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A Fase inicial da favela Bairro Jardim Angélica Carapicuíba-SP

Fonte: Foto própria (2012)

A melhora relativa no tempo de consolidação das moradias para casas de alvenaria, não significa, todavia, a finalização do processo construtivo, nem sequer a concretização plena de condições adequadas de habitabilidade. Assim como ocorreu nos loteamentos originários da década de 1970, o processo construtivo em alvenaria – encanamento, fiação, telhado, forro, pintura, piso, verticalização – leva muitos anos. Posto que o dispêndio necessário para tanto não condiz com a renda mensal do domicílio, a necessidade de uma poupança prolongada por parte do trabalhador é destacada:

Eu comprava meu material, pagava, primeiro pagava e juntava, todo mês eu pagava, depois que eu pagava é que eu colocava o pedreiro, depois era luta para pagar o pedreiro, porque é mais caro (...) porque para comprar material a gente podia usar cartão, agora pedreiro tem que ser dinheiro, era 150 [reais] o pedreiro (...) e agora deu essa infiltração aqui, agora to ferrada. Vou ter que arrumar isso agora para poder terminar... pedreiro para arrumar isso, coloca o forro e piso, mas vai demorar porque … é todo mês juntando um pouquinho, (...) tem 12 anos (risos), mas ainda vou, se deus

quiser eu termino, se quisessem me mandar embora [emprego] eu não ligava não (...) eu queria terminar minha casa... isso aqui foi uma luta, pra construir isso aqui sozinha, e não terminei, olha onde que to ainda (Moradora 4 da Viela São João, em entrevista, novembro de 2016).

Como relata a moradora 4 da Viela São João, que está construindo sua casa há 12 anos, o trabalho de poupar e planejar o término da construção em alvenaria é prolongado. As áreas inadequadas a assentamento humano onde estão grande parte das favelas, bem como as condições socioeconômicas dos demandantes, tornam difícil o processo de ocupação desde seu princípio, como demonstra a moradora 1 da Viela São João (2016):

Uma chuva, eu não tinha onde me esconder porque o terreno aqui era todo feio, era bananeira, era lama, era podre… eles chegaram com um monte de ferramenta e eu não tinha nada, o que eu tinha é um rodo e vassoura e as três crianças, o Samuel tinha 7 meses, não dava para colocar ele no chão, que aqui era lama, se você pisava afundava, que aqui era um rio... mas quando eu cheguei já tava canalizado... quando eu cheguei aqui tinha placa, uma placa falando assim que era da Sabesp, a placa tava bem aqui na minha casa (Moradora 1 da Viela São João, em entrevista, novembro de 2016).

No que se refere à infraestrutura urbana básica nas favelas, os serviços de abastecimento de água e energia elétrica são acessados primeiramente de forma improvisada. Este improviso, popularmente conhecido como “gato”, se dá pelo prolongamento ilegal da rede oficial do serviço que serve o bairro em torno. Parte das favelas teve a formalização destes serviços, ou partes deles, depois de anos de formação, mas ainda há um número significativo de domicílios em favelas não atendidos. O asfaltamento de ruas e vielas, além de ser muito tardio, em muitos casos é um tipo de benfeitoria que depende não apenas do custeio dos habitantes, mas de sua ação direta; já o esgotamento sanitário mantém-se na maioria dos casos ausente até os dias atuais. A conquista destas infraestruturas advém de mobilizações dos próprios moradores.

Nos processos de consolidação das favelas, nota-se a existência de espécies de “lideranças” locais. São indivíduos que centralizam as questões e demandas do lugar e que desenvolvem as articulações necessárias para encaminhá-las, seja com o bairro do entorno, com o poder público ou com os

próprios ocupantes. O Morador 4 da Viela São João (em entrevista, novembro de 2016) expressa esta situação: “Tem uma pessoa que mexe com a prefeitura, vai atrás de tudo, (...) tem gente que não considera ela como líder, mas eu considero, quando a gente tá com problema a gente fala com ela”. Todavia, as ações de lideranças não se organizam sempre em torno de um único indivíduo, elas podem se realizar de forma mais difusa, por divisões de funções, por grau de representatividade e carisma. Nas áreas onde o tráfico se desenvolve, grande parte do poder de liderança é exercido pelos agentes ligados a estes.

As lideranças são muito importantes, inclusive, ante as tentativas de remoção e frente às necessidades iniciais da ocupação. Exemplo disso é a favela formada no inicio de 2012, no bairro Jardim Angélica, cujo processo total de ocupação se delongara por aproximadamente uma semana, abrigando aproximadamente 200 famílias. Tal processo demonstrara ter uma liderança anterior ao ato da ocupação, um precursor, embora grande parte da área tenha sido ocupada através da comunicação entre familiares e conhecidos. A liderança, apesar de construir uma casa na área, não residia ali. A partir desta liderança organizaram- se manifestações e pressões na Prefeitura do município, bem como idas ao cartório de Barueri e à Defensoria Pública, a partir das quais conseguiram a realização de um cadastro pelo serviço municipal de Assistência Social. Além da coletivização a fins de resistência e consolidação da ocupação, outro indivíduos centralizavam funções para organização do provimento das necessidades coletivas, desde a alimentação ao estabelecimento improvisado dos serviços de água e de eletricidade. Elementos que demonstram que a construção deste tipo de urbano/moradia constitui-se como um processo coletivo, por vezes movido pelo fator necessidade.

De modo geral, ações de remoção ou sua tentativa não caracterizaram os processos de consolidação das favelas carapicuibanas entre 1970 e 1990. Esta forma de atuação, a partir de reintegrações de posse ou de mandados de remoção por parte do poder público, tornou-se mais comum no século XXI, como será detalhado adiante; incidindo não apenas nas novas favelas, mas também em favelas antigas com processos de continuidade de ocupação por aumento de área. Sobre estas dinâmicas, é ilustrativa a fala de um membro poder público local 1 (em entrevista, agosto de 2015): “todo dia tem, desmancha vem outra, desmancha vem outra”.

A favela da Vila Marcondes, cuja formação inicial remonta aos 1980, exemplifica este processo. Seus moradores (em entrevista, outubro de 2016) relatam tentativas de remoção relacionadas a recentes processos de ocupação ocorridos nesta, os quais se realizaram pela construção sob área de córrego aterrado. Conforme estes moradores, as tentativas envolveram agentes da Prefeitura e da Guarda Municipal a partir da utilização de tratores. Os mesmos moradores apontam que estas ações não ocorriam nas décadas de 1980 e 1990.

Outro exemplo é o da favela formada no bairro Jardim Angélica no início de 2012. No geral, nota-se que os ocupantes não tinham conhecimento prévio da situação legal da área ocupada, a escolha demonstra ter sido guiada pela falta de alternativa. A área ocupada compreendia duas situações jurídicas: propriedade pública e privada. Esta última parte sofreu reintegração de posse após cerca de três meses depois da ocupação inicial, ação que também acabou removendo parte da área pública. Polícia, tratores, truculência, prazo de meia hora, indignação, medo, compõem o relato dos ocupantes. Após a remoção, parte dos barracos foram reerguidos no mesmo dia, com os próprios materiais recuperados. Os ocupantes esboçam indignação pelo fato de políticos não terem se manifestado em defendê- los; esperança que certamente advinha das práticas eleitoreiras e clientelistas do passado local. A parte que não foi removida está às margens de um córrego, trata- se de uma Área de Proteção Permanente (APP); a vulnerabilidade desta última é compreendida pelos que ali se alojam; entretanto, com as dificuldades surtidas para a consolidação da ocupação, a questão da área pública torna-se álibi para a permanência.

Foto 11. Bairro Jardim Angélica – Carapicuíba-SP