe e perto: Rafaela, Vonei, Fabiano, Natalia, Sara, Aninha. Muito obrigada por serem tudo isso!

Agradeço particularmente a um amigo [colorido] muito especial, parceiro dos momentos bons aos difíceis, das conversas astrais às políticas, que me inspira por sua dedicação e pragmatismo [e por sua Música!]. Num caminho em que ensinamos ao outro a arte de ser companheiros: David.

E por último e mais importante minha família!

Foi ela que antes das ciências humanas, antes dos amigos, antes dos papos de buteco e praças, que me ensinou a ver o mundo com o olhar humano e como diz meu pai de “justiça social”, que me ensinou não apenas estudar as horizontalidades mas praticá-las no meu cotidiano. Foi pelo amor, dedicação e maior disponibilidade do mundo que tem minha mãe (não só comigo mas realmente com o mundo), Cleusa, minha grande companheira que tem me ajudado nessa trajetória boa e difícil que é a vida. Foi meu pai uma pessoa que faz mais jus a expressão “um homem de bem” do que qualquer outra pessoa que já conheci (além de minha mãe), que faz jus a palavra pai no sentido feminista; amor, cuidado, macarrão e preocupação. Foram minhas irmãs. Paula, que me mostrou a profundidade do amor fraternal, transformou minha forma de ver o mundo e, especialmente, de ver as pessoas, de aceitar e a valorizar a diferença; a pessoa no mundo que me faz sentir mais livre para ser eu mesma, acreditar em mim e viver leve. Fernandão, esta mulher que já está reproduzido socioespacialmente outro núcleo familiar a partir dos ensinamentos de amor frutificados no nosso; dedicada, feminista, de esquerda, minha típica irmã mais velha, deduradas, porto seguro, debates e troca de figurinhas.

(7)

Discute-se a produção do espaço urbano de Carapicuíba-SP, no que se refere especificamente ao componente habitacional, debruçando-se sobre dois períodos e suas formas-conteúdo predominantes: os loteamentos populares precários entre 1970 e 1990, as favelas entre 1990 a atualidade. Busca-se entender os agentes e as ações direta e indiretamente vinculados à produção deste espaço. Em Carapicuíba, assim como nas outras periferias metropolitanas do Brasil, a prevalência destas formas-conteúdo significa que a habitação, embora, um valor de uso essencial à reprodução da sociedade, é, majoritariamente, acessada e produzida a partir do mercado informal e da atuação de agentes não tipicamente capitalistas. Processo que faz de grande parte do espaço urbano de Carapicuíba uma produção, predominantemente, descapitalizada, inclinada ao valor de uso, organizada pela ordem da demanda e pelas relações comunicacionais, marcada pela ausência do investimento público. Traços que, contraditoriamente, são resultado do processo de modernização, o qual, uma vez inscrito em uma urbanização corporativa, não está posto a produção de meios de existência satisfatórios, mas sim à acumulação de capital. A transição dos loteamentos para as favelas em Carapicuíba demonstra, com clareza, a permanente reprodução da pobreza no contexto progressivo de modernização da sociedade.

Palavras-chave: Carapicuíba-SP – metrópole paulistana – urbanização – favelas –

(8)

This study aims to understand the urbanization process in the city of Carapicuíba, with emphasis in housing sphere, focusing on two different periods and housing types: precarious allotments between 1970 e 1990 and slums between 1990 e 2017. Searching for the direct and indirect agents and actions space producers. In Carapicuíba, as in others Brazilian metropolitan peripheries, the predominance of this housing and urban types means that home, although, an essential “use value”, it is, mainly, accessed and produced by informal market and by not capitalistic typically agents. Process which imply, for the most part of the urban space, a production not capitalized, organized by order demand and by comunicacional relations, characterized by the absence of public resources and by the predominance of the “use value”. Contradictorily, these characteristics are the result of the modernization, because this is made as a corporative urbanization, which has not the ideal to create satisfactory spaces to live, but spaces to produce capital profitability. The transition of the precarious allotments to the slums in Carapicuíba demonstrate, clearly, the permanent poverty reproduction in progressive context of society modernization.

Keywords: Carapicuíba-SP – São Paulo Metropolis – urbanization – slums –

(9)

Figura 1. Centralidades do Território de Carapicuíba-SP ... 32 Figura 2. Evolução Territorial do Município de Carapicuíba-SP (1580 -1990) ... 41 Figura 3. Diferentes densidades populacionais e construtivas - desiguais usos do território em Carapicuíba-SP (2016) ... 56 Figura 4. Distribuição de Renda no Município de Carapicuíba-SP (2010) ... 57 Figura 5. Componentes do déficit habitacional quantitativo de Carapicuíba (2010) 91 Figura 6. Publicações em rede social de imóveis a venda na Favela da Savoy em Carapicuíba-SP (2017) ... 96

(10)

Mapa 1. Áreas Verdes do Município de Carapicuíba – SP (2011) ... 59 Mapa 2. Distritos com maior concentração de favelas em Carapicuíba-SP (2011) . 77 Mapa 3. Área original da Ocupação Carlos Marighella – MTST e área lograda para projeto habitacional (2015-2017) ... 144

(11)

Foto 1. Aldeamento Jesuítico de Carapicuíba ... 31

Foto 2. A Estação de Carapicuíba ... 40

Foto 3. Bairro Parque Roseira, Carapicuíba-SP (2007) ... 42

Foto 4. Bairro Vila Helena, Carapicuíba- SP ... 46

Foto 5. Conjunto Habitacional Presidente Castelo Branco ... 53

Foto 6. Favela Vila Municipal - “Vila de cima” ... 76

Foto 7. Favela Vila Municipal - “Vila de baixo” ... 76

Foto 8. Favela Viela São João, paisagem atual ... 80

Foto 9. Interior da Favela Viela São João, paisagem atual ... 81

Foto 10. A Fase inicial da favela - Bairro Jardim Angélica - Carapicuíba-SP ... 84

Foto 11. Bairro Jardim Angélica – Carapicuíba-SP ... 88

Foto 12. Verticalização Residencial na Favela do Murão, Estrada do Pequiá ... 97

Foto 13. Verticalização residencial no Município de Carapicuíba ... 98

Foto 14. Favela Recente em área institucional da ... 105

Foto 15. Favela Recente em rua institucional da ... 106

Foto 16. Favela Recente em rua institucional da ... 106

Foto 17. Favela do Murão ... 127

Foto 18. Condomínio Solares Carapicuíba-SP... 130

Foto 19. Edifício Vila Vita Carapicuíba-SP ... 130

Foto 20. Ocupação Carlos Marighella Carapicuíba-SP ... 141

Foto 21. Central de Organização da Ocupação Carlos Marighella ... 141

Foto 22. Ocupação Carlos Marighella – Carapicuíba-SP ... 148

(12)

Tabela 1. População do Município de São Paulo e RMSP (1940-1991) ... 35 Tabela 2. Evolução da área urbanizada do Município de São Paulo (1930 -1954) . 36 Tabela 3. Evolução da População no Município de Carapicuíba (1950-1990) ... 37 Tabela 4. Atendimento dos Serviços públicos nos domicílios de Carapicuíba, Osasco, Barueri e Jandira (1970) ... 48 Tabela 5. Crescimento dos Aglomerados Subnormais no Brasil (1980 - 2010) ... 68 Tabela 6. População em Aglomerados Subnormais no Município de Carapicuíba-SP ... 71 Tabela 7. Taxas de Crescimento Populacional na RMSP (1960-1996) ... 72 Tabela 8. Tipo de Propriedade dos Assentamentos Precários Carapicuíba-SP (2011) ... 75 Tabela 9. Assentamentos precários por distrito do Plano Diretor de Carapicuíba-SP (2011) ... 78 Tabela 10. Condição de ocupação por domicílios no Município de Carapicuíba-SP90 Tabela 11. Domicílios em assentamentos precários no Município Carapicuíba- SP99 Tabela 12. Domicílios e população em aglomerados subnormais no Município Carapicuíba-SP (2000-2010)... 100 Tabela 13. População e domicílios em assentamentos precários em Carapicuíba-SP (2011) ... 101 Tabela 14. Assentamentos Precários em Área de Risco no Município de Carapicuíba (2011) ... 101 Tabela 15. Infraestrutura nos Assentamentos Precários do Município de Carapicuíba-SP (2011) ... 102 Tabela 16. Rendimento em Salários Mínimos Pessoas Responsáveis pelos Domicílios Particulares (em %) - Município de Carapicuíba-SP (1991 -2000 -2010) ... 135 Tabela 17. Entidades Sem Fins Lucrativos por Especialização ... 150

(13)

ABC Municípios de Santo André, São Bernardo e São Caetano AP Alojamentos provisórios

APP Área de Proteção Ambiental

BM Banco pelo Mundial

BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico BNH Banco Nacional de Habitação

CEB Comunidades Eclesiais de Base CENSO Recenseamento Demográfico

CDHU Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano COHAB Companhia Metropolitana de Habitação

CONAM Confederação Nacional de Moradia Popular

EMPLASA Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço do Trabalhador FLM Frente de Luta pela Moradia na cidade de São Paul FMI Fundo Monetário Internacional

FNHIS Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social

FUNAP Fundo de Atendimento à População Moradora em Habitação Sub-Normal

HIS Habitações de Interesse Social

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IPTU Imposto Territorial e Predial Urbano

MLB Movimento de Lutas dos Bairros e Favelas MLC Movimento Contra os Loteamentos Clandestinos MNLM Movimento Nacional de Luta pela Moradia

MTST Movimento dos Trabalhadores Sem Teto OGU Orçamento Geral da União

ONG Organização não Governamental ONU Organizações das Nações Unidas

PAC Programa de Aceleração do Crescimento PLHIS Plano Local de Habitação de Interesse Social PMCMV Programa Habitacional Minha Casa Minha Vida PNDU Política Nacional de Desenvolvimento Urbano PROAGUA Programa de Abastecimento de Água

PROFAVELA Programa de Reurbanização de Favelas PROLUZ Programa de Eletrificação de Favelas

PROMORAR Programa de Erradicação de Sub-habitação PT Partido dos Trabalhadores

RMSP Região Metropolitana de São Paulo

SBPE Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo e Cadernetas de Poupança

SEADE Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados SFH Sistema Financeiro da Habitação

SNHIS Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social UNMP União Nacional por Moradia Popular

VHP Vilas de Habitação Provisória ZEIS Zona Especial de Interesse Social

(14)

INTRODUÇÃO ... 15

CAPITULO I – A EVOLUÇÃO TERRITORIAL DE CARAPICUÍBA: DO CINTURÃO CAIPIRA À PERIFERIA DA METRÓPOLE ... 26

1.1. Habitação popular: terminologias e conceituações ... 26

1.2. O território carapicuibano no processo de metropolização ... 29

1.2.1. O fato urbano no Município de Carapicuíba ... 36

1.2.2. Os loteamentos clandestinos em Carapicuíba ... 40

1.2.3. Conjunto Habitacional Presidente Castelo Branco - COHAB ... 52

1.2.4. A Região Sul do Município: os condomínios de alto padrão ... 55

Considerações Finais ao Capítulo I ... 60

CAPITULO II – A FAVELA COMO FORMA DE ACESSO À MORADIA NO MUNICÍPIO DE CARAPICUÍBA-SP ... 65

1.2. Favela: sua “forma-conteúdo” no Brasil e na metrópole ... 66

1.3. O processo de formação de favelas no Município de Carapicuíba-SP ... 70

1.3.1. Os agentes produtores do espaço e a densidade comunicacional ... 78

1.3.2. As dinâmicas de consolidação das favelas (e a dinâmica construtiva das casas) ... 83

1.3.3. Trajetória Habitacional... 89

1.3.4. Mercado Imobiliário e verticalização nas favelas ... 93

1.3.5. Condições atuais das favelas de Carapicuíba ... 98

1.3.6. Processos recentes de formação de favelas ... 103

Considerações finais ao capítulo II ... 107

CAPITULO III – ESTADO, SOCIEDADE CIVIL E O PROBLEMA HABITACIONAL EM CARAPICUÍBA-SP ... 110

3.1. A favela e a evolução da política pública e da luta urbana no Brasil ... 111

3.2. A Política Urbana no período atual e o Município de Carapicuíba ... 121

3.2.1. O PAC e o PMCMV no Município de Carapicuíba ... 125

3.3. A luta por moradia no Município de Carapicuíba no século XXI ... 136

(15)

INTRODUÇÃO

A situação habitacional da grande São Paulo (...) é reveladora da crise profunda em que vive a sociedade urbana e constitui um aspecto visível de uma estrutura socioeconômica flagrante inigualitária (SANTOS M., 2009 [1990]: 43).

Em torno da habitação desenvolveu-se uma das maiores problemáticas das metrópoles brasileiras. Essa problemática se desdobra em diversos processos socioespaciais, meios de existência, lutas, políticas, disputas.

A partir desta pesquisa, temos a intenção de contribuir para a compreensão do processo de urbanização do município de Carapicuíba, no que tange à habitação da população de menor renda. Abordamos dois períodos e formas-conteúdo distintos, centrando a análise no período recente: os loteamentos populares precários entre 1970 e 1990, as favelas entre 1990 a atualidade. Busca-se entender os agentes e ações direta e indiretamente vinculados à produção deste espaço urbano.

A habitação tem um valor de uso essencial à reprodução do homem em sociedade; em qualquer período histórico é uma necessidade tanto biológica quanto social (RODRIGUES, 1988). Não à toa, nas cidades, onde hoje está a maior parte da população nacional e mundial, a produção do espaço destina-se majoritariamente à habitação (RODRIGUES, 1988). E são, portanto, as dinâmicas socioespaciais relativas à habitação reveladoras das lógicas de produção do urbano e da forma como a sociedade organiza o acesso às suas necessidades básicas.

Na produção do espaço urbano no Brasil, para os mais pobres, o acesso à habitação sempre se realizou mais pelo âmbito da solução improvisada a uma situação de carência, da luta ante uma privação, do que pelo consumo prático de uma necessidade básica, de um bem produzido pelo mercado. Mesmo tratando-se de cidades capitalistas, no Brasil prevaleceram na produção da moradia: a atuação de “agentes não tipicamente capitalistas” (RODRIGUES, 2007b), a prática de subsistência (MARICATO, 1982) e um mercado informal (CARDODO, 2012).

Considera-se a partir de Oliveira (2011[1972]) e Rodrigues (2007a; 2007b) que os agentes não tipicamente capitalistas são aqueles que, mesmo inseridos nos sistema capitalista como força de trabalho, empreendem, para sua sobrevivência neste, atividades não tipicamente capitalistas, isto é, práticas que não

(16)

passam pela remuneração e nem são obstinadas à gerar de imediato um valor de troca, mas valores de uso essenciais. Conforme Rodrigues (2007b), os agentes não tipicamente capitalistas produtores do espaço urbano são os que produzem a cidade por autoconstrução, isto é, formadores de ocupações coletivas de terra, formadores de favela e habitantes de loteamentos clandestinos. Enquanto, os agentes produtores do espaço tipicamente capitalistas, no que se refere especificamente à habitação, são: setor financeiro, incorporação imobiliária, proprietários de terra, loteadores, indústria (à exemplo da construção civil) e o Estado (RODRIGUES, 2007a).

A prevalência das relações não tipicamente capitalistas na produção deste valor de uso elementar – a habitação – é reveladora de que elas não são residuais no sistema capitalista, mas parte de sua sustentação, como esclarecido por Oliveira (2011 [1972]):

A especificidade particular de um tal modelo consistiria em reproduzir e criar uma larga 'periferia', onde predominam padrões não-capitalísticos de relação de produção, como forma e meio de sustentação e alimentação do crescimento dos setores estratégicos nitidamente capitalistas (OLIVEIRA, 2011 [1972]: 69).

Nessa direção, entende-se que a realidade de carência que compreende a questão habitacional no Brasil é fruto de prerrogativas do capital, perfeitamente encontradas com as ações do Estado, na conjuntura de um capitalismo periférico, dentre as quais, destacam-se: a super exploração da força trabalho e a total priorização das funções econômicas do solo urbano.

A remuneração mínima regulamentada pelo Estado brasileiro nunca foi capaz de suprir o gasto com habitação, dentre outros elementos essenciais à reprodução da força de trabalho (SANTOS R., 2007). Ao passo desta constante privação, “a terra urbana e ou habitação nele edificada” tornara-se, para o sistema capitalista, uma mercadoria especial, de elevado valor de troca, meio de acumulação potencial; e o elemento mais dispendioso do orçamento do trabalhador urbano, depois do relativo à alimentação (RODRIGUES, 2007c). Essa valorização advém justamente da forma como que o espaço é produzido e apropriado: uma produção social, desigualmente gerida pelo Estado e apropriada pelo capital (OLIVERIA, 1982; RODRIGUES, 1988; MARICATO, 2014).

(17)

O espaço urbano é fruto do trabalho social: são os meios de consumo coletivo, ou seja, equipamentos sociais de abastecimento de água e energia elétrica, esgotamento sanitário, transporte, educação, cultura, lazer e saúde1, cuja implantação e gestão são responsabilidades do Estado. O espaço urbano é, assim, encontro dos diversos trabalhos, que combinados geram uma força produtiva social (os efeitos úteis de aglomeração), tais quais possibilidades de consumo e acessibilidades diversas, deslocamento, menor emprego de tempo, bem-estar, dentre outras (VILLAÇA, 1998).

Na prática, trata-se de uma “urbanização corporativa” (SANTOS M., 2009 [1990]), ou seja, ela não é conduzida para a produção de meios de existência satisfatórios, mas sim para a acumulação do capital. Isto faz com que a realidade espacial dos meios de consumo coletivo seja extremamente desigual e não corresponda à sua função social, possibilitando que esta produção social seja apropriada pelo capital e extorquida da maior parte da população. A respeito da metrópole corporativa de São Paulo, assinala Santos M. (2009 [1900]):

A enorme expansão dos limites territoriais da área metropolitana construída, a presença, na aglomeração, de uma numerosa população de pobres e a forma como o Estado utiliza os seus recursos para a animação das atividades econômicas hegemônicas, em lugar de responder às demandas sociais, conduzem à formação do fenômeno a que chamamos de metrópo1e corporativa, voltada essencialmente para a solução dos problemas das grandes firmas e considerando as demais como questões residuais (SANTOS M., 2009 [1990]: 106).

A menor parcela da cidade é equipada e apropriada por um mercado que se restringe a habitações não acessíveis à população de menor renda, o que significa dizer que não é acessível a grande maioria. O alto valor da habitação está justamente vinculado a esta urbanização desigual (RODRIGUES, 1988; VILLAÇA, 1998). A questão não é, portanto, o trabalho pago materializado no imóvel, mas o trabalho não pago vinculado aos bens de consumo coletivo e privado oferecidos por sua “terra-localização” (VILLAÇA, 1998). Esta característica ainda pode gerar para o produtor da mercadoria habitação a renda de monopólio a partir de localizações únicas e irreprodutíveis, que funcionam como fonte permanente de renda, pois seu

1

Considera-se meios de consumo coletivos aqueles equipamentos públicos caracterizados como comunitários na Lei 6766/1979, ou seja, os que propiciam lazer, cultura, educação e saúde e os serviços urbanos de rede de esgotos, abastecimento de água e de luz.

(18)

valor não exauri-se pelo consumo (RODRIGUES, 1988). Como pontua Rodrigues (1988: 67) os negócios com a terra urbana são um meio de capitalização muito rentável e seguro que “têm sido uma das formas mais frequentes de acumular riqueza”. Como fruto deste processo, as partes mais urbanizadas e equipadas da cidade são altamente valorizadas e inacessíveis para a maioria.

O encontro deste espaço, meio de acumulação, com a condição pauperizada do trabalhador faz com que: apenas 30% da população brasileira acesse a terra e/ou habitação nela construída pelo mercado regular; apenas 25% das habitações do país correspondam ao setor imobiliário formal; faz predominar a produção doméstica de um valor de uso essencial à reprodução da vida; faz com que as pessoas habitem territórios com precárias condições de urbanização; faz com que surjam políticas compensatórias; faz com que a terra seja um dos principais “nós” da problemática social urbana. Não qualquer terra, a terra urbanizada, a terra urbana fruto do trabalho social, apropriada pelo capital (RODRIGUES 1988; MARICATO, 2014).

Nessa direção, pondera-se, a partir de Kowarick (2009), que os espaços produzidos pelas formas não tipicamente capitalistas, “arcaicas” e urbanisticamente “subdesenvolvidas”, resultantes de processos socioeconômicos que dão “suporte ao processo de criação de riquezas”, não devem ser entendidos como espaços dos excluídos. Na verdade, os que ali habitam são aqueles aos quais o sistema imputa a situação de inclusão marginal:

Nesse sentido, vale frisar que a questão da marginalidade não foi equacionadora enquanto algo à parte, excluído das dinâmicas básicas da sociedade, mas como uma modalidade de inclusão intermitente, acessória, ocasional, marginal, porém integrante do processo produtivo. Nada mais oposto, portanto, da situação de exclusão, se por isso se entender configurações de desligamento social e econômico que conformam um mundo isolado (KOWARICK, 2009: 73).

Na formação e expansão da metrópole paulistana as soluções habitacionais para os mais pobres foram criadas de formas distintas, embora constantemente insatisfatórias. Locação de cômodos em cortiços ou em casas precárias; casa própria autoconstruída, paga em parcelas acessíveis, no interior de loteamentos não urbanizados e periféricos, com irregularidade fundiária; barracos e casas de alvenaria autoconstruídos ou não, apropriados ou comprados

(19)

informalmente, situados em áreas centrais ou periféricas total ou parcialmente desprovidas de urbanização – as favelas. São estas duas últimas formas que contam grande parte da história territorial do Município Carapicuíba-SP.

Carapicuíba, emancipado como município em 1961 (Lei Estadual n° 8092 de 1961), foi incorporado à Sub-região Oeste da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) em 1973 (Lei Complementar n° 14, de 8 de junho de 1973). Atualmente, uma cidade de 36km² que abriga uma população de quase 400 mil habitantes; um território 100% urbano que corresponde à quarta maior densidade demográfica do Brasil, correspondente a 11.225,264 mil habitantes/Km² (IBGE, 2010).

Figura I – Município de Carapicuíba na Região Metropolitana de São Paulo

Elaboração: Bruna R. Pellegrino (2016)

Nas décadas de 1950 e 1960, no movimento de metropolização a partir da capital, Carapicuíba tem a primeira aceleração de seu processo urbano, já caracterizada pelo predomínio dos loteamentos populares precários. Todavia, este processo é somente intensificado ao longo das décadas de 1970 e 1980. Nesse período, tem-se a maior expansão urbana de Carapicuíba, com adensamento demográfico e territorial intenso: quase a toda área municipal foi ocupada por uma população que passou de 54.873 para 283.661 habitantes em vinte anos.

São Paulo

Cotia

Osasco Barueri

(20)

Desde 1970, diferentes dinâmicas urbanas impactam o município, que absorve tanto a função de periferia pobre da metrópole, pela periferização da população de baixa renda, quanto de “periferia rica”, pela “segregação” “voluntária” (VILLAÇA, 1998) da população de alta renda. Desenvolvem-se em seu território loteamentos clandestinos, conjuntos habitacionais irregulares, favelas e loteamentos e condomínios fechados de alto padrão irregulares. São, conquanto, mais explicativos do fato urbano local os perfis residenciais vinculados à população de menor renda.

Especificamente na década de 1970, a intensidade da urbanização deve-se à larga proliferação de loteamentos clandestinos e à implantação do grande Conjunto Presidente Castelo Branco por meio da Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (COHAB). Entretanto, no mesmo período chega a este território o loteamento fechado de alto padrão denominando Núcleo Granja Viana.

A maior parte dos bairros de Carapicuíba originou-se de loteamentos populares clandestinos sem a provisão de infraestruturas urbanas básicas e da instalação de equipamentos sociais. A provisão das infraestruturas mínimas foi tardia e só ocorreu pela luta e/ou custeio de seus moradores. Em segundo lugar, o Conjunto Presidente Castelo Branco da COHAB, segundo maior conjunto habitacional público construído no Brasil, com 14.360 mil unidades habitacionais; também é significativo para o adensamento urbano, provocando direta e indiretamente ampla periferização. Esse conjunto abriga hoje quase 19% da população municipal. Por fim, os tipos habitacionais voltados à alta renda, dentre mansões e muitas áreas verdes, abarcam 20% do território municipal com a menor densidade demográfica do município.

A formação de favelas no município, embora ocorra desde meados da década de 1970, ganhara intensidade ao longo da década de 1990, quando a população moradora de favelas tem aumento de 147,01% no município (MEYER et al., 2004). Período este, inclusive, que as favelas transformam-se em fenômeno periférico para conjunto da RMSP. A este respeito, se até o início da década de 1980 as favelas concentravam-se no núcleo da metrópole, a partir deste momento elas também se tornam intensas nos municípios periféricos. Elas adentram, então, o movimento geral de periferização da população mais pobre (PASTERNAK, 1984), inaugurando um “novo padrão de ocupação periférica” (BALTRUSIS &

(21)

D’OTTAVIANO, 2009); o que não significa que as favelas já não fossem a produção de um urbano desigual e fragmentado, uma periferia do sistema.

Segundo Pasternak (1997), entre 1980 e 1991, 60% do incremento populacional da cidade São Paulo corresponde ao aumento de moradores de favelas. Embora não haja dados precisos sobre o processo para todo o território metropolitano, sabe-se que ao longo da década de 1990 a região da metrópole que mais cresceu foi o cinturão de municípios periféricos “com saldo migratório positivo estimado em 440 mil moradores (PASTERNAK, 1997 [1995]: 4)”.

A pauperização da população manifesta no urbano por esta intensa proliferação de favelas advém de um contexto crítico da economia nacional, iniciado no final da década de 1970 e acentuado nos anos 1980, bem como da mudança em importantes aspectos econômicos ao longo da década de 1990 (JACOBI, 1982; KOWARICK, 1983; PASTERNAK, 1997 [1995]; SCHIFFER, 2004).

Atualmente, em Carapicuíba, há favelas de diferentes tamanhos, muito adensadas ou não. A paisagem do lugar revela a dinâmica de aproveitamento de qualquer espaço livre para a provisão da necessidade habitacional de forma improvisada. Conquanto a intensidade do processo tenha ficado guardada na década de 1990, este mecanismo não cessou completamente: embora em menor grau e de forma menos explícita, ainda originam-se novas favelas no município.

Resultado da combinação do lotear clandestinamente e da apropriação informal da terra urbana por meio da formação de favelas, tem-se uma cidade extremamente adensada, urbanisticamente desordenada, subdesenvolvida em termos de serviços sociais e com 70% de seus imóveis sem inscrição cartorial (PIMENTEL, 2014). As irregularidades urbanísticas e fundiária no município não são, todavia, características exclusivas destes tipos habitacionais populares, estão presentes também nos tipos de alto padrão (FERREIRA, 2000); a diferença é que nos primeiros ela desencadeia o impedimento histórico à “cidade legal” em sua amplitude, enquanto nos segundos é legitimada (MARICATO, 1996).

A discussão detalhada a respeito da produção do espaço urbano de Carapicuíba organiza-se nesta pesquisa a partir de três capítulos. A partir da discussão das lógicas de produção do espaço urbano no capitalismo periférico, analisa-se o processo de formação da cidade de Carapicuíba no contexto de metropolização em São Paulo, atentando-se especificamente à produção habitacional voltada à população de menor renda.

(22)

No segundo capítulo, no contexto de uma metrópole consolidada, debruçamo-nos sobre novas dinâmicas socioespaciais a partir dos anos 1980 — o processo de formação de favelas. De delimitações gerais acerca do fenômeno à sua contextualização socioeconômica nacional e regional, discute-se sua incidência no Município de Carapicuíba.

O terceiro capítulo, por fim, destina-se à discussão das políticas públicas e das ações elaboradas pelos movimentos sociais de luta pela moradia. Trata-se das políticas habitacionais endereçadas às favelas, partindo de sua transformação sócio-histórica a partir da esfera do poder federal, visto que nesta esfera se concentra parte importante das diretrizes e recursos da política urbana; alcançando seu contexto atual e seu rebatimento em Carapicuíba. Em conjunto, atina-se para a luta pela moradia, sua conjuntura atual e seus nexos com esta cidade.

Respectiva pesquisa teve início a partir de trabalho de conclusão de curso, para graduação em bacharel em Geografia pela Unicamp, no ano de 2012, no qual estudamos a evolução territorial de Carapicuíba e o princípio de seu fato urbano. O aprofundamento deste estudo preliminar, encaminhado pela presente pesquisa de mestrado, teve como proposta inicial o estudo das ocupações coletivas de terra urbana a partir de 1990, processo este que seria a continuidade de uma urbanização até então caracterizada pela expansão dos loteamentos clandestinos entre as décadas de 1970 e 1980. Todavia, a aproximação à realidade do lugar revelou que, embora as apropriações informais sejam sim um traço marcante do processo urbano local desde 1990, estas não se originam por movimentos sociais ou organizações diversas de luta pela moradia, são, na verdade, resultado de ações individualizadas que se coletivizam ou encontram-se a partir da teia de relações familiares e cotidianas dos habitantes de Carapicuíba. Ou seja, trata-se de processo mais próximo ao que foi historicamente designado como favela.

Partimos então para o estudo das favelas, considerando, todavia, a importância de compreender melhor o processo urbano precedente, inclusive, por sua vinculação com a trajetória habitacional de muitos moradores das recentes favelas carapicuibanas e com a espacialização desta nova dinâmica dos anos 1990, que se realiza em um espaço já consolidado e adensando.

Operacionalizamos o estudo da produção do urbano em Carapicuíba a partir do recorte metodológico do espaço que são as “verticalidades” e “horizontalidades” (SANTOS M. 2004 [1996]), ou, como proposto por Lefebvre (1991

(23)

[1968]), a “ordem próxima” e a “ordem distante”; sendo o espaço seu hibrido, por relações de associação e de conflito. A verticalidade, a ordem distante, vista do lugar, é aquilo que o adentra, reorganiza-o e o transforma por movimento originário de lógicas externas, de outras escalas socioespaciais, tais quais processos políticos e/ou econômicos. As horizontalidades, a ordem próxima, são as que permitem a existência dos lugares, são as elaborações que dependem do cotidiano, da contiguidade.

A cidade (...) ela muda quando muda a sociedade em seu conjunto. Entretanto, as transformações da cidade não são os resultados passivos da globalidade social, de suas modificações. A cidade depende também e não menos essencialmente das relações de imediatice, das relações diretas entre as pessoas e os grupos que compõem a sociedade (...); ela não se reduz mais à organização dessas relações imediatas e diretas, nem suas metamorfoses se reduzem a mudanças nessas relações. Ela se situa num meio termo, a meio do caminho entre aquilo que se chama de ordem próxima (...) e a ordem distante, a ordem da sociedade regida por grande e poderosas instituições (Igreja, Estado), por um código jurídico formalizado ou não (...). A ordem distante se institui neste nível superior, isto é, neste nível dotado de poderes (LEFEBVRE, 1991 [1968]: 46).

A revisão bibliográfica e a análise de dados secundários de instituições oficiais de pesquisa permitiram investigar as verticalidades que inseriram Carapicuíba na metrópole o transformaram progressivamente.

Sobre os dados secundários que contribuíram para o embasamento desta pesquisa, a importância dada aos dados produzidos por estudos municipais tais quais Publicação Ilustrada do Plano Diretor (2011) e o Plano Local de Habitação de Interesse Social (2011)2 decorre da conhecida e identificada subestimação das pesquisas oficiais nacionais, à escassez de estudos acadêmicos e pesquisas diversas sobre o município, versus a qualidade técnica e o comprometimento social dos estudos realizados a partir deste poder público municipal.

Como será explanado, ao longo deste trabalho, a compreensão da produção do espaço urbano de Carapicuíba se faz, em grande parte, pela investigação das horizontalidades, isto é, dos processos desencadeados pelas

2 O Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS) foi desenvolvido no ano de 2011. Considera-se que respectivo documento apresenta um razoável diagnóstico acerca da situação habitacional de Carapicuíba, embora apresente dados substimados.

(24)

relações de contiguidade.Uma vez que trata-se de uma produção preponderantemente organizada pelas relações do cotidiano dos habitantes – a “densidade comunicacional” (SANTOS M., 2009 [1990]); em parte erigida por agentes não tipicamente capitalistas e por um mercado informal de âmbito majoritariamente local.

Em busca de analisar os agentes diretamente produtores do lugar e de suas ações, no que se refere especificamente ao seu componente habitacional, pesquisas de campo foram desenvolvidas em diferentes bairros do município originados por loteamentos populares precários e favelas.

Os trabalhos de campo que constroem esta pesquisa caminham desde a realização de meu Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação em 2012 à elaboração do projeto de mestrado em 2014, todavia, os campos foram definitivamente adensados ao longo de 2015, 2016 e 2017. Os trabalhos de campo destinam-se à coleta de dados primários a partir de entrevistas e observação da paisagem, bem como à realização de registros fotográficos.

Os primeiros campos partiram de contatos pessoais, de notícias de jornal e do acompanhamento da formação da Ocupação Carlos Marighella - MTST em Carapicuíba-SP. A construção da rede de contatos que subsidiou toda a pesquisa foi principalmente construída da associação de duas formas: pelos contatos preexistentes, tais como amigos, colegas de trabalho, amigos de amigos, professores da UNICAMP, dentre outros; e importantemente pelos contatos e relações que se frutificaram ao longo da realização dos campos, donde, importantemente, estão inseridos os círculos sociais e comunicacionais dos próprios habitantes.

O que significa que o percurso de campo, o conhecimento da realidade estudada, foi alimentado pelas relações comunicacionais (SANTOS M., 2009 [1990]) que também alimentam a produção do espaço urbano de Carapicuíba. O que não significa, porém, que realização dos trabalhos de campo não foi muitas vezes frustrada, pela quebra da relação de comunicação.

Pelos contatos que foram sendo estabelecidos aos poucos, nos campos, “alguém que conhece alguém”, os campos passaram por diferentes lugares de Carapicuíba. Não houve, portanto, uma delimitação territorial prévia para os campos no interior no Município de Carapicuíba, mas um recorte de formas-conteúdo, as favelas e os antigos loteamentos. Todavia, com base nestes recortes, dois eventos

(25)

recentes foram muito importantes para a construção sequencial de uma rede de contatos a Ocupação do MTST e a formação de uma favela no Jardim Angélica. Dentre os bairros percorridos em campo estão: Vila Mercês, Jardim Angélica, Vila Dirce, Vila Helena, COHAB Presidente Castelo Branco, Cidade Ariston, Centro, Parque do Planalto, Parque da Aldeia, Parque Jandaia. Ressalta-se que os campos em grande parte destes restringiram-se a registros fotográficos e campos de observação.

Para os campos foram elaboradas roteiros de perguntas, que serviam de suporte ao diálogo que se realizava majoritariamente em formato conversa, a fim de deixar o “entrevistado” à vontade para se expressar; criava-se assim uma maior aproximação com os interlocutores, importante para subsidiar as novas saídas de campo.

Estas formas foram priorizadas por motivos diferentes. Pude perceber que os laços sociais, as relações de proximidade são valorizadas pelos interlocutores e facilitam sua aproximação, são uma garantia de comunicação. Aspecto relacionado ao outro motivo, que concerne à questão do “ser de fora do lugar”, de adentrar “um lugar que não é meu”, a “porta de entrada” é a construção de relações socioespaciais. Nesta questão cabe especialmente, mas não apenas, os locais que abrigam em suas proximidades o tráfico de entorpecentes.

Havia, entretanto, uma indagação de como trazer e operacionalizar esta empiria para esta pesquisa enriquecendo a compreensão desta realidade. Optamos, desde a realização dos campos, pelo levantamento de dados pelo método amostral qualitativo e não quantitativo. Escolhemos trazer um pouco da trajetória destes agentes através de suas próprias falas e da transcrição de seus relatos. Acredita-se, com base em TELLES (2009: 13), que assim o campo nos ajudaria a fugir da “abstração desencarnada dos indicadores que medem essas realidades” e das “estereotipias no mais das vezes estigmatizadoras que prevalecem quando se fala de cortiços, favelas ou das periferias distantes”.

(26)

CAPITULO I – A EVOLUÇÃO TERRITORIAL DE CARAPICUÍBA: DO CINTURÃO CAIPIRA À PERIFERIA DA METRÓPOLE

1.1. Habitação popular: terminologias e conceituações

Na realidade urbana brasileira, há uma diversidade de tipos habitacionais destinados à população pobre e uma consequente dificuldade de distingui-los conceitual e terminologicamente. No âmbito da política pública nacional o termo difundido é “assentamentos precários”, que se aproxima da definição “slum”, estipulada pela UN-Habitat3 para designar uma “ampla gama de assentamentos de baixa renda e de condições precárias de vida” (FILHO, 2015).

Na Política Nacional de Habitação (PNH, 2004) a definição assentamentos precários engloba: cortiços, loteamentos irregulares, favelas e conjuntos habitacionais irregulares. Neste documento, estes tipos habitacionais são entendidos como um conjunto por compartilharem os seguintes aspectos: habitação para famílias de baixa renda, irregularidade fundiária, ausência de infraestrutura de saneamento ambiental, deficiência no sistema de transportes e nos serviços sociais diversos, localização em terrenos alagadiços e sujeitos a riscos geotécnicos, dentre outros (FILHO, 2015; PNH, 2004).

Nesse sentido, a Prefeitura do Município de Carapicuíba vai empregar o termo “assentamentos precários” para designar os tipos habitacionais que se desenvolvem em seu território:

O Município de Carapicuíba identifica como assentamentos precários tanto as ocupações espontâneas e originalmente desprovidas de qualquer infra-estrutura ou planejamento – correspondentes às favelas – como aqueles assentamentos implantados com algum nível de organização considerados loteamentos irregulares (PLHIS, 2011: 24).

No que concerne às pesquisas institucionais, para a designação dos tipos habitacionais destinados à população pobre, destaca-se o termo “aglomerados subnormais” criado pelo instituto de referência para todo o território nacional – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O termo é utilizado para designar: áreas de uso predominantemente residencial, com mais de 51 domicílios,

3 A UN-HABITAT – Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos – é uma agência especializada da Organização Nacional das Nações Unidas (ONU).

(27)

de apropriação ilegal do terreno, que possua precariedade de serviços públicos essenciais e/ou alguma precariedade urbanística (vias de circulação estreitas e de alinhamento irregular, lotes de tamanhos e formas desiguais e construções não regularizadas por órgãos públicos)4. Conforme Silva (2014: 4), a informação relativa aos setores subnormais nunca foi “disponibilizada pelo IBGE como proxy de favelas ou assentamentos precários de nenhum tipo”.

No tocante às pesquisas acadêmicas – VALLADARES (2005), RODRIGUES (2007b; 2007c) KOWARICK (2009), BOGUS (2009), BALTRUSIS & D’OTTAVIANO (2009), MARICATO (2014), PASTERNAK (2016) –, os termos são outros e menos generalizantes. Os autores trabalham com os conceitos de “loteamentos irregulares”, “favelas”, “cortiços” e “conjuntos habitacionais irregulares”. Pois, se habitação subnormal, irregularidade urbanística e/ou fundiária e infraestrutura urbana deficitária são aspectos que podem caracterizar todos estes tipos habitacionais, somente por eles escapa a compressão da lógica de produção do espaço urbano, seus agentes e processos.

Conforme Maricato (1982), “loteamento irregular e/ou clandestino” é aquele que não possui o parcelamento do solo aprovado, o que pode derivar de irregularidades quanto à posse da terra e/ou quanto às normas urbanísticas. Apesar dessas irregularidades, o loteamento é fruto da reprodução dos expedientes do mercado formal de terras: parcelamento do solo por um único agente (loteador ou proprietário), venda dos lotes e sua compra em parcelas, ao contrário da “favela” que se origina pela apropriação informal de terra urbana. Segundo Pasternak (2016: 89), o critério de diferenciação da “favela” em relação aos outros tipos relaciona-se ao “estatuto jurídico da terra”. Ou seja, é na forma de apropriação do espaço que está a especificidade da “favela”: “ocupação de terra alheia pública ou privada” (KOWARICK, 2009: 81); “apropriação do espaço (...) que acontece por invasão” (PASTERNAK, 2016: 97). Salienta-se, porém, que o termo “invasão” é socialmente utilizado de forma a criminalizar as ações de luta pela moradia. Os movimentos sociais de moradia sugerem, portanto, a utilização do termo “ocupação”, inclusive pois as ocupações realizam-se em imóveis e terrenos ociosos que não estão cumprindo sua “função social”. Nesta direção, ressalva-se que no Brasil a

4

A partir dos parâmetros do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), favelas e loteamentos clandestinos e irregulares compõem um mesmo conjunto denominado aglomerados subnormais, não havendo distinção, posto que todos apresentam irregularidade fundiária e/ou urbanística.

(28)

“função social da propriedade” está regulamentada pela Constituição Brasileira (1988) e pelo Estatuto da Cidade (Lei no 10.257, de 10 de julho de 2001), o que legitima e permite a legalização futura destas ocupações não cabendo, portanto, especificá-las como formas de uso ilegal da terra urbana.

Atentando-se aos agentes e suas formas de produção do espaço urbano, com base em Rodrigues (1988), fazemos a distinção entre “favela” e “ocupação coletiva organizada de terra urbana”, posto que a primeira origina-se de movimentos individualizados ou de grupos sem organizações sociais formalizadas e a segunda por ações de grupos organizados.

“Favela”, hoje sinônimo de um tipo habitacional específico, tem sua origem etimológica em uma planta: A planta “favella”, presente nas trincheiras da Batalha de Canudos, fora encontrada também no morro carioca, onde os combatentes de Canudos vieram posteriormente a se instalar. Nesse momento, respectivo local conhecido como “Morro da Providência” fora rebatizado de “Morro da Favella” (VALLADARES 2005; FILHO, 2015; PASTERNAK, 2016). Conforme Valladares (2005: 29 e 30), “o mito de origem da favela” ainda se constitui a partir das “imagens fortes e marcantes” transmitidas através de Os sertões, que já haviam informado a intelectuais e à sociedade no geral o que eram os “aglomerados de miséria”. Assim, no caminho da identificação intelectual das formas insurgentes da pobreza urbana, o “que se tornaria modelo da favela” já era conhecida pela obra seminal de Euclides da Cunha (VALLADARES 2005: 30).

Sobre seu lócus de origem vale lembrar, conforme Carta Maior (2009)5: “No local, ainda existe uma impressionante favela, que parece debruçada sobre uma pedreira – o Morro da Providência (…). Sua antiguidade e pobreza testemunham anos e anos de descaso público”.

Apesar de seu emprego nas pesquisas acadêmicas até a atualidade, “favela” é um termo cujo uso fora generalizado nas diferentes formas de linguagem, coloquial, acadêmica, literária e midiática; carregando por isso complexa carga sociocultural e frequentemente conotações pejorativas:

“Favela” é um desses termos que parece ter adquirido feições de vocábulo “naturalizado”, mas que costumam carregar um conteúdo pejorativo que não escapa à percepção daqueles que

5

Fonte: Tráfico, favelas e violência, Luis Carlos Lopes, CARTA MAIOR, 2009 –

(29)

sofrem com valorações negativas por trazerem a marca de um estigma ‘sócio-espacial’ (no caso, os “favelados”). Não é à toa, que, algumas vezes, o termo “favela” é, de algum modo, tácita ou explicitamente contestado (…) (SOUZA, 2014: 151).

Nesse viés, embora não esteja nos limites desta pesquisa proposições terminológicas e conceituais, o uso do termo “favelado” é descartado. Todos na cidade são moradores de algum tipo habitacional: morador de loteamento, morador de bairro de classe média, morador de favela, morador de condomínio fechado na periferia. A condição em questão é a de morador, e somente ela. O local de moradia não pode servir para definir o individuo em outros aspectos; é descabida, portanto, determinada derivação da palavra favela, derivação que não fora aplicada para outras condições. A particularização é intencionalmente estigmatizante.

Por fim, com base em Souza (2014), considera-se importante a identificação dos termos e as apreensões que o fenômeno tem no lugar estudado:

Conforme eu já salientei em outra ocasião (Souza, 2007, p. 104), faz parte da tarefa do cientista social perceber esses usos cotidianos e tentar entender as razões dos usuários. Mesmo eventuais discordâncias ou reparos não podem eliminar esse componente “fenomenológico”, sob pena de se construir um arsenal terminológico conceitual asséptico e alienado em face dos “mundos da vida”, animados por homens e mulheres de carne osso (SOUZA, 2014: 155).

Nessa direção, verificara-se que o termo mais utilizado no cotidiano dos carapicuibanos é “área livre”. Em observância aos diálogos locais, este demonstra ser mais livre de cargas pejorativas que o termo “favela”; o qual também é empregado localmente com menor freqüência, geralmente em referência a apropriações informais de grande porte e/ou que abrigam atividades vinculadas ao tráfico de entorpecentes.

1.2. O território carapicuibano no processo de metropolização

Segundo Petrone (1995), por um longo período, o território de Carapicuíba, atual município pertencente à RMSP, caracterizou-se pelo seu isolamento em relação à cidade de São Paulo e teve por isso um lento desenvolvimento intra-urbano. As décadas de 1960 e 1970 são um marco na mudança desta condição, em consonância com o aumento nos serviços dos trens de subúrbio e a implantação do modal rodoviário. Antes deste momento, que vai

(30)

configurar, praticamente, uma “revolução urbana” no lugar, este território transitara apenas de aldeia indígena, aldeamento jesuítico, ponto de parada de tropeiros do interior, núcleo agropecuário a subúrbio de tímido desenvolvimento industrial. Estes dois últimos contextos territoriais, anteriores às dinâmicas propriamente metropolitanas, advêm das irradiações da centralidade que se constitui em São Paulo ao longo do tempo (KAJIMURA, 1974; SOUZA, 1981; PETRONE, 1995; PINHO, 2011).

O nome dado a este lugar, que vai a partir de 1960 dar origem a uma complexidade territorial, vem daquele primeiro momento, das relações mais orgânicas e menos complexas que o homem estabelecia com o espaço, da vivência indígena:

Carapicuiba é uma palavra composta de CARAPICU mais IBA. Carapicu ou Carapicuim é um nome de peixe e tido por venenoso em certos períodos do ano. Iba é um sufixo que significa ruim. Portanto a palavra Carapicuaiba, da qual derivou Carapicuiba, tem o significado de Carapicu ruim, Carapicu imprestável (SOUZA, 1981, s/n).

A transformação do aldeamento jesuítico de Carapicuíba (Foto 1.) em zona rural responde ao primeiro impulso da urbanização de São Paulo no último quartel do século XIX, do qual faz parte a modernização dos processos produtivos – o inicio da industrialização – e dos meios de circulação da produção – desenvolvimento do modal ferroviário no Estado de São Paulo6. Este último, sob o contexto das novas demandas geradas pelo crescimento da população, do meio construído e das atividades sociais da capital, fez transformar o entorno desta num meio produtor de insumos diversos, que ficou conhecido como “Cinturão Caipira” (LANGENBUCH, 1971; PETRONE, 1995). Todavia, neste processo, os usos proliferados no Cinturão transcendem esta função, originando também: áreas de recreio, subúrbios industriais com vilas residências operárias, e subúrbios residências de luxo (LANGENBUCH, 1971). Entende-se que, à época, a noção de

6

A instalação do Sistema Ferroviário foi inaugurada através da linha férrea São Paulo Railway em 1867. Esse sistema representava o início das mecanizações que transformariam marcadamente o território, na medida em que consolidavam uma articulação em nível metropolitana polarizada pela cidade de São Paulo. Com a continuidade do desenvolvimento ferroviário, o sistema ficou composto pela São Paulo Railway, Companhia Paulista, Estrada de Ferro Sorocabana, Companhia Mogiana e pela Estrada de Ferro Central do Brasil. As infra-estruturas ferroviárias foram instaladas com finalidade de circulação da produção, mas acabaram ganhando relevância no transporte de passageiros na cidade e para outras cidades arredores.

(31)

subúrbio, aplicada à Carapicuíba, referia-se à nuance entre o rural e o urbano e não ao prolongamento do cotidiano urbano e à segregação socioespacial (LANGENBUCH, 1971; PINHO, 2011). O sistema ferroviário foi, entre o final do século XIX à primeira metade do século XX, o principal estruturador de todo um território que se dinamizou a partir da centralidade de São Paulo.

Foto 1. Aldeamento Jesuítico de Carapicuíba Conjunto Arquitetônico e Urbanístico Tombado

Fonte: IPHAN- http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/385/

As novas dinâmicas supracitadas, em conjunto com o declínio do aldeamento, deslocam a centralidade territorial de Carapicuíba, que da região sudeste, onde atuavam os jesuítas, passa para a região a norte, onde passa a linha férrea. Passa ali trecho da linha férrea criada em 1870, pela Companhia Estrada de Ferro Sorocabana, ligando inicialmente São Paulo à cidade de Sorocaba, destinada inicialmente ao transporte de cargas. Em Carapicuíba, neste princípio, foi construída cancela específica junto às minas de extração de areia às margens do rio Tietê (PLANO DIRETOR, 2011).

(32)

Figura 1. Centralidades do Território de Carapicuíba-SP

Elaboração: Bruna R. Pellegrino (2017)

No contexto do Cinturão, em Carapicuíba, as funções restringiram-se à produção de bens primários, a um pequeno desenvolvimento industrial e às consequentes tecnificações iniciais do território combinadas a estas. No início do século XX, têm-se a produção de cereais e leite, as atividades de exploração de areia, de pecuária bovina e a implantação de frigoríficos (NASCIMENTO, 1976; SOUZA, 1981; PLANO DIRETOR, 2011; PIMENTEL, 2014). A indústria e seus trabalhadores chegam à Carapicuíba, timidamente, nos anos 1920, pela instalação da Indústria de Tecelagem Santa Izolina (Indústrias Kenworthy S/A) e de uma pequena vila operária para seus trabalhadores; época em que é inaugurada a Estação Ferroviária de Carapicuíba, a princípio chamada Estação Sylviânia (PLANO DIRETOR, 2011; PIMENTEL, 2014).

Segundo informações do Plano Diretor (2011: 8) “A construção da estação pode ser considerada, portanto, o elemento impulsionador para o surgimento de um novo núcleo habitacional em Carapicuíba, que começaria a se

(33)

desenvolver”. Os arredores da estação, de sítios, chácaras e fazendas, começaram então a ser loteados e a dar lugar a casas e comércios. Esta ocupação é intensificada, sobretudo, pela chegada de imigrantes japoneses, poloneses, russos, ucranianos e de outros países do leste europeu (PLANO DIRETOR, 2011; PIMENTEL 2014).

Estação Ferroviária da Estrada de Ferro Sorocabana em Carapicuíba Estação Sylviânia (década de 1930)

Fonte: Fonte: http://www.estacoesferroviarias.com.br/c/carapic.htm

No que concerne a habitação dos trabalhadores vinculados à indústria que crescia concentrada em São Paulo, nas primeiras décadas do século XX, a solução dera-se por meio do expediente da locação, majoritariamente nos limites desta própria cidade7. Como o gasto com a habitação não estava, desde então, inserido na remuneração do trabalhador, foram os cômodos em cortiços precários a modalidade de aluguel usada pela maioria (PASTERNAK, 1984; MEYER, 2004). As vilas industriais e de empreendedores imobiliários foram bem menos significativas; as primeiras, inclusive, direcionavam-se, sobretudo, à diminuta mão de obra qualificada (BONDUKI, 1982). Embora a organização do espaço urbano de São Paulo tenha sido desde o princípio fragmentada, considerando a circulação reduzida devido à ausência de transporte público8, os bairros populares que abrigavam estes tipos habitacionais não se estendiam aos municípios adjacentes, mas situavam-se

7 Assevera Geiger (1963) que o processo urbano paulistano inicia-se no último quartel do século XIX.

8

À época, o transporte intraurbano baseado em bondes não contemplava o deslocamento moradia-trabalho da população mais pobre; os trabalhadores habitavam, portanto, as proximidades do local de trabalho.

(34)

às margens das ferrovias, em contiguidade às zonas produtivas industriais, distantes do bairros centrais de elite (GEIGER, 1963; LANGENBUCH, 1971).

O interesse na produção rentista de moradia popular, um número moderado de trabalhadores urbanos, as excessivas jornadas de trabalho, os salários extremamente baixos, a ausência de transporte intra-urbano para além do centro; tudo isso compôs um conjunto de fatores que não tornavam passíveis para este momento o loteamento distante e a casa própria autoconstruída. Ao mesmo tempo, a ausência de grandes áreas sem interesse dos proprietários urbanos nos locais servidos de transporte e a repressão também não permitiram o aparecimento de favelas em São Paulo antes de 1940 e sua expansão antes de 1970 (BONDUKI, 1982).

Todavia, de um conjunto de transformações iniciadas a partir do final dos anos 1930, num processo “lento, desarticulado, incoerente (BONDUKI, 1982: 143)”, começa-se a alterar a forma-conteúdo da habitação do trabalhador pobre, tendo ao longo da década de 1940 uma ruptura e o inicio da expansão urbana para os municípios adjacentes à capital. São novos processos socioeconômicos de modernização e normatização que organizaram o território em escala nacional, absorvidos e reorganizados pela dinâmica dos lugares.

A principal transformação do período compreende a transição da economia brasileira do tipo agrário-exportador para o urbano-industrial (OLIVEIRA, 2011 [1972]), cujo novo contexto de centralidade urbana privilegia São Paulo. Segundo Santos M. (2008 [1993]), esta modernização significa a transição de um “meio técnico” para um “meio técnico científico”, ou seja, adição de outro conteúdo técnico na produção e consumo do espaço. Salienta-se, a partir de Santos M. (2009 [2002]: 29), que as técnicas compreendem objetos e ações, “são um conjunto de meios instrumentais e sociais” os quais “são parte do território, um elemento de sua constituição e da sua transformação”.

A grande mudança por que começa passar a cidade de São Paulo, devido à concentração do dinamismo econômico, vai engendrar uma grave crise habitacional. Há o aumento da demanda por habitação pelo grande contingente migrante que sustentava a expansão industrial (Tabela 1.)9 e a diminuição da oferta pela manifestação de novas lógicas de produção do espaço. A este respeito, o

9

Segundo Nabil Bonduki (1998), durante a década de 1940, São Paulo tem um ganho demográfico de quase 1 milhão de habitantes.

(35)

congelamento dos aluguéis pela lei federal do inquilinato10 e as novas formas de investimento de capital imobiliário tendenciavam despejos e demolições e o desaparecimento da casa popular locada nas antigas construções, enquanto implicavam novos empreendimentos modernos e de alto padrão. Esta contraposição entre oferta e demanda é ainda complexificada pela exacerbação do custo da moradia devido à corrosão dos salários pela inflação, crescente no contexto de guerra.

Tabela 1. População do Município de São Paulo e RMSP (1940-1991)

1940 1950 1960 1970 1980 1991

RMSP 1.568.045 2.653.860 4.739.406 8.139.730 12.588.725 15.444.941

São Paulo 1.326.261 2.151.313 3.667.899 5.924.615 8.493.226 9.646.185 Fontes: IBGE - Censos Demográficos: 1940, 1950, 1960, 1970, 1980

Tabulação: Bruna R.Pellegrino (2015)

Deste contexto, e sob a conjugação de novos e velhos fatores, organiza-se a nova modalidade de produção do espaço urbano e de habitação popular: a periferização e a casa própria autoconstruída em loteamento popular precário (BONDUKI, 1982; 1998).

Desde então o processo de urbanização paulistano, o qual irá conformar um tecido metropolitano já em 1950, faz-se, majoritariamente, por este novo padrão: o “padrão periférico de urbanização” (BONDUKI, 1983). Isto é, um urbano que cresce horizontalmente, pelo adensamento de áreas periféricas, atingindo os municípios em torno de São Paulo, mantendo grandes vazios urbanos especulativos, prolongando as infraestruturas urbanas e segregando grandes contingentes em lugares distantes dos bolsões de emprego, da infraestrutura urbana

10 Decreto de Lei nº 4.598, de 20 de agosto de 1942 (atual - Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991) - dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes. Respectiva lei proibia o aumento dos aluguéis por um período de dois anos, tendo por base os valores cobrados em 1941; impedia a cobrança de taxas, impostos e luvas aos locatários; permitia despejos em caso de não pagamento, por necessidade de reformas urgentes ou por não cumprimento das responsabilidades previstas em lei.

Referências

Documentos relacionados