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Liberdade de informação e presunção de inocência: conflito constitucional da condenação antecipada na esfera jornalística

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

ANDRÉ GIOVANE DE CASTRO

LIBERDADE DE INFORMAÇÃO E PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA: CONFLITO CONSTITUCIONAL DA CONDENAÇÃO ANTECIPADA NA ESFERA

JORNALÍSTICA

Três Passos (RS) 2017

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ANDRÉ GIOVANE DE CASTRO

LIBERDADE DE INFORMAÇÃO E PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA: CONFLITO CONSTITUCIONAL DA CONDENAÇÃO ANTECIPADA NA ESFERA

JORNALÍSTICA

Monografia final do Curso de Graduação em Direito, objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso – TCC.

UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS - Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientador: MSc. Marcelo Loeblein dos Santos

Três Passos (RS) 2017

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À família, minha base e motivadora de toda a caminhada.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, razão de toda a vida e construtor do Universo, pelo constante acompanhamento espiritual.

À minha família, base e motivação de toda a caminhada, pelo amor, pelo incentivo e pela compreensão.

Ao meu orientador, mestre nesta minha caminhada acadêmica, pelos ensinamentos e pela dedicação.

Aos professores, sábios docentes da instituição, pela transmissão de conhecimento e pela construção reflexiva do Direito.

Aos amigos e colegas, com quem se compartilha a rotina, pela amizade e comunhão de esforços.

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“A crônica judiciária e a literatura policial servem, do mesmo modo, de diversão para a cinzenta vida cotidiana. Assim, a descoberta do delito, de dolorosa necessidade social, se tornou uma espécie de esporte; as pessoas se apaixonam como na caça ao tesouro; jornalistas profissionais, jornalistas diletantes, jornalistas improvisados não tanto colaboram quanto fazem concorrência aos oficiais de polícia e aos juízes instrutores; e, o que é pior, aí fazem o trabalho deles.”

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RESUMO

O presente trabalho monográfico analisa, por meio de estudo em fontes doutrinárias, legais e jurisprudenciais, com base no método de abordagem hipotético-dedutivo, o conflito constitucional de direitos fundamentais no Estado Democrático da República Federativa do Brasil, com o intuito de verificar a colisão midiática verificada entre a liberdade de informação dos veículos de comunicação com a presunção de inocência dos acusados em processo penal. Discute, inicialmente, a historicidade dos direitos da personalidade, como fundamentos da presunção de inocência, e sua consagração na legislação nacional. Em prosseguimento, discorre acerca do desenvolvimento da liberdade de informação, com fulcro na sua função social, e na aplicabilidade da presunção de inocência, considerando os aspectos processuais e sociais de um Estado firmado na luta dos direitos humanos, principalmente após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Por fim, reflete, mediante argumentações doutrinárias e jurisprudenciais, soluções jurídicas para o enfrentamento do sensacionalismo jornalístico com a condenação antecipada em casos criminais antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, com vista à tutela dos direitos da personalidade. Assim, tem-se a atuação dos tribunais brasileiros no tocante à preservação dos direitos inerentes à personalidade e da utilização dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade na tomada de decisões frente à exacerbação midiática e afronta à presunção de inocência.

Palavras-chave: Conflito constitucional. Direitos fundamentais. Liberdade de informação. Presunção de inocência.

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ABSTRACT

The present monographic work analyzes the constitutional conflict of fundamental rights in the Democratic State of the Federative Republic of Brazil, through a study of doctrinal, legal and jurisprudential sources, based on the hypothetical-deductive approach, in order to verify the collision media coverage between the freedom of information of media outlets and the presumption of innocence of accused persons in criminal proceedings. It initially discusses the historicity of personality rights as grounds for the presumption of innocence and its consecration in national legislation. It goes on to discuss the development of freedom of information, with a focus on its social function, and on the applicability of the presumption of innocence, considering the procedural and social aspects of a State established in the fight for human rights, especially after the promulgation of the Federal Constitution of 1988. Finally, it reflects, through doctrinal and jurisprudential arguments, legal solutions to the confrontation of journalistic sensationalism with the early condemnation in criminal cases before the final sentence of the condemnatory sentence, with a view to the protection of the rights of the personality. Thus, there is the Brazilian courts' action regarding the preservation of the rights inherent to the personality and the use of the principles of reasonableness and proportionality in decision-making in the face of the media exacerbation and facing the presumption of innocence.

Keywords: Constitutional conflict. Freedom of information. Fundamental rights. Presumption of innocence.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 08

1 OS DIREITOS DA PERSONALIDADE COMO DIREITOS FUNDAMENTAIS ... 11

1.1 A evolução histórica e conceituação dos direitos da personalidade ... 11

1.2 A inserção dos direitos da personalidade como direitos fundamentais no Brasil ... 16

1.3 As características e aplicações dos direitos da personalidade ... 20

2 A LIBERDADE DE INFORMAÇÃO E PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA ... 25

2.1 O desenvolvimento da liberdade de informação e sua função social ... 25

2.2 A presunção de inocência e sua aplicabilidade processual e social ... 30

2.3 O sensacionalismo jornalístico e sua abusividade em matéria criminal ... 35

3 UMA SOLUÇÃO PARA O CONFLITO CONSTITUCIONAL ... 42

3.1 A hierarquização da liberdade de informação e da presunção de inocência ... 42

3.2 Critérios de solução de conflito entre os direitos fundamentais ... 47

3.3 Modos de tutelar os direitos da personalidade face o conflito entre liberdade de informação e presunção de inocência ... 54

CONCLUSÃO ... 60

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INTRODUÇÃO

A inserção de direitos fundamentais na legislação nacional foi intensivamente discutida no decorrer do século XX em âmbito internacional. O debate sobre os direitos humanos e a necessidade de se criar mecanismos estatais para desenvolver e garantir dignidade mínima aos seres humanos promoveu a elaboração de textos constitucionais direcionados a atender esses almejos supranacionais.

A República Federativa do Brasil, com o findar da ditadura militar instaurada em 1964, promulgou a sua atual Constituição em 1988. O documento normativo consagrou um rol expressivo de direitos fundamentais, consolidando os ideais de um Estado Democrático de Direito. O número significativo de direitos fundamentais, todavia, instituídos em igual hierarquia, acarreta conflitos constitucionais.

O avanço dos meios de comunicação, com informações instantâneas e sem censura prévia, firmada na liberdade de informação, tem suscitado grandes debates sobre os limites de agir dos profissionais da imprensa. Um deles refere-se ao confronto entre a liberdade funcional do jornalismo com a presunção de inocência de indivíduo suspeito ou acusado de praticar determinado delito penal.

Nesse sentido, surge a necessidade de se discutir, tanto no viés histórico quanto contemporâneo, a possível violação dos limites de razoabilidade da função social de informar com a necessidade de respeitar os direitos da personalidade, ambos consagrados como garantias fundamentais do Estado brasileiro após o processo de redemocratização nas duas décadas finais do século passado.

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Assim, cabem os questionamentos, como problemáticas desta pesquisa, acerca da afetação do trabalho da imprensa nos direitos da personalidade, do prevalecimento da ocultação ou veiculação de noticiário, da forma de solução do conflito entre os ditames emanados da Constituição e os meios para se tutelar os direitos da personalidade frente às violações decorrentes da atuação informativa.

O presente trabalho, a partir dessas situações-problema, objetiva estudar a eventual limitação da veiculação de informações quando em confronto com a presunção de inocência, bem como verificar a conceituação e historicidade dos direitos da personalidade, relacionando-os com a atuação dos veículos de comunicação e com o devido processo legal baseado na ideia de inocência antes do trânsito em julgado de sentença condenatória.

Para isso, a pesquisa utilizou da modalidade exploratória, com coleta de dados e informações em fontes bibliográficas e jurisprudências por meio de materiais físicos e virtuais. A partir do método de abordagem hipotético-dedutivo, foi selecionado o suporte doutrinário, jurisprudencial e legal apto a subsidiar o trabalho, com base em leitura, fichamento, reflexão e exposição dos resultados alcançados.

Dessa forma, o trabalho analisa, inicialmente, a evolução histórica dos direitos da personalidade e sua posterior inserção como direitos fundamentais no Brasil, caracterizando-os e discorrendo sobre suas aplicações práticas. O recorte da história, nacional e internacional, é revestido de análises doutrinárias e jurisprudenciais voltadas para o princípio da dignidade da pessoa humana.

Na sequência, o estudo foca no desenvolvimento da liberdade de informação e sua função social, bem como na consagração da presunção de inocência e sua aplicabilidade nas esferas processual e social. Em seguida, após delimitar suas fundamentações teóricas, a discussão central diz respeito à prática do sensacionalismo jornalístico e a sua abusividade em matéria criminal.

Posteriormente, com o intuito de apresentar soluções para o conflito constitucional, a monografia discorre sobre a hierarquização da liberdade de informação e da presunção de inocência no seio da Constituição de 1988, os critérios doutrinários e jurisprudenciais

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utilizados para sanar a colisão de direitos fundamentais e, consequentemente, os mecanismos de tutelar os direitos da personalidade.

O debate constitucional, firmado, portanto, em eventual condenação criminal antecipada na esfera jornalística, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, é corroborado por teses doutrinárias, nacionais e internacionais, e entendimentos jurisprudenciais dos tribunais brasileiros, com o objetivo de verificar a atuação do Poder Judiciário no enfrentamento da matéria relativa aos direitos da personalidade.

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1 OS DIREITOS DA PERSONALIDADE COMO DIREITOS FUNDAMENTAIS

A Constituição Federal de 1988 instituiu no Brasil um Estado Democrático de Direito, tendo como princípio máximo a dignidade da pessoa humana. Durante muitos séculos, a legislação tomou o elemento privado, ou seja, a propriedade, o contrato, a família, como predominante, esquecendo-se de valorizar o indivíduo nas suas mais diversas dimensões. No fim do século XX, o ordenamento jurídico deixou de ser estritamente patrimonialista para englobar o reconhecimento e o respeito à personalidade do agente.

Se no cenário brasileiro os direitos da personalidade apareceram com maior destaque no ordenamento jurídico há poucas décadas, em nível internacional a discussão é mais antiga. O respeito à essência do ser humano avançou lenta e gradativamente no decorrer da história, fortalecendo-se no século XVIII com o Iluminismo, segundo Jânio de Souza Machado (2003), e, de forma mais recente, com as monstruosas violações ocorridas durante os eventos mundiais de guerra, registradas na primeira metade dos anos de 1900.

Com a discussão mundial sobre o reconhecimento de direitos mínimos aos seres humanos, os Estados-soberanos perceberam a necessidade de incorporar em seus ordenamentos jurídicos uma conjuntura de garantias sobre essa temática. Os textos constitucionais, principalmente nos países onde impera a democracia, trouxeram inovações significativas com a fundação e instituição dos chamados direitos da personalidade como direitos fundamentais, conforme se nota neste estudo.

1.1 A evolução histórica e conceituação dos direitos da personalidade

A história da humanidade traz consigo a ideia patrimonialista de conquistar riquezas. O sentimento de ter, segundo Alessandro Marques de Siqueira (2010), é, muitas vezes, superior à própria essência do indivíduo. A compreensão sobre direitos inerentes ao ser humano foi buscada lentamente e com contribuições de inúmeros povos, principalmente a partir do período denominado de Idade Média1.

1 A Idade Média, nos ensinamentos de Gilmar Antônio Bedin (2013), refere-se ao período histórico vivido entre

os séculos V e XV da Era Cristã. Tratou-se de um momento de transição do mundo antigo para o mundo moderno, principalmente em razão do Movimento Iluminista, que consagrou a revolução das ideias e da racionalidade, de modo inverso ao retratado, inclusive, na Idade Média, quando a sociedade era basicamente agrícola e formada sob o domínio da Igreja.

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Na Grécia, os indivíduos com status na sociedade e considerável patrimônio eram, conforme Siqueira (2010), reconhecidos como pessoas e detentores de direitos em relação à sua personalidade. Não havia na Antiguidade a definição de garantias inerentes ao ser humano em virtude de sua natureza, mas, sim, decorrente de um processo histórico, familiar e social de caráter funcional, econômico e hierárquico.

Nessa seara, ao considerar o Estado grego, Diogo Leite de Campos (1991) ensina que os papeis mais importantes exercidos na sociedade ou a caracterização de herói de guerra e de vencedor de jogo eram os elementos determinantes de quem era visto como pessoa individualizada em sua subjetividade. Havia, pois, consoante João Hélio Ferreira Pes (2010), aqueles considerados mais ou menos dignos dependendo de sua posição social.

Ao homem grego era traçado um destino objetivo e, consequentemente, não havia a ideia de autonomia de vontade, o que se fazia rechaçar a invocação dos respectivos direitos. De maneira semelhante, Roma apresentava os seus atores sociais em camadas, dos quais se constatavam os cidadãos livres ou os escravos – objetos de seus proprietários e sem qualquer possibilidade de escolha.

A construção dos direitos da personalidade ganhou força, porém, durante o período denominado de Idade Média. A doutrina cristã, com supremacia da Igreja Católica, inclusive perante o Estado, elaborou a concepção, de acordo com Ferreira Pes (2010), de que todo ser humano deve ser merecedor de dignidade, visto que é criado à imagem e semelhança de Deus, o ente máximo do Cristianismo.

Ao tornar o homem livre e considerá-lo como portador de valores, a ideologia predominante no Mundo Medieval impediu, consoante Campos (1991), que houvesse a objetificação do indivíduo e, como resultado, deu-se a semeadura dos direitos da personalidade. A supramencionada interpretação é corroborada por Siqueira (2010, p. 1), ao proclamar que:

A noção de pessoa como subjetividade humana, de que decorre a sedimentação dos Direitos da Personalidade, surge com a tradição teológico-cristã e sua reflexão sobre a trindade e a origem do homem. A este homem, feito à imagem do divino, deve se reconhecer os Direitos da Personalidade, afinal este é um indivíduo dotado de racionalidade.

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A racionalidade, na Idade Média, foi o elemento constitutivo do indivíduo para o fortalecimento dos direitos da personalidade. Ao refletir sobre o caráter subjetivo do homem nas suas dimensões interiores, como detentor de sentimentos, de desejos, o período consagrador do Cristianismo deu espaço para a formação de um ramo de garantias, de certa forma, afastado da tradicional proteção patrimonialista.

A partir desse enfoque, a Idade Moderna chegou como a consolidação de que o ser humano tem direitos próprios decorrentes de sua natureza. Nesse momento histórico, há a definição da origem do Estado com base nos ensinamentos dos contratualistas, como, por exemplo, Jean-Jacques Rousseau. Porém, diversamente do que se analisava na Idade Média, aqui, a razão superou a ideia divina da formação social.

De acordo com Rousseau (2006), os indivíduos habitavam em um estado de natureza, onde não havia uma regulação e um poder central que oferecesse harmonia. A formação de um Estado com base política surgiu, então, como um instrumento de vontade dos homens, que entregam parte de sua liberdade para a garantia de segurança social e de direitos básicos, nos quais se incluem os da personalidade.

Embora haja a entrega da liberdade particular de cada indivíduo em favor da constituição estatal, por meio de um contrato social, Rousseau (2006) assinala a consequência de se promover a soberania do povo. Assim, mesmo cedendo a sua liberdade natural, o homem encontraria o seu bem-estar porque ele seria o protagonista, ativo e passivo, de elaborar as regras de convivência e, ao mesmo tempo, respeitá-las.

Verifica-se, a partir disso, que, se o indivíduo almeja no Estado um sistema que lhe ofereça condições mínimas para viver com dignidade e segurança, ele atuará na formação de um ordenamento jurídico, necessário para a harmonia social. Esse conglomerado de normas, pois, repercutirá a todos, os quais deverão segui-las para manter o contrato firmado pelos cidadãos, inclusive no que tange ao respeito da personalidade de si e do próximo.

Nesse ponto, ao passo que o homem é quem detém a prerrogativa de formar o Estado como instituição organizada na defesa dos interesses da coletividade, ele deve ser o destinatário precípuo de toda a atuação estatal. Por isso, com foco na realização do ser

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humano nas suas mais variadas dimensões, confere-se destaque à valorização da dignidade da pessoa com fulcro, também, nos direitos da personalidade.

Com a compreensão de que há direitos essenciais do ser humano, o próximo passo fundou-se na positivação das respectivas garantias em ordenamentos jurídicos dos Estados-soberanos. A codificação dos direitos da personalidade, embora não feita de maneira específica, encontra a sua inauguração legal com o Código Civil Francês, ou Código Napoleônico, publicado em 1804.

Porém, de modo específico, os direitos da personalidade foram inicialmente reconhecidos positivamente com a publicação da Lei Romena, em 1895. Posteriormente, destacam-se os códigos civis da Alemanha, da Suíça, da Itália, de Portugal e, mais recentemente, do Brasil, com uma tutela evidentemente garantista de preservação da personalidade humana.

Com fundamento nessa historicidade, Gustavo Tepedino (2001) analisa os direitos da personalidade como frutos da doutrina germânica e francesa durante a segunda metade do século XIX. A justificativa deve-se ao fato de que os juristas, à época, proclamaram os referidos direitos, a partir de uma estruturação legal, como inerentes e essenciais ao indivíduo para a sua vivência digna.

Os direitos da personalidade chegam à contemporaneidade, consoante Miguel Maria de Serpa Lopes (1989), como atributos inatos ao ser humano e projeções biopsíquicas constitutivas do indivíduo e, agora, asseguradas de forma positivada nos ordenamentos jurídicos. De direitos naturais, portanto, eles foram elevados à disciplina da ordem jurídica constitucional e infraconstitucional.

Em uma linha teórica semelhante, Pablo Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2014, p. 186) definem os direitos da personalidade como “aqueles que têm por objeto os atributos físicos, psíquicos e morais da pessoa em si e em suas projeções sociais.” Busca-se, assim, proteger a interioridade do indivíduo, com vista à sua honra, imagem e privacidade, por exemplo, da publicização errônea e/ou exacerbada.

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Carlos Alberto Bittar (1999) também contribui com a sua conceituação de direitos da personalidade, ao defini-los como institutos jurídicos que se encontram elencados no ordenamento jurídico com vista, justamente, para a proteção dos valores inerentes ao homem, como, por exemplo, a vida, a integridade física, a intimidade e a honra.

A constituição e efetivação dos direitos da personalidade são consideradas, nas palavras de Maria Helena Diniz (2005, p. 121), como o elemento garantidor de todos os demais aspectos da vida:

[...] a personalidade consiste no conjunto de caracteres próprios da pessoa. A personalidade não é um direito, de modo que seria errôneo afirmar que o ser humano tem direito à personalidade. A personalidade é que apoia os direitos e deveres que dela irradiam, é objeto de direito, é o primeiro bem da pessoa, que lhe pertence como primeira utilidade, para que ela possa ser o que é, para sobreviver e se adaptar às condições do ambiente em que se encontra, servindo-lhe de critério para aferir, adquirir e ordenar outros bens.

Não se busca, com os referidos direitos, permitir que o ser humano tenha uma personalidade assegurada por um documento estatal ou simplesmente pela sua condição natural. Pleiteia-se, sim, com os direitos da personalidade a garantia de que todos sejam livres, nos limites da lei, para que usufruam de sua vida e tenham dos demais o respeito merecido, favorecendo o seu desenvolvimento junto à coletividade.

À vista da evolução histórica dos direitos da personalidade, com um surgimento modesto na Antiguidade e seu gradual fortalecimento e consagração até a atualidade, Silvio Romero Beltrão (2005, p. 19) assevera:

A pessoa natural, em sua realidade e experiência, representa um valor a tutelar em suas inúmeras formas de expressão, em seu interesse moral e material e no desenvolvimento de sua personalidade. Representa, de acordo com um reconhecimento unânime, o fim último da norma jurídica.

O desenvolvimento e a consagração efetiva da personalidade do indivíduo devem ser respaldados pelo ordenamento jurídico, oriundo de um Estado que tem no ser humano o seu elemento fundante. Dessa forma, a garantia de todas as liberdades individuais é consequência do respeito e da efetivação dos direitos supracitados, tanto na dimensão moral como material da pessoa.

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Portanto, os direitos da personalidade surgiram ainda na Antiguidade e foram evoluindo com a contribuição de diversas nações. A Idade das Luzes, em decorrência do Iluminismo, contudo, tornou latente a discussão sobre as garantias fundamentais do ser humano, de forma a corroborar a crescente do respeito à personalidade individual do agente frente à sua vivência com o corpo social.

Sendo o direito de personalidade, à vista disso, um direto fundamental e constitutivo da própria ideia de dignidade da pessoa humana, importante se faz abordar no próximo tópico a inauguração dos direitos fundamentais e a resultante formação de uma gama de garantias proclamadas com os textos constitucionais, com foco no reconhecimento e na preservação da personalidade dos cidadãos.

1.2 A inserção dos direitos da personalidade como direitos fundamentais no Brasil

O Brasil, descoberto oficialmente pelos portugueses em 1500, alcançou a sua independência de Portugal somente em 1822. Com a formação de um Estado-soberano, os governantes necessitavam de documentos legais, com ênfase à elaboração de uma Constituição. A primeira Constituição do Brasil, publicada durante a vigência do Império, é datada de 1824.

O artigo 179 determinava, com base nos direitos da personalidade, a liberdade, a inviolabilidade de domicílio, a autoria e o segredo de correspondência (BRASIL, 1824). Nota-se, dessa forma, que o primeiro documento normativo – de caráter constitucional, inclusive – já privilegiava a categoria de direitos da personalidade, os quais haviam há poucas décadas conquistado prestígio pela racionalidade humana.

Já em 1891, logo após a proclamação da República, a segunda Constituição consagrou, em seu artigo 72, a liberdade, a segurança individual, a propriedade, o sigilo de correspondência, a inviolabilidade de domicílio, o direito à propriedade industrial e o direito autoral (BRASIL, 1891). Na terceira Constituição, datada de 1934, as referidas garantias continuaram presentes, acrescidas do direito à propriedade intelectual, no artigo 113 (BRASIL, 1934).

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Houve, no entanto, em 1937, a instituição de uma ditadura no País, cujo período ensejou a criação da quarta Constituição durante o Estado Novo. Com o fortalecimento do Poder Executivo, o documento, conforme Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco (2016), reduziu os direitos fundamentais consagrados no texto anterior e, embora alguns tenham sido elencados, assim o foram simbolicamente, apenas.

A Constituição de 1937, porém, permaneceu vigente por um curto período. Em 1946, promulgou-se a quinta Constituição e reabriu-se o cenário democrático. No artigo 141, o documento consagrou a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade e ao domicílio, o sigilo de correspondência, propriedade das marcas e patentes e o direito autoral (BRASIL, 1946).

Em 1967, com a instauração do regime militar em 1964, o Brasil chegou à sua sexta Constituição. O documento normativo elencou no artigo 150 os direitos à vida, à liberdade, à correspondência, ao sigilo das comunicações telegráficas e telefônicas, à inviolabilidade do domicílio e a criações industriais e artísticas (BRASIL, 1967). Porém, a Emenda Constitucional nº 1, em 1969, restringiu a aplicabilidade das referidas garantias.

Nos anos finais da década de 1970 e no início da década de 1980, a mobilização popular, contudo, sinalizava quanto à intenção de se fazer cessar a ditadura militar. De acordo com Mendes e Branco (2016, p. 100), “os anseios de liberdade, participação política de toda a cidadania, pacificação e integração social ganharam preponderância sobre as inquietações ligadas a conflitos sociopolíticos” e declararam aberto o processo de redemocratização.

Assim, em 1988, com o fim do governo militar e o restabelecimento dos ideais democráticos, frutos de um movimento firmado nas ruas e instituições organizadas, o Brasil conquistou a sua sétima e atual Constituição. O novo texto, calcado no reconhecimento e na valorização do ser humano, proclama em seu artigo 5º, X, os direitos da personalidade ao enfatizar que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (BRASIL, 1988).

Na mesma perspectiva, em 2002, publicou-se o novo Código Civil. A matéria dos direitos da personalidade foi inserida no artigo 11. O dispositivo legal proclama que “com

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exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária” (BRASIL, 2002).

Tendo como precursora a ideia da dignidade da pessoa humana, conforme se abordará em seguida, Cristiano Chaves de Farias (2005) aponta que o reconhecimento desse princípio universal, isto é, de assegurar condições elementares para a vida, impõe aos operadores do Direito Civil a interpretação e aplicação de normas e conceitos com vistas à garantia da vida humana integral e prioritária.

Verifica-se, diante desse cenário, o fortalecimento da referida conjuntura de direitos, enraizada no intento de promover o respeito à essência formadora do indivíduo. A dignidade da pessoa humana torna-se, com o findar do segundo milênio, o fundamento do ordenamento jurídico, embasando juristas e legisladores nas confrontações e decisões legislativas.

A República Federativa do Brasil, reinaugurada com a redemocratização a partir de 1985, reconhece os direitos da personalidade como fundamentais ao ser humano. O princípio basilar desse ramo protecionista é a dignidade da pessoa humana, fundado do direito constitucional de igualdade, pois a todos devem ser resguardados os mesmos direitos, sem distinção nem discriminação.

O sustentáculo de todo o emaranhado legislativo brasileiro está previsto no artigo 1º, III, da Constituição Federal de 1988. No dispositivo legal, declara-se a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, ao lado da soberania, da cidadania, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e do pluralismo político (BRASIL, 1988).

Um direito fundamental, como os da personalidade, significa a essência do indivíduo. De tal sorte, ser respeitado nesses valores é sentir-se digno como fator imprescindível para a vivência. Nessa seara, Immanuel Kant (2007, p. 77), ao contribuir para a concepção universal e primordial de dignidade, considera o homem como um fim, e não um meio, em si mesmo:

No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se por em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto não permite equivalente, então ela tem dignidade.

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O homem, dessa forma, deve ser analisado sob o prisma da dignidade. Essa é a mesma interpretação de Tepedino (2001), pois a ânsia de devolver à sociedade um Estado que atendesse às suas demandas e não afrontasse a sua vida, como ocorreu durante o regime militar, levou os constituintes a elegerem a dignidade como fundamento da República e alicerce dos direitos da personalidade.

A dignidade humana consiste, a partir do avanço histórico, como um valor fundamental transformado em princípio jurídico da ordem constitucional e, consequentemente, refletido em todos os diplomas legais, pois este mandamento, segundo Barroso (2014, p. 296), serve “tanto como justificação moral quanto como fundamento normativo para os direitos fundamentais.”

Ao passo que, conforme Miguel Reale (2004), a pessoa deve ser vislumbrada como o valor-fonte de todos os valores e, por isso, como o elemento fundamente do ordenamento jurídico, os direitos da personalidade têm o escopo de atender às necessidades e disposições dos indivíduos. Eles vêm ao encontro, diante disso, das expectativas individuais e sociais tendo como inauguração a busca pelo bem da pessoa.

Essa concepção, embora venha há séculos sendo discutida em nível internacional, encontrou o seu apogeu com a atenção de lideranças frente às monstruosas violações de garantias básicas durante, principalmente, a Segunda Guerra Mundial2, ocorrida de 1939 a 1945. O movimento inaugurado logo após fortaleceu o debate e foi resultado desse cenário, conforme Machado (2003, p. 59):

As consequências dos atos praticados por Hitler, violando de forma sistemática e sob os auspícios do poder estatal os mais elementares direitos do homem foram, comprovadamente, uma das fortes razões para que, após 1945, o mundo concentrasse forças em torno da defesa intransigente dos direitos humanos.

Ao considerar os direitos da personalidade, tem-se que eles integram a natureza humana e, consequentemente, também são abarcados como direitos do homem. Essa interpretação é corroborada por Marina Georgia de Oliveira e Nascimento (2014, p. 1):

2 A Segunda Guerra Mundial, ocorrida de 1939 a 1945, consistiu em um evento internacional militar que gerou

milhões de mortos no século XX, com a participação de grandes potências divididas em dois blocos específicos, quais sejam, os Aliados e o Eixo. Os resultados danosos desencadearam, entre outros motivos, a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), cujo intuito central seria manter a paz entre os Estados soberanos.

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[...] o pós-Guerra fez crescer no mundo uma reflexão. Reflexão no sentido de que alguns direitos não podem ser retirados do ser humano, pelo simples fato de o sê-lo, reconhecendo-se as diferenças entre os seres humanos e tutelando-as. Cresce a ideia de que o ser humano deve ser visto sob a ótica de sua dignidade, e não sob a ótica apenas de seu patrimônio [...].

Compete ao Estado, enquanto instituição formada pela vontade dos indivíduos, fazer cumprir o mínimo essencial para uma vida digna. Nesse tocante, Ingo Wolfgang Sarlet (2010, p. 256) complementa ao dispor que o Poder Público tem “o dever de assegurar as prestações indispensáveis ao mínimo existencial3 [...]”, reconhecendo, dessa forma, a satisfação das necessidades básicas como a dignidade da pessoa humana.

O atendimento dos entes públicos para a efetivação do respeito à vida digna dos indivíduos, no entanto, não está adstrito à letra da lei. Segundo Ferreira Pes (2010), os direitos fundamentais não são taxativos na Constituição, visto que resultam da própria ideia de ser humano, como consequência natural de sua existência, e também podem estar previstos em princípios e tratados internacionais.

Há, portanto, uma tutela do Estado brasileiro conferida na Constituição Federal de 1988 para atender aos anseios e às necessidades do povo. Por isso, resta válido compreender as características que cercam, universal ou nacionalmente, os direitos da personalidade quanto às nuances práticas e teóricas, conforme se verificará no tópico seguinte.

1.3 As características e aplicações dos direitos da personalidade

Os direitos da personalidade, dos quais se irradiam os direitos à liberdade, à honra, à imagem, à privacidade, entre outros, integram a chamada primeira geração ou dimensão de direitos, surgida no século XVIII com a Declaração da Virgínia, de 1776, e a Declaração da França, de 1789. Ela institui os denominados direitos negativos, isto é, contra o Estado.

Trata-se, de acordo com Norberto Bobbio (1992, p. 32), de “todos aqueles direitos que tendem a limitar o poder do Estado e a reservar para o indivíduo, ou para os grupos

3

O mínimo existencial, segundo Thadeu Weber (2013), tem íntima relação com a dignidade da pessoa humana, uma vez que se trata da realização dos direitos fundamentais, os quais, quando efetivados na vida pessoal ou em sociedade, exteriorizam a ideia central de dignidade ao indivíduo, respeitando-o e protegendo-o na sua essência. Hodiernamente, o Estado assume vital função de garantir, por meio da Administração Pública e das instituições organizadas, mecanismos que ofereçam a concretização dos direitos fundamentais como mínimo existencial para a dignidade da pessoa humana.

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particulares, uma esfera de liberdade em relação ao Estado.” Destacam-se, nessa seara, segundo Gilmar Antônio Bedin (2002), as liberdades físicas, de expressão e de consciência; os direitos de propriedade privada e da pessoa acusada; e as garantias de direitos.

O Estado deve, diante disso, garantir as condições para que essas liberdades sejam concretizadas. Ele é chamado, no que tange aos direitos da personalidade, para agir nos termos das determinações legais com o intuito de impedir a atuação ou punir aqueles indivíduos que apresentarem conduta infringente ou contrária a essas liberdades constantes da primeira geração ou dimensão de direitos.

Essa classificação de geração ou dimensão de direitos varia conforme os doutrinadores. A nomenclatura, contudo, apresenta relação com o lema da Revolução Francesa. Consoante Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1995, p. 57, grifos do autor), “a primeira geração seria a dos direitos de liberdade, a segunda, dos direitos de igualdade, a terceira, assim, complementaria o lema da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade.”

Posteriormente, conforme já verificado, no decorrer da Segunda Guerra Mundial, as lideranças assumiram o debate e instituíram a Organização das Nações Unidas, em 1945, e elaboraram a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, consagrando um rol expressivo de garantias fundamentais, incluindo os direitos da personalidade, caracterizando-se como conquistas do pós-guerra.

De acordo com Machado (2003, p. 51):

O valor da Declaração Universal de 1948, que não possui força coercitiva nem mesmo perante os Estados que a ratificaram, pode ser compreendido a partir da constatação de que os direitos ali enumerados passaram a integrar o rol dos direitos fundamentais dos novos textos constitucionais.

A partir de então, os Estados-soberanos, com exceções, inclusive no tocante à instauração da ditadura militar no Brasil, encaminharam-se ao reconhecimento desses direitos na esfera nacional, constituindo-os de caráter fundamental. Nesse sentido, Hannah Arendt (2006) considera que a referida Declaração representou o começo da emancipação do homem, visto que o indivíduo tornou-se a fonte da lei.

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Dessa forma, caracterizados como direitos oriundos de uma evolução lenta, gradual, histórica e universal, emergentes da própria ideia constituinte do homem, os direitos da personalidade podem ser definidos, segundo Edilson Pereira Nobre (2000), como institutos de natureza extrapatrimonial; absolutos; irrenunciáveis; intransmissíveis; e imprescritíveis. Aliam-se a estes a generalidade, impenhorabilidade e vitaliciedade.

Significa dizer, diante disso, de acordo com Gagliano e Pamplona Filho (2014, p. 195, grifo do autor), que os direitos da personalidade, por serem absolutos, são oponíveis “erga

omnes, irradiando efeitos a todos os campos e impondo à coletividade o dever de

respeitá-los.” Eles estão relacionados com a irrenunciabilidade, intransmissibilidade e impenhorabilidade, sem a prerrogativa do titular de cedê-los a outrem.

Assim, ao resguardar e tutelar direitos básicos e inerentes ao ser humano, a titularidade é atribuída a todas as pessoas, sem distinção, valendo-se da característica de generalidade. Os direitos da personalidade, ademais, são imprescritíveis e, consequentemente, segundo Francisco Amaral (2000), não delimitam um prazo para o seu exercício, visto que emergem da própria condição de homem.

No sentido de que surgem com a própria condição humana, inclusive no que se refere à proteção dos nascituros, os direitos da personalidade apresentam como característica elementar, também, a vitaliciedade. Diante do exposto, conforme Gagliano e Pamplona Filho (2014), eles se mantêm com o indivíduo desde a sua concepção até a morte, mas podem ser suscitados, inclusive, posteriormente, diante do direito ao cadáver ou à honra do falecido, por exemplo.

Em relação à República Federativa do Brasil, seguindo a ordem internacional de positivar os direitos fundamentais, Paulo Lôbo (2003, p. 1), ao debater os direitos da personalidade em suas características e aplicações, destaca:

A inserção constitucional dos direitos da personalidade e dos danos morais consagra a evolução pela qual ambos os institutos jurídicos têm passado. Os direitos da personalidade, por serem não patrimoniais, encontram excelente campo de aplicação nos danos morais, que têm a mesma natureza não patrimonial. Ambos têm por objeto bens integrantes da interioridade da pessoa, que não dependem da relação com os essenciais à realização da pessoa, ou seja, aquilo que é inato à pessoa e deve ser tutelado pelo direito.

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Percebe-se, diante disso, que a violação dos direitos da personalidade, com natureza extrapatrimonial, eis que tutelam bens jurídicos desprovidos de valor econômico propriamente dito, é punida em caráter pecuniário. A proteção aos bens jurídicos internos e externos do homem, nessa conjuntura, visa a responsabilizar de modo indenizatório a infringência a tais garantias.

Diante do constatado, porém, não é suficiente tão somente elencar os direitos da personalidade nos ordenamentos jurídicos nacionais, como o caso brasileiro. Os prejuízos morais ou materiais decorrentes de sua violação carecem de responsabilização. Por isso, segundo Lôbo (2003, p. 1), o aspecto econômico foi o instrumento encontrado pela legislação para fazer cumprir a punição:

[...] a indenização tem função compensatória, que não pode ser simbólica, para que a compensação seja efetiva e produza impacto negativo no lesante, nem demasiada, para não conduzir ao enriquecimento sem causa do lesado. [...] Deve o juiz valer-se do princípio da proporcionalidade, tendo em vista serem os direitos atingidos muito mais valiosos que os bens e interesses econômicos, cuja lesão leva à restituição.

A pecúnia, conforme visto, é elemento sancionador no Brasil. O ser humano tem o dever de não provocar lesão a outrem, mas, caso transgrida os dispositivos legais de caráter constitucional ou infraconstitucional, surge a responsabilidade de indenizar. Por ser um dano extrapatrimonial, o objetivo da punição econômica é atenuar o sofrimento da vítima e inibir a continuação prática desses atos.

Constata-se, a partir do exposto, que o núcleo caracterizador e fundante dos direitos da personalidade reside na proteção aos elementos formadores do ser humano, pois, de acordo com Pedro Frederico Caldas (1997, p. 7-8), sem “o direito à vida, à honra, à identidade, à privacidade [...], tudo mais perderia a razão de ser, porque a ninguém compraz, mesmo que preservada a vida, viver sem honra, sem identidade ou sem o mínimo de privacidade.”

Por isso, no tocante ao presente trabalho, com ênfase à atuação dos veículos de comunicação, os direitos da personalidade tendem a ser valorizados e reconhecidos majoritariamente nas decisões dos tribunais. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 511.961/SP, com relatoria do ministro Gilmar Mendes, proferiu o seguinte entendimento:

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As liberdades de expressão e de informação e, especificamente, a liberdade de imprensa, somente podem ser restringidas pela lei em hipóteses excepcionais, sempre em razão da proteção de outros valores e interesses constitucionais igualmente relevantes, como os direitos à honra, à imagem, à privacidade e à personalidade em geral. (BRASIL, 2009).

O Brasil, por meio de sua Constituição, garante no artigo 220 a liberdade de atuação da imprensa, proclamando que não haverá restrição à manifestação do pensamento, criação, expressão e informação. Todavia, o artigo 220 encerra com a expressão “[...] observado o disposto nesta Constituição” (BRASIL, 1988), isto é, as limitações decorrentes, por exemplo, dos referidos direitos da personalidade.

Salienta-se, no entanto, consoante trecho do supramencionado Recurso Extraordinário, que “as violações à honra, à intimidade, à imagem ou a outros direitos da personalidade não constituem riscos inerentes ao exercício do jornalismo; são, antes, o resultado do exercício abusivo e antiético dessa profissão” (BRASIL, 2009). Para o STF, pois, não há limitação ao direito de informar, mas restrição à afronta às garantias individuais dos seres humanos.

Nessa ótica, analisa-se no capítulo seguinte a atuação ilimitada de jornalistas na função de informar e a consequente colisão com direitos fundamentais e próprios da pessoa humana, destacando-se a presunção de inocência, abarcado no texto constitucional em seu artigo 5º, LVII, ao determinar que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória” (BRASIL, 1988).

Busca-se referir a abusividade de informações exaradas por meios de comunicação, principalmente no que tange à esfera criminal, ao violar os direitos da personalidade e, simbolicamente, condenar o suspeito ou réu de ação penal antes de decisão transitada em julgado, afrontando o disposto na Constituição Federal de 1988 e ferindo, entre outras garantias, a honra, a imagem e a privacidade do indivíduo.

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2 A LIBERDADE DE INFORMAÇÃO E PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

Um Estado Democrático de Direito, como é o caso da República Federativa do Brasil, deve contemplar em seu ordenamento jurídico uma série de prerrogativas e garantias aos cidadãos. A Constituição de 1988 dispõe expressamente de uma gama significativa de direitos aos brasileiros, destacando-se, entre outros, a liberdade de informar dos veículos de comunicação, mas, também, a necessidade de todos serem presumidos inocentes na esfera criminal antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.

Há, nesse aspecto, uma colisão de garantias constitucionais. Os meios de comunicação, por vezes com o objetivo de conquistar audiência sem critérios, exercitam o seu direito de levar ao público informações, mas sem precaver-se das consequências de uma notícia mal redigida, com fontes duvidosas ou, mesmo, com a construção sensacionalista da reportagem. Verifica-se, assim, a necessidade de se impor um limite à liberdade de informar, sob pena de ferir garantias básicas da personalidade do indivíduo protagonista da matéria.

Vislumbra-se, dessa forma, a temática do presente capítulo. Pretende-se conceituar a liberdade de informação e a presunção de inocência, ambas asseguradas pelo texto constitucional de 1988 e, em uma discussão inicial, enraizados na mesma hierarquia, a partir de suas interferências práticas no cotidiano e a elevação de uma em detrimento de outra frente a circunstâncias fáticas postas ao Poder Judiciário, com análise dos entendimentos jurisprudenciais na atualidade.

2.1 O desenvolvimento da liberdade de informação e sua função social

O Brasil, colônia de Portugal até 1822, apresentou poucos avanços nos seus primeiros três séculos de descobrimento. A dependência em relação à metrópole portuguesa não permitiu que o território brasileiro galgasse as suas próprias conquistas. A liberdade de informação, por meio da imprensa, principalmente escrita, embora surgida em significativo tempo remoto, também somente alcançou seu espaço mais tarde.

O século XIX, com a instalação da Corte Portuguesa no Brasil, marca a inauguração da imprensa. Todavia, não havia uma atuação democrática de prestar informações à sociedade como atualmente se verifica. O retardamento para a gênese da imprensa em solo brasileiro e,

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durante muito tempo, a sua interdependência com o governo central dizem respeito, segundo Nelson Werneck Sodré (1977), ao baixo nível cultural dos habitantes locais.

Com o objetivo de manter a supremacia de Portugal sobre a colônia descoberta em 1500, não importava aos lusitanos fortalecerem a cultura dos moradores locais. O analfabetismo acentuado, conforme Sodré (1977) e José Marques de Melo (2003), interessava ao poder político dominante e, consequentemente, não havia público para a instauração dos veículos de comunicação, que seriam destinados a um reduzido número de leitores ou ouvintes.

Data-se de 1808, de acordo com Melo (2003), a implantação da imprensa no Brasil com a vinda da Corte de Dom João VI. Porém, o órgão instituído, sob regulação do governo, estava incumbido, sobremaneira, de divulgar os atos políticos e notícias de interesse de quem detinha o poder, constituindo-se, dessa forma, como um instrumento oficial e dependente, sem a concretização da denominada liberdade de imprensa.

As publicações nas mais diversas modalidades e temáticas, segundo Ferreira Filho (2002), ficaram à mercê, durante muito tempo, à censura das autoridades governamentais. Incumbia-lhes autorizar, ou não, a veiculação dos materiais produzidos. Contudo, os ideais de liberdade e o período das luzes do século XVIII, vivenciados na Europa, começaram a influenciar o Brasil também.

Com a independência de Portugal e a instituição do Império, em 1822, surgiu a necessidade de se elaborar o primeiro texto constitucional do Brasil. Publicado em 1824, conforme Cristiane Catarina Ferreira de Oliveira (2000), o documento consagrou um rol de liberdades dos indivíduos frente ao Estado, dos quais a de comunicação, consoante se depreende do artigo 179, IV, da Constituição Imperial de 1824.

Posteriormente, após a promulgação da República, em 1889, a imprensa apresentou conquistas e retrocessos de forma intercalada. Os textos constitucionais, alternando-se em promulgados e outorgados, isto é, democráticos e autoritários, respectivamente, primaram pela liberdade da atuação jornalística, com respeito às garantias fundamentais, mas, em certas situações, com a interferência do Estado na esfera privada do direito de informar.

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A Constituição de 1937, diante da ditadura imposta pelo presidente Getúlio Vargas, pode ser considerada um marco no retrocesso da liberdade de informação, haja vista a censura praticada. Nos escritos de Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho (1994), houve proibição de circulação e divulgação de materiais, assim como publicação de normas repressivas à atuação dos profissionais da informação e em defesa do governo.

Somado a essa circunstância, o Brasil assistiu em 1964 à instituição do regime militar. Durante duas décadas, o Estado viveu sob o autoritarismo governamental regulado, no viés comunicativo, pela Lei de Segurança Nacional, Lei de Imprensa e atos institucionais de cunho repressivo. Foram instrumentos, de acordo com Moacir Pereira (1980), que buscaram desestabilizar as organizações democráticas e manter o governo totalitário.

Porém, o enfraquecimento da ditadura militar e a mobilização popular no início da década de 1980 fizeram ruir o governo e dar espaço para a democracia. O processo de redemocratização, iniciado em 1985 e consagrado com a Constituição Federal de 1988, proclamou a liberdade de informação como um direito fundamental, consolidando os direitos de expressão e de imprensa.

No artigo 5º, IV, IX e XIV, da CF/88, estão assegurados no rol de direitos fundamentais, respectivamente, a livre manifestação do pensamento, com vedação do anonimato; a livre expressão de atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; e o acesso à informação e sigilo da fonte, nos casos de necessidade ao exercício profissional (BRASIL, 1988).

Nota-se, diante do exposto, que a evolução constitucional brasileira foi alternada em governos ditatoriais e democráticos. No entanto, o fim do século XX reservou uma conquista expressiva no tocante aos direitos fundamentais mediante a promulgação da nova Constituição. E, como um dos mais valiosos fundamentos da democracia, a liberdade de informação, nas mais diversas nuances, foi garantida pelos legisladores.

Nessa esteira, Alexandre de Moraes (2007, p. 252) reflete:

O direito de receber informações verdadeiras é um direito de liberdade e caracteriza-se essencialmente por estar dirigido a todos os cidadãos,

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independentemente de raça, credo ou convicção político-filosófica, com a finalidade de fornecimento de subsídios para a formação de convicções relativas a assuntos públicos. [...] A proteção constitucional à informação é relativa, havendo necessidade de distinguir as informações de fato de interesse público, da vulneração de condutas íntimas e pessoais, protegidas pela inviolabilidade à vida privada, e que não podem ser devassadas de forma vexatória ou humilhante.

Assim, o Estado assegura a liberdade de informação, considerando-se não somente o poder dos veículos de comunicação de noticiar, mas, também, segundo Barroso (2004), o direito difuso dos cidadãos receberem informações de caráter público, isto é, de interesse da coletividade. Há, pois, dois sistemas abrangidos: o polo ativo de informar e o polo passivo de ser informado dos acontecimentos da sociedade.

Ademais, o diploma constitucional determina no artigo 220 que não haverá qualquer restrição, observado o disposto na norma supra, à manifestação do pensamento, criação, expressão e informação. Não se permite no Brasil, conforme se interpreta, a censura, ressalvados os casos de respeito aos direitos da personalidade que se encontram, teoricamente, em mesmo patamar hierárquico.

Essa determinação legal é constatada na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, consoante se depreende em trecho da decisão da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.815/DF:

[...] 3. A Constituição do Brasil proíbe qualquer censura. O exercício do

direito à liberdade de expressão não pode ser cerceado pelo Estado ou por particular. 4. O direito de informação, constitucionalmente garantido,

contém a liberdade de informar, de se informar e de ser informado. O primeiro refere-se à formação da opinião pública, considerado cada qual dos cidadãos que pode receber livremente dados sobre assuntos de interesse da coletividade e sobre as pessoas cujas ações, estatais ou público-sociais, interferem em sua esfera do acervo do direito de saber, de aprender sobre temas relacionados a suas legítimas cogitações [...]. (BRASIL, 2015, grifo nosso).

Dessa forma, a censura, conforme Mendes e Branco (2016), vem refletida no texto constitucional sob o viés da ação governamental, ou seja, vê-se proibida a disposição de ideias ou fatos, como conteúdos de uma mensagem a ser veiculada, a um agente estatal para autorização. Contudo, o emitente assume as consequências de eventual responsabilização cível e/ou penal decorrente de sua liberdade de se expressar.

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Assim, Carvalho (1994) ensina que, junto à categoria de direito fundamental, na liberdade de informação, conceito mais abrangente do direito de imprensa, vigora a regra de se oportunizar a liberdade em detrimento da intervenção estatal como exceção. Ele define a respectiva garantia constitucional como civil e individual, mas contornada em expressão coletiva e essencial.

A caracterização é corroborada por José Afonso da Silva (2001, p. 259):

O direito de informar, como aspecto da liberdade de manifestação de pensamento, revela-se um direito individual, mas já contaminado de sentido coletivo, em virtude das transformações dos meios de comunicação, de sorte que a caracterização mais moderna do direito de comunicação, que essencialmente se concretiza pelos meios de comunicação social ou de massa, envolve a transmutação do antigo direito de imprensa e manifestação do pensamento, por esses meios, em direitos de feição coletiva.

De acordo com Oliveira (2000), a consagração da liberdade de informação está intimamente relacionada com a estrutura de Estado constituída no País, visto que a democracia pressupõe a participação do povo na tomada de decisões, com manifestação de pensamento ou opinião. Por isso, com o intuito de se fortalecer o debate, faz-se necessário oportunizar o livre acesso às informações para embasar a argumentação cívica.

O mesmo entendimento é adotado por Manoel da Costa Andrade (1996) e Jonatas Machado (2002), com a perspectiva de que, respectivamente, a liberdade de informação desenvolve a personalidade do indivíduo e oportuniza o exercício do poder político com autonomia, externando posicionamentos com fulcro em notícias confiáveis e de cunho coletivo, consolidando os ideais de participação e controle popular do poder.

Do exposto, conclui-se que a ordem jurídica da República Federativa do Brasil, na atualidade, conforme preconiza Caldas (1997, p. 106), “[...] plantada na letra de uma das constituições mais libertárias, dá caráter exponencial ao direito de informar e ser informado e, em sequência lógica, à liberdade de imprensa, apanágio do direito à livre informação”, como direito humano fundamental da sociedade.

Em razão de seu papel de exposição dos fatos e opiniões, à vista disso, os veículos de comunicação devem ser assegurados da liberdade, com as ressalvas de alguns limites taxados

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em lei. Nesse raciocínio, Modesto Saavedra López (1987) pontua que a função público-política dos referidos meios de imprensa está alicerçada em três nortes: informação em sentido estrito, comentário e crítica.

Por isso, resta evidente a necessidade de garantir autonomia e independência aos veículos de comunicação para realizarem a função social de informar, seja de forma simples com a transcrição de acontecimentos, seja por meio da análise argumentativa dos fatos. A partir desse trabalho, nos limites da lei, garante-se o exercício da função profissional jornalística e o direito de ser informado como precípua e indispensável à atuação cívica.

Todavia, o exercício profissional do jornalista precisa estar em consonância com outros dispositivos da Constituição Federal. As reportagens de cunho policial, principalmente, exigem a atenção do redator ao fazer referência a algum acusado, uma vez que o Estado brasileiro adota o princípio da presunção de inocência, respeitando o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa e, consequentemente, os direitos da personalidade, conforme se analisa no tópico seguinte.

2.2 A presunção de inocência e sua aplicabilidade processual e social

Os direitos da personalidade, consoante analisados no capítulo anterior, têm como intuito reconhecer as características objetivas e subjetivas da pessoa, seja por meio de um ordenamento jurídico positivado, seja por meio dos denominados direitos naturais e oriundos da própria noção de ser humano. A garantia e a efetivação desses direitos incumbem aos cidadãos e ao Estado, por força do contrato social.

Entre as garantias defendidas no Brasil, a Constituição Federal de 1988 assegura no artigo 5º, LVII, a presunção de inocência. Trata-se de um princípio pelo qual ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, com fundamento no sistema acusatório, caracterizado, conforme Norberto Cláudio Pâncaro Avena (2015), pela divisão absoluta das funções de acusação, defesa e julgamento, com isonomia processual e direito à defesa e ao contraditório.

O surgimento dessa garantia, enquanto direito humano e fundamental, encontra-se na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, publicada em 1789. O artigo 9º assim

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proclama: “Todo o acusado se presume inocente até ser declarado culpado e, se se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor não necessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela Lei.” (DECLARAÇÃO..., 1789a, p. 1).

Segundo Edilson Mougenot Bonfim (2011), a inspiração decorreu dos ideais iluministas firmados no século XVIII e consagrados com a edição do referido documento em virtude da Revolução Francesa. Trata-se, pois, da primeira vez que o supramencionado princípio foi alcançado em um instrumento estatal de cunho garantista e protecionista, individual e coletivamente.

Nesse aspecto histórico, Fernando da Costa Tourinho Filho (2009) reflete que o Século das Luzes representou um movimento de modificação no pensamento da seara penal. Se antes o acusado era considerado um objeto do processo e desprovido de garantias, o Iluminismo trouxe à discussão a necessidade de se romper com essa mentalidade e oferecer ao homem, embora denunciado, um mínimo de dignidade e, consequentemente, o estado de inocência.

Mais tarde, em 1948, a presunção de inocência também foi normatizada pela Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem. O artigo XXVI consolida: “Parte-se do princípio que todo acusado é inocente, até provar-se-lhe a culpabilidade.” (DECLARAÇÃO..., 1948b, p. 1). O documento foi redigido, dessa forma, conforme seu preâmbulo, em respeito aos direitos essenciais da pessoa humana.

Ademais, internacionalmente, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, também repercutiu o princípio da presunção de inocência. O artigo 11º.1 assim determina: “Toda a pessoa acusada de um acto delituoso presume-se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias de defesa sejam asseguradas.” (DECLARAÇÃO..., 1948c, p. 1).

Verifica-se, assim, que os constituintes brasileiros, inspirados na retomada da democracia e na demanda social de se verem consolidados os direitos fundamentais, seguiram o norte universal de garantir a presunção de inocência. Desse modo, conforme José Nabuco Filho (2010), exige-se um processo com debate dialético entre as partes, com argumentos e provas, para ensejar ou não a condenação.

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A presunção de inocência, nos ensinamentos de Moraes (2007), consiste em uma garantia processual voltada à tutela da liberdade individual. Dessa forma, o suspeito ou acusado de determinado delito deve ser visto socialmente como inocente, uma vez que a culpabilidade precisa ser comprovada judicialmente por meio de um processo penal democrático, transparente e justo.

Nesse sentido, com vista à condição de inocência de suspeito ou acusado de crime antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, encontra-se o entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, oriundo do julgamento do Agravo Regimental no Agravo Regimental em Recurso Extraordinário com Agravo nº 655179:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. INTERPOSIÇÃO EM 8.10.2013. DIREITO ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO PARA O CARGO DE POLICIAL MILITAR. EXCLUSÃO DE CANDIDATO EM INVESTIGAÇÃO SOCIAL. ART. 5º, LVII, DA CF/88. VIOLAÇÃO. 1.

Nos termos da jurisprudência dominante nesta Corte, viola o princípio constitucional da presunção da inocência, previsto no art. 5º, LVII, da Constituição Federal, a exclusão de candidato de concurso público que respondeu a inquérito ou ação penal sem trânsito em julgado de sentença condenatória. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.

(BRASIL, 2016, grifo nosso).

Salienta-se, ainda, que o supracitado princípio está relacionado a outras garantias constitucionais, como o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal. Juntos, os elementos legais vão ao encontro da limitação do poder do Estado na persecução penal, uma vez que o Judiciário somente pode condenar alguém se percorrido todo o caminho processual democrático e com atenção à defesa do acusado.

Extrai-se do exposto que o acusado, apesar de responder a um processo-crime, segue na condição de sujeito de direitos. “A pessoa acusada, no sistema jurídico moderno, ao contrário de outros sistemas, possui direitos. Estes direitos transformam a pessoa acusada, de mero objeto do poder punitivo do Estado, em sujeito de direitos”, conforme as palavras de Bedin (2002, p. 52).

Como princípio máximo da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana também é a base da presunção de inocência. O indivíduo, à vista disso, deve ser encarado socialmente como igual aos demais, embora tenha comprovadamente cometido

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determinada infração penal, mas, neste caso, com a responsabilidade de cumprir com a sanção imposta pelo Estado-juiz.

Nessa concepção, Adauto Suannes (1999), citado por Antonio Scarance Fernandes (2002, p. 232), ensina que:

Nada justifica que alguém, simplesmente pela hediondez do fato que se lhe imputa, deixe de merecer o tratamento que sua dignidade de pessoa humana exige. Nem mesmo sua condenação definitiva o excluirá do rol dos seres humanos, ainda que em termos práticos isso nem sempre se mostre assim. Qualquer distinção, portanto, que se pretenda fazer em razão da natureza do crime imputado a alguém inocente contraria o princípio da isonomia, pois a Constituição Federal não distingue entre mais-inocente e menos-inocente. O que deve contar não é o interessa da sociedade, que tem na Constituição Federal, que prioriza o ser humano, o devido tratamento, mas o respeito à dignidade do ser humano, qualquer seja o crime que lhe é imputado.

Ultrapassando a própria lógica da presunção de inocência, independentemente do crime praticado e do resultado do processo criminal, o ser humano é merecedor de direitos e garantias, pois, segundo Aury Celso Lima Lopes Júnior (1998, p. 1), o sistema democrático “[...] leva a uma democratização do processo penal, refletindo essa valorização do indivíduo no fortalecimento do sujeito passivo do processo penal.”

No entanto, a presunção de inocência não abrange apenas a seara processual. Além do cenário probatório, pelo qual o acusado será submetido durante a tramitação do processo e será o embasamento para a condenação ou absolvição, o princípio ora analisado veste-se, também, consoante Eugênio Pacelli Oliveira (2008), de um caráter de tratamento da sociedade perante o indivíduo.

Assim, do mesmo modo que o juízo deve tratar o acusado com fulcro no estado de inocência, os cidadãos devem agir sob o mesmo critério. André Nicollit (2010, p. 61) proclama que “embora recaiam sobre o imputado suspeitas de prática criminosa, no curso do processo deve ele ser tratado como inocente, não podendo ver-se diminuído social, moral nem fisicamente diante de outros cidadãos não sujeitos a um processo.”

O corpo social, em razão da gravidade do crime ocorrido, tende a culpabilizar o agente suspostamente autor do delito mesmo antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Os casos de repercussão nacional, como homicídio e estupro, costumam chocar

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a opinião pública e gerar represálias significativas em afronta ao princípio da presunção de inocência.

Sob essa perspectiva, Nabuco Filho (2010) assevera que, apesar do ilícito penal cometido ser expressivamente repugnante perante a sociedade, o indivíduo tem o direito de ser defendido legalmente. Ademais, insta esclarecer que há situações nas quais, embora os indícios iniciais levem a crer em uma possível autoria do crime, o acusado comprova, judicialmente, a sua inocência.

Há casos, também, em que a instrução ineficiente enseja a absolvição do acusado. A falta de um conjunto de provas que confirme a ocorrência do crime e o nexo causal com a autoria identificada na investigação resulta, da mesma forma, na absolvição, com embasamento na presunção de inocência, conforme se constata no entendimento jurisprudencial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, cuja decisão decorreu da Apelação Crime nº 70061106365:

APELAÇÃO. CRIMES CONTRA OS COSTUMES. ESTUPRO. MENOR DE DOZE ANOS. EXAME DO CONJUNTO PROBATÓRIO. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. AUSÊNCIA DE CERTEZA QUANTO À MATERIALIDADE E AUTORIA DO CRIME. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. EXAME DO CONJUNTO PROBATÓRIO. ELEMENTOS INDICIÁRIOS NÃO CONFIRMADOS EM JUÍZO. [...] Nesse contexto, o conjunto de provas existente no caderno processual é frágil quanto à materialidade e autoria do delito mostrando-se, por conseguinte, insuficiente para o julgamento de procedência do pedido condenatório deduzido na denúncia. Devem incidir, no caso, portanto, os postulados constitucionais

da presunção de inocência e da reserva legal em sua maior expressão, para fundar a absolvição do acusado, pela aplicação da máxima in dubio pro reo, por força da insuficiência de provas. Apelo provido. (RIO

GRANDE DO SUL, 2016a, grifo nosso).

Diante dessa esteira e do sistema penal acusatório instituído no País, mostra-se coerente afirmar que a presunção de inocência somente pode ser afastada no momento em que ocorrer o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, com fundamentos probatórios suficientes, claros, precisos e submetidos à defesa para o devido contraditório em face da autoria do delito.

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