• Nenhum resultado encontrado

Fonte: Foto própria (2012)

A partir do poder público local, entende-se que a mudança de postura deve-se: ao nível de adensamento urbano, que gera grave deficiência de áreas públicas para uso comum e provisão equipamentos urbanos; ao uso de áreas inadequadas e consequente conformação de áreas risco; à diminuição do respaldo político a estes processos, isto é, o declínio dos expedientes de uso eleitoral da carência habitacional. Ademais, pressupõe o poder público que os processos recentes, a diferença dos anteriores, são em grande parte movidos por moradores de outros municípios da RMSP. Entretanto, não há dados precisos que assegurem este fato; e dados primários revelam a presença significativa de munícipes carapicuibanos nestas favelas.

Não obstante, de forma geral, identifica-se que a chegada desta forma- conteúdo nos bairros consolidados oriundos de loteamentos gera, em parte, contrariedade da vizinhança. Este desagrado fora principalmente identificado em relação às favelas do século XXI, sobretudo, àquelas formadas nos últimos cinco anos. É o caso das recentes favelas formadas nos bairros da COHAB e no Jardim Angélica. Em alguns casos, a negação a estes novos moradores gera mobilizações voltadas à remoção. Como ocorrera na favela Viela São João no ano 2000, segundo relato de seus atuais moradores:

Fizeram abaixo assinado para tirar nós daqui, o pessoal da rua... ia fazer quatro meses que a gente tava aqui… meu menino correu lá na rua e falou: mãe tem um monte de máquina lá fora, e eu lavando roupa... ele chamava os trator de

máquina, quando eu dei fé o rapaz chegou na minha porta com o papelzinho: (…) dona, esse papelzinho é pra senhora desocupar a área, aí eu falei como é que é a conversa, é pra senhora desocupar a área, a gente vai derrubar, a gente tá com mandado pra tirar vocês daqui, esse papel aqui foi o abaixo-assinado que fizeram, pessoal não quer favela aqui não (...) (Morador 5, Viela São João, em entrevista, novembro de 2016).

Ao que indica a fala dos moradores dos bairros receptores, essa negação vincula-se principalmente a receios de desvalorização imobiliária, uma vez que estes locais já passaram por um processo de melhoramento urbano pela implantação de infraestrutura básica e pelo desenvolvimento construtivo dos domicílios, conferindo- lhes a elevação do preço da terra.

1.3.3. Trajetória Habitacional

E de onde vêm estes demandantes de moradia em Carapicuíba que buscam a favela? As características do meio construído e as condições socioeconômicas não condizem mais com a emancipação pela casa própria em loteamento. Como assevera Kowarick (2009: 281), tanto pelos processos socioeconômicos, quanto pelas próprias representações que se tem do urbano, a metrópole “das décadas de 1950-1970 é muito diversa da que passou a se configurar a partir dos anos 1980 (…), [com a] incorporação ao trabalho assalariado, conquista da casa própria, pela esperança de mobilidade ascendente por parte dos filhos, (...) pessimismo advindo do desemprego, do trabalho ocasional, dos obstáculos para atingir o sonho da casa própria”.

Nas periferias da metrópole, em Carapicuíba, o crescimento da família, a formação de outros núcleos familiares, há tempos já se organiza pela coabitação, a partir do adensamento construtivo dos lotes populares, inclusive por verticalizações residenciais de dois a três pavimentos. Contudo, estas possibilidades, além de indesejáveis pelas condições insatisfatórias de habitabilidade e privacidade, muitas vezes encontram-se saturadas.

Outra possibilidade, para o percurso de emancipação do núcleo familiar originário, então oferecida nas periferias da metrópole como Carapicuíba, é a sublocação. No interior da grande expansão do lote popular próprio e da

autoconstrução do período anterior, um número significativo de cômodos e pequenas casas de fundo destinadas à locação foram construídas, como forma de complementação da renda do trabalhador pobre. Este processo designado por Bonduki (1982: 166) como um “subproduto do padrão periférico” desenvolveu um significativo mercado de aluguéis nas periferias. Como se pode observar na Tabela 10., embora a maior parte dos domicílios carapicuibanos seja ocupada por seus proprietários, esta condição tem diminuído em números absolutos, em contraposição a um aumento progressivo das locações, que cresceram 42% entre 2000 e 2010.

Tabela 10. Condição de ocupação por domicílios no Município de Carapicuíba- SP

(2000 - 2010)

2000 2010 2000-2010

Unidades % do total Unidades % do total Crescimento %

Total 90.935 100 108.592 100 19%

Próprio 67.137 75 76.938 70 15%

Alugado 14.738 15 20.955 19 42%

Fonte: IBGE - Censos Demográficos 2000 e 2010 Tabulação: Bruna R.Pellegrino (2016)

Entretanto, a relação de “desenraizamento do mundo do trabalho” (KOWARICK, 2009) torna, com frequência, proibitivo o gasto de aluguel para o trabalhador de renda baixa, situação salarial da grande maioria dos moradores de Carapicuíba. No município, 51,2% dos chefes de famílias ganham menos que três salários mínimos (IBGE, CENSO, 2000), 40,8% da população economicamente ativa tem vínculos informais de trabalho e 13,14% está desempregada (DIEESE E FUNDAÇÃO SEADE, 2008), ao passo que o valor atual de uma sublocação de casa com três cômodos (dormitório, cozinha e banheiro) aufere em média R$550,0038.

Assinala-se que a condição de moradia de aluguel sempre fora evitada pelos moradores das periferias, não apenas por significar um “gasto inútil”, mas principalmente pela insegurança que ela gera à população pobre, sobretudo em tempos de desemprego e subemprego. Como ilustra a fala de morador, extraída de Kowarick (2009: 290 [grifo nosso]) “... aluguel, “gasto inútil”. Sair dele é um alívio, pois, se continuar com inquilino, acaba morando em favela”.

38

E este é o final do percurso da trajetória habitacional de grande parte dos pobres da metrópole desde os anos 1990: a favela. Como assevera Telles (2009: 11), neste momento a favela deixa de ser residual na metrópole, firmando-se como “como alternativa de moradia para milhares que vêem obstadas as chances de acesso à casa própria, mesmo que seja na mais distante das periferias da cidade”.

Os dados do déficit habitacional quantitativo de Carapicuíba confirmam a problemática da reprodução habitacional da população pobre, bem como oferecem subsídios para compreender a trajetória habitacional precedente dos habitantes das favelas carapicuibanas. De acordo com a pesquisa da Fundação João Pinheiro (2010), mais de 70% do déficit quantitativo de moradias vincula-se à situação de aluguel e de coabitação, o que significa uma carência de 12.489 mil domicílios39. As famílias de faixa de renda de até três salários mínimos que pagam aluguel representam 38% deste déficit, enquanto as famílias conviventes 34% (Figura 5.).

Figura 5. Componentes do déficit habitacional quantitativo de Carapicuíba (2010)

Fonte: PLHIS (2011: 40)

Fora da evasão necessária do aluguel e da casa de parentes que se fez a favela carapicuibana dos anos 1990 e também a das décadas subsequentes, como demonstram os processos de formação de favelas estudados. Indica-se, inclusive, que esta trajetória habitacional é em grande parte interna ao próprio município,

39

Segundo respectiva pesquisa (Fundação João Pinheiro, 2010), o déficit quantitativo total do município de Carapicuíba corresponde à 16.931 domicílios, destes 5.204 domicílios referem- se ao déficit interno aos assentamentos precários (favelas e loteamentos ainda em estágio precário) e 11.727 mil domicílios ao déficit dos setores normais do IBGE.

embora corresponda também às migrações intra-metropolitanas em direção à periferia.

Nas trajetórias habitacionais, precedentes à favela, dos moradores carapicuibanos, são comuns as respectivas situações de coabitação, reveladas por suas falas: “morava na casa dos meus sogros”, “morava na casa dos meus pais”, “morava na casa de uma irmã”; entre outras combinações de vínculos familiares. Observa-se também a coexistência de mais de um núcleo familiar na mesma casa. A trajetória da Moradora 1 da Viela São João que chegou à favela em 2000, revela estas situações:

Eu morava com minha sogra, na Silviani, já fazia nove anos que estava aqui em São Paulo ... era uma casa normal, o terreno é particular... eu e meus cunhados, a gente não se dava bem, brigava muito, porque todo ano eu tinha um filho, todo ano, e eles não gostavam de muita criança dentro do quintal. Aí eu peguei e falei para eles que um dia eu ia conseguir uma casa, um dia eu fiquei com raiva, estava desempregada, nervosa, eu peguei e fui a pé procurar terreno, assim área livre para invadir, foi do nada que surgiu (Moradora 1, Viela São João, em entrevista, novembro de 2016).

Estas trajetórias habitacionais de coabitação são continuamente reproduzidas, não mais apenas pelos filhos dos moradores de loteamentos, mas também pelos filhos dos moradores das favelas consolidadas. Como relata a Moradora 6 da Viela São João (em entrevista, novembro de 2016), seus dois filhos mais velhos casaram-se e foram morar na casa dos respectivos sogros em casas particulares de antigo loteamento.

Tão comum quanto a coabitação é a moradia de aluguel como situação habitacional imediatamente anterior à favela. Muitas vezes, na trajetória, da coabitação segue-se para o aluguel e daí para a favela, como relata a moradora 2 da Viela São João:

Eu sou do Ceará, tem 20 anos que to aqui... essa minha irmã que mandou me buscar lá no Ceará, pra cuidar de duas crianças. Eu dormia lá na casa das crianças [em Santana do Parnaíba], aí comecei me envolver com o pai da minha filha e eu deixei lá... a gente morava no terreno da mãe dele [em Carapicuíba]... depois que ele morreu eu fui morar só, eu e minha filha de aluguel, em Osasco pagava aluguel, não era barato, que eu criava minha filha sozinha né... minha irmã tinha dó de mim que eu era solteira e tinha uma filha pra criar, então ela foi me buscar lá em Osasco, e deu super certo aqui , graças a deus... eu só não terminei aqui [a construção da

casa?], só não terminei ainda, mas to terminando (Moradora 2 da Viela São João, em entrevista, novembro de 2016).

A representatividade da migração no aumento populacional das periferias diminuiu desde 1990, estancando em 2000. Nessas décadas já se encontra uma geração de pessoas nascidas e crescidas nas periferias. As gerações nascidas em Carapicuíba, nos antigos loteamentos consolidados ou nas favelas consolidadas, mesmo que avultem melhores condições de emprego encontram grandes barreiras para reproduzir suas necessidades habitacionais, tendo a coabitação se tornado, não apenas uma passagem comum, mas uma etapa duradoura em suas trajetórias urbanas.

1.3.4. Mercado Imobiliário e verticalização nas favelas

Como afirma Pasternak, a mercantilização de casas e terrenos é uma dinâmica cada vez mais presente nas favelas da metrópole. Este aumento progressivo é relatado por Pasternak (2016: 101), a exemplo da capital: “em 1987, 4% dos entrevistados declararam ter desembolsado dinheiro pelo lote; em 1993, 14% o fizeram, sugerindo que o fenômeno da compra da terra favelada é crescente”. Em Carapicuíba, identificara-se que a mercantilização atinge tanto as favelas consolidadas quanto as recém formadas, envolvendo casas ou barracos, inclusive nos momentos iniciais da ocupação das áreas. O documento PLHIS (2011: 55 [grifo nosso]) do município identifica esta dinâmica em seu diagnóstico: “A autoconstrução em lotes irregulares predomina no município (...) assim como o mercado em favelas e loteamentos irregulares é uma realidade”.

Na Favela Viela São João, por exemplo, que possui hoje cerca de 40 domicílios, a maior parte dos atuais residentes não é mais a mesma da fundação, conforme aponta a moradora 7: “vai fazer 17 anos que eu tô aqui, e as pessoas, só tem, deixa eu ver, só tem, na minha época, 8 pessoas que tão com 17 anos que moram aqui” (Moradora 7, Viela São João, em entrevista, novembro de 2016)”. Os moradores indicam que as vendas foram realizadas por motivos diferentes, tais quais: melhora de vida, mudança de cidade/Estado para fins de trabalho e mudança para outra favela mais barata. Sobre a época das vendas, apontam que parte dos domicílios foi vendida dez anos depois da fundação:

Venderam as casas, vai fazer uns 8 anos que vendeu, dessa casa aqui era 5 barracos, o rapaz vendeu pra ele, aí ele construiu uma casa só (…). Tinha mais de 8 famílias que moravam aí nos barracos, uns eram cearenses e a firma deles dava oportunidade para quem morava em área de risco (...) [outros] foram morar no murão (Moradora 6, Viela São João, em entrevista, novembro de 2016).

Na favela do Jardim Angélica, formada em 2012, de acordo com seus moradores (em entrevista, maio de 2012), num tempo de quatro meses houve venda de barracos, bem como barracos foram construídos para fins comerciais ou por pessoas que já possuíam casa própria. A respeito da formação desta favela expressa moradora 2 do Jardim Angélica (em entrevista, maio de 2012): “Tem gente que não precisava, mas tinha muita gente que precisava”.

Como ilustra o caso do Jardim Angélica, a formação de favelas em Carapicuíba também pode envolver, além dos que tem a necessidade imediata do morar, agentes que objetivam sua comercialização. A esse respeito, comenta morador da COHAB de Carapicuíba: “Muita gente que faz isso, o cara entra, constrói, vende; ocupa outra, constrói, vende” (Morador 4 da COHAB Carapicuíba, em entrevista, março de 2017). Moradores do município apontam que estes casos envolvem, inclusive, uma articulação mais organizada entre agentes: “Na verdade existe uma rede organizada em torno disso ai... não é um processo aleatório (...) eles são muito bem articulados entre eles” (Morador 2 da COHAB Carapicuíba, em entrevista, março de 2017).

Todavia, tendo em vista o déficit habitacional do município e os processos de formação de favelas estudados, considera-se que a maior parte dos domicílios carapicuibanos em favelas originaram-se a priori para suprir uma privação e não para geração de uma mercadoria, embora potencialmente, geste-se, pela produção deste valor de uso, um valor de troca que lhe é indissociável.

Ademais, mesmo que, eventualmente, parte dos primeiros ocupantes intencione a mercantilização, a concretização da favela demonstra a existência da demanda para este tipo e custo de habitação, precário ou de baixo custo relativo, não permitindo, portanto, a compreensão da produção deste espaço apenas pela gestação de um mercado. Sua essência ainda é a de tornar permissível o acesso à moradia (ou melhor, à vida urbana) aos marginalizados. Nessa direção, morador 4 da COHAB de Carapicuíba (em entrevista, maço de 2017) relata que embora se

ocupe para vender, “não falta quem ocupe [para morar], a demanda de moradia é muito grande (Morador 4 da COHAB Carapicuíba, em entrevista, março de 2017)”.

Conforme Pasternak (2016: 101), nas favelas o “preço modal da casa de quatro cômodos varia entre 12 e 15 mil reais”; elas representam, portanto, “25% do preço de lançamentos em bairro populares”. Os preços identificados em Carapicuíba mostram-se similares ao indicado pela autora. Logo, se a favela é cada vez menos uma opção de custo zero (na ocupação inicial), ela ainda é a oferta mais acessível dentro do heterogêneo setor popular. Vale lembrar que, mesmo uma ocupação sem custo, é seguida de gastos para a construção da moradia, quaisquer que sejam os materiais utilizados.

Considera-se que a dinamização de um mercado imobiliário nas favelas tece relações com a escassez e a supervalorização da mercadoria terra e/ou imóvel nela construída, com a consequente inexistência de um mercado habitacional regular para a população de renda baixa voltado para satisfazer a demanda habitacional crescente na metrópole paulistana. Este contexto tem diminuído progressivamente o espaço para a produção tipicamente não capitalista da moradia urbana, a qual marcara por muitos anos a produção do urbano metropolitano. Esta presença do valor de troca, não significa, todavia, a diminuição de situações de marginalidade, mas a consolidação de formas de “inclusão precária” (KOWARICK, 2009).

Ademais, pressupõe-se que o desenvolvimento deste mercado é ainda facilitado pelas características do período técnico atual, que implicam comunicação rápida, abrangente e menos custosa; e assim maior capacidade de articulação e estabelecimento de redes de contato. Nesse sentido, foi possível notar que a venda de casas em favelas de Carapicuíba ocorre por meio de divulgação em sítios gratuitos da internet vinculados a redes sociais virtuais e por comunicação via aplicativos gratuitos de telefones móveis (Figura 6.).

Figura 6. Publicações em rede social de imóveis a venda na Favela da Savoy em Carapicuíba-SP (2017)

Fontes:https://www.facebook.com/groups/ 1145703008775529/?fref=nf/ &

https://www.facebook.com/groups/adrianodl/permalink/1859092281011994/?sale_post_id=185909 2281011994?ref=messenger_share

Sob efeito deste contexto de valorização, escassez e demanda, os domicílios das favelas da metrópole paulistana do século XXI adensam-se e verticalizam-se. Conforme Pasternak (2016), esta dinâmica mostra-se mais acentuada no núcleo da metrópole. A este respeito, aponta Pasternak (2016: 90) que as casas em favelas com mais de um pavimento representam 69,92% do total na cidade de São Paulo e 51,61% nos outros municípios metropolitanos. Quanto ao nível de adensamento, a diferença é mais significativa: 297,4 habitantes por hectare nas favelas na capital, especificamente 913,18 hab/hectare em seu anel interior, 95 hab/hectare nos demais municípios.

Foto 12. Verticalização Residencial na Favela do Murão, Estrada do Pequiá