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Discursos sedutores: a difusão cultural estadunidense e um novo paradigma do moderno no Recife (1940-1946)

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Academic year: 2021

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SUMÁRIO RESUMO / ABSTRACT... 3 AGRADECIMENTOS ... 4 LISTA DE SIGLAS ... 7 ÍNDICE DE IMAGENS ... 8 INTRODUÇÃO ... 9 CAPÍTULO I: ANUNCIOS E ENUNCIADOS: A EMERGÊNCIA DO AMERICANISMO NO BRASIL... 19

I. Para uma breve História do Americanismo ... 19

II. Um Brasil para além do Wilderness ... 36

III. O Outro lado da moeda ... 44

CAPÍTULO II: PRIMEIROS ENUNCIADOS DE MODERNIDADE: O DISCURSO DO MODERNO NO RECIFE NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX ... 54

CAPÍTULO III: NOVOS INTINERÁRIOS DA MODERNIDADE NO RECIFE: O AMERICANISMO COMO PARADIGMA ... 80

1. A Guerra e seus reflexos no Recife ... 97

2. O Catalisador... 109

CONCLUSÃO ... 122

BIBLIOGRAFIA E FONTES ... 125

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3 RESUMO

Diante do cenário de conflitos internacionais durante a década de 1940, os recifenses passam a conviver com uma forte presença de soldados, propagandas e produtos estadunidenses em seu cotidiano, o que instaura um novo flanco da guerra que, se não participavam diretamente, sentiam indiretamente no seu dia-dia: a de costumes e paradigmas. A modernidade que havia chegado à cidade nas décadas iniciais do século e seguia o modelo europeu passava a não mais funcionar diante de um intenso bombardeio de novas idéias, produtos, modos de vida, realizado pelos EUA e seu american way of life. Auxiliado por um bem estruturado complexo propagandístico e sedutoras imagens de liberdade, abundância, simplicidade, etc., esse país instaura um novo paradigma no Brasil e no Recife em particular, que convivia diariamente com alguns representantes desse novo ideal. Este trabalho visa à análise das estruturas discursivas que suportaram esse novo paradigma de comportamento, criando novas possibilidades de subjetivação, e buscará, como forma de ilustrar os novos enunciados da modernidade, apontar as mudanças no cotidiano da cidade do Recife durante a primeira metade da década de 1940.

ABSTRACT

Ahead the international scenario during the decade of 1940, citizens of Recife started to notice on your daily a presence of soldiers, propagandas and products from the US, what opened a new flank of the war in which, if they did not participate directly, felt indirectly in its quotidian: the war of customs and paradigms. The modernity that had reached the city in the initial decades of the century and followed the European model, started to fail against an intense bombing of new ideas, products, ways of life carried through the USA and its American way of life. Assisted by a well ended propagandistic complex and seductive images of freedom, abundance, simplicity, etc., this country established a new paradigm in Brazil and Recife in particular, that coexisted with some representatives of this new ideal on your daily. This work intents to analyze the discursive structures that had supported this new paradigm of behavior, creating new possibilities of subjectivation, and will try, as a way to illustrate the new enunciates of modernity, to point out the changes in the everyday life of Recife during the first half of the decade of 1940.

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4 AGRADECIMENTOS

Vai parecer clichê. E é, mas não deixa de ser legítimo: este trabalho foi escrito a muitas mãos. Muitas mãos e também vozes que me fizeram, não apenas enquanto autor, aquele que escreve, mas também enquanto ser singular, aquele que sente, vê, percebe, analisa, pensa e escreve! Por isso, esse momento do trabalho, apesar de ser o mais desejado por ser o momento de fazer justiça a essas outras mãos e vozes, é também o mais difícil, pelo temor de ser injusto.

Faço, antes de tudo, algumas ressalvas. Primeira: a ordem dos fatores não altera o produto, ou, traduzindo o clichê, os sujeitos que aqui são citados não o são em nenhuma ordem de preferência ou importância, apenas a ordem da lógica que forma este texto. Segunda: as ausências são mero efeito de uma mente de mestrando. A memória, enquanto categoria histórica ou não, também é feita de esquecimentos. No entanto, não se sintam ofendidos; apropriando-me da canção de Zélia Duncan, digo-lhes: tenho as mãos atadas sem ação, mas um coração maior que eu para caber-lhes. E, terceira e última ressalva: é sob lágrimas que escrevo estas linhas, lágrimas de alegria, felicidade, gratidão, solidão, saudade, sentimento, talvez ressentimento até... Portanto, apenas as leiam, não as comentem.

Começo essas notas promissórias pelo começo. Agradeço imensamente aos meus pais, não apenas por terem me gerado, mas por terem me feito possível. De meu pai, herdei o prazer do saber, que, depois, vim saber ser um

poder – bem que sempre achei ser ele um super-herói! – a sagacidade, a

paciência, a introspecção... Apenas pra falar alguns daqueles atributos que se fizeram presentes na escrita deste trabalho. Da minha mãe, entre tantas outras infinitas coisas, herdei a determinação, a alegria de vida, a compreensão, o amor incondicional... De ambos, a forma de me relacionar com os outros.

Agradeço também a minhas queridas avós. Por circunstâncias da vida, não cheguei a ter uma convivência muito próxima com minha avó paterna, mas saiba ela que a tenho com muito carinho e admiração. Quanto a minha avó materna, ela não é só uma avó. E não que ser avó seja pouco, mas ela é ainda

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5 mais. Ela dedicou, a mim e a meus irmãos, parte de sua vida. Partilhou memórias, contou histórias que, muitas vezes, me aguçavam a curiosidade, o que deve ter fundado meu espírito investigativo que acabaram por me tornar historiador. Enfim, ela me educou... Tornou-se parte de mim.

Agradeço a meus tios e tias, de sangue ou não. Especialmente, agradeço a meu padrinho Fernando, cujas sucessivas conquistas sempre me encheram de admiração e inspiração, e à Coeli e Oscarlino, que acompanharam e participaram minha infância com tamanha dedicação, estando sempre presentes e me estimulando o prazer da leitura. Infelizmente Oscar não está mais nesse mundo para ver o resultado de um trabalho do qual ele também participou. Fica a saudade. À Coeli agradeço também a presença e o protagonismo no melhor e mais decisivo ano da minha vida: 1999, quando fiz meu terceiro ano do Ensino Médio.

Agradeço a meus queridos e inigualáveis irmãos, talvez as pessoas que mais sinto falta na convivência diária. Além das tantas brincadeiras, brigas, momentos, estórias e histórias que partilhamos, devo-lhes grande parte do que sou agora. Meu irmão e seu jeito tímido e resguardado sempre me causaram uma admiração inexplicável. Grande amigo, partilhou e me deixou partilhar muitas histórias, mesmo que silenciosamente. A minha irmã... O que dizer? Como dizer? Não há palavras que traduzam o que ela me faz e o quanto a devo por isso... Nos momentos de alegria, parceria. Nos de tristeza profunda, ombro, força, espelho, sabedoria. Vem dela também minha inspiração, minha gana, meu desejo de saber e de vencer... Até mesmo nas opções teórico-metodológicas nos afinamos... Sem ela, este trabalho não existiria. Portanto, faça-se justiça: este trabalho é dela. Esse agradecimento é estendido ao meu cunhado Carlos Henrique e a cunhada Luciana, pelas brincadeiras, sorrisos e ombros sempre muito bem vindos.

Agradeço, por razões óbvias, a todos os professores e mentores intelectuais que passaram por minha jornada de vida. Nomeio alguns por razões especiais: tia Helena (perdoem-me pedagogos!) da quarta série primária, com quem iniciei a me esforçar pra superar dificuldades escolares; Rosário Sá Barreto pelas aulas filosóficas de redação e Aderval Farias, por ter

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6 incitado a inquietude intelectual e o desejo pela filosofia. Em especial, agradeço a Roselane Neckel, pelas aulas fantásticas que me fizeram ter certeza de muitas das minhas escolhas e pela amizade e apoio não apenas na academia, mas também no dia-dia; a Flávio Weinstein, pelo companheirismo, dedicação e apoio desde o início desta jornada, sempre com palavras de estímulo que me ajudaram a seguir em frente; e a Antônio Montenegro, por ter despertado o desejo do historiar... Com ele iniciei minha carreira acadêmica de historiador.

Agradeço infinitamente a minha orientadora pela amizade, pelas aulas, pelos livros e textos, pelas conversas, pela paciência, pela imensa dedicação, por acreditar em mim e neste trabalho... Ela é a pedra angular deste trabalho. Muito obrigado de coração, Fátima.

Agradeço ainda a todos os funcionários da Fundação Joaquim Nabuco, do Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano e da Biblioteca Pública Estadual de Pernambuco, pela simpatia e empenho em achar os documentos que precisava para realizar esta pesquisa. Devo agradecimento especial a Tarcibetânia, que, ao longo da pesquisa, tornou-se uma amiga.

Por fim, mas não menos importante, a maior lista: meus amigos. Obrigado aos novos amigos de mestrado, pelos momentos de alegria e diversão e também trocas de angústias acadêmicas, que quase sempre se deram nas mesas de bar. Muito obrigado também, as garotas do EJACN e todo o grupo daí formado por compartilharem comigo momentos de alegria e angústia e por terem mostrado o quanto alegre e divertido é este mundo. Imensamente obrigado aos eternos amigos Marcos Montysuma, grande xará, Cezar Karpinski e Adilene Adratt pelo companheirismo em todos os momentos e por terem contribuído em tornar esta cidade um lar para mim. O mesmo vale para o amigo Rodrigo Campos e seu humor impagável. E não esqueci os velhos amigos: Daniel (Buiú) e toda a turma Marista, Dennis e Gabi, André, Juliana, Gibson, Ana, Rafaela, por todas as alegrias e também dificuldades que passamos juntos. Menção honrosa merecem Romildo e Flavinho pela amizade incondicional que os torna verdadeiros irmãos. Ao Flavinho devo ainda a correção das notas de rodapé. Valeu mesmo a todos!

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7 LISTA DE SIGLAS

DP – Diário de Pernambuco

JC – Jornal do Commércio

OCIAA – Office of the Coordinator of Inter-American Affairs

PN – Presente de Natal

SPA – Suplemento Pensamento da América

DE – Departamento de Estado dos Estados Unidos da América – Papéis

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8 ÍNDICE DE IMAGENS

Figura 1 (Seleções do Reader‟s Digest, ago 1942) ... 30

Figura 2 (PN, dez 1944) ... 34 Figura 3 (DP, 1 mar 1942) ... 51 Figura 4 (DP, 8 mar 1942) ... 51 Figura 5 (JC, 12 jul 1939) ... 83 Figura 6 (DP, 15 abr 1943) ... 90 Figura 7 (DP, 11 mar 1943)... 91 Figura 8 (DP, 16 fev 1945) ... 92 Figura 9 (DP, 4 mar 1943) ... 93 Figura 10 (DP, 5 mai 1942) ... 101 Figura 11 (DP, 25 jul 1942) ... 102 Figura 12 (DP, 31 out 1943) ... 105 Figura 13 (PN, dez 1944) ... 113

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9 INTRODUÇÃO

Esta pesquisa é uma investigação da construção e estabelecimento de um paradigma. Por paradigma entendo um modelo cultural em sentido amplo, envolvendo questões de comportamento, organização política, padrões urbanísticos, educacionais, etc. que se entende por ideal e procura-se seguir.

No ano de 1900, Joaquim Nabuco escreveu: “o sentimento em nós é

brasileiro, a imaginação é européia”1

. De fato, naqueles anos o paradigma brasileiro vinha do velho mundo, oscilando, no mais das vezes, entre os padrões inglês e francês, com significativa superioridade para este último. A moral, o vestir-se, os hábitos de sociabilidade vinham, em sua maioria, da França. Tal situação perduraria por algumas décadas.

No entanto, alguns sinais de rupturas permeariam esse período. Os Estados Unidos passaram a despontar no horizonte das Nações desenvolvidas e a brigar, de diversos modos, por seu espaço e consolidação. Se olharmos nosso cotidiano hoje, veremos que muito do que fazemos, falamos, consumimos, lemos, etc. está de certa forma ligado àquele país. Isso é um acontecimento. E é esse acontecimento que busco, aqui, dotar de historicidade.

A história da construção de um paradigma estadunidense no Brasil se faz muito controversa. Algumas pesquisas recentes apontam já no final do século XIX uma busca do Brasil em se pautar pelos modelos estadunidenses em algumas áreas2. Contudo, a maioria dos historiadores defende a idéia de que a chamada “americanização” do país começa a se fazer em meados da década de 1910, quando se é possível traçar algumas mudanças nos hábitos das elites das grandes cidades brasileiras aos moldes anglo-americanos e no sistema de produção fabril, com a introdução de novos aparatos tecnológicos e o padrão fordista.

1 NABUCO, Joaquim. Minha formação. Rio de Janeiro – Paris: H. Garnier, 1900. 2

Esse é o caso, por exemplo, do artigo Americanismo e educação: um ensaio no espelho, de Mirian Jorge Warde, publicado no periódico São Paulo em Perspectiva, n. 14, 2000, no qual se discute o espelhamento das políticas educacionais brasileiras naquelas adotadas nos Estados Unidos. Disponível na Internet: www.scielo.br/pdf/spp/v14n2/9786.pdf. Acesso em 15/10/2007.

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10 Há outras divergências historiográficas no que diz respeito ao caráter da

formação desse paradigma e das relações culturais Brasil – Estados Unidos.

Os estudos de caráter analítico desse tema que aparecem no Brasil na década de 1960 possuem forte vinculação à historiografia marxista clássica. Tais estudos destacavam a presença cultural estadunidense como uma relação de dominação que buscava aculturar o país para torná-lo mais maleável política e economicamente. Com isso, viam as mudanças que se processavam na sociedade em decorrência da presença cultural estrangeira como algo nocivo, que estava eliminando a verdadeira cultura do país, tendo isso impacto negativo na formação de uma identidade nacional brasileira, tão buscada nesse período.3

No entanto, ainda que esta visão se faça presente em alguns estudos nas duas décadas seguintes, já é possível, em fins da década de 1970, identificar algumas pesquisas inovadoras, como os trabalhos de autores como Gerson Moura, Monica Hirst e outros. Esses novos enfoques, mesmo ainda muito ligados à questões político-econômicas, vêem a questão das relações culturais numa perspectiva não de perda, mas de troca, podendo, ambos os países, assimilar às suas culturas aspectos estrangeiros, ainda que a via aberta a essas trocas fosse, na visão destes autores, muito maior no sentido dos EUA para o Brasil que a via contrária.

Com o desenvolvimento da História Cultural no Brasil na década de

1990, principalmente após o lançamento do já clássico livro de Lynn Hunt – A

Nova História Cultural4 –, outros panoramas de estudos são abertos. Passa-se

então a falar em circularidade cultural e em apropriações, seguindo-se, visivelmente, a inspiração deixada por antropólogos e historiadores como Clifford Geertz e Roger Chartier.

E, seguindo os trilhos desses novos panoramas, destaco aqui o trabalho de Antônio Pedro Tota, em O Imperialismo Sedutor: a americanização do Brasil na época da Segunda Guerra, que trás um estudo de grande força documental

3

Como exemplo de obras pertencentes a essa historiografia , vide: ALVES, Júlia Falivene. A invasão cultural norte-americana. São Paulo: Ed. Moderna, 1988; e BANDEIRA, Moniz. Presença dos Estados Unidos no Brasil (Dois Séculos de História). Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1973.

4

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11 que analisa a mudança do paradigma francês para o estadunidense no Brasil diante de um cenário de conflito ideológico entre o germanismo e o americanismo. Esta obra inova a visão das relações culturais Brasil - Estados Unidos, entendendo-a como uma troca, muitas vezes de mão única, mas que não é imposta e nem prejudicial às culturas em jogo.

Foi com base em uma apropriação dessas últimas discussões que construí este trabalho e as principais questões nele presentes. Diferentemente dos estudos iniciais que defendem a americanização do país já no início do século XX, defendo aqui que, nesse período, os aspectos da cultura estadunidense ainda eram incipientes e muito pontuais no cotidiano brasileiro, sendo caracterizados mais como uma inspiração em modelos iniciados nos Estados Unidos e difundidos por todo o mundo ocidental a partir de princípios endógenos ao padrão capitalista de produção/ organização social então em voga.

E, nesse sentido, sigo a trajetória já aberta pela historiografia recente do tema, que defende que essa “americanização” se efetiva apenas em meados do século XX, mais marcadamente durante a década de 40, quando, conforme será mostrado nos capítulos a seguir, uma bem estruturada máquina de construção discursiva é fundada com o objetivo de construir os Estados Unidos da América como um paradigma a ser seguido em termos econômicos, ideológicos e culturais. Nascia, nesta década, o Office of the Coordinator of Inter-American Affairs (OCIAA), instituição destinada à idealização e efetivação da política externa estadunidense para as Américas e cuja história veremos brevemente no próximo capítulo.

Antes de apresentar e discutir as fontes e como elas serão trabalhadas,

gostaria de explicitar que não sigo, aqui, a idéia positiva de história, que pretende representar o real de forma objetiva e tal como aconteceu em sua totalidade. Há diferenças enormes entre o fato acontecido e o resultado do trabalho do historiador, a começar pela própria subjetividade, pelas questões levantadas no presente e que levam o historiador ao objeto do passado. Também não estou em busca das origens das questões aqui tratadas, mas de

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12 como foram sendo gestadas e emergiram enquanto um acontecimento, tornado aqui um problema de pesquisa.

Portanto, não trabalharei nesta pesquisa com conceitos de “verdade” e

“real” enquanto fins em si mesmo, mas sim como construções parciais e passíveis de resignificações, recortes, embates. Parafraseando Foucault, não

objetivo “revelar e explicar o real, mas desconstruí-lo enquanto discurso”5

. Contudo, isso não significa dizer que o real não tenha sua materialidade, ao contrário, é nela que ele se efetiva.

É me valendo dessas idéias e preceitos teóricos que irei trabalhar com

as fontes selecionadas. Ainda segundo Foucault, a história “mudou sua posição acerca do documento: ela considera sua tarefa primordial, não interpretá-lo, não determinar se diz a verdade nem qual é seu valor expressivo, mas sim trabalhá-lo no interior e elaborá-trabalhá-lo”6

. Nesse sentido, o trabalho com as fontes será um exercício de historiador enquanto ser social, que interpreta, organiza, dá sentido, recorta, enfim, historiciza a sua documentação. Esse diálogo historiador / fontes se faz fundamental na narrativa da história. Sem ele, não haveria história, e sim ficção.

Também no trabalho do historiador, cada escolha resulta de uma

decisão política. Possui suas intencionalidades, seus mecanismos de poder. E a escolha deste caminho não se faz de forma diferenciada. Não estamos fazendo aqui algo diferente de uma prática discursiva.

O objeto central desse estudo é a construção discursiva que procura divulgar o american way of life e seus enunciados como um paradigma e,

dessa forma, consegue enraizar determinados padrões culturais

estadunidenses no Brasil, mais especificamente, no Recife, abarcando aí uma mudança sensível no cotidiano e sociabilidades desses espaços.

Estou entendendo discurso, construção discursiva, práticas discursivas, etc. tendo por base o arsenal teórico foucaultiano, ou seja, tomo o discurso não em sua acepção comum, enquanto uma exposição metódica sobre determinado assunto, mas sim enquanto uma prática de determinação das

5

FOULCAULT, Michel. 12. ed. A Arqueologia do Saber. São Paulo: Forense-Universitária, 1986. p. 7.

6

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13 coisas enquanto tais, um dizer carregado de poder e que visa a constituir subjetividades. Em última análise, buscamos o discurso enquanto acontecimento, enquanto prática que se desloca da materialidade enquanto tal e faz funcionar mecanismos de poder.

Não procuro encontrar atrás do discurso uma coisa que seria o poder e que seria sua fonte, como em uma descrição de tipo fenomenológico e de qualquer método interpretativo. Eu parto do discurso tal como é. Em uma descrição fenomenológica, se procura retirar do discurso algo que concerne ao sujeito falante; se trata de reencontrar, a partir do discurso, quais são as intencionalidades do sujeito falante, um pensamento que se está formando. O tipo de análise que pratico não se ocupa do problema do sujeito falante, e sim examina as diferentes maneiras nas quais o discurso cumpre uma função dentro de um sistema estratégico onde o poder está implicado e pelo qual o poder funciona.7

Da mesma forma, as fontes que selecionei também revelam

mecanismos de poder em sua prática discursiva, sendo também produtoras de discursos. Com isso em mente, foram analisados periódicos que circularam

durante o período de 1940 a 1946 – no qual funcionou a máquina de produção

de imagens, textos e intertextos do OCIAA – entre eles os jornais

pernambucanos Jornal do Commércio e o Diário de Pernambuco, além de revistas de grande circulação recifenses, tais como o anuário Presente de Natal. A opção pelo trabalho com jornais se deu por se tratar de um registro diário daquilo que ocorreu na cidade no período estudado, permitindo, assim, traçar a regularidade do discurso midiático, avaliar as imagens e discursos que estavam disponíveis ao público leitor desses jornais no Recife, bem como ter uma visão do cotidiano político-cultural dos recifenses, alguns de seus itinerários de sociabilidade e as mudanças que se processavam no período e também as reações a estas, através dos artigos de colunistas que se posicionavam diante de fatos ocorridos na cidade ou fora dela.

Esses jornais e também as revistas permitiram o estudo da publicidade e das mensagens que se pretendia transmitir, ou seja, a partir das propagandas e artigos veiculados, foi possível identificar os valores da sociedade na qual são produzidos e sua relação com os ideais que se pretendia difundir e associar ao

7

FOUCAULT, Michel. Ditos e Escritos. Volume III. Estética: literatura e pintura, música e cinema. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006.

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14 cotidiano do público leitor. Algumas peças publicitárias também visavam construir “novos” valores e difundir novos modos de vida para tornar aceitável o produto que divulgam. Essas propagandas receberam uma atenção especial em nossa análise, por ter sido através delas que se foi disseminando aspectos ainda “desconhecidos” do americanismo e seu american way of life. Vale relembrar que muitas dessas peças publicitárias eram criadas e pagas por empresas norte-americanas, em acordo com o Office.

Como anexo deste trabalho, apresento uma tabela com um breve editorial dos principais periódicos utilizados, registrando um pouco de suas vinculações políticas, quem fala e de onde fala.

Eventualmente também recorri a algumas outras publicações em busca de resolver impasses apresentados no decorrer da pesquisa. Foi o caso, por exemplo, da revista pernambucana A Pilhéria durante sua circulação nos anos 1920, período que está fora do delimitado nesta pesquisa. Isso se deu por uma necessidade de discutir o caráter da modernidade no Recife nos anos 1920, tão estudado pela historiografia pernambucana. Por não se tratar do momento chave da pesquisa, essa revista foi pesquisada sem serialização, sendo apenas consultada em números específicos ao interesse despertado pelas encruzilhadas da pesquisa.

Outro caso similar se deu com algumas publicações internacionais, como União Panamericana, Seleções e Life, que foram consultadas na tentativa de buscar a propaganda estadunidense em seu território e tecer algumas comparações com aquela que foi pensada especificamente para o Brasil e/ou América Latina.

Como já foi dito, esses periódicos também possuem mecanismos de

poder, intencionalidades em seus discursos, sendo muitas coisas silenciadas, outras recortadas para se atingir essa intencionalidade.

Nesse sentido, buscarei por em evidência os discursos pautados em relações de poder, dotados de intencionalidades e de políticas e que permitiram a constituição de sujeitos. Apropriando-me das palavras do próprio Foucault, procurarei “mostrar como se formaram, para responder a que necessidades,

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15 como (...) se deslocaram, que força exerceram efetivamente (...) e quais foram

suas condições de aparição, de crescimento, de variação”.8

Ainda cabe destacar que entendo que esse tipo de fonte é voltado a

determinado público/classe sócio-intelectual. No entanto, não objetivo aqui trabalhar com conceitos tais como classes médias ou classes intelectuais, pois os vejo como relativos e homogeneizantes e, portanto, falíveis. Dentro do todo social que esses conceitos buscam enquadrar há muitas outras singularidades que não são englobadas por eles. Sendo assim, não determino um público específico como foco de análise, mas sim o todo social enquanto sujeito a determinados mecanismos de produção de valores, sentido e paradigmas. Trabalharemos com a construção discursiva que visam à produção de subjetividades, procurando apontar, se e quando possível, quando e como novas identidades se formam.

Por fim, faz-se necessário a explicação de duas opções do uso da

linguagem nessa pesquisa, essas também subjetivas.

Optei pelo uso do termo pátrio estadunidense e suas variações no lugar do oficialmente adotado pela língua portuguesa americano e variações, ou do também corrente em nossa língua norte-americano. Essa escolha também é subjetiva e também possui efeito discursivo bem como anti-discursivo, ambos com implicações políticas.

No decorrer da pesquisa que resultou neste ensaio, pude aquilatar que, nos Estados Unidos, a história desse vocábulo sofre mudanças a partir de meados do século XIX, quando da afirmação da Doutrina Monroe, que, na tentativa de frear o interesse colonial europeu nas Américas, pregava: “as Américas para os Americanos”. Essa doutrina decretava, então, que os assuntos internos ao continente caberiam ao próprio continente resolver e que ficava sob a responsabilidade dos Estados Unidos a vigilância para a correta aplicação dessa Lei. A partir de então, as atitudes da política externa daquele país aliada a uma dizibilidade do que seria a América ideal, apregoada, por

exemplo, no Destino Manifesto9, passou a dar a conotação ao termo americano

de ser referência exclusiva ao seu país. Inexiste na língua inglesa termo

8

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 1995. p 23.

9

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16 diferente de american para designar o cidadão nascido ou fazer referência a algo que seja relativo aos Estados Unidos da América. Esse é o termo oficial... e único!

No Brasil, no entanto, percebi que, até o início da década de 1940, o termo americano aplicava-se, em sua maioria das vezes, a todos àqueles ou a tudo àquilo referente a todo o continente americano, envolvendo, portanto as três Américas. O adjetivo pátrio mais comum para referencia aos Estados Unidos era, então, norte-americano, mas também aparecendo o termo estadunidense. Com o início da propaganda intensiva do americanismo no Brasil pelo OCIAA é que passamos a ver mudanças e sua aplicação passa a ser feita indistintamente nas duas conotações, escasseando-se as outras referências.

“Ai, palavras, que estranha potência a vossa”10, disse, sabiamente,

Cecília Meireles. Utilizar, portanto os termos corriqueiros ou oficiais para designar aquilo que queremos seria anti-analítico e incoerente, pois estaríamos continuando a afirmar a mesma discursividade que buscamos apontar e desconstruir. Nesse sentido, usar o termo estadunidense é, portanto, anti-discursivo. Contudo, faz-se impossível desafirmar algo sem pôr nada em seu lugar, e, sob nossas escolhas, recai, portanto, outro efeito discursivo. Caberá a outrem, futuramente, desconstruí-lo também?!.

O leitor atento certamente perceberá a variação da pessoa do verbo neste texto. Eis, mais uma vez, uma escolha subjetiva, guiada por opções teórico-metodológicas. Utilizo, portanto, a primeira pessoa quando implica em decisões e escolhas pessoais, em pouco ou nada relativas diretamente às bases teóricas aqui envolvidas. No entanto, o uso da terceira pessoa se faz em todos os outros momentos, onde, apesar das escolhas, apropriações e significações subjetivas deste autor, elas foram guiadas por pensamentos e significados coletivos, plurais, desgarrados de qualquer autoria ou propriedade, sendo, portanto, de domínio público.

Buscarei, nos capítulos que se seguirão, desenvolver melhor algumas questões apresentadas superficialmente. Para tanto, farei uso do significativo

10

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17 referencial teórico já citado, e também da vasta documentação já apresentada, que serão utilizados diferentemente em cada capítulo a seguir.

O primeiro capítulo será voltado a uma breve história do Office Of The Coordinator Of Inter-American Affairs e a sua atuação no Brasil e como esse órgão trabalha para divulgar aspectos do americanismo no Brasil. É nesse capítulo que também irei explicitar o que é esse americanismo. Como este é um campo já bastante estudado, procurarei revisitar algumas obras clássicas e fundamentais sobre o tema para construir esse capítulo a partir de um debate historiográfico. Assim, recorrerei a autores como Gerson Moura, Monica Hirst, Antonio Pedro Tota e outros, procurando também pontuar a visão de cada um desses historiadores acerca do caráter da atuação desse importante órgão para a relação cultural entre Brasil e Estados Unidos na época da Segunda Guerra Mundial. Dessa forma, farei referência a essas obras, mas sem repeti-las, defendendo idéias pessoais a partir da leitura das mesmas e dos registros encontrados nos documentos pesquisados.

O capítulo seguinte será voltado para a análise da modernidade tal como ela se apresenta inicialmente no Recife a partir das construções discursivas no cenário intelectual da cidade. Objetivo, neste primeiro momento, demonstrar, através do recurso a algumas obras literárias, relatos de personalidades do período, estudos sobre a época e artigos da revista A Pilhéria, como emergiram essas imagens do moderno, qual seu valor discursivo e qual o seu entendimento na capital pernambucana antes da atuação do OCIAA no Brasil. Nesse sentido, será necessário dialogar com alguns autores que analisaram essas idéias na modernidade recifense nos anos 1920, entre eles Antônio Paulo Rezende e entender um pouco desses “itinerários da modernidade” no Recife para que possamos entender as mudanças em seus caminhos discursivos no período que mais nos interessa aqui.

Por fim, no terceiro e último capítulo, serão expostas as idéias base deste trabalho. Já tendo em mente a importância e o caráter da atuação do Office de Rockfeller no Brasil e tendo já discutido um pouco sobre a modernidade e outras questões referentes ao americanismo na cidade do Recife nos anos antecedentes ao período em questão, procurarei demonstrar como o bombardeio discursivo do período de 1940 a 1946 foi decisivo para

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18 acelerar a mudança de paradigma na cidade do Recife, que passa de um modelo francês para o modelo propalado pelos Estados Unidos da América e seu modelo de vida, contribuindo, assim, na constituição de novas identidades/subjetividades. Aqui nos valeremos essencialmente dos jornais pernambucanos Jornal do Commércio e Diário de Pernambuco, dando ênfase a este último por se tratar de jornal de maior circulação e aceitação na cidade e também por ser o que mais trás notícias sobre a cidade do Recife nesse período em que o foco da imprensa era as notícias internacionais. Outros periódicos também serão utilizados, como o anuário recifense Presente de Natal, publicação de enfoque literário, e o Jornal da Associação Cultural Brasil – Estados Unidos, também de circulação restrita à cidade do Recife.

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19 CAPÍTULO I

ANUNCIOS E ENUNCIADOS: A EMERGÊNCIA DO AMERICANISMO NO BRASIL.

I. Para uma breve História do Americanismo

Observando a sociedade contemporânea, podemos bem aquilatar o quanto representa em seus aspectos culturais a presença massiva no vocabulário, nos padrões de comportamento e nos códigos de conduta, dos modelos provenientes da sociedade e da cultura dos Estados Unidos, com

destaque para a cultura de massa11.

Para procurar entender esse cenário atual, recuei algumas décadas na história e encontrei no período imediatamente anterior à deflagração da

Segunda Guerra Mundial um grande embate de ideologias12: de um lado, as

potências do Eixo e o seu regime nacional-socialista e, de outro, os Estados

11

Este trabalho não aborda a análise de categorias e de classificações da cultura, questões muito estudadas e discutidas pela historiografia. Aqui, utilizo o termo de acordo com a acepção mais corriqueira e vulgar, ou seja, a cultura produzida para um grande público, não necessariamente mal informado, mas que possui pouco acesso à cultura letrada. Nesse sentido, entendo a cultura de massa como oposta à cultura acadêmica e letrada. Há outras acepções do termo que considero válidas e que mereceriam uma análise mais aprofundada – o que não ocorrerá neste estudo – tal como, o conceito defendido do grupo da Escola de Frankfurt, destacadamente por Theodor Adorno, que entende a cultura de massa como um subproduto da indústria cultural, ou seja, o resultado de uma produção em escala industrial voltado para um grande público com o objetivo da estandardização. Para maiores informações sobre essas questões, algumas leituras essenciais, como: ADORNO, Theodor. A indústria cultural. In: Teoria da Cultura de Massa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982; BOSI, Eclea. Cultura de massa e cultura popular. Rio de Janeiro: Vozes, 2000; MORIN, Edgar. Cultura de Massas no Século XX: o espírito do tempo. Rio de Janeiro: Forense Universitário, 1990; ORTIZ, Renato. A Moderna Tradição Brasileira – Cultura Brasileira e Indústria Cultural. São Paulo: Brasiliense, 1986.

12

Aqui, utilizo o conceito de ideologia com base numa apropriação específica daquele defendido por Althusser e que faço ir ao encontro das idéias foucaultianas. Sendo assim, suprimo desse conceito a idéia de verdade sub-reptícia, escondida, que visa uma dominação e o entendo como o enquadramento de uma formação discursiva num conjunto de crenças cujo efeito de verdade dependerá da posição de sua enunciação, bem como, do contexto histórico e social relacionado. Posteriormente, analisarei mais detalhadamente as idéias de discurso e formação discursiva. Entre outras análises sobre Ideologia, vide: ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos do Estado. 6. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1992; CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense, 2008. FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979. KONDER, Leandro. A questão da ideologia. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

(19)

20 Unidos da América, em busca de novos mercados para seu capitalismo industrial em expansão.

Nesse contexto, a América Latina aparece como um importante mercado consumidor dos produtos manufaturados europeus e estadunidenses e, também, como uma grande reserva de matérias-primas para alimentar as indústrias de base das nações em processo de industrialização, o que a levou a ficar no “fogo cruzado” das disputas ideológicas, econômicas e culturais.

Dentro desse clima conflituoso, a principal arma das potências do Eixo, em especial, a Alemanha, foi o Comércio de Compensação, travado com os principais países latino-americanos, especialmente o Brasil. Através dessa forma de negociação, a Alemanha conseguiu estabelecer uma influência nestes países com a troca de produtos sem a intermediação de moedas fortes, escassas em ambos os lados da transação, além de difundir os valores do nacional-socialismo pela via aberta com o comércio, uma vez que chegavam, através desses acordos, livros, filmes e outros produtos que continham, em si,

esses valores arraigados.13

Os Estados Unidos, que há algum tempo tornaram-se o maior expoente da representação do ideal liberal nas Américas, sabendo que a América do Sul constituía uma parte importante do plano de expansão nazista e temendo não só perder boa parte das vantagens que o território latino poderia oferecer ao seu crescimento, mas também, a possibilidade de consolidação de uma região de colonização alemã próxima ao seu território, passaram a rever a sua política externa em relação às nações latino-americanas.

Desde meados do século XIX, a América Latina começou a fazer parte dos interesses estadunidenses e diversas foram as atitudes daquele país para com os vizinhos mais ao Sul, a maioria delas, de uma forma mais ou menos explícita, baseadas na doutrina do Destino Manifesto. Segundo essa doutrina, que para alguns historiadores, que ainda hoje se faz presente no imaginário de alguns líderes estadunidenses, a expansão dos EUA por todo o continente americano além de óbvia era inevitável, um dever determinado por Deus

13

MENEZES, Albene Miriam F. Alemanha e Brasil: o comércio de compensação nos anos 30. In: BRANCATO, Sandra Maria Lubisco; MENEZES, Albene Miriam F. (Orgs.). Anais do simpósio cone sul no contexto internacional. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1995.

(20)

21 àquele povo, que deveria seguir sua expansão com base nos princípios da

democracia e liberdade14. Foi com base nesse pensamento que se deu a

expansão das Treze Colônias para o Oeste, então visto como o wilderness15;

foi também segundo esse princípio que, ainda no século XIX, foi formulada a

Doutrina Monroe, “a América para os americanos”. Segundo a qual cabia aos

Estados Unidos o dever de defender a integridade das nações do continente americano diante de ameaças de outras potências, especialmente as européias.

Já no século XX, a política do big stick, implantada no governo de Theodore Roosevelt ainda possuía certos aspectos do Destino Manifesto, ainda que não explícitos. Essa política não poupava o uso da força para garantir que seus interesses políticos e econômicos no continente fossem mantidos. Contudo, esses métodos não mais funcionavam dentro do jogo de disputas que se vivia nesse momento. Era preciso criar mecanismos capazes de conquista pela simpatia no lugar da força, uma vez que os EUA não estavam mais sozinhos na corrida pelos mercados e pela influência na América Latina. Assim, o recém-eleito Franklin D. Roosevelt anunciou a Política da Boa Vizinhança, que buscaria, através da conquista de “mentes e corações”, ganhar a simpatia das nações americanas para o seu lado através da idéia de amizade e irmandade entre os países vizinhos; o Brasil, nação de destaque ao sul do continente, mereceria uma atenção especial.

Com o agravamento das tensões no continente europeu e a deflagração da Segunda Grande Guerra em agosto de 1939, as disputas internacionais se

14

Essa é uma idéia que vem sendo defendida por muitos pensadores na área das ciências humanas. Para mais informações, o seguinte artigo é bastante elucidativo sobre a atualidade desse pensamento dentro dos Estados Unidos: Sem autor. Manifest Desteny warmed up? Disponível para consulta em: http://www.why-war.com/news/2003/08/14/manifest.html. Último acesso: 20/03/2009. Além desse artigo, vide também: Haynes, Sam W. and Christopher Morris, eds. Manifest Destiny and Empire: American Antebellum Expansionism. College Station, Texas: Texas A&M University Press, 1997. McDougall, Walter A. Promised Land, Crusader State: The American Encounter with the World Since 1776. New York: Houghton Mifflin, 1997.

15

Segundo Mary Anne Junqueira, essa idéia é bem presente no imaginário social estadunidense. Para ela, “a imagem mais usual do wilderness é a do homem num meio ambiente estranho, onde a civilização que normalmente ordena e controla a sua vida está ausente, tornando-se, assim, uma incógnita. Quer dizer, um lugar oposto aos lugares civilizados”. E assim era o imaginário do Oeste daquele país: um lugar abandonado e repleto de selvagens que, no entanto, com o trabalho e esforço dos pioneiros seria civilizado e daria nova vida à estagnada economia dos Estados Unidos no momento da expansão. Cf. JUNQUEIRA, Mary Anne. Ao Sul do Rio Grande – imaginando a América Latina em Seleções: Oeste, wilderness e fronteira (1942-1970). Bragança Paulista: EDUSF, 2000.

(21)

22 acirraram e com elas as dúvidas em relação à América Latina. O bloqueio naval britânico às potências do Eixo pôs fim ao Comércio de Compensação e abriu um maior espaço para a influência estadunidense nas Américas. Contudo, as vitórias alemãs no front europeu recrutavam cada vez mais simpatizantes entre os governos de cunho autoritário dos países

latino-americanos, deixando um clima de indecisão no ar.16

No Brasil, alguns setores do governo Vargas, especialmente o das forças armadas, mostravam-se contra o paradigma estadunidense e seu mundo de abundância e de apologia ao prazer pelo consumo. Para esses militares, defensores do autocontrole e da disciplina, o american way of life talvez representasse uma atitude indisciplinada e evasiva demais. Ao mesmo tempo, as vitórias alemãs nos campos de batalha europeus, aliadas à propaganda germanista que chegava ao Brasil através da radiodifusão, principalmente através das ondas da Rádio Berlim, compunham um imaginário que deveria ser seguido. Agregando mais força a esses setores, havia ainda, em algumas regiões do Brasil e de forma mais acentuada no Sul do país, uma forte presença de cidadãos alemães e italianos reunidos em colônias e vivendo dentro dos costumes de seu país de origem.

Além disso, Getúlio Vargas, então presidente do Brasil, soube tirar proveito da situação internacional e lançou o país numa política externa ambígua, ora direcionada para as negociações com os EUA, ora para um relacionamento próximo às potências do Eixo, em especial com a Alemanha. Essa “eqüidistância pragmática” adotada pelo governo Vargas chegou a garantir, ainda antes da deflagração do conflito europeu, o treinamento de parte do exército brasileiro por tropas alemãs e, pelo lado estadunidense, vantagens econômicas para subsidiar seus planos de industrialização. Como exemplo do seu “jogo duplo”, dias após proferir um discurso com mensagens dúbias em

junho de 1940, exaltando uma “marcha a um futuro diverso” e o fim dos

“liberalismos imprevidentes”, tido por muitos como um discurso em prol do germanismo, Vargas demonstrou simpatia pela política pan-americana proposta

16

Sobre a política dos Estados Unidos para o Brasil, vide: MOURA, Gérson. Tio Sam chega ao Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1991.

(22)

23 pelos EUA. Essa aproximação lhe garantiria bons resultados comerciais, tais

como a facilitação da compra do café brasileiro pelos “bons vizinhos do Norte”.17

Preparando sua entrada na guerra européia, os EUA perceberam que atitudes como as do presidente brasileiro e também as de parte do oficialato do exército do país vizinho constituíam um perigo mais que iminente, com a agravante de que cidadãos e seus descendentes daqueles países contra os quais guerreavam por posições estratégicas, viviam no território brasileiro. Num documento datado de 23 de abril de 1940, do Departamento para Assuntos Militares da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil, há comentários sobre a situação militar na América do Sul, sua geografia e a possibilidade de invasões estrangeiras. Nesse documento, merece destaque a região Sul do Brasil:

The geographical position of the east coast south american countries (sic) practically eliminates war probabilities with countries of other continents, except for the narrow strip (Corrientes Missiones Corridor). Argentina is physically shut off from her (sic) strong neighbor and potential enemy, Brazil, by the buffer states Bolivia, Paraguay and Uruguay. Brazil is subject to invasion through these same areas. (…) A probable theater of war – the Corrientes Missiones Corridor – and its adjacent Brazilian state of R. G. do Sul has a fairly healthful climate but in many places is densely wooded and marshy, particularly along the rivers and during the rainy season. In this area, the Province of Corrientes is the most likely sector from which to launch an invasion of Brazil. 18

Esse documento demonstra duas preocupações estadunidenses: a primeira era fazer um mapeamento do território da América do Sul para traçar possíveis planos de defesa/invasão em caso de necessidade, e, em segundo lugar, a necessidade de atenção especial que demandava a região ao sul do Brasil. Tal necessidade advinha não apenas pela situação politicamente

17

TOTA, Antônio Pedro. O Imperialismo Sedutor: a americanização do Brasil na época da Segunda Guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

18

DE 40.04.19 – CPDOC/FGV. The military situation on the east coast of South America. Submitted by the military attaché, Rio de Janeiro, Brazil – April, 23, 1940. Transcrição de parte do documento. Os grifos são meus. Tradução: A posição geográfica dos países da costa leste sul-americana praticamente elimina probabilidades de guerra com países de outros continentes, exceto pequeno trecho (Corrientes Missiones Corridor). Argentina é fisicamente desligada de seu vizinho e potencial inimigo, o Brasil, pelos Estados próximos de Bolívia, Paraguai e Uruguai. O Brasil é sujeito a invasões por essas mesmas áreas. (…) Um provável teatro de Guerra – o Corrientes Missiones Corridor – e o seu adjacente Estado brasileiro do Rio Grande do Sul possui um clima deveras saudável, mas em muitos lugares é densamente pantanoso e de mata fechada, particularmente ao longo dos rios e durante a estação chuvosa. Nesta área, a província de Corrientes é o setor mais provável por onde lançar uma invasão do Brasil.

(23)

24

complicada da Argentina19, mas também, pela preocupação com a existência de

uma significativa população germânica ali residente, ambas comentadas em outros documentos da mesma época. Urgia, portanto, encontrar uma solução rápida para o impasse. Dessa forma, procuraram coordenar esforços de vários setores governamentais para planejar uma eficiente política externa específica

para os países latino-americanos, em especial o Brasil – que começava a

despontar como a mais importante liderança no subcontinente – e minimizar ou

mesmo liquidar a influência germânica sobre esses países.

Essa conjuntura propiciou uma grande importância nos debates a respeito da política externa estadunidense na campanha eleitoral de 1940. Roosevelt, buscando sua segunda reeleição, fato que, até tal data, era inédito na história dos Estados Unidos, recebe, então, duas propostas diferentes para a política com a América Latina. A primeira delas, contendo propostas mais formais e burocráticas, veio de um grupo que tinha entre seus líderes o subsecretário de estado Sumner Welles. Já a segunda proposta, previa a criação de uma agência destinada a preparar políticas para a América Latina centrando foco na questão das relações culturais e veio de um grupo de magnatas chefiados por Nelson Aldrich Rockfeller, herdeiro do multimilionário John D. Rockfeller Jr., empresário estadunidense dono de companhias que atuavam no mercado latino-americano, entre elas a Standard Oil Company. Entusiasmado com as idéias desse grupo e também interessado em poder contar com o grande poder financeiro de Nelson Rockfeller, Roosevelt recusou as propostas do primeiro grupo e tomou todas as providências para que em 16 de agosto de 1940 fosse criado o Office for Coordination of Commercial and Cultural Relations between the American Republics.

19

Diante das vitórias do Eixo na Europa e já ciente de que sua entrada na guerra seria uma questão de tempo, os Estados Unidos promoveram diversas reuniões para tratar da efetivação da Boa Vizinhança com os líderes das nações latino-americanas, esperando obter dos mesmos a pronta aceitação e assinaturas de acordos favoráveis aos seus interesses. No entanto, as negociações foram longas e mais complicadas do que esperavam, precisando haver também concessões da parte de seu governo. O caso argentino, no entanto, ficou bastante tenso diante das recusas desse país em assinar o rompimento diplomático com os países do eixo e a insistência em manter a neutralidade, o que, para os líderes estadunidenses, era inaceitável; ou se estava com os Estados Unidos ou se estava contra ele. O impasse permaneceu durante toda a guerra, ocasionando momentos de tensão entre esses países, precisando da interferência dos ministros de estado vizinhos, entre eles Oswaldo Aranha, Ministro do Exterior no Brasil, para evitar conflitos diplomáticos.

(24)

25 Em pouco tempo, enquanto mostrava suas habilidades à frente da direção da agência, Rockfeller foi ganhando espaço e poder e, diante do agravamento da situação européia e do avanço das tropas nazistas, passa a deter ainda mais autoridade e poder na agência em 30 de julho de 1941, quando esta passa por algumas modificações e é renomeada para Office of the Coordinator of Inter-American Affairs (OCIAA), ou Escritório do Coordenador dos Assuntos Interamericanos, sendo então definitivamente entregue à responsabilidade do jovem magnata, nomeado diretor do Office.

Esse Escritório, ligado ao Departamento de Estado daquele país, foi transformado no órgão chefe da estruturação e efetivação da política externa estadunidense para as Américas. Abrangendo diversos setores governamentais e contando inclusive com a participação das embaixadas, visava, principalmente, a combater a influência do Eixo no continente e consolidar os Estados Unidos como uma potência hegemônica no contexto americano.

Num primeiro momento, Nelson esperava que, com ajuda financeira, pudesse manter politicamente estável a região ao sul do Rio Grande. Sem dúvida, ele estava envolvido na luta contra a expansão do nazismo, mas acima de tudo prevalecia a visão política do empresário que queria afastar da América Latina os produtos alemães que concorriam com os americanos.20

Com o passar dos anos e o crescente perigo de expansão do germanismo diante das vitórias do Eixo nos campos de batalha europeus e do bem embasado projeto propagandístico alemão, a via do mercado para o OCIAA passou a funcionar não apenas como objetivo final, mas também como um meio de construir o paradigma estadunidense nas Américas. A cultura de consumo, aliada a outros fatores no campo das relações culturais, emerge como um eficiente fator discursivo: era preciso vender não apenas os produtos estadunidenses, mas também o american way of life.

Cultura e propaganda passaram a ser consideradas materiais tão estratégicos como qualquer outro produto. A estabilidade política e social seria a melhor defesa de todo o continente. O combate ao germanismo deveria ser feito via mercado.21

20

TOTA, op. cit., p 51.

21

(25)

26 Para atuar com eficiência nesse setor, o OCIAA contava com uma estrutura bem organizada, com departamentos e setores divididos com funções específicas, cada uma desses atuando de forma semi-independente, devendo satisfação apenas à sua chefia imediata e ao coordenador geral, ou seja, Nelson. A espinha dorsal da organização era o Departamento de Comunicações, no qual estavam inseridas as divisões de Imprensa e Publicações, a de Rádio, a de Cinema e a de Informação e Propaganda. Esse departamento possuía objetivos bem particulares: primeiramente, construir uma mensagem positiva sobre os EUA nos países da América Latina, especialmente o Brasil, contando com a colaboração de empresas e setores governamentais desses países; combater a influência do Eixo ao sul do Rio Grande e, por fim, criar uma imagem positiva desses países e de seu povo nos Estados Unidos para que, entre outras razões, a idéia de amizade e boa vizinhança fizessem sentido àqueles que visitavam os EUA. Faziam ainda, parte da estrutura do Office o Departamento de Saúde, encarregado de prestar assistência a problemas ligados à saúde pública e à nutrição nos países vizinhos por meio de programas especiais e com envios de missões de profissionais da área aos locais afetados, e o Departamento Comercial/Financeiro, que lidava com as

questões de exportação, transporte, finanças e desenvolvimento.22

Dentro dessas divisões, cabe destacar o papel desenvolvido pelos setores de Rádio e Cinema. O primeiro destes setores ficou sob a chefia de Don Francisco, um importante profissional da propaganda nos Estados Unidos, que assim definia a missão do setor que estava sob seu comando:

O rádio ajuda a criar uma opinião pública dinâmica no hemisfério ocidental, apoiando de forma contínua o esforço de guerra das repúblicas americanas. A opinião pública, uma vez informada, não aceitará nem tolerará a propaganda dos países do Eixo que atinge o continente23.

Já o setor de cinema ficou a cargo do amigo pessoal de Rockfeller, John Hay Whitney, ou Jock Whitney, como era chamado. Whitney era um conhecido empresário do ramo cinematográfico, sua escolha não foi por acaso: coube à sua parceria com Rockfeller a conquista de importantes artistas para a causa da

22

MOURA, Op. Cit., p 23.

23

(26)

27 Boa Vizinhança, como Walt Disney e Carmen Miranda. A esse setor coube o papel de consolidar o cinema como um dos principais meios de divulgação do american way of life, através de uma poderosa estrutura discursiva.

Além de sua estrutura organizacional, um dado importante para o Escritório de Rockfeller seria a conquista do apoio interno às suas políticas. Boa parte da população estadunidense desconhecia os seus “vizinhos de baixo” ou os associava a imagens negativas divulgadas pelo cinema de Hollywood, como a bandidos e fugitivos de filmes de far west, sujeitos ingênuos e manipuláveis que só entravam na trama para fazer o público rir.

O OCIAA precisaria, portanto, trabalhar em duas frentes: na criação de uma imagem positiva dos latino-americanos no imaginário do povo estadunidense e na divulgação dos valores supremos do american way of life a serem introjetados no inconsciente dos vizinhos do sul. Daí a importância do Departamento de Comunicação, como já foi apontado anteriormente.

E é exatamente com esse objetivo que o Office de Rockfeller irá, no inicio dos anos 40, incrementar o seu trabalho de disseminação de aspectos da cultura anglófila das Américas no Brasil. Não que antes não houvesse aqui uma forte presença econômica e, em certo sentido, até mesmo a política dos Estados Unidos. A modernidade e os paradigmas que eram importados da Europa passaram por certo questionamento após a guerra de 1914-18, pois o velho continente ficou associado a uma incapacidade de resolver pacificamente seus problemas internos, tendo sido necessário o auxílio estadunidense para apaziguar os ânimos. Os Estados Unidos seriam crescentemente associados a uma vanguarda, ao menos no campo militar e, posteriormente, no campo

econômico24. Contudo, esses padrões não se faziam sentir no cotidiano dos

habitantes das cidades e na vida das pessoas. Com o início da difusão dos valores culturais estadunidenses através do cinema, da música, do rádio, de propagandas em revistas de grande circulação e missões de boa vontade, “compostas de professores universitários, jornalistas, publicitários, artistas, militares, cientistas, diplomatas, empresários, etc. – todos dispostos em estreitar

24

ROLLAND, Denis. A modernidade perdida da França. IN: REIS, Daniel Aarão; ROLLAND, Denis. Modernidades Alternativas. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008.

(27)

28

os laços de cooperação com brasileiros”25 – é que o imperialismo daquele país

fez-se sentir nos padrões de comportamento, no pensamento artístico e científico e nas relações entre as pessoas por todas as grandes cidades brasileiras. Daí, o papel fundamental da máquina de produção discursiva de Rockfeller.

Foi neste contexto que os brasileiros aprenderam a substituir os sucos de frutas tropicais onipresentes à mesa por uma bebida de gosto estranho e artificial chamada Coca-Cola. Começaram também a trocar sorvetes feitos em pequenas sorveterias por um sucedâneo industrial chamado Kibon, produzido por uma companhia que se deslocara às pressas da Ásia, por efeito da guerra. Aprenderam a mascar uma goma elástica chamada chiclets e incorporaram novas palavras que foram integradas à sua língua escrita. Passaram a ouvir o fox-trot,o jazz, e o boogie-woogie, entre outros ritmos, e assistiam agora a muito mais filmes produzidos em Hollywood. Passaram a voar nas asas da PanAmerican, deixando para traz os “aeroplanos” da Lati e da Condor.26

Todas essas mudanças acontecem segundo os rastros de um determinado conjunto de enunciados discursivos que a historiografia convencionou chamar de americanismo. Gramsci, o primeiro pensador de que temos notícia a trabalhar com esse conceito, entende o americanismo enquanto uma idéia intimamente relacionada ao modo de produção fordista, sendo seu equivalente e elemento necessário no campo cultural.

O americanismo seria a forma ideológica e cultural necessárias para constituição de um modo de vida e de um tipo de trabalhador. Nesse sentido o americanismo é condição sine qua non para que haja o desenvolvimento da forma de produção fordista e vice e versa.

O americanismo não surge espontaneamente na “mentalidade” social. A sua origem está estritamente ligada à base material da sociedade. A forma de acumulação e produção capitalista produziu um processo sociometabólico que nasce na fábrica. Em outras palavras, a forma de produção fordista determina e exige a formação de uma mentalidade e um modo de vida, que gera a existência deste modelo de produção, sendo uma relação mutua.27

25

Idem, ibidem, p. 11.

26

MAUAD, Ana Maria. Genevieve Naylor, fotógrafa: impressões de viagem (Brasil, 1941-1942). Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 25, n° 49, 2005, p. 49.

27

SOUZA, Alan Rodrigues de. A atualidade do americanismo e fordismo em Gramsci. Revista Urutágua, N 9, Maringá, 2006. Disponível em http://www.urutagua.uem.br/009/09souza.htm. Acesso em 16 de março de 2009.

(28)

29 É nesse sentido que a atuação do Office de Rockfeller se encaixa nos interesses econômico-industriais do seu país de origem. Segundo Tota, é a

partir da atuação do OCIAA que se estrutura efetivamente “o americanismo,

entendido aqui como uma ideologia programática, em que o sufixo – ismo tinha

se transformado num poderoso armamento intencional, com o claro objetivo de

suplantar outros – ismos, autóctones ou não”.28 E é, então, nesse momento

que os brasileiros começam a familiarizar-se com o discurso americanista e o estilo de vida cotidiano proposto por ele: o american way of life. No bojo desse discurso estavam presentes diversos elementos valorativos, tais como o ideal de democracia, o progresso, o tradicionalismo (sim, parece contraditório, mas

logo veremos que não), o trabalho, a liberdade – muitos desses condensados

na idéia de self made man – que seriam bombardeados através de diferentes

instrumentos de produção discursiva. Cada uma dessas idéias estava conectada e imbricada uma à outra, de forma a construir uma ideologia bem acabada e pronta a ser exportada. No entanto, no caso do Brasil, elas tiveram

diferentes recepções e apropriações29 de acordo com o momento e a realidade

vividos pelo país.

Esses elementos podem ser percebidos, por exemplo, na peça publicitária abaixo, publicada na edição de agosto de 1942, da Seleções do Reader’s Digest:

28

Tota, Op. Cit., p 19.

29

Utilizo o conceito de apropriação na acepção de Roger Chartier. Cf. CHARTIER, Roger. A ordem dos livros. Brasília, Ed. UNB, 1994. CHARTIER, Roger. Formas e Sentido. Cultura Escrita: entre distinção e apropriação. Campinas: Mercado de Letras/ALB, 2003.

(29)

30 Figura 1

O discurso americanista está todo ali, não se faz necessário buscá-lo sub-repticiamente, nas entrelinhas: “Os agentes do mal desencadearam o

malefício, lançando o desafio aos princípios fundamentais da América –

justiça, decência e liberdade”. São esses os valores centrais que, ligados ao ideal de democracia e progresso, formavam os pilares dos ideais que o OCIAA buscava divulgar na América Latina, e no Brasil em especial. Em um artigo tão pequeno, a palavra “liberdade” aparece nada menos do que cinco vezes – mais até que o nome da própria empresa que a estava publicando, que é

mencionada apenas três vezes – e em quatro delas com letra inicial maiúscula.

Eis aí o princípio básico do americanismo, valor fundamental sem o qual nenhum dos outros seria atingido.

(30)

31 Contudo, o cerne da peça publicitária é a técnica, o cientificismo, que permitiria não só a conquista da liberdade, mas, junto com ela, chegar-se-ia à Democracia, e é nesse ponto que a empresa, uma das maiores no ramo da construção aeronáutica, estava contribuindo com todo seu empenho e trabalho. Em resumo, possuidores da liberdade, garantida pelos princípios democráticos, e dedicando-se ao trabalho árduo com o auxílio da técnica, os indivíduos conseguiriam não apenas manter-se livres, mas também atingir um maior nível de vida, mais moderno, progressista.

De forma mais ampla, podemos ver como esses enunciados se apresentam em artigo de maio de 1942 publicado no Diário de Pernambuco,

onde Othon Bezerra de Mello30 defende que o Brasil precisa continuar o

alinhamento aos EUA não apenas durante a guerra, mas principalmente após esta, espelhando-se nos vizinhos ao norte, que muito tinham a ensinar a respeito da civilização e do progresso.

Não é somente na fase difícil que o mundo atravessa que a orientação da nossa política internacional deve ser de uma maior colaboração com os Estados Unidos. Passada a guerra, restabelecida a paz, dedicando-se o homem às lutas pacíficas do trabalho que levam o conforto e o bem estar a todos os lares, fazendo a felicidade dos povos, essa política deve ser intensificada, podendo chegar talvez a uma aliança, com o que somente teríamos nós a lucrar.

(...) [aos Estados Unidos] nos devemos associar, para colher-lhes os frutos optimos, colaborando com um grande povo, com uma grande nação que, pela capacidade de seus filhos e pela pujança de sua economia, está destinada não somente a dirigir os destinos da América, como também os de toda a humanidade.

O Brasil tem elementos naturais, tem riquezas latentes para ser na América do Sul o que os Estados Unidos são na América do Norte. Abram-se nossos portos à imigração européia, deixando aqui entrar todo o europeu sadio de corpo e são de espírito que conosco queira trabalhar e progredir. Apertemos nossos laços políticos, econômicos e financeiros com os americanos e teremos em breve transformado a situação de nosso país e da nossa gente, dando-lhes abastança, conforto e bem estar.

(...)

Somos muito pobres enquanto os americanos são riquíssimos. Nosso standard de vida é dos mais baixos que registram as estatísticas (...)

30

Trata-se de grande empresário pernambucano, proprietário de empresas no ramo têxtil, açucareiro e hoteleiro, este último o que lhe rendeu grande prestígio e reconhecimento em todo o país, após a fundação da rede Hotéis Othon S. A., em 1943.

(31)

32

Apertemos nossos laços políticos, econômicos e financeiros com os americanos, e teremos em breve transformado a situação do nosso país e de nossa gente, dando-lhes abastança, conforto e bem estar. (...).

Nosso futuro, o futuro da nossa terra e da nossa gente está com os americanos. Eles já são os nossos melhores amigos, como também os nossos melhores clientes. Quereríamos que, por meio de uma futura aliança sincera e duradoura, fossemos seus associados. (...) precisamos dar à nossa gente não o standard de vida do americano, que é demasiado elevado, mas um standard ao menos compatível com a dignidade e com a decência humanas, que ainda não temos!31

Aqui não só está presente a imagem dos Estados Unidos como lugar do trabalho (“a capacidade de seus filhos”), poder e prosperidade (“pujança de sua economia), um exemplo a ser seguido, como também se ressalta um elemento que também está presente na peça publicitária estudada acima: o tradicionalismo (“deixando aqui entrar todo o europeu sadio de corpo e são de espírito...”). Ainda segundo Tota,

O tradicionalismo é outro ponto importante do americanismo. O mito da vida pura e saudável na fazenda, a relação íntima com a natureza, a cidade pequena, o enaltecimento dos valores familiares, a coragem dos indivíduos, o temor a Deus. Tudo na verdade, só tinha validade para uma América de brancos, fundamentalistas religiosos, anglo-saxões, anticomunistas e imperialistas apaixonados.32

É exatamente isso que se percebe no clamor para que se abram “nossos portos à imigração européia...”. O mito da raça branca trabalhadora está aí fundamentado. Já no primeiro documento estudado, a palavra chave é “decência”. Vimos que Gramsci defende a idéia de que o americanismo é um componente ideológico que visa à formação do trabalhador dentro da lógica fordista. Ora, como ficará claro no decorrer deste trabalho, o OCIAA era o principal consultor e financiador das peças publicitárias estadunidenses que seriam divulgadas na América Latina, e este órgão estava bem informado de que esse mito da pureza da raça e da vontade de trabalho dos brancos não funcionaria nos países sul-americanos, exceto entre uma pequena elite. Mas o que é decência se não uma normatização de comportamento? Sem liberdade, não se pode ter trabalho, e sem labor não há como se ter um “standard ao

31

DP, 05/05/1942. Nós e os americanos, por Othon L. Bezerra Mello. Grifos do autor.

32

Referências

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