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A revisão criminal como condição de possibilidade para o resgate do "status dignitatis" do condenado

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GRANDE DO SUL

TAMYSE DE CHRISTO MARQUES

A REVISÃO CRIMINAL COMO CONDIÇÃO DE POSSIBILIDADE PARA O RESGATE DO “STATUS DIGNITATIS” DO CONDENADO

Ijuí (RS) 2013

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TAMYSE DE CHRISTO MARQUES

A REVISÃO CRIMINAL COMO CONDIÇÃO DE POSSIBILIDADE PARA O RESGATE DO “STATUS DIGNITATIS” DO CONDENADO

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ, apresentado como requisito para a aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão do Curso - TCC.

DCJS - Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais

Orientador: MSc. Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth

Ijuí (RS) 2013

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Dedico este trabalho à minha amada família e ao Pedro, pelo amor, pela paciência, pelo incentivo, por confiarem em mim e na minha capacidade.

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AGRADECIMENTOS

À Deus, que me deu a vida e o livre arbítrio. Espero estar cumprindo a minha missão.

Aos meus avôs, Osvaldo e Romoaldo, que me ensinaram que mesmo a mais bela obra se constrói cimentando um tijolo por vez e, que, com esforço e dedicação, consegue-se “tirar de letra” qualquer desafio.

Às minhas avós, Vera e Merência, que me ensinaram que esmero, doçura e amor são ingredientes essenciais e indispensáveis na receita para o sucesso.

Aos meus pais, Paulo e Taíse, que me possibilitaram a vida e, cada um à sua maneira, me fez crescer, viver e aprender cada fase com amor, carinho e apoio incondicional. A vocês, que são únicos insubstituíveis e certamente os melhores mestres que tenho.

Aos meus irmãos Paula e Otávio, vocês são os melhores presentes que a vida me deu. Meus raios de sol, estaremos sempre juntos.

Às estimáveis Tatiana e Cláudia, que com amizade e apoio me mostraram que perseverar e acreditar no melhor traduz a única forma de ser melhor.

Ao Pedro que é amigo e companheiro, que acompanhou toda a minha trajetória sem me deixar esmorecer, fonte de força, carinho e amor. “I’ll be there for you, these five words I swear to you”.

Ao meu orientador Maiquel Wermuth, exemplo de dedicação, de professor e de jurista, que com atenção e exímio conhecimento me guiou para a realização deste trabalho.

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“Palavras são, na minha nem tão humilde opinião, nossa inesgotável fonte de magia, capazes de ferir e de curar.” J. K. Rowling.

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O presente trabalho de conclusão de curso faz uma análise minuciosa acerca da dignidade da pessoa humana e a sua ligação com o instituto da revisão criminal. Versa sobre as questões atinentes à dignidade da pessoa humana sob a ótica da Constituição Federal de 1988, bem como sobre a sua presença norteadora nos códigos Penal e de Processo Penal brasileiros. Apresenta o instituto da revisão criminal, suas peculiaridades e discussões doutrinárias. Discute ainda a possibilidade de o instituto da revisão criminal ser capaz de resgatar o “status dignitatis” do condenado vítima de erro judiciário, sob a forma de revisão da sentença condenatória e/ou sob a forma de indenização, trazendo como lição o famoso caso brasileiro dos irmãos Naves. A orientação do trabalho se dá no Código de Processo Penal analisado sob a luz da Constituição Federal de 1988, tendo por âmago o princípio da dignidade da pessoa humana.

Palavras-Chave: Direito processual penal. Princípio da dignidade da pessoa humana. Revisão Criminal. Condenado. “Status dignitatis”.

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The present undergraduate thesis meticulously analyzes the principle of human dignity and its connection with the institute of criminal revision. It covers the issues on human dignity from the standpoint of Federal Constitution of 1988, as well as the guiding position of this principle in Brazilian Criminal and Criminal Process Codes. It also pretends the institute of criminal revision, bringing its particular features and doctrinaire discussions. Furthermore, it discusses the ability of criminal revision in giving back the “status dignitatis” of a victim of miscarriage of justice, by granting him the review of judgement or the indemnification. In this regard, the leading case of Nave's brothers is demonstrated, as a lesson. The study of this thesis lays in the Criminal Process Code, analysed from the perspective of the Federal Constitution of 1988, focusing on the principle of human dignity.

Keywords: Criminal Process Law – Principle of Human Dignity – Criminal Revision – Convict - “Status dignitatis”.

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INTRODUÇÃO ... 8

1 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO PRINCÍPIO FUNDANTE DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO BRASILEIRO ... 13

1.1 O princípio da dignidade humana e sua feição constitucional ... 13

1.2 O processo penal no Estado Democrático de Direito ... 24

2 A REVISÃO CRIMINAL COMO CONDIÇÃO DE POSSIBILIDADE PARA O RESGATE DO “STATUS DIGNITATIS” DO CONDENADO ... 40

2.1 A revisão criminal e a dualidade de julgamentos ... 40

2.2 O resgate do “status dignitatis” por meio da revisão criminal ... 59

CONCLUSÃO ... 71

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INTRODUÇÃO

A revisão criminal é um instituto presente no ordenamento jurídico brasileiro, que tem por finalidade revisar a sentença penal condenatória transitada em julgado, desde que fundamentada em um dos incisos do artigo 621 do Código de Processo Penal. Contudo, por vezes, o uso correto do instituto é ignorado, utilizando-se por diversas vezes da revisão criminal como se fosse uma “segunda” apelação.

No entanto, a revisão criminal visa em verdade uma ligação muito mais ajustada com a Constituição Federal e seu princípio norteador da dignidade da pessoa humana do que propriamente com a técnica penal. Neste sentido, o objetivo geral delineado para o desenvolvimento da referida ligação entre o princípio e o instituto, busca elucidar a possibilidade de a revisão criminal atuar na recuperação do “status dignitatis” de condenado vítima de erro judiciário, em homenagem ao princípio da dignidade da pessoa humana, sustentáculo do Estado Democrático de Direito Brasileiro.

Assim, buscar-se-á caracterizar o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, bem como a caracterizar o instituto da revisão criminal, explicar a conexão existente entre eles, analisar o princípio da dignidade da pessoa humana e a revisão criminal sob a luz de um sistema penal garantista e, por fim, estudar a possibilidade de utilização da revisão criminal como condição de possibilidade para o resgate do “status dignitatis” do condenado.

Como referido anteriormente, a lei penal brasileira possui fontes e é mantida sob o prisma de uma tendência garantista como proteção ao réu em processo criminal. É notório que condenar alguém, mesmo em um sistema com tendência garantista, não é inabitual. Inusitado, todavia, é a condenação de pessoa inocente fundada em erro judiciário. Nestes casos, considerando a forte carga estigmatizante que o contato com o sistema punitivo, ou mesmo

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simplesmente com o sistema penal, há possibilidade de a revisão criminal auxiliar na recuperação da dignidade do condenado por erro judiciário? É em frente a este questionamento que se propôs a problemática envolvida na pesquisa, qual seja: em que medida a revisão criminal pode ser compreendida, à luz de um processo penal garantista, como condição de possibilidade para o resgate do “status dignitatis” do condenado no Estado Democrático de Direito brasileiro?

A fim de esclarecer a problemática apresentada, se desenvolverão dois capítulos, onde será analisado de forma individual o princípio da dignidade da pessoa humana, a revisão criminal e ao final, a ligação entre ambas para que se conclua sobre a possibilidade ou não de a revisão criminal auxiliar na recuperação da dignidade do apenado.

No primeiro capítulo serão fornecidos esclarecimentos sobre o princípio da dignidade da pessoa humana como princípio fundante do Estado Democrático de Direito brasileiro para isso, traçar-se-á, inicialmente, uma linha até chegar ao conceito e o perfil da dignidade da pessoa humana, passando por suas interpretações diante dos diversos períodos históricos. Também, buscará se verificar a natureza jurídica da dignidade da pessoa humana até a sua entrada nos ordenamentos jurídicos, incluindo o brasileiro. Ainda neste tópico, será realizada uma análise do referido princípio e sua identidade constitucional como base do Estado Democrático de Direito. E por fim, se buscará explicar a ambivalência existente na utilização do princípio ao pautar as decisões judiciais.

O segundo tópico versará sobre o processo penal brasileiro e sua feição garantista, tudo em razão da obediência das leis infraconstitucionais ao disposto na Carta Magna. Serão analisadas também determinadas legislações estrangeiras, como o Pacto de San Jose da Costa Rica e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, textos aos quais o Brasil é filiado, sedimentando assim o processo penal com viés garantista, ou seja, um processo penal que oferece aos réus inúmeras possibilidades de defesa e de benefícios.

Dentre essas possibilidades e benefícios, serão estudados os princípios do contraditório e da ampla defesa, o princípio da presunção de inocência, entre outros, que são os responsáveis por garantirem ao processo penal vigente no Brasil o caráter já mencionado. Ainda, todos serão analisados sob o prisma de sua vinculação com o princípio da dignidade da pessoa humana. Por fim, serão abrangidos os temas da Teoria Garantista de Luigi Ferrajoli,

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com uma breve explicação sobre a sua tese e funcionamento, que, apesar de ser utópica, reúne inúmeros admiradores e seguidores, bem como, se construirá um estudo demonstrativo da ascensão e das bases do Estado Democrático de Direito com as atuais características do modelo vigente no Brasil, que admitem a manutenção de um processo penal com cunho garantista.

No segundo capítulo, serão abordados os temas referentes à revisão criminal como condição de possibilidade para o resgate do “status dignitatis” do condenado, em um primeiro momento uma abordagem mais técnica referente às características do instituto, possibilidades de ingresso, legitimados, embates doutrinários sobre temas relevantes, análise jurisprudencial e a questão da dualidade de julgamentos que abrange a revisão pro reo e a revisão pro societate, suas características, ocorrência a nível mundial, vantagens e desvantagens. Em um segundo momento traz-se efetivamente o estudo da recuperação da dignidade por meio da revisão criminal.

No primeiro tópico, explicar-se-á a revisão criminal como um instituto contrário ao trânsito em julgado. Em seguida, ter-se-á explanações acerca da natureza jurídica, hipóteses de ocorrência (encontradas no artigo 621 do Código de Processo Penal), a questão do prazo para proposição e legitimidade, elemento no qual há um embate doutrinário muito forte acerca da possibilidade ou não de o Ministério Público propor a revisão da sentença em favor do réu. A propósito, faz-se necessário ressaltar que todas as temáticas acima apresentadas, são amplamente discutidas na doutrina e, portanto, tais discussões não poderiam estar ausentes neste trabalho, sendo inclusive embasadas por jurisprudência, quando possível. Também se faz presente o estudo dos efeitos de um julgamento procedente da revisão criminal e suas hipóteses, com base no artigo 626 do Código de Processo Penal.

Por fim, ainda neste primeiro tópico se apreciará questões atinentes à dualidade de julgamentos. Antecipando alguns elementos, a dualidade de julgamentos se dá com a ocorrência das duas espécies de revisão criminal: a revisão criminal pro-reo e a revisão criminal pro-societate. A primeira permite, em determinados casos, a revisão de sentenças condenatórias ou absolutórias impróprias transitadas em julgado, enquanto que a segunda permite a revisão de sentenças absolutórias transitadas em julgado. Sua ocorrência, legislação em Estados estrangeiros que a permitem, aspectos gerais e a questão da reformatio in pejus estão em foco.

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No segundo tópico, se estudará as duas formas de contribuição da revisão criminal procedente para o resgate ou para a busca do resgate da dignidade humana atingida brutalmente pelo contato com o processo penal e após pela condenação injusta. A primeira contribuição é o objeto do estudo do tópico anterior, qual seja a revisão da sentença condenatória ou absolutória imprópria transitada em julgado.

A segunda contribuição é o direito à justa indenização, direito previsto constitucionalmente e também no Código de Processo Penal, no artigo 626. Tal direito depende da observância de certos requisitos, que, após a devida apresentação, também são sustentados pela jurisprudência. Por fim, será realizada uma breve análise sobre a relação entre a revisão criminal e o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como a conexão existente entre o instituto e o resgate da dignidade do condenado vítima de erro judiciário.

Para ilustrar esta segunda parte do presente trabalho monográfico, será utilizado o famoso e curioso caso dos irmãos Naves, dois mineiros que por meados dos anos 30 do século passado, têm sua vida revirada por acusação falaciosa de latrocínio. Os irmãos são torturados, têm suas famílias torturadas em razão da vigência de regime político que pouca importância dava à dignidade humana e, por fim, depois de anos de luta são condenados sem a existência de prova contundente que fizesse jus à condenação. Depois de anos e da morte de um dos irmãos, a suposta vítima é encontrada viva pelo outro irmão, trazendo à tona toda a história de brutalidade que se produziu em razão de um erro judiciário, que só pôde ser amainado em razão da existência do instituto da revisão criminal.

Finalizando o trabalho, se analisará o princípio da dignidade da pessoa humana, a revisão criminal e como a união entre essas duas figuras jurídicas pode auxiliar no resgate à dignidade do condenado.

Na elaboração da presente pesquisa utiliza-se do “método” fenomenológico, compreendido como “interpretação ou hermenêutica universal”, isto é, como revisão crítica dos temas centrais transmitidos pela tradição filosófica através da linguagem, como destruição e revolvimento do chão linguístico da metafísica ocidental. Por meio dele, é possível descobrir um indisfarçável projeto de analítica da linguagem, numa imediata proximidade com a práxis humana, como existência e faticidade, em que a linguagem – o sentido, a

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denotação – não é analisada a partir de um sistema fechado de referências, mas, sim, no plano da historicidade.

Com efeito, o método de abordagem visa a aproximar o sujeito (pesquisador) e o objeto a ser pesquisado. Nesse sentido, a opção pelo método em questão encontra afinidade com a orientação metodológica que permeia as pesquisas realizadas na linha de pesquisa na qual o presente trabalho é construído.

A opção pelo referido método deve-se ao fato de que ele é o único que permite definitivamente demonstrar que o modelo de conhecimento subsuntivo próprio do sistema sujeito-objeto foi suplantado por um novo paradigma interpretativo, marcado pela invasão da filosofia pela linguagem a partir de uma pós-metafísica de reinclusão da faticidade que passa a atravessar o esquema sujeito-objeto, estabelecendo uma circularidade virtuosa na compreensão. A ênfase, portanto, passa para a compreensão, onde o compreender não é mais um agir do sujeito, e, sim, um modo-de-ser que se dá em uma intersubjetividade. Passa-se de um modelo sujeito-objeto para um modelo sujeito-sujeito (STRECK, 2004, 2008a; STEIN, 1979).

A fenomenologia hermenêutica, portanto, permite a compreensão de que a determinação do Direito, ao invés de mero ato passivo de subsunção, é um ato criativo que implica o próprio sujeito. É por isso que se concorda com Streck (2004, p. 4) quando afirma que “o verdadeiro caráter do método fenomenológico não pode ser explicitado fora do movimento e da dinâmica da própria análise do objeto.” Em decorrência disso, “a introdução ao método fenomenológico somente é possível [...] na medida em que, de sua aplicação, forem obtidos os primeiros resultados. Isto constitui sua ambiguidade e sua intrínseca circularidade.” Ao se aplicar esse movimento, constata-se que a “sua explicitação somente terá lugar no momento em que tiver sido atingida a situação hermenêutica necessária. Atingida esta, descobre-se que o método se determina a partir da coisa mesma.” Este horizonte compreensivo, portanto, é o que se mostra suficientemente fértil e adequado para a discussão da temática que é objeto desta investigação.

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1 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO PRINCÍPIO FUNDANTE DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO BRASILEIRO

O princípio da dignidade da pessoa humana, um dos pilares da Constituição Federal de 1988, assume status de fundamento do Estado Democrático de Direito brasileiro. Por ser um dado ontológico, é inerente a todo e qualquer ser humano, motivo pelo qual existe desde o surgimento do primeiro hominídeo. Porém, para sua compreensão e respeito efetivos, a jornada enfrentada por este princípio não foi simples.

Com o decorrer dos séculos construiu-se uma sociedade, adotou-se novos comportamentos, atitudes e pensamentos. Todos os diferentes segmentos que, até hoje, embasam a vida em sociedade foram sofrendo inúmeras alterações e com o universo jurídico e principiológico não foi diferente. Tais alterações versavam sobre a vida em sociedade e o papel do homem frente ao mundo. Grandes pensadores e filósofos tiveram papel essencial na formação de conceitos que se fazem presentes hodiernamente.

O princípio da dignidade da pessoa humana é pilar basilar do Estado Democrático de Direito brasileiro, portanto, para que a sociedade atual conheça e faça com que o Estado respeite o princípio em questão é que se propõe a reflexão objeto deste primeiro capítulo.

1.1 O princípio da dignidade humana e sua feição constitucional

O princípio da dignidade humana é essencial para uma adequada hermenêutica da Constituição Federal, promulgada em 1988. Porém, nem sempre a situação foi essa. A história mostra que antes de a dignidade humana ser assegurada como princípio constitucional, passou por diferentes contextos e significados. Portanto, mesmo não constituindo a essência deste trabalho, para que se construa uma noção real do que é a dignidade da pessoa humana, se faz mister uma análise da construção histórica deste princípio.

No âmbito do pensamento ocidental, há relatos de que na época da vigência do Código de Hamurabi, a dignidade da pessoa humana era considerada como um direito comum a todos os cidadãos. Na antiguidade clássica, a dignidade era dimensionada em razão da “posição social ocupada pelo indivíduo e o seu grau de reconhecimento pelos demais

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membros da comunidade” (SARLET, 2012, p. 34). Mais tarde, para os adeptos do estoicismo, a dignidade da pessoa humana representava uma peculiaridade do próprio ser humano, fazendo parte de todos e de cada um. Assim, a dignidade antes mensurada pela posição social, passou a ter um cunho moral, baseada na igualdade entre os indivíduos e a liberdade (SARLET, 2012, p. 35).

Já na Idade Média, Tomás de Aquino possuía uma visão de dignidade claramente ligada aos preceitos católicos vigentes na época, como traduz Sarlet (2012, p.37),

[...] a dignidade encontra seu fundamento na circunstância de que o ser humano foi feito à imagem e semelhança de Deus, mas também radica na capacidade de autodeterminação inerente à natureza humana, de tal sorte que, por força de sua dignidade, o ser humano, sendo livre por natureza, existe em função da sua própria vontade.

Samuel Pufendorf (1632-1694), contemporâneo de Thomas Hobbes (1588-1679), formulou conceito de dignidade afirmando que o ser humano tem natureza livre podendo agir conforme seu entendimento e razão, relacionando seu conceito com a liberdade moral do ser humano, fugindo da tradicional natureza “divina” do homem. Tal pensamento rompeu com aquele previamente estabelecido pela dogmática católica e seus adeptos. Hobbes por sua vez, se afasta deste entendimento e se associa ao pensamento da antiguidade clássica afirmando que cada homem tem um “preço”, sendo esse valorado em razão de sua posição social e estima na sociedade em que vive. (SARLET, 2012, p. 39)

Entretanto, foi somente com Immanuel Kant (1724-1804) que o conceito do princípio se despe do sagrado para tomar sentido verdadeiramente racional. De acordo com Sarlet (2012, p. 40), Kant construiu seu conceito utilizando-se da natureza racional do homem, afirmando que “a autonomia da vontade, [...], é um atributo encontrado somente nos seres racionais, constituindo-se no fundamento da dignidade da natureza humana”.

Segundo o entendimento de Kant (s.d., p.28, grifo do autor),

[...] o Homem, e em geral todo ser racional, existe como um fim em si, não apenas como meio, do qual esta ou aquela vontade possa dispor a seu talento; [...]. Os seres, cuja existência não depende precisamente de nossa vontade, mas da natureza, quando são seres desprovidos de razão, só possuem valor relativo, valor de meios e por isso se chamam de coisas. Ao invés, os seres racionais são chamados pessoas, porque a natureza deles os

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designa já como fins em si mesmos, isto é, como alguma coisa que não pode ser usada unicamente como meio, alguma coisa que, consequentemente, põe um limite, em certo sentido, a todo livre arbítrio (e que é objeto de respeito).

Assim, verifica-se que a dignidade da pessoa humana não se trata de um direito, conforme acreditavam Hamurabi e seus contemporâneos, mas sim uma qualidade inerente ao homem. Contudo, apesar de ter trilhado uma longa jornada até chegar ao título de princípio, tem-se na doutrina e na jurisprudência certa problemática envolvendo a dignidade: percebe-se ser mais fácil dizer o que não é do que dizer com clareza o que é a dignidade da pessoa humana. Portanto, na tentativa de elucidar tal situação, é que Sarlet (2012, p. 58) afirma que “a dignidade da pessoa humana é simultaneamente limite e tarefa dos poderes estatais e, [...], da comunidade em geral, de todos e de cada um [...]”.

Não existe ainda um conceito exato sobre a dignidade da pessoa humana. O que existem são construções que deliberam sobre o seu significado e repercussão no cotidiano das pessoas por ser um princípio em constante movimento que, se conceituado de forma simplória, limitaria o seu leque de abrangência jurídica, moral e social. Assim, Sarlet (2012, p.73, grifo do autor) nos dá um conceito multidimensional, porém ainda em aberto, em função da razão acima citada:

[...] temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida.

De outro lado, Alexandre de Moraes (2009, p. 22, grifo do autor) faz a seguinte conceituação:

[...] a dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.

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Diante disto, sinala Sarlet (2012, p. 42) que a doutrina majoritária, nacional e estrangeira, encontra em Kant a identificação basilar acerca de um provável conceito de dignidade da pessoa humana.

Nas palavras de Salo de Carvalho (2001, p. 157), o princípio da dignidade da pessoa humana “[...] trata-se de valor fundamental expresso nas cartas políticas, sendo diluído nas normas concretas, porque, ao conhecer a dignidade do homem, o Estado desconheceria a existência e universalidade dos demais direitos humanos”.

Para Barreto (2013, p. 66), o princípio em evidência é uma qualificação do gênero humano, que faz com que se torne possível especificar os homens em sua totalidade, como vinculados ao mesmo gênero. Barreto (2013, p. 44), aduz ainda que Kant criticava o direito, pois, ele acreditava que, em seu domínio prático os juristas nunca se importaram em buscar uma reflexão filosófica a fim de investigar os princípios gerais que poderiam tornar-se fundamentos da ciência jurídica.

Cabe ainda ressaltar o entendimento de Nunes (2010, p. 62), ao esclarecer que, além de característica natural do ser humano, a dignidade humana pode ser compreendida “como uma conquista da razão ético-jurídica, fruto da reação à história de atrocidades que, infelizmente, marca a experiência humana”.

Acerca do conteúdo do princípio da dignidade da pessoa humana, Barreto (2013, p. 74) dispõe que pode haver uma dupla divisão deste princípio. A primeira faz menção a não tratar a pessoa humana como simples meio, ou seja, nas palavras já citadas por Kant, o homem é o fim de si mesmo, não devendo constituir um meio para a vontade de outro que não a si próprio.

A segunda divisão refere que o princípio determina que o ser humano não deve ser tratado como “espírito puro”, ou seja, o homem é revestido pela carne, e possui um corpo com necessidades básicas que para a sua sobrevivência devem ser supridas. Desta forma, o princípio em plano, protege o ser humano na sua integridade física e também moral.

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O princípio em análise encontrou guarida no ordenamento jurídico brasileiro pela primeira vez com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Tal constituição foi amplamente baseada na Constituição Alemã de 1959, já que, “foi, claramente, a experiência nazista, que gerou a consciência de que se devia preservar, a qualquer custo, a dignidade da pessoa humana” (NUNES, 2010, p. 62).

Pelo mundo afora a dignidade da pessoa humana foi tomando lugar nas constituições. A Constituição Alemã de 1959 colocou o homem como referencial e objetivo das normas em seu texto propostas, já que previa em seu primeiro artigo que “a dignidade da pessoa humana é intangível. Respeitá-la e protegê-la é obrigação de todo o poder público” (NUNES, 2010, p. 62). Além desta Carta, a Constituição da República Portuguesa de 1976, em seus artigos 1º e 2º fundamentam a República na “dignidade da pessoa humana (art. 1º.), e o Estado de direito democrático no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais”. (CANOTILHO, 1941, p. 378).

A Constituição Federal brasileira, caracterizada por ser uma Constituição Cidadã – visto que assegurava inúmeros direitos que estavam oprimidos por mais de 20 anos (PINTO FILHO, 2010, p. 88) - além de baseada na Constituição Alemã do pós-guerra, foi amplamente tutelada pelas disposições contidas no texto da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que aduz em seu preâmbulo que “o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo [...]”. (NUNES, 2010, p.95).

Afora tal disposição preambular, há a disposição contida no primeiro artigo do texto, qual seja “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade” (Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948, grifo nosso). Portanto, quando abarcado pela Constituição Federal brasileira, o princípio tinha por escopo garantir a todos os brasileiros a liberdade e a consciência de existência individual e coletiva pós-ditadura.

A disposição legal acerca do princípio da dignidade humana encontra-se prevista no art.1º do Título I da Constituição Federal de 1988 que trata dos princípios fundamentais. O artigo traz a seguinte redação:

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Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

[...]

III – a dignidade da pessoa humana.

Assim, o princípio da dignidade da pessoa humana passou da crença de mero direito conferido aos cidadãos em razão de sua posição social, à qualidade intrínseca e inerente a todo e qualquer ser humano.

O princípio em estudo é fundamento da República do Brasil e na lição de José Afonso da Silva (apud Pinto Filho, 2010, p. 90, grifo do autor),

se é fundamento é porque constitui num valor supremo, num valor fundante da República, da Federação, do País, da Democracia e do Direito. Portanto, não é apenas um princípio da ordem jurídica, mas o é também da ordem política, social, econômica e cultural. Daí sua natureza de valor supremo, porque está na base de toda a vida nacional.

Apesar de ser elencada por fundamento da República, a dignidade da pessoa humana é um princípio e ainda, princípio constitucional, ou seja, alicerce da ordem jurídica do país, que juntamente com os outros princípios fundantes “postos no ponto mais alto da escala normativa, [...], se tornam, doravante, as normas supremas do ordenamento” (BONAVIDES, 2010, p. 289). Assim, os princípios constitucionalmente elencados são a base normativa de todas as demais normas, sendo a fundamentação e o guia destas.

Portanto, o princípio da dignidade da pessoa humana nada mais é, em nosso sistema constitucional, do que o norte exegético para a explanação de todos os direitos e garantias previstos à população brasileira. Nos termos de Nunes (2010, p. 60), a dignidade “é absoluta, plena, não pode sofrer arranhões nem ser vítima de argumentos que a coloquem num relativismo”.

Ainda, para Barreto (2013, p. 76), além de ser a fonte de todos os demais princípios, a dignidade também é a origem de todos os outros fundamentos da República. Ocorre que, as proposições de Barreto e Nunes encontram ponto divergente na doutrina de Sarlet (2012, p. 143). Este autor aduz que o princípio não deve ser considerado o núcleo de todos os fundamentos e enumera para tanto, suas razões.

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Expõe que não são todos os direitos fundamentais que possuem em seu núcleo uma ligação com a dignidade humana. O que há em comum em todos é o fato de possuírem um núcleo substancial, ao menos no sentido de que não podem parcial ou totalmente, serem abolidos por meio de reforma constitucional (art. 60, §4º, IV, da CF) “e/ou de uma vedação de restrições que afetem aspectos nucleares do direito fundamental em causa”. Explica que,

[...] nem toda a violação de um direito fundamental corresponde, ao mesmo tempo e necessariamente, a uma violação da dignidade da pessoa humana, sequer implicando (de modo cogente) a violação do conteúdo em dignidade que o direito fundamental atingido possa ter.

Destarte, como não há a previsão de uma conceituação una do princípio da dignidade da pessoa humana, percebe-se que inclusive na questão da sua natureza e abrangência, não há unanimidade. Nesta seara, Álvares (2008, p. 27) refere que a implicação do princípio pela primeira vez na Constituição possibilita não só o debate da sua dimensão, mas também sua estabilidade em importância e ainda a garantia de que não haverá diminuição de sua aplicação ou de sua eficácia no auxílio aos direitos fundamentais.

Contudo, apesar da posição de Sarlet ser contrária à disposição de que o princípio da dignidade humana seja o norte das demais normas, discute-se também a situação de que o princípio da isonomia seria o princípio basilar do Estado Democrático de Direito brasileiro, contudo, este não é o entendimento majoritário. Para a maioria, o princípio da dignidade da pessoa humana abarca o princípio da isonomia, pois é ele o norte da Constituição Federal brasileira, que dá as coordenadas para os demais princípios, devendo ser o primeiro a ser apreciado pelo intérprete das normas.

Álvares (2010, p. 25) ainda vai mais longe, ao indicar que,

até mesmo o direito à vida deve ser colocado não num plano subalterno com relação ao princípio da dignidade da pessoa humana, mas sim em conformidade com ele, não existe vida se esta não for digna. Biologicamente pode existir vida, mas eticamente uma vida sem dignidade nos remonta aos escravos que eram tratados como animais.

Como já definido anteriormente, o princípio da dignidade da pessoa humana tem por escopo auxiliar e comandar todas as ações do poder público, da esfera jurisdicional e também

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do legislativo. Este princípio existe, vige e se faz presente, ou pelo menos deveria, em todas as ações que envolvessem o interesse público seja ele coletivo ou individual da população.

Barreto (2013, p. 65), propõe uma elucidação relevante acerca das diferenças existentes entre os direitos humanos e a dignidade da pessoa humana. Para o autor, “as ideias situam-se no mesmo patamar epistemológico”, em razão de ambas referirem-se à pessoa humana. Entretanto, aduz que o princípio da dignidade humana denotaria “a humanidade que se encontra em todos os seres humanos”, enquanto que os direitos humanos “representam a defesa da liberdade diante do despotismo”, já que apareceram pela primeira vez na Declaração Universal dos Direitos do Homem proposta pela ONU em 1948.

Em estudo da obra “La personne em danger”, de Bernard Edelman, Barreto (2013, p. 66) faz a seguinte referência,

a dignidade humana situa-se no cerne da luta contra o risco da desumanização, consequência do desenvolvimento desmensurado da tecno-ciência e do mercado. O inimigo não é mais unicamente e exclusivamente o poder do Estado, mas também o próprio produto do conhecimento humano e do sistema produtivo.

Na perspectiva de que o princípio da dignidade humana é o medular da Constituição Cidadã de 1988 e fonte de criação de todos os outros princípios e normas, é que Barreto (2013, p. 67) propõe que ele deve ser utilizado subsidiariamente. Relata que só se deve fazer uso do princípio caso nenhum dos outros - princípios ou normas - possa ser aplicado na resolução do caso concreto. Alega que caso o princípio seja usado em demasia para resolução de toda e qualquer lide processual, o princípio acabará se banalizando e perdendo toda a efetividade e credibilidade conquistada até então.

Assim, na ordem sócio-jurídica, toda a situação concreta que demande lide processual, deverá ser resolvida sob a luz do princípio da dignidade da pessoa humana, porém, isso se dará através da interpretação anterior dos princípios que lhe são segmentários, e somente depois, caso infrutífera a resolução, é que se dará à lide resposta integralmente tutelada pelo princípio da dignidade humana. Desta forma, o princípio será efetivo, mas não desmoralizado.

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A aplicação do princípio da dignidade humana pelos juristas, legisladores e representantes do poder executivo, deve se dar de forma que sua efetivação seja justa, igualitária e que englobe a totalidade da população. Para que se tenha dignidade no meio social, é preciso que se cumpram as disposições constitucionais atinentes aos artigos 5º, 6º e 225, CF/88, que garantem aos cidadãos seus direitos individuais e coletivos, seus direitos sociais, bem como o acesso à saúde, educação, lazer, segurança e demais necessidades humanas básicas, respectivamente.

Para Sarlet (2012, p. 132), analisando o princípio da dignidade humana como tarefa do Estado e demais órgãos estatais, impõe a estes o dever de proteger e respeitar, além de suscitar as condições a fim de remover qualquer óbice que venha a impedir a dignidade na vida das pessoas. Ressalta ainda que não é somente nas relações entre particular e Estado que se deve respeitar e proteger o princípio, mas também e principalmente nas relações entre particulares.

Nestas referidas relações, deve-se fazer a seguinte análise: os seres humanos são todos iguais em dignidade, visto essa ser uma qualidade inerente e que garante a posição de todo ser humano no mesmo gênero, qual seja, o humano. Porém, até em que ponto a dignidade da pessoa humana é absoluta e em que termos pode-se haver uma relativização?

Já visto que a dignidade trata-se de característica inerente a todo ser humano, e, nas palavras de Sarlet (2012, p. 54) “[...] todos – mesmo o maior dos criminosos- são iguais em dignidade, no sentido de serem reconhecidos como pessoas [...]”, é que ele deve ser efetivo e abrangente a toda a população. Porém, é notório que o princípio da dignidade humana, por mais que seja o corolário de todos os princípios constitucionais e infraconstitucionais, sofre violações arrebatadoras.

O legislador constituinte apesar de conceder à dignidade humana status constitucional, não fez alusão à sua inviolabilidade, diferentemente, por exemplo, da Lei Fundamental da Alemanha. Ocorre que, a problemática exposta acima já foi e é quase que diariamente objeto de discussões jurídicas nos tribunais brasileiros. E, como na Lei Alemã, que dispõe em seu artigo 1º, inciso I, que “a dignidade do homem é intangível”, esta não tem sido a decisão prevalecente. (SARLET, 2012, p. 151).

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Ocorre que, mesmo que a dignidade tenha cunho “intangível” juridicamente, esta não é a realidade brasileira. A problemática se define em ter a dignidade caráter absoluto ou se é possível haver relativizações, e esta última hipótese é a posição que se define na realidade brasileira. E tal adversidade se torna perceptível quando se analisa, por exemplo, o sistema penal pátrio.

No cumprimento do jus puniendi, o sistema penal brasileiro é absolutamente falho, revelando-se uma total e completa relativização da dignidade da pessoa humana (ÁLVARES, 2008, p. 31). Em suas explicações, Sarlet (2012, p. 151) aduz que a prisão de alguém condenado por homicídio qualificado em um estabelecimento com inconveniente de superlotação, por exemplo, constitui uma violação efetiva de sua dignidade, visto que está se respondendo a uma ofensa ao bem jurídico mais importante, a vida.

Expõe ainda que há, neste caso, a utilização do princípio da dignidade da pessoa humana como “tarefa, no sentido específico de que ao Estado [...] incumbe o dever de proteger (inclusive mediante condutas positivas) os direitos fundamentais e a dignidade dos particulares”. Por fim, esclarece Sarlet (2012, p. 151) que,

[...] a dignidade, ainda que não se a trate como espelho no qual todos veem o que desejam, inevitavelmente já está sujeita a uma relativização [...] no sentido de que alguém (não importa aqui se juiz, legislador, administrador ou particular) sempre irá decidir qual o conteúdo da dignidade e se houve, ou não, uma violação no caso concreto.

Na análise de Barreto (2013, p. 25), alguns autores que tratam sobre o tema da dignidade humana, dizem que por vezes os escravos da Antiguidade levavam uma vida muito mais digna do que se comparada com a vida de uma grande parcela da população do século XXI, que vive sem a menor ideia do que seja cidadania e dignidade, como os sem teto e os refugiados que não possuem qualquer tipo de proteção efetiva.

Ainda na esfera do cumprimento da pena, percebe-se que os homens adotam mais um sistema comportamental baseado na ignorância e violência do que um sistema voltado à reeducação e reinserção do indivíduo condenado (ÁLVARES, 2008, p. 34). Em sua análise acerca das condições de possível relativização da dignidade humana, Sarlet (2012, p. 154) faz referência a algumas formas. Em relação à utilização da tortura, afirma o autor que ela “reduz a pessoa inquirida à condição de mero objeto do combate ao crime”, desrespeitando também a

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sua condição humana. Expõe ainda a humilhação como forma de tratamento desumano e degradante.

Contudo, Sarlet (2012, p. 150), trabalha com a possibilidade de que o princípio da dignidade da pessoa humana, por mais que caminhe sob a ótica de ser absoluto, é, por diversas vezes relativizado em relação a algumas pessoas ou a determinado grupo, com a intenção de proteger a dignidade de outrem, sem que isso determine a perda da dignidade do grupo que a vê relativizada. Aduz o autor que a dignidade é sim, violável, e que por esta razão deve ser protegida e considerada, principalmente por quem, às vezes, é o seu maior ofensor, ou seja, o Estado.

Para ilustrar a problemática, Sarlet (2012, p. 151), propõe que o encarceramento de alguém que comete um crime grave em uma prisão superlotada, constitui uma “violação de sua liberdade e dignidade pessoal, ainda que com amparo aparente no sistema jurídico-positivo”. Porém, como exposto anteriormente, o autor manifesta-se contra a prática da tortura, mas admite que a superlotação prisional seja uma realidade que equivale à relativização da dignidade de certas pessoas ou grupos, em favor de outros.

Entretanto, acredita-se ser a superlotação prisional uma das tantas formas da prática da tortura, que apesar de ser vedada pelo ordenamento jurídico pátrio, ocorre implicitamente – ou escancaradamente - em todo o sistema carcerário brasileiro. Portanto, deveria Sarlet (2012), ter se posicionado contra a realidade existente no país, visto que a prática de manter os indivíduos encarcerados em prisão superlotada contraria a lei vigente.

Seguindo o pensamento de Álvares (2008, p. 32), também não deve o Estado esquecer que a dignidade humana é qualidade inerente de todos os seres, desta forma, deve-se garantir condições dignas àqueles que cumprem a pena, mas também àqueles que foram vítimas dos atos ou omissões criminosas que venham a ser praticados pelos condenados. Deve ser garantido a essas vítimas todo o apoio para que sejam supridos todos os abalos causados, sejam eles de cunho financeiro, social ou moral, visando garantir tanto a vítima quanto ao condenado a possibilidade de reinserção no seu meio social.

Em relação à concretização do princípio da dignidade humana, há dois tipos de obrigação, uma negativa e outra positiva. A obrigação negativa versa sobre uma renúncia ou

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limitação do poder do Estado em relação ao exercício do direito do indivíduo. A obrigação positiva versa sobre o dever de o Estado atuar, uma obrigação de fazer com que se tenham condições de concretizar a dignidade humana (PINTO FILHO, 2010, p. 41), o que será mais amplamente explanado no decorrer da exposição.

Diante de todo o exposto, verifica-se que a dignidade da pessoa humana percorreu um longo trajeto antes de assumir status de princípio constitucional, mas também se percebe que quando da sua entrada no ordenamento jurídico, ela se faz presente em todo o texto constitucional brasileiro, seja de forma explícita ou implícita. A maior resistência enfrentada pelo princípio é sua concretização. Seja no aspecto civil ou na esfera penal, esta última, porém, objeto do presente estudo, tem a dignidade da pessoa humana apenas como utopia, tendo em vista as condições de cumprimento de pena entre outras, que obstam totalmente a aplicação do princípio.

Como próximo ponto a ser analisado, verificar-se-á o processo penal e sua aplicação e desenvolvimento no Estado Democrático de Direito brasileiro, bem como sua conexão com o princípio ora ventilado a fim de se evidenciar quais as máculas existentes e que possam vir a ser oposição à concretude dos direitos fundamentais previstos constitucionalmente.

1.2 O processo penal no Estado Democrático de Direito

Em 1957, Francesco Carnelutti (2013, p. 59) ao publicar o livro “As misérias do Processo Penal”, afirmou que “o delito é uma desordem e o processo serve para restaurar a ordem”. Aduz o autor que só se resolvem os problemas futuros olhando-se para o passado, ou seja, para que se possa aplicar a alguém, que cometeu um delito, uma pena, é necessário saber como ocorreu a prática do ato.

Considerando que entre o cometimento do fato e a imposição da pena, existe um processo e, com o intuito de entender todo o ciclo que envolve a prática de um fato antijurídico, Carnelutti (2013, p. 60) elucida que,

O delito está no passado, a pena está no futuro. Diz o juiz: devo saber aquilo que você foi para estabelecer aquilo que será. Foi um delinquente, será um encarcerado. Fez sofrer, sofrerá. Não soube usar sua liberdade, será recluso.

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Eu tenho nas mãos a balança; a justiça quer que quanto pese seu delito, tanto pese sua pena.

O juiz aparece no trecho acima como o responsável por decidir e estabelecer a pena a que será submetido o indivíduo. No Estado Democrático de Direito brasileiro, o juiz assume função de garantidor, atuando não política, mas constitucionalmente, fazendo com que seu julgamento não seja pautado pela vontade da maioria em punir um indivíduo, e sim, de garantir ao acusado que ele não sofrerá lesões e nem terá seus direitos ameaçados em função do processo (LOPES JR., 2012, p. 178)1.

Neste processo se faz presente a parte acusadora que por meio da ação penal provoca o juiz para que este exerça a jurisdição e, se confirmada a tese acusatória, exerça o jus puniendi, ou seja, o poder de punir do Estado. Sendo assim, o processo penal é “o instrumento por meio do qual se concretiza e se pode exercer o poder-dever punitivo” (LOPES JR., 2012, p.69).

O processo penal brasileiro é pautado e exercido em consonância com as normas constitucionais positivadas. Conforme Canotilho (1941, p. 377), se não houvesse a positivação das normas, os direitos dos homens seriam apenas “esperanças, aspirações, ideias, impulsos, ou, até, por vezes, mera retórica política, mas não direitos protegidos sob a forma de normas de direito constitucional”.

Essas normas constitucionais atestam ao acusado, polo passivo em um processo penal, direitos e garantias, que sem a sua observância pode haver inclusive a anulação do

1Como exemplo dessa afirmação, temos a veiculação dos julgamentos sob influência dos meios de comunicação

de massa. Por exemplo, o júri de Mizael Bispo de Souza, condenado a 20 anos de pena por ter cometido homicídio triplamente qualificado, ao matar sua ex-namorada Mércia Nakashima. No entender do Procurador de Justiça gaúcho Lênio Streck, em entrevista ao site Consultor Jurídico, o juiz não cometeu equívoco ao veicular a transmissão, visto que para ele não há diferença entre as transmissões dos julgamentos do Supremo Tribunal Federal e os julgamentos realizados por outros tribunais ou por juízes singulares. Contudo, há entendimentos diversos, como o desembargador da 13ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, que aduz que, transmitir ao vivo pode afetar a qualidade do julgamento, pois os envolvidos podem não agir com naturalidade ao saberem que estão sendo filmados. Ainda, Luiz Flávio Gomes, que já atuou na Comarca de São Paulo como juiz e promotor, em entrevista ao site Uol, por mais que se manifeste de forma favorável à veiculação dos julgamentos na mídia, alega que teria sido um “pool” formado por emissoras de rádio, televisão e internet que teriam custeado a transmissão, pois, refere que o Tribunal de Justiça (de São Paulo), não possuía dinheiro para veicular a transmissão. Diz ainda que se for assim, só os casos em que houvesse repercussão na mídia seriam transmitidos. Acredita-se que ao se transmitir um júri, o seu julgamento fica afetado, pois, as atitudes dos envolvidos- como no caso ventilado acima - onde houve bajulação, choro incontido, discussões -, podem ter levado os jurados a se sentirem coagidos a assumir determinada posição no julgamento. Acredita-se que o juiz necessário à justiça brasileira não é este, mas sim, aquele que se pauta nas provas processuais para um julgamento idôneo.

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processo. Essas garantias constitucionais deram origem à máxima “nulla poena sine judicio”, confirmando ao acusado que caso ele tenha que cumprir uma pena, esta será justa e conforme os ditames legais. Para Canotilho (1941, p. 405), estas garantias correspondem a “garantias ou meios processuais adequados para a defesa dos direitos”.

Sendo assim, tem-se no Brasil uma Constituição que assegura a seus cidadãos garantias processuais em caso de processamento na esfera criminal. Isto porque, a Constituição brasileira é democrática, e assim o processo penal, que dela deriva, será por óbvio democrático e “visto como um instrumento a serviço da máxima eficácia do sistema de garantias constitucionais do indivíduo” (LOPES JR., 2012, p. 70).

As garantias processuais se fazem presentes no processo penal para afirmar que sua legitimação “enquanto instrumento a serviço do projeto constitucional” se dê de forma efetiva, tendo “por conteúdo a máxima eficácia dos direitos e garantias fundamentais da Constituição, pautando-se pelo valor dignidade da pessoa humana submetida à violência do ritual judiciário” (LOPES JR., 2012, p. 90).

Ainda que o legislador tenha concedido aos acusados garantias processuais legais, é notório que há inúmeras violações a essas garantias. Contudo, sem adentrar no mérito dessas violações, devem ser apresentadas algumas dessas garantias previstas constitucionalmente, sendo necessária a transcrição dos artigos dos textos legais em que se fazem presentes.

Inicialmente, apresentam-se os seguintes incisos do artigo 5º da Constituição Federal brasileira:

Art. 5º: [...].

XLVII - não haverá penas: [...];

e) cruéis; [...]

XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral; LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

[...];

LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

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LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;

Além dos dispositivos constitucionais, há também legislações estrangeiras, como por exemplo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que são orientadas pela noção de um processo penal de garantias típicas de um Estado Democrático de Direito. Esta Declaração dos Direitos Humanos refere no artigo XI, número 1, que, “toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”.

Também o Pacto de San José da Costa Rica, que dispõe sobre a Convenção Americana de Direitos Humanos assevera no artigo 5º, nº 2 que “ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano”. Ainda, no artigo 8, segue a disposição: “toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa.[...]”.

E ainda, a Convenção Interamericana para prevenir e punir a tortura, que no artigo 5º, dispõe que “nem a periculosidade do detido ou condenado, nem a insegurança do estabelecimento carcerário ou penitenciário podem justificar a tortura”.

As disposições de leis e tratados estrangeiros tem eficácia na ordem jurídica brasileira por força dos parágrafos 2º e 3º do artigo 5º da Constituição Federal:

§2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

§3º - Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

Tendo em vista o exposto acima, cabem manifestações acerca de seu teor. Relativamente à questão do contraditório e da ampla defesa, cabe destacar que o contraditório exige a garantia de participação do réu para que se tenha um processo justo e equitativo,

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(OLIVEIRA, 2011, p. 44) de forma que as partes possam não só produzir suas provas e defender suas razões, mas que, também, possam ver suas provas avaliadas e valoradas pelo juízo (CAPEZ, 2013, p. 65).

A ampla defesa impõe a realização efetiva da participação do réu, já que, se ocorrer prejuízo a ele, há pena de nulidade processual, (OLIVEIRA, 2011, P. 44), então, cabe ao Estado promover a todo e quaisquer acusados meios para uma defesa integral, seja ela pessoal, ou, técnica, cumprindo com o disposto no inciso LXXIV, do artigo 5º, da Constituição Federal. Assim, Cintra, Grinover e Dinamarco, (2010, p. 61), aduzem que, em relação ao juiz, as partes têm papel de “colaboradores necessários: cada um dos contendores age no processo tendo em vista o próprio interesse, mas a ação combinada dos dois serve à justiça na eliminação do conflito ou controvérsia que os envolve”.

Importante destacar, que a ampla defesa no processo penal pátrio foi facilitada em razão da modificação introduzida pela Lei nº 11.719/2008. Principalmente, em se levando em conta as disposições concernentes ao interrogatório do réu. Antes da reforma, o interrogatório, nos procedimentos ordinário, sumário e na primeira fase do procedimento do júri, era o ato inicial da fase instrutória, além de ser realizado em audiência apartada.

Contudo, a citada lei unificou a audiência de instrução nos procedimentos mencionados, conduzindo o interrogatório do réu a último ato da fase instrutória. Por meio dessa modificação, é possível agora, realizar toda a produção da prova em um único momento processual. Esta alteração legal, nas palavras de Oliveira (2012, p. 370), provocou mudanças significativas no processo penal, já que,

[...] imprime ritmo mais célere ao procedimento, ao tempo que permite ao acusado um exame mais amplo acerca de seu comportamento no processo. Como ele, agora, será o último a ser ouvido, poderá, livremente, escolher a estratégia de autodefesa que melhor consulte seus interesses. [...] o fundamental, em uma concepção de processo via da qual o acusado seja um sujeito de direitos, e no contexto de um modelo acusatório, tal como instaurado pelo sistema constitucional das garantias individuais, o interrogatório do acusado encontra-se inserido fundamentalmente no princípio da ampla defesa. Trata-se, efetivamente, de mais um oportunidade de defesa que se abre ao acusado, de modo a permitir que ele apresente sua versão dos fatos, sem se ver, porém, constrangido ou obrigado a fazê-lo.

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Assim, a reforma proporcionada pela Lei nº 11.719/2008, viabilizou ao acusado meios hábeis para que este, junto com seu defensor, decida qual a melhor tática a ser utilizada em sua defesa. Dentre todas as possibilidades que podem ser arguidas, uma delas é a presunção de inocência.

O princípio da presunção de inocência se faz presente em três dos quatro textos acima enumerados (Constituição Federal 1988, Declaração Universal dos Direitos Humanos e Pacto de San José da Costa Rica). O surgimento desse princípio se fez necessário para excluir o sistema da prova legal e da tortura (ÁLVARES, 2008, p. 44), provenientes das Ordálias que constituíam meios de provas, geralmente cruéis, utilizadas nos processos penais, pois delegava a verdade de testemunhos ao juízo divino, já que Deus não poderia beneficiar culpados por crimes, utilizadas na Idade Média, para que tivessem lugar a livre apreciação da prova e a premissa de “quem alega, prova”.

Este princípio não quer dizer de antemão que o acusado é inocente. O que quer se dizer é que se for absolvido é porque sua culpabilidade não foi comprovada e não porque se provou sua inocência. Nas palavras de Álvares (2008, p. 46):

Pode-se ter a situação de alguém que efetivamente seja culpado pela infração penal, entretanto, não se provou sua responsabilidade penal, à saciedade, para um édito condenatório, dentro do procedimento criminal próprio. [...]. É o caso daquele que efetivamente tira a vida de alguém, comete homicídio, esconde o corpo que nunca é encontrado e é absolvido na esfera criminal por falta de provas. Ora, inocente não é, apenas no processo criminal concretizado não se pode provar sua culpabilidade, [...].

Quanto à prática de tortura e o cumprimento de penas cruéis pelos condenados, tem-se a lição de Sarlet (2012, p. 153) afirmando que em tem-se utilizando a tortura, estaria tem-se implicando “inequivocamente a coisificação e degradação da pessoa, transformando-a em mero objeto da ação arbitrária de terceiros, sendo, portanto, incompatível com a dignidade da pessoa [...]”. Desta forma, percebe-se que a prática da tortura é absolutamente incompatível com o Estado Democrático de direito brasileiro, sendo indubitavelmente extirpada do ordenamento jurídico.

Em relação à possibilidade de o acusado permanecer em silêncio, Álvares (2008, p. 35) aduz que, tal direito, quando da sua promulgação, seria concedido apenas ao indivíduo

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preso. Com o passar do tempo, a doutrina e a jurisprudência foram alinhavando outros entendimentos, justificando que sua abrangência é muito maior do que apenas ao preso. Em conformidade com os princípios democráticos que traz a Constituição Federal, aduz Álvares (2008, p. 38) que a acepção do termo “preso” deverá ser dilatada para que se faça uso do termo imputado.

Só assim, todos aqueles que respondem a um processo criminal, seja ele administrativo ou judiciário, ou até mesmo uma testemunha que preze pela sua segurança após possíveis declarações, poderá fazer uso do direito constitucional de se manter em silêncio. (ÁLVARES, 2008, p. 35).

Há, contudo, que se mencionar o disposto no artigo 260, caput, do Código de Processo Penal. Dispõe o artigo que: “Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença”. Consultando a doutrina, Avena (2011, p. 123, grifo do autor), expõe que, em relação ao interrogatório do réu, há duas hipóteses relativas ao dispositivo, quais sejam,

Primeira: o não comparecimento imotivado do réu para esta solenidade possibilita ao juiz determinar a sua condução coercitiva em face da faculdade que lhe é inerente de manter contato pessoal com a prova. Considera-se que o interrogatório, além de meio de defesa do réu, é também meio de prova, tanto que é inserido no Capítulo III do Título VII do Código de Processo Penal, que trata “Da Prova”.

Segunda: O acusado não está obrigado a comparecer ao interrogatório, pois o próprio art. 260, ao facultar a condução coercitiva, refere que o juiz “poderá” e não “deverá” conduzir o réu ausente à solenidade judicial. Além disso, o réu possui direito ao silêncio, ficando a seu critério responder ou não as perguntas formuladas, o que poderá tornar inócua a providência de condução. Nesse sentido: “Nem mesmo ao interrogatório estará obrigado a comparecer, mesmo porque as respostas às perguntas formuladas ficam ao seu alvedrio” (STJ, REsp 346.677/RJ, DJ 30/09/2002).

Também importante assinalar o uso das algemas, entabulado pela Súmula vinculante nº 11, do Supremo Tribunal Federal. Como noticiado no próprio site do órgão, o uso das algemas foi condicionado a casos excepcionais, sendo inclusive previstas penalidades em caso de abuso no uso do referido objeto. O que motivou a consolidação da jurisprudência neste sentido foi a abusiva exposição dos presos à mídia, o que lhes causava constrangimento moral

(32)

e físico. Importante ressaltar, que o Supremo Tribunal Federal decidiu dar às Súmulas Vinculantes o caráter impeditivo de recursos, ou seja, toda a decisão pautada nesse e nos demais entendimentos do Supremo Tribunal Federal, não poderão ser atacadas por recurso.

Com a explanação do que são algumas das garantias constitucionais aplicadas ao processo penal, se faz necessária a ligação destas garantias com o princípio fundamental da presente argumentação: a dignidade da pessoa humana.

A dignidade da pessoa humana é o resultado, o fim maior a que se destina toda a Constituição Federal, e não poderia ser diferente com o processo penal, visto ter suas raízes naquele texto.

Como já referido anteriormente, não há possibilidade de se ter no Brasil uma condenação sem que haja processo. Assim, os princípios do contraditório e da ampla defesa se encaixam neste cenário como condição de que o apenado respondendo a um processo legal faça valer suas garantias constitucionais em nome da sua dignidade como ser humano. Pois, na doutrina de Sarlet (2012, p. 152) “ao Estado – e o direito penal também cumpre esse desiderato – incumbe o dever de proteger (inclusive e mediante condutas positivas) os direitos fundamentais e a dignidade dos particulares”. Assim, o processo penal, também incluído neste campo, representa antes de qualquer outro tema, um instrumento de defesa do indivíduo contra o arbítrio punitivo estatal.

Quanto ao princípio da presunção de inocência, Álvares (2008, p. 46) ensina que este princípio tem consequências sobre a busca da verdade real2 relacionada à culpabilidade do

2

Em relação à verdade real, diz Avena (2011, p. 21, grifo do autor) que devem se adotar todas as providências para que se descubra como os fatos realmente ocorreram e, desta forma, o jus puniendi seja desempenhado efetivamente quanto àquele que praticou ou concorreu para a infração penal. Afirma ainda que o juiz deve motivar o processo, objetivando “aproximar-se ao máximo da verdade plena, apurando os fatos até onde for possível elucidá-los, para que, ao final, possa proferir sentença que se sustente em elementos concretos, e não em ficções ou presunções”. Oliveira (2012, p. 323, grifo do autor), aduz que a busca pela verdade real legitimou, em tempos não tão remotos, “desvios das autoridades públicas, além de justificar a ampla iniciativa probatória reservada ao juiz [...]. A expressão, [...], autorizava uma atuação judicial supletiva e substitutiva da atuação ministerial (ou acusação)”. Alega, ainda, que esta situação se verificava antes da Constituição Federal de 1988, já que, depois da entrada em vigor deste texto constitucional com suas garantias, já não podia mais se justificar tais atitudes. E assim, Oliveira (2012, p. 323, grifo do autor), ainda assevera que a verdade judicial, ou seja, aquela constante dos autos é incessantemente uma verdade processual, pois, além de estar nos autos do processo, trata-se “de uma certeza de natureza exclusivamente jurídica”. Capez (2013, p. 69, grifo do autor), ainda corrobora alegando que “a verdade alcançada será sempre formal, porquanto o que não está nos autos, não está

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réu, bem como em relação a todos os demais atos do processo, que devem respeitar a honra, a integridade, a moral, o contraditório e a ampla defesa do acusado.

A dignidade da pessoa humana tem uma ligação vultosa com a vedação à prática da tortura. Para Sarlet (2012, p. 156),

O exemplo da vedação da tortura [...] bem ilustra a já referida função da dignidade da pessoa humana como cláusula (ética e jurídica) de barreira, que fundamenta uma espécie de “sinal de pare”, inclusive no sentido de operar como “tabu” [...], a estabelecer um “território proibido”, onde o Estado não pode intervir e onde, além disso, lhe incumbe assegurar a proteção da pessoa (e sua dignidade) contra terceiros.

Por fim, o direito constitucional de permanecer em silêncio, corresponde ao princípio de que ninguém ser obrigado a fazer prova contra si mesmo, já que isto ajudaria o Estado a relativizar de forma explícita a dignidade humana e, de acordo com Oliveira (2012, p. 41, grifo do autor):

[...] o direito ao silêncio, ou a garantia contra a autoincriminação, não só permite que o acusado ou aprisionado permaneça em silêncio durante toda a investigação e mesmo em juízo, como impede que ele seja compelido – compulsoriamente, portanto – a produzir ou a contribuir com a formação da prova contrária ao seu interesse.

Diante das explicações acerca das garantias processuais, tem-se que um processo penal que respeite as garantias individuais só reforça a aplicação íntegra do princípio da dignidade humana, antes, durante e após a persecução penal. (ÁLVARES, 2008, p. 47).

Streck e Oliveira (2012, p.18, grifo do autor) aduzem que a teoria processual corriqueiramente descreve o processo penal como uma fórmula matemática, uma espécie de “sopesamento entre o jus puniendi e o status libertatis”. Tem-se nesta balança duas pretensões divergentes na primeira figura a pretensão punitiva do Estado, que ao final da persecução penal deseja impor uma pena ao acusado, do outro lado está o acusado que deseja manter seu

ressalva Oliveira (2012, p. 324), que é absolutamente inadequado discorrer sobre o alcance da verdade real, por dois motivos, o primeiro frisa que essa busca versa sobre um fato que já ocorreu, ou seja, trata-se de um fato histórico e, ainda, por demonstrar que se assemelha muito – e tal semelhança não é recomendável -, com o processo penal medieval, “quando a excessiva preocupação com a sua realização (da verdade real) legitimou inúmeras técnicas de obtenção da confissão do acusado e de intimação da defesa”.

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