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Um Estado, como o brasileiro, que consagra oficial e legalmente um conjunto expressivo de direitos fundamentais, tem na sua própria natureza a ocorrência de conflitos normativos. A definição de qual mandamento aplicar ao caso concreto surge como um dilema ao julgador, que precisará se socorrer a alguns institutos jurídicos e doutrinários construídos no decorrer da história para, justamente, buscar critérios de solução a situações colidentes.

O vasto rol de direitos fundamentais, que compreende, segundo Antonio Enrique Pérez Luño (2004, p. 43), “[...] um conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências da dignidade, da liberdade e da igualdade humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos [...]”,

tende a entrar em conflito em determinadas situações, principalmente em um Estado democrático e garantista.

Por vezes revestidos, inclusive, de caráter principiológico, eles se enfrentam na seara constitucional de uma forma até mesmo corriqueira. A colisão de mandamentos enraizados na Lei Maior, como, por exemplo, o caso da liberdade de informação em um embate com a presunção de inocência, fundada, também, nos direitos da personalidade, apresenta ao julgador a necessidade de se alinhar a critérios diversos dos usados tradicionalmente para definir a aplicabilidade de uma regra em detrimento de outra.

Em virtude de não serem caracterizados como mandamentos absolutos, os referidos direitos emanados da Constituição precisam ser restringidos quando os elementos fáticos exigirem. Para isso, no entanto, conforme Virgílio Afonso da Silva (2009), a limitação ou restrição ao exercício de mandamento constitucional ocorre somente se houver situações em que os valores e as circunstâncias práticas ingressarem em um campo dialético, sendo necessário sopesar os interesses em jogo.

A partir disso, a doutrina estrangeira construiu, basicamente, duas teses para o enfrentamento desse dilema, quais sejam: a concordância prática e a dimensão de peso ou importância. Ambas, porém, estão alicerçadas nos princípios da proporcionalidade e da ponderação. Atender às nuances fáticas e refletir acerca do viés axiológico da norma tornam- se, pois, os fundamentos para a aplicabilidade do direito ao caso concreto.

Tendo como objetivo maior preservar os direitos fundamentais, conforme ensina Willis Santiago Guerra Filho (2006, p. 103), o princípio da proporcionalidade caminha conjuntamente à ponderação entre as normas constitucionais em conflito. Ele indica os parâmetros a serem cuidados no momento de equacionar os direitos e garantias fundamentais e, consequentemente, impor-lhes limitações.

A elevação do critério de proporcionalidade à categoria de princípio remonta à doutrina e jurisprudência da França, no século XVIII, e, em seguida, a sua recepção pelo Direito Constitucional da Alemanha, segundo Ricardo Duarte Junior (2009). O foco estava na proteção dos direitos fundamentais contra a atuação ilimitada da Administração Pública. O sistema foi difundido na Europa Ocidental e, mais tarde, introduzido no Brasil.

No Estado Democrático de Direito do Brasil, firmado constitucionalmente na finalidade máxima de garantir dignidade aos seres humanos e efetivar um rol expressivo e exemplificativo de direitos fundamentais, a tese da proporcionalidade ganhou importante relevo, principalmente no momento posterior à promulgação da Constituição de 1988, cujo documento consagra a valorização do homem nas suas mais diversas dimensões.

No âmbito prático, a aplicação da proporcionalidade exige do julgador a reflexão acerca de três dimensões constituintes do princípio, quais sejam: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Esses aspectos devem, segundo Marmelstein Lima (2008, p. 374), estar presentes na análise decisória, sob risco de não se atender à sua finalidade própria, que é a de encontrar uma solução sem ferir de morte algum dos direitos invocados.

A adequação refere-se à exigência de que o magistrado, ao definir a medida judicial a ser aplicada ao caso, deve verificar se a sua atitude realmente terá como consequência o objetivo pretendido. Assim, se a privacidade de um ser humano for violada, a decisão do Estado-juiz precisa estar direcionada para que esse direito seja respeitado, pois é este o almejo central que levou o litígio ao Judiciário.

Além disso, a medida judicial deve estar focada na necessidade. A sentença prolatada precisa ser um instrumento que satisfaça o direito da vítima, mas não prejudique, por vezes, o direito do autor do fato. É imprescindível, pois, que se observe, consoante Mendes e Branco (2016, p. 225), se “nenhum meio menos gravoso para o indivíduo revelar-se-ia igualmente eficaz na consecução dos objetivos pretendidos”.

Dessa forma, a solução para o conflito fático apresentado ao Poder Judiciário será tomada se o meio utilizado/escolhido for adequado e menos gravoso para as partes envolvidas na contenda, culminando no elemento da proporcionalidade em sentido estrito, cuja essência está na ponderação de interesses com base na constitucionalidade, balanceamento, coerência e convencimento, sem sacrificar totalmente um direito em face de outro.

A sanção resultante de dano moral, exemplificativamente, se compatibiliza com essas características. O juiz analisará o caso concreto e verificará se existe realmente um direito

subjetivo, ou até mesmo objetivo, violado. Assim, o magistrado constatará a necessidade, ou não, de punir, bem como o montante – geralmente pecuniário – adequado à sanção e, para isso, contraporá, proporcionalmente, os direitos em disputa, consagrando o princípio da proporcionalidade.

Nesse sentido, verifica-se a jurisprudência emanada do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, consoante julgamento da Apelação Cível nº 0028058-53.2014.8.07.0001:

CONSTITUCIONAL, CIVIL E PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO. MATÉRIA JORNALÍSTICA. DIREITOS

FUNDAMENTAIS. COLISÃO. PRINCÍPIO DA

PROPORCIONALIDADE. INTERESSE PÚBLICO. DANO MORAL.

INEXISTÊNCIA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. DILAÇÃO PROBATÓRIA. DESNECESSIDADE. [...] 3. A colisão entre direitos

fundamentais resguardados pela Carta Magna impõe a prudente solução amparada no princípio da proporcionalidade, porquanto não há hierarquia entre eles. [...]. (DISTRITO FEDERAL, 2015, grifo nosso).

Torna-se notória, conforme se depreende da ementa acima transcrita, que o princípio da proporcionalidade vem sendo utilizado pelos magistrados quando estes são desafiados a resolver uma demanda com conflito constitucional. Por não haver hierarquia, a solução não advém da letra da lei, mas, sim, da interpretação do caso às características dos direitos fundamentais, definindo o resultado da tutela jurisdicional.

Ademais, a técnica da ponderação, nas conceituações de Marmenlstein Lima (2008, p. 386), configura-se no âmbito colidente das normas constitucionais como uma “decisão empregada para solucionar conflitos normativos que envolvam valores ou opções políticas, em relação aos quais as técnicas tradicionais de hermenêutica não se mostram suficientes”, uma vez que, nessas situações, são incabíveis os critérios hierárquico, cronológico e específico da lei.

A ponderação consiste em equacionar os direitos em conflito, com o intuito de privilegiar um, mas sem restringir outro sobremaneira. As demandas que versam sobre o abuso do direito de informar e a infringências aos direitos da personalidade são, em suma, resolvidos pela ponderação, pois se respeita a liberdade de comunicar ao mesmo tempo em que se valoriza a gênese humana, mas sobrepondo um direito sobre o outro.

Diante disso, analisados os princípios da proporcionalidade e da ponderação, passa-se a discorrer sobre os critérios de solução de conflitos.

A concordância prática, segundo Farias (1996), está intimamente ligada à solução dos confrontos entre direitos fundamentais, que, teoricamente, veem-se hierarquicamente iguais perante o texto constitucional. Assim, o referido princípio tem como escopo harmonizar, de forma fática, ambos os direitos protegidos, preservando a essência de cada um, mas, por outro lado, sobrepondo um diante do outro sob o prisma da ponderação.

Para Sarlet (1996, p. 121), por exemplo, a referida tese diz respeito a um “[...] processo de ponderação no qual não se trata da atribuição de uma prevalência absoluta de um valor sobre outro, mas, sim, na tentativa de aplicação simultânea e compatibilizada de normas, ainda que no caso concreto se torne necessária a atenuação de uma delas”. Busca-se, pois, uma espécie de equilíbrio entre os dispositivos legais.

Todavia, a dimensão de peso e importância também se mostra como teoria a ser aplicada na colisão, mais especificamente, de princípios. A partir desse enfoque, José Gomes Canotilho (apud ESPÍNDOLA, 1999) aduz que, diferentemente das regras, onde uma deve ser excluída em face de outra colidente, os princípios precisam ser ponderados e harmonizados no seio processual para serem perfectibilizados no cenário concreto.

Assim, Marmelstein Lima (2002, p. 1) sintetiza ao referir que “[...] somente diante do caso concreto será possível resolver o problema da aparente colisão de princípios, através de uma ponderação (objetiva e subjetiva) de valores [...]”. A interpretação judicial visará, desse modo, à composição entre os dispositivos constitucionais, de forma a determinar qual deles será prevalente ao caso sub judice.

Sob esse enfoque, Barroso (2014, p. 262) assevera que o intérprete tem a incumbência de “demonstrar, argumentativamente, à luz dos elementos do caso concreto, mediante ponderação e uso da proporcionalidade, que determinada solução realiza mais adequadamente a vontade da Constituição, naquela situação específica.” Desse modo, ele precisará discorrer, baseando-se em doutrina, jurisprudência e suas próprias convicções motivadas.

Em prosseguimento a esse raciocínio, Barroso (2014, p. 262) proclama que, diferentemente das demandas judiciais fáceis, geralmente com soluções regradas na lei, “os

casos difíceis envolvem situações para as quais não existe uma solução acabada no ordenamento jurídico” e, por via de consequência, “ela precisa ser construída argumentativamente, por não resultar do mero enquadramento do fato à norma.”

A dificuldade na resolução do conflito é corroborada nos ensinamentos de Wilson Antônio Steinmetz (2001, p. 69), visto que não há um caminho a ser percorrido pelo julgador ditado na seara normativa, mas, sim:

[...] são direitos fundamentais expressos por normas constitucionais, com idêntica hierarquia e força vinculativa, o que torna imperativa uma decisão, legislativa ou judicial, que satisfaça os postulados da unidade da Constituição, da máxima efetividade dos direitos fundamentais e da concordância prática. A solução é necessária além da utilização dos princípios ou postulados específicos da interpretação constitucional, exige, sobretudo, a aplicação do princípio da proporcionalidade e a argumentação jus fundamental.

Para Guerra Filho (1989, p. 238, grifo do autor), concernente a esta discussão:

A ideia de proporcionalidade revela-se não só um importante [...] princípio jurídico fundamental, mas também um verdadeiro topos argumentativo, ao expressar um pensamento aceito como justo e razoável de um modo geral, de comprovada utilidade no equacionamento de questões práticas, não só do direito em seus diversos ramos, também em outras disciplinas, sempre que se tratar da descoberta do meio mais adequado para atingir determinado objetivo.

Nota-se, diante disso, que o conflito constitucional da liberdade de informação com a presunção de inocência, fundada nos direitos da personalidade, será resolvido com certa base de liberalidade pelo julgador, embora as decisões devam ser motivadas, pois não há critérios absolutos no ordenamento jurídico brasileiro que determinem a resolução da problemática apresentada, mas, sim, enraizada em mandamentos principiológicos.

Esse é, inclusive, o entendimento jurisprudencial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, conforme e depreende da Apelação Cível nº 70061792719:

APELAÇÃO CÍVEL. SUBCLASSE RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. REPORTAGENS TELEVISIVAS E NOTÍCIA SOBRE SUSPEITA DE FRAUDE NO RECEBIMENTO DE PRÊMIO DA MEGA- SENA. COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS. LIBERDADE

DE IMPRENSA. DIREITO À INFORMAÇÃO. CUNHO INFORMATIVO. AUSÊNCIA DE ILICITUDE OU DE EXCESSO NO DIREITO DE INFORMAR. PEDIDO DE DANOS MORAIS. INOCORRENTES. IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. 1. Em se tratando de

colisão de direitos fundamentais – liberdade de imprensa X direito à imagem e à honra – não há solução normativa prévia sobre qual dos direitos deve prevalecer. A solução do conflito passa pela ponderação de interesses legítimos, à luz das particularidades do caso concreto, já que nosso ordenamento constitucional não hierarquiza, abstratamente, os diversos direitos fundamentais passíveis de conflito. [...]. (RIO GRANDE

DO SUL, 2016b, grifo nosso).

A partir desse entendimento jurisprudencial, embora não exista legislativamente uma solução prévia para demandas que versem sobre colisão de direitos postos hierarquicamente em mesmo patamar, Barroso (2014, p. 142) acrescenta, contudo, que os dispositivos da Constituição Federal possuem conteúdo aberto, dependente da realidade e fundado em princípios que orientam o julgador:

O relato da norma, muitas vezes, demarca apenas uma moldura dentro da qual se desenham diferentes possibilidades interpretativas. À vista dos elementos do caso concreto, dos princípios a serem preservados e dos fins a serem realizados é que será determinado o sentido da norma, com vistas à produção da solução constitucionalmente adequada para o problema a ser resolvido.

Diante disso, sob o prisma de um conflito entre direitos fundamentais, sem um critério de solução positivado no ordenamento jurídico, o Estado-juiz deverá construir a resolução da demanda a partir da moldura interpretativa extraída do texto legal. Isso acontece, pois, embora haja liberalidade decisória, os parâmetros constitucionais precisam ser respeitados, sob pena de tornar-se nulo o ato judicial.

Desse modo, na análise do mérito, a função do magistrado será a de buscar na própria Constituição o respaldo jurídico para a sua decisão, mas, além disso, consoante descreve Caldas (1997, p. 98-99):

[...] serão levados em linha de conta os valores de cada sociedade, sua conformação política, seus costumes, seu estágio de civilização, as lições da doutrina, os precedentes jurisprudenciais, o exemplo de como os conflitos da espécie estão sendo arbitrados pelos povos cultos, principalmente por aqueles a que estamos vinculados por tradição cultural. A ponderação dos direitos em conflito se impõe, mas reivindica que o cotejo não seja feito tomando-se os bens ou valores jurídicos tutelados de forma abstrata; pelo

contrário, a ponderação será feita levando em consideração o caso concreto e as suas circunstâncias.

A conjuntura política, social, econômica e o fato em apreço serão considerados, portanto, no processamento de um conflito entre direitos fundamentais. A busca pela unidade da Constituição também pautará a discussão do mérito, pois, apesar da solução não se encontrar regrada normativamente, os tribunais não poderão, em tese, julgar ao bel-prazer, e, sim, com fulcro nos ditames constitucionais que se emolduram ao caso prático em comento.

Os interesses em disputa no que tange à liberdade de informação e à presunção de inocência, com características firmes nos direitos da personalidade, à vista disso, serão tomados sob a ótica da proporcionalidade e da ponderação, almejando limitar um dos direitos em voga, mas sem retirar dele a sua essência fundante. Assim, ao haver a transgressão da liberdade de informar, o julgador deverá utilizar meios para tutelar a personalidade da vítima, consoante se estudará no próximo tópico.

3.3 Modos de tutelar os direitos da personalidade face o conflito entre liberdade de