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Vista do DIREITO FUNERÁRIO: CONCEITO, COMPETÊNCIA E BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE SEUS PRINCÍPIOS INFORMADORES | Acta Científica. Ciências Humanas

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COMPETÊNCIA E BREVES CONSIDERAÇÕES

SOBRE SEUS PRINCÍPIOS INFORMADORES

Carlos Alberto Kastein Barcellos1 Resumo: As consequências do evento morte se tornam cada vez mais comple-xas quanto mais plural é a sociedade. A aplicação de princípios gerais de Direito na interpretação de um arcabouço não codificado gera incertezas e resultados indesejados. O Direito Funerário deve oferecer elementos interpretativos para os eventos que seguem a morte da pessoa natural. Para isso é necessária uma delimitação conceitual, visando fixar a sua abrangência, além de uma seleção de princípios em condições de informar adequadamente ao intérprete no mo-mento da aplicação das regras.

Palavras-chave: Direito Funerário; Conceito; Competência; Princípios; Brasil.

FUNERAL RIGHTS: CONCEPT, COMPETENCE

AND BRIEF CONSIDERATIONS ON ITS PRINCIPLES

1 Mestre em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba, Especialista Direito da Saúde e

em Bioética e Biodireito pelo Instituto Paulista de Estudos Bioéticos e Jurídicos, e em Direito da Medicina pelo Centro de Direito Biomédico da Universidade de Coimbra. E-mail: kbarcellos@ barcellosadvocacia.com.br

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Abstract: The consequences of the death event become increasingly com-plex the more plural society is. The application of general principles in the interpretation of an unencrypted framework creates uncertainties and un-desired results. The Funeral Law must offer interpretive elements for the events that follow the death of the natural person. For this, a conceptual delimitation is necessary, in order to establish its scope, in addition to a selection of principles capable of adequately informing the interpreter when the rules are applied.

Keywords: Funeral law; Concept; Competence; Principles; Brazil.

Introdução

O direito positivo (conjunto de regras) nasce da preocupação de dis-ciplinar questões relevantes para determinada sociedade em determinado momento histórico. Para a Ciência do Direito, dentre outras funções, cabe a interpretação das normas de direito positivo em qualquer das suas formas de expressão.

Partindo-se do sujeito e do bem jurídico protegido, pode-se classificar o direito em público ou privado, embora essa distinção tenha mais relevân-cia didática do que prática, considerando o processo de constitucionaliza-ção do direito (SILVA, 2011).

O evento morte traz consequências, sejam elas individuais ou coletivas, de natureza jurídica ou social. Considerando a relevância deste fato jurídico, existe um verdadeiro arcabouço legislativo (não codificado) que pretende regular as relações jurídicas, diretas e indiretas, derivadas da morte.

O conjunto de normas jurídicas (regras e princípios) que disciplina as relações jurídicas, direitas e indiretas, decorrentes da morte da pessoa natu-ral (física) é denominado Direito Funerário.

No desenvolvimento deste artigo buscar-se-á indicar elementos rele-vantes do Direito Funerário. Para isso, faremos uma reflexão sobre suas regras e princípios. O método de abordagem para o estudo foi o dedutivo porque se pretende demonstrar, como antes salientado, a relevância das re-gras e princípios relacionados ao Direito Funerário.

Como técnicas de pesquisa (métodos de procedimento), utilizou-se a pesquisa bibliográfica ou doutrinária e de legislação, pois o tema jurídico que se pretende aprofundar demanda uma análise da legislação e da doutrina.

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Com os resultados do trabalho, pretende-se contribuir para aumentar os conhecimentos da Ciência Jurídica, na medida em que se visou revisitar e oferecer novos elementos de convicção acerca do conceito, da competência e dos princípios informadores do Direito Funerário.

Delimitação conceitual

A morte da pessoa natural encerra a sua existência biológica, mas, contudo, não apaga a sua história construída (sua bibliografia), assim como mantém ou cria novas relações jurídicas derivadas do evento.

Com o falecimento da pessoa são disparadas questões que vão desde a abertura da sucessão até a destinação do cadáver. Entre essas questões estão o luto, a apuração da causa do evento morte, a possibilidade ou não de cremação, os serviços funerários que estão sendo ou serão disponibilizados, o transporte do corpo morto e o local do sepultamento ou da guarda das cinzas. Ao lado dessas questões, outras não menos relevantes merecem referência: o respeito ao corpo, o direito à sepultura e a manutenção do local destinado ao cadáver (sepultura), bem como o respeito à história da pessoa falecida.

Todas essas questões não são resolvidas em um único diploma legal. O diagnóstico da morte é conduta própria dos profissionais da medicina. Aliás, para fins de transplante, a Lei 9.343, de 4 de fevereiro de 1997, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplan-te e tratamento e dá outras providências, em seu art. 3º estabelece que a mortransplan-te encefálica será definida por Resolução do Conselho Federal de Medicina.2

Atestada a morte, o óbito será registrado no registro público (art. 9º, da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que institui o Código Civil3), observando-se o disposto na Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973,4 que dispõe sobre os regis-tros públicos. O procedimento sucessório é questão cuidada pelo Direito Civil e Processual Civil.

As condições gerais para sepultamento e os requisitos para a cremação do cadáver também estão previstos na Lei de Registros Públicos, em especial entre os artigos 77 e 88 desta norma especial.

2 Ver Resolução 2.173, de 15 de dezembro de 2017, do Conselho Federal de Medicina, que esta-belece critérios para o diagnóstico de morte encefálica. Disponível em: <https://bit.ly/2FJqRyo>. Acesso em: 16 dez. 2017.

3 Disponível em: <https://bit.ly/1drzx5j>. Acesso em: 05 set. 2017. 4 Disponível em: <https://bit.ly/21qQwLU>. Acesso em: 05 set. 2017.

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A Lei 8.009, de 29 de março de 1990,5 que dispõe sobre o bem de família, pode ser invocada, considerando uma aplicação analógica e extensiva, para sus-tentar a impenhorabilidade de sepultura.

Além dessas normas, referidas apenas para fins de ilustração e, portan-to, sem exclusão de outras, existem diversas normas Municipais e Estaduais que direta ou indiretamente cuidam de questões relativas ao Direito Funerário.6 Nessa esfera de interesse, pode-se indicar normas que concedem sepultamento gratuito aos doadores de órgãos7, além de serviços gratuitos para os familiares de pessoas em estado de vulnerabilidade8 e que conferem disciplina aos serviços funerários, aqui incluídos os cemitérios9 e os produtos funerários.

Todo esse arcabouço jurídico precisa ser sistematizado e interpretado e es-sas ações cabem ao Direito Funerário, que pode ser definido como o ramo do direito público interno que tem por objeto o estudo sistematizado das normas (regras e princípios) que disciplinam as relações e as obrigações derivadas da morte da pessoa natural.10

5 Disponível em: <https://bit.ly/1mNECxs>. Acesso em: 05 set. 2017.

6 Ver, dentre outras: Lei Municipal de São Paulo nº 16.605, de 28 de dezembro de 2016, que dispõe sobre a obrigatoriedade de disponibilização de cadeiras de rodas em cemitérios; Lei Mu-nicipal do Rio de Janeiro nº 6.116, de 19 de dezembro de 2016, que define ações de combate a dengue nos cemitérios no Município do Rio de Janeiro, disciplinando a colocação de vasos e recipientes para ornamentação de sepulturas; Lei Municipal de São José do Rio Preto nº 11.994, de 29 de abril de 2016, que dispõe sobre a garantia de acessibilidade nos cemitérios e velórios públicos e privados; Lei Estadual de Rondônia nº 1.224, de 24 de setembro de 2003, que dispõe sobre a proibição de agenciamento de sérvios funerários nas dependências dos estabelecidos públicos de saúde e das unidades médico-legais e dá outras providências; Lei Municipal de Sete Lagoas nº 7.444, de 26 de junho de 2017, cria em caráter permanente o serviço de capelão voluntário nas entidades públicas (inclui velório).

7 Ver Lei Municipal de São Luis nº 4.599, de 28 de março de 2006, que dispõe sobre a gratuidade, aos doadores de órgãos e tecidos, dos serviços de sepultamento, inclusive com doação de caixão e dispensa de todas as taxadas necessárias para o sepultamento.

8 Ver Lei Municipal de Ribeirão Preto nº 6.860, de 03 de agosto de 1994, dispõe sobre a gratui-dade dos serviços funerários e de cemitérios às famílias que não disponham de renda mínima para fazer face as despesas.

9 Ver Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente nº 335, de 03 de abril de 2003, que dis-põe sobre o licenciamento ambiental de cemitérios. Disponível em: <https://bit.ly/2o2CxAx>. Acesso em 04 set. 2017.

10 Para Silva (2000, p. 62), o direito funerário é o sistema de normas e princípios ético-sociais que organiza e disciplina as relações jurídicas decorrentes da morte da pessoa natural que se estabelecem entre pessoas e em relação a determinados lugares destinados aos mortos, com vista preservação da memória dos antecipados.

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Delimitação de competência

A Constituição Federal de 1988 não cuida da competência dos entes da Fe-deração para legislar sobre Direito Funerário ou sobre serviços funerários. Da omissão do legislador constituinte surge uma questão para ser respondida: qual dos entes da federação tem competência para legislar sobre Direito Funerário?

Para responder essa questão é necessária uma análise das Constituições anteriores. Dentre elas, a primeira que cuidou do Direito Funerário foi a pro-mulgada em 24 de fevereiro de 1891. O art. 72 da Constituição de 1891 tratava da declaração de direitos e em seu caput previa (redação original): “A Consti-tuição assegura a brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade […]” (BRASIL, 1891).

Já o § 5º, do art. 72, também em sua redação original, dispunha: “Os cemi-térios terão caráter secular e serão administrados pela autoridade municipal, fi-cando livre a todos os cultos religiosos a prática dos respectivos ritos em relação aos seus crentes desde que não ofendam a moral pública e as leis”.

Após revisão Constitucional em 03 de setembro de 1926, o art. 72 e seu §5º passaram a ter a seguinte redação:11

Art.72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no paiz a inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdade, á segurança in-dividual e á propriedade, nos termos seguintes: […]

§5º Os cemiterios terão caracter secular e serão administrados pela autorida-de municipal, ficando livre a todos os cultos religiosos a pratica dos respecti-vos ritos em relação aos seus crentes, desde que não offendam a moral publica e as leis. […] [sic]

A segunda Constituição que tratou do Direito Funerário (cemitérios) foi a promulgada em 16 de julho de 1934. O inciso III, do art. 13 desta Constituição previa que era autonomia dos Municípios organizar os serviços de sua com-petência. Ela, assim como a anterior, cuidou do Direito Funerário no artigo 113 que tratava dos direitos e garantias individuais: “A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade” (BRASIL, 1934).

11 Ortografia como consta no texto disponibilizado pelo endereço eletrônico: <https://bit. ly/1LBCTma>. Acesso em: 05 set. 2017.

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O item 7 do art. 113 não alterou o contexto geral do § 5º, do art. 72, da Constituição de 1891, ao dispor que:

Os cemitérios terão caráter secular e serão administrados pela autoridade mu-nicipal, sendo livre a todos os cultos religiosos a prática dos respectivos ritos em relação aos seus crentes. As associações religiosas poderão manter cemitérios particulares, sujeitos, porém, à fiscalização das autoridades competentes. É lhes proibida a recusa de sepultura onde não houver cemitério secular.

Já a Constituição de 1946, de 18 de setembro de 1946, cuidou do Direito Funerário em seu art. 141, disciplinando, assim como as outras duas já referidas, a administração dos cemitérios no mesmo artigo em que previa os direitos e garantias individuais:

Art. 141 A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segu-rança individual e à propriedade, nos termos seguintes: […]

§10 Os cemitérios terão caráter secular e serão administrados pela autoridade municipal. É permitido a todas as confissões religiosas praticar neles os seus ritos. As associações religiosas poderão, na forma da lei, manter cemitérios particulares […] (BRASIL, 1946).

Para o bem da verdade, essas Constituições tratavam dos cemitérios e aqui uma ponderação necessária. Os cemitérios são locais destinados para o sepul-tamento de cadáveres e esse local de destino do corpo morto é objeto de estudo do Direito Funerário.

Passa-se para a análise dos dispositivos constitucionais. Por eles, os cemi-térios (esfera de interesse do Direito Funerário) são particulares (seculares), em-bora não seja proibido aqueles de propriedade das instituições religiosas. Além disso, visando a garantir o direito de liberdade religiosa, é garantida a prática de cultos, como expressão daquela liberdade garantida.

Mas a questão relevante, considerando os limites deste estudo, é que os cemitérios eram administrados pela autoridade municipal. Partindo desta pre-missa, os serviços funerários (cemitérios) eram considerados como serviços pú-blicos e a competência para organizar esses serviços era municipal.

Pode-se admitir que esses dispositivos são a fonte primária do entendi-mento segundo o qual a competência para legislar sobre o Direito Funerário é dos municípios, não obstante a omissão dos legisladores constituintes após a Constituição de 1934. Aliás, é esse o entendimento de Meirelles (2014, p. 472), segundo ele:

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O serviço funerário é de competência municipal, por dizer respeito a ativi-dades de precípuo interesse local – quais sejam: a confecção de caixões, a organização de velório, o transporte de cadáveres e a administração de cemi-térios. As três primeiras podem ser delegadas pela Municipalidade, com ou sem exclusividade, a particulares que se proponham a executá-las mediante concessão ou permissão, como pode o Município realiza-las por suas repar-tições, autarquias, fundações ou empresas estatais.

Se faz necessário um pequeno recorte. Para Meirelles (2014, p. 472), os ser-viços funerários são públicos e de competência municipal. Esse entendimento é contrariado por Aguillar (2011, p. 64-65). Para ele, os serviços funerários não estão listados em nenhuma parte como serviço ou função pública pela Consti-tuição e, partindo dessa premissa, devem ser atividades ligadas ao princípio da livre inciativa. Além disso, ele entende:

[…] que são inconstitucionais (ou, dependendo do caso, não foram recep-cionados pela CF/88) as leis municipais que atribuíam o caráter de serviço público aos serviços funerários, condicionando à concessão ou à permissão municipal o desempenho de atividades relacionadas a cemitérios. O máximo que o munícipio pode exigir dos particulares é o alvará de funcionamento e as demais exigências urbanísticas e de edificação. Embora não tenhamos conhecimento de precedentes jurisprudenciais, a denegação de alvará de funcionamento sem licitação pública, sob a alegação de se tratar de serviço público, no nosso entender, sujeita o ente público a mandado de segurança.

Apesar da divergência apontada, a jurisprudência trilha o entendimento adotado por Meirelles (2014, p. 472). Indica-se como referência o julgamento do Agravo de Instrumento tombado sob o nº 2007.00.2.007943-2, do Tribunal de

Justiça do Distrito Federal e Territórios:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. LIMINAR. ALVARÁ DE FUNCIONAMENTO. SERVIÇO FUNERÁRIO.

I - Os serviços funerários são considerados serviços públicos de interesse lo-cal, cabendo ao Distrito Federal organizá-los e prestá-los diretamente ou por intermédio de regime de concessão ou permissão, precedido, em qualquer hipótese, de licitação (art. 15, VI e XVIII, da Lei Orgânica do Distrito Fede-ral, e art. 8º da Lei Distrital nº 2.424/99). Nesse contexto, se a agravada não se encontra habilitada pela Administração para prestar serviços funerários, impunha-se mesmo o indeferimento da pretensão à obtenção do almejado alvará de funcionamento.

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II – Deu-se provimento. Unânime. (TJ-DF, AI 2007.00.2.007943-2, 6ª Turma Cível, Relator Desembargador José Divino de Oliveira, j. 22.08.2007).12

E para enfrentar a questão proposta por Aguillar (2011, p. 64-65), consubs-tanciada na exigência de alvará de funcionamento em cotejo com a necessidade de licitação, invoca-se outra decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Por essa decisão, cuja ementa é transcrita, foi denegado mandado de segurança para que uma empresa prestasse serviços funerários sem licitação:

MANDADO DE SEGURANÇA – SERVIÇOS FUNERÁRIOS – NATURE-ZA PÚBLICA – LICITAÇÃO – OBRIGATORIEDADE.

I. O mandado de segurança exige prova pré-constituída do direito, não sendo considerado direito adquirido o fato de exercer a função à margem da lei por longo período.

II. Os serviços funerários estão ligados à administração pública, devendo ser observado o regime de direito público.

III. Imprescindível o procedimento licitatório para o exercício de tais ativi-dades. Inteligência dos artigos 175 e 30, incisos I e V, da Constituição Federal. IV. É lamentável a situação de abandono em que se encontram os cemitérios do Distrito Federal e as autoridades deveriam tão-logo providenciar solução para o quadro apresentado. (TJ-DF, APC 1999.01.01.034494-7, 3ª Turma Cí-vel, Relatora Desembargadora Sandra de Santis, j. 27.09.2004).13

No âmbito legislativo, a natureza pública dos serviços funerários também está consagrada. Para confronto dessa afirmação, indica-se como paradigma a Lei Municipal de Otacílio Costa (Santa Catarina) nº 2.255, de 16 de dezembro de 2014,14 que dispõe sobre os serviços funerários e contra a qual não se tem notícias de ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade:

Art. 1º O serviço funerário é de caráter público, podendo ser exercido me-diante permissão e/ou concessão, consistindo na prestação de serviços liga-dos à organização e realização de funerais, com remuneração direta pelo con-tratante dos serviços ao prestador, podendo o Poder Público Municipal, fixar tarifas, evitando abusos de poder econômico, bem como regular e fiscalizar os trabalhos.

12 Disponível em: <https://bit.ly/2wfoWd2>. Acesso em: 05 set. 2017. 13 Disponível em: <https://bit.ly/2MI9Wi6>. Acesso em: 05 set. 2017. 14 Disponível em: <https://bit.ly/2MpZKvk>. Acesso em: 05 set. 2017.

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Parágrafo Único - A concessão/permissão de exploração dos serviços funerá-rios se dará mediante prévia licitação.

E se não fosse a legislação municipal, na esfera Federal uma proposta de emenda constitucional merece referência. A Proposta de Emenda à Constitui-ção nº 22, de 10 de maio de 2016, de autora do Senador Cristovam Buarque, acrescenta o art. 6º. A Constituição, reconhecendo, definitivamente, ao serviço funerário sua natureza de serviço público. Eis a redação proposta para o art. 6º da Constituição:

Art. 6º- A São serviços públicos essenciais a saúde, a educação, o transporte, a segurança, o fornecimento de energia elétrica, água e telefonia, a captação e o tratamento de esgoto e lixo, a compensação bancária, a administração da justiça, os serviços funerários e o controle do tráfego marítimo e aéreo.15

Pois bem. Os serviços funerários são públicos e, além disso, a competência, seja administrativa ou legislativa, para disciplinar o Direito Funerário é dos Municípios, por se tratar de questão de interesse local, por razões morais, de saúde e de segurança. E a produção legislativa nessa esfera de interesse é grande. Para comprovar essa afirmação invoca-se duas Leis Municipais que tratam das questões discutidas até aqui.

A Lei Complementar do Município de Criciúma (Santa Catarina) nº 159, de 10 de junho de 2015,16 dispõe sobre o serviço funerário e dá outras providên-cias. Pelo art. 1º dessa Lei, o serviço funerário tem caráter público e essencial, podendo ser delegado à iniciativa privada através de concessão mediante licita-ção prévia.

Já a Lei Municipal de Nossa Senhora do Socorro (Sergipe) nº 844, de 13 de abril de 2011,17 que dispõe sobre cemitérios e serviços funerários, garante a liberdade religiosa em seu art. 3º: “É permitida a todas as confissões de fé a prática de seus ritos nos cemitérios municipais, respeitadas as normas de ordem e segurança pública”. Além disso, indica expressamente o que se considera um cemitério particular (art. 4º): “Considera-se cemitério particular aquele de do-mínio privado”.

Mas a competência municipal não é exclusiva. As normas municipais não podem conflitar com outras das esferas Estaduais e Federal que disciplinam questões correlatadas ao Direito Funerário. Na mesma esfera de interesse do

15 Disponível em: <https://bit.ly/2OZaVYG>. Acesso em: 22 set. 2017. 16 Disponível em: <https://bit.ly/2BCe3rB>. Acesso em: 05 set. 2017. 17 Disponível em: <https://bit.ly/2wdM0bW>. Acesso em: 05 set. 2017.

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Direito Funerário estão normas Federais que cuidam, como já referido, das condições para sepultamento e cremação (Lei de Registros Públicos), sobre o aproveitamento de cadáver para fins de ensino e pesquisa (Lei 8.501, de 30 de novembro de 1992,18 dispõe sobre a utilização de cadáver não reclamado, para fins de estudos ou pesquisas científica e dá outras providências) e Lei 6.437, de 20 de agosto de 1997,19 que configura infrações à legislação sanitária federal e estabelece as sanções respectivas. Por essa norma é considerada infração sani-tária a cremação, a utilização ou cremação de cadáveres contrariando regras sanitárias pertinentes (inciso XXVII, do art. 10).

Na esfera Estadual, considerando a competência residual prevista no §1º, do art. 25, da Constituição Federal, os Estados têm competência para legislar sobre o transporte intermunicipal, desde que a norma não conflite com aquelas editadas pela União por força do inciso XI, do art. 22 da Carta Constitucional. Com base nessas premissas, invoca-se como paradigma da legislação estadual na esfera do interesse do Direito Funerário, a Lei Estadual de Minas Gerais nº 15.758, de 04 de outubro de 2005,20 que regulamenta o transporte

intermunici-pal de cadáveres e ossadas humanas.

Essa norma disciplina as características do veículo fúnebre (art. 4º), bem como estabelece que, salvo o transporte de cadáveres e ossadas humanas por carro do Corpo de Bombeiros e do Instituto Médico Legal (parágrafo único do art. 2º), o:

[…] transporte intermunicipal por via terrestre de cadáveres e ossadas huma-nas exumadas se dará exclusivamente em carro fúnebre registrado em nome da empresa funerária autorizada a executá-lo, devendo constar no campo “espécie” do certificado do veículo a denominação “veículo funerário” (art. 2º).

Além disso, pela norma em destaque, “O veículo utilizado para o serviço de transporte de cadáveres e ossadas humanas não poderá ser utilizado para outro fim” (art. 3º).

Partindo das premissas até aqui lançadas, pode-se afirmar que, portanto, é dos Municípios a competência de legislarem sobre o Direito Funerário, em cuja esfera de abrangência estão serviços de natureza pública, observando-se o critério da predominância do interesse local e que a produção legislativa deve respeitar as normas (regras e princípios) constitucionais, bem como as leis (sen-tido amplo) das esferas federais e estaduais.

18 Disponível em: <https://bit.ly/2Pwyt8d>. Acesso em: 22 set. 2017. 19 Disponível em: <https://bit.ly/2OVKRhe>. Acesso em: 22 set. 2017. 20 Disponível em: <https://bit.ly/2NfsuDa>. Acesso em: 05 set. 2017.

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Princípios específicos de Direito Funerário

No desenvolvimento deste artigo já foram abordados o conceito de Direi-to Funério, além de ter sido delimitada a competência para legislar sobre esse ramo do direito. Também já foi indicado que cabe para a Ciência do Direito interpretar o direito positivo e, para isso, considerando o enfoque específico deste trabalho, é necessário conhecer os princípios informadores do Direito Fu-nerário.

Antes disso, porém, um pequeno recorte. De acordo com Mello (2013, p. 54), por princípio devemos entender:

[…] o mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, dispo-sição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico.

Além de apresentar o conceito de princípio, o autor apresenta razões e fun-damentos de sua importância. Segundo o doutrinador Mello (2013, p. 54):

[…] violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico manda-mento obrigatório, mas a todo o sistema de comando. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio violado, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.

Pois bem, com esse pequeno recorte lançado para demonstrar a impor-tância dos princípios, passa-se para análise daqueles que informam o Direito Funerário. Para Silva (2000, p. 74-86), referência doutrinária deste ramo do di-reito, 10 (dez): princípio da legalidade; princípio da primazia do interesse pú-blico; princípio da igualdade; princípio da imunidade tributária das sepulturas; princípio da intangibilidade das sepulturas; princípio da indisponibilidade da higiene pública; princípio da indisponibilidade dos cadáveres; princípio da ine-gociabilidade das sepulturas; princípio da indisponibilidade das concessões e permissões e, princípio do poder-dever das pessoas.

A dignidade da pessoa humana não é indicada pelo doutrinador como princípio regente do Direito Funerário, contudo, ela deve ser considerada como um postulado regente para todos os ramos da ciência jurídica.

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Alguns princípios selecionados não podem ser considerados como especí-ficos do Direito Funerário, embora na análise deste ramo do direito possam ter aplicação particular. Aqui se insere o princípio da legalidade que no Brasil tem fundamento primário no art. 5º, inciso II, da Constituição Federal: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei”.

Não se pode deixar de pontuar que sob o enfoque da Administração Pú-blica, o princípio da legalidade deve ser enfrentado partindo da seguinte pro-posição: a administração pública somente poderá fazer aquilo que a lei permite. E qual a aplicação do princípio da legalidade enquanto informador do Di-reito Funerário? A Administração Pública pode fixar os horários de visitas e para sepultamentos e, uma vez fixados, o ente da Federação não pode negar seja a visita ou a inumação no horário determinado, bem como o interessado não pode ingressar na necrópole ou pretender enterrar em período diverso.

Indica-se duas normas de interesse. A primeira é o Decreto Municipal de Curitibanos (Santa Catarina) nº 4.107, de 18 de novembro de 2011,21 que regulamenta o funcionamento do cemitério público do munícipio. Pela nor-ma, as visitas podem ser realizadas das 7 até 19 horas e os sepultamentos das 7 até 18 horas (art. 2º).

Na cidade de Caraguatatuba (São Paulo), a Lei nº 1.357, de 16 de feve-reiro de 2007,22 estende o período de sepultamento até as 19 horas durante o horário de verão.

O princípio da igualdade é outro também não específico de Direito Fu-nerário indicado pelo autor em referência. A igualdade aqui é formal, uma vez que toda pessoa falecida tem o direito de ser sepultada e, além disso, todos têm o direito de conferir sepultura para aqueles que morrem.

Já a forma pela qual se dá o sepultamento pode ser diferente e, aqui a busca pela igualdade material é uma tarefa da Administração. Ela não pode conferir igualdade entre as pompas fúnebres de toda a população, mas pode dar concre-ção ao direito de sepultura. É por essa razão que para a populaconcre-ção carente são dispensados os recolhimentos das despesas para sepultamento. Nesse sentido, como mera referência, a Lei Municipal de Ubatuba (São Paulo) nº 2.269, de 05 de dezembro de 2002,23 que dispensa do pagamento das taxas de sepultamento os munícipes carentes.

Passe-se para a análise do princípio da primazia do interesse público ou da indisponibilidade do interesse público. Esse princípio tem íntima relação com o da legalidade, que sob o enfoque da Administração é restrita, ou seja, como

21 Disponível em: <https://bit.ly/2MqYbxk>. Acesso em: 05 set. 2017. 22 Disponível em: <https://bit.ly/2MG9Yal>. Acesso em: 05 set. 2017. 23 Disponível em: <https://bit.ly/2MFO4E7>. Acesso em: 05 set. 2017.

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já explicitado, somente pode ser feito aquilo que lei permite. Mas aqui interessa a sua forma de concreção e ela se dá partindo da premissa de que o interesse coletivo (público) tem prevalência sobre o interesse particular ou individual.

Na esfera do Direito Funerário, uma forma de expressão deste princípio é a limitação do direito aos ritos fúnebres naquilo em que eles contrariem a saúde pública. O inciso, III, do art. 4º da Lei Municipal de Canela (Rio Grande do Sul) nº 3.756, de 30 de maio de 2016,24 é exemplo de norma que restringe o direito fundamental de manifestação de crença observando o princípio da primazia do interesse público: “é permitida a todas as confissões de fé a prática de seus ritos nos cemitérios municipais, públicos ou particulares, desde que respeitadas as normas sanitárias, ambientais, da ordem e da segurança pública”.

Aqui uma restrição para o rol dos princípios indicados por Silva (2000, p. 85), que apresenta separadamente os princípios da primazia do interesse públi-co e da indisponibilidade da higiene pública.

O princípio da indisponibilidade da higiene pública deve ser entendido como a proibição de todo ato que implique em causação de contaminação, de ema-nação de gases pútridos, etc. As práticas fúnebres devem observar regras de segurança, de controle, de tal forma que não causem transtornos ambientais.

Entende-se que o princípio da indisponibilidade da higiene pública é con-teúdo do princípio da primazia do interesse público ou, para considerar uma possibilidade de sua inserção separadamente, como um princípio decorrente do primeiro. Partindo dessa premissa, as considerações lançadas quanto à aplicação do princípio da indisponibilidade do interesse público são as mesmas aplicáveis para aquele indicado como sendo da indisponibilidade da higiene pública.

O princípio que será enfocado agora é o da imunidade tributária das sepul-turas. O art. 150 da Constituição, ao cuidar das limitações do poder de tributar, estabelece que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municí-pios, instituir impostos (inciso IV), sobre templo de qualquer culto (alínea “b”).

O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que a imunidade dos cultos, expressão da liberdade de escolha de crença, é extensivo aos cemitérios, observando, basicamente, duas linhas de corte: eles devem ser-vir como extensão das entidades religiosas e não terem finalidade lucrativa.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. IPTU. ARTIGO 150, VI, “B”, CB/88. CEMITÉRIO. EXTEN-SÃO DE ENTIDADE DE CUNHO RELIGIOSO.

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1. Os cemitérios que consubstanciam extensões de entidades de cunho reli-gioso estão abrangidos pela garantia contemplada no artigo 150 da Constitui-ção do Brasil. Impossibilidade da incidência de IPTU em relaConstitui-ção a eles. 2. A imunidade aos tributos de que gozam os templos de qualquer culto é projetada a partir da interpretação da totalidade que o texto da Constituição é, sobretudo do disposto nos artigos 5º, VI, 19, I e 150, IV, “b”.

3. As áreas da incidência e da imunidade tributária são antípodas (STF, RE 578.562-9 (BA), Relator Ministro Eros Grau, j. em 21.05.2008).25

Com essa decisão do Supremo Tribunal Federal, encerra-se a análise do princípio da imunidade tributária das sepulturas e passe-se para outro enfoque deste instituto de Direito Funerário: a sua intangibilidade. Por esse princípio, de acordo com Silva (2000, p. 85), “as sepulturas não podem ser molestadas, vio-ladas, distribuídas, reformadas sem qualquer critério previamente estabelecido. São locais destinados à paz dos mortos”.

Esse princípio ganha contornos de regra pelo Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940,26 que institui o Código Penal. Por essa norma incriminado-ra é consideincriminado-rada conduta típica e punível violar ou profanar sepultuincriminado-ra ou urna funerária (art. 210).

Além de ser considerada conduta típica na esfera criminal, a violação de sepultura pode ensejar a violação de direitos da personalidade passível de in-denização. Para fins de ilustração invoca-se decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

EMENTA: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - VIOLA-ÇÃO DE SEPULTURA - CEMITÉRIO ADMINISTRADO PELO PODER PÚBLICO MUNICIPAL - CARACTERIZADO O DEVER DO MUNICÍPIO EM INDENIZAR PELOS DANOS MORAIS - VALOR DA INDENIZAÇÃO - MINORAÇÃO - NÃO CABIMENTO.

1 - A violação de sepultura em cemitério, cuja administração cabe ao Poder Público Municipal, gera a este o dever de indenizar a quem experimenta o sofrimento de ver os restos mortais de seu pai desaparecidos.

2 - Segundo a teoria do risco administrativo, adotada pelo legislador brasilei-ro, o dano sofrido pelo indivíduo deve ser entendido como consequência do serviço público, não importando se o funcionamento deste foi correto ou não. Logo, basta a relação de causalidade entre o dano e o ato do agente público para se reconhecer a responsabilidade, in casu, do Município.

25 Disponível em: <https://bit.ly/2LlIp1b>. Acesso em: 05 set. 2017. 26 Disponível em: <https://bit.ly/1dqm1Rx>. Acesso em: 05 set. 2017.

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3 - Demonstrando-se adequado o valor fixado pela sentença de primeiro grau, a título de danos morais, cabe ser afastada a pretensão do Município reque-rido em reduzi-lo.

4 - Segunda apelação improvida e prejudicado o julgamento da primeira. (TJMG, APC 1.0439-03.018827-0/001(1), 6ª Câmara Civil, Relator Desembar-gador Batista Franco, j. 01.03.2005).

Já se observou que o aproveitamento irregular do cadáver é conduta carac-terizada como infração sanitária. É essa uma das premissas que fundamentam o princípio da indisponibilidade do corpo morto. Com o óbito, cumpridas as formalidades previstas em lei, o corpo deve ter destinação específica e não fica na esfera de disponibilidade da sociedade. Ele deve ser inumado, cremado, pode passar por processo de criogenia, mas deve ter uma destinação que preserve a saúde pública.

E o que se pode considerar como aproveitamento adequado do cadáver, ou mesmo de suas partes anatômicas? A Lei 8.501/92 prevê a possibilidade de utilização para fins de ensino e pesquisa e, a Lei 9.434/97,27 a possibilidade de aproveitamento de órgãos e tecidos para fins de transplantes.

Uma vez destinado para o sepultamento e inumado, nasce uma questão: o direito sobre as sepulturas pode ser negociado? É aqui que se insere o prin-cípio da inegociabilidade do direito sobre sepulturas. E esse prinprin-cípio deve ser analisado considerando a forma de aquisição do direito de ser e permanecer sepultado.

Nos cemitérios públicos, o direito de sepultura pode ser objeto de aquisi-ção através de permissão ou concessão. Por permissão deve-se entender o “ato administrativo, vinculado ou discricionário, segundo o qual a Administração Pública outorga a alguém, que para isso se interesse, o direito de prestar um ser-viço público ou de usar, em caráter privativo, um bem público” (GASPARINI, 2010, p. 135). Já a concessão pode ser entendida também como um “ato jurídi-co de natureza jurídi-contratual, jurídi-como ojurídi-corre na jurídi-concessão de uso de bem públijurídi-co” (GASPARINI, 2010, p. 138).

A concessão ou permissão não garantem o direito de propriedade, mas de uso do bem público e, portanto, os direitos dela decorrentes não podem ser negociados. E nos cemitérios particulares? As conclusões não se afastam da pre-missa já lançada. As sepulturas são parte ideais do imóvel do cemitério e não permitem o registro no cadastro imobiliário (registro de imóveis).

Se não podem ser vendidas as sepulturas (são bens imóveis não passíveis de registro), o direito de uso pode ser transferido, desde que ele tenha sido 27 Disponível em: <https://bit.ly/2N8FieO>. Acesso em: 05 set. 2017.

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adquirido a título perpétuo. À toda evidência, essa possibilidade de transferên-cia do direito de uso fica condicionada à destinação adequada dos restos cada-véricos e não descaracteriza o princípio em enfoque que é relativizado.

O próximo princípio que será enfocado é da indisponibilidade das conces-sões e das permisconces-sões. Já se delimitou os institutos de Direito Administrativo de concessão e permissão, restando indicar que, pela própria natureza deles, os contratos e os atos administrativos são pessoais e não podem ser transferidos. Partindo dessa premissa, a empresa que recebeu a outorga para prestar serviços funerários não pode transferir a titularidade para outra sociedade empresária. Ou nas precisas lições de Silva (2000, p. 86), “as permissões e as concessões, de regra, são de natureza pessoal, isto é, somente com a concordância da Adminis-tração, é possível a sua transferência”.

O último princípio do rol apresentado é o poder-dever das pessoas. Por esse princípio, toda pessoa tem o direito de sepultar seus mortos, aliás, tem o dever de sepultar os seus mortos e a Administração não pode impedir o exercí-cio desse direito.

Os princípios selecionados e o objeto de enfrentamento neste trabalho po-dem passar por um processo de adequação, sempre considerando a dignidade da pessoa humana como um postulado regente, como já se observou.

Nesse ínterim, entende-se que aos princípios lançados devam ser acrescen-tados outros, cuja qualidade de principal ou decorrente será indicada oportu-namente: princípio do respeito ao corpo morto; princípio da liberdade religiosa; princípio da liberdade de culto de acordo com a tradição do falecido; princípio da sepultura digna; princípio da verdade e o princípio da impenhorabilidade da sepultura.

O princípio do respeito ao corpo morto é justificável, uma vez que o cadá-ver jamais deve ser tratado como uma coisa, o significado de sua história cons-truída (bibliografia) não é extinto com a morte (ver GIMENES; VIEIRA, 2012). Já o princípio da liberdade religiosa garante a concreção da liberdade de crença e consciência, através da liberdade de culto aos antepassados. Esse princípio é restringível por aquele da indisponibilidade do interesse público.

O princípio do direito de sepultura digna deve ser enfrentado sob três pris-mas. O primeiro é referente ao direito do falecido de ser sepultado, o segundo é enfocado sob a perspectiva do direito de terceiros de sepultar os seus mortos. Já o terceiro enfoque é o da Administração que não pode impedir o exercício do direito de sepultura. Como decorrência deste princípio, pode-se adotar aquele do dever de sepultar, ou seja, todos têm o dever de sepultar os seus mortos e a Administração não pode impedir inumação, antes disso, tem o dever de substi-tuir o cidadão inerte. Além disso, considerando que a sepultura digna deve ser

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conferida para todos, dele deriva, na esfera do Direito Funerário, o princípio da igualdade.

Um outro princípio decorrente do princípio do direito de sepultura digna é o princípio da verdade. O direito de sepultura conhecida garante o encerra-mento de um ciclo e a certeza do destino do corpo morto.

O princípio da impenhorabilidade da sepultura pode ser considerado como decorrente daquele que informa a inegociabilidade da última morada. Aliás, ele foi acolhido como regra em decisão do Tribunal Regional do Trabalho

da 4ª Região:

AGRAVO DE PETIÇÃO DO EXEQUENTE. JAZIGO NO QUAL REPOU-SAM OS RESTOS MORTAIS DE FAMILIAR DO EXECUTADO. IMPE-NHORABILIDADE. O artigo 5º da Lei n°. 8.009/90 – que, para fins de impe-nhorabilidade, considera “residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente” -, comporta interpretação extensiva, para abarcar também o jazigo, última morada da entidade familiar. Recurso improvido. (TRT 4ª Região – AP 0131800-21.2005.5.04.0009, Relato-ra DesembargadoRelato-ra Ana Rosa PereiRelato-ra Zago Sagrilo, j. 10.06.2014)

Partindo disso, acredita-se que a seleção que melhor indica os princípios desse ramo do direito é a seguinte: princípio do respeito ao corpo morto, que tem como derivado o princípio da indisponibilidade dos cadáveres; princípio da liberdade de religião, que tem como derivado o princípio da liberdade de culto; princípio do direito à sepultura digna, que tem como derivados o princípio da verdade, da igualdade, do dever de sepultar e da intangibilidade das sepulturas; princípio da inegociabilidade das sepulturas, que tem como derivado o princí-pio da impenhorabilidade das sepulturas, princíprincí-pio da legalidade; princíprincí-pio da primazia do interesse público, que tem como derivado princípio da indisponi-bilidade da higiene pública; princípio da imunidade tributária das sepulturas e princípio da indisponibilidade das concessões e permissões.

Considerações finais

O Direito Funerário é um ramo do direito público interno composto de um conjunto de normas (princípios e regras) que disciplinam as relações jurídi-cas derivadas do evento morte. Essas relações jurídijurídi-cas podem ser derivadas da história da pessoa natural falecida, preservando-se os direitos da personalidade para além da vida, bem como novas estabelecidas entre os terceiros direta ou indiretamente vinculados com o extinto.

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Essa vinculação pode se dar através de princípios, bem como de regras e estarem ligadas diretamente com o culto dos antecipados, bem como com os serviços e produtos oferecidos, seja pela Administração ou por particulares, visando o exercício do direito-dever de sepultar os cadáveres, ou dar-lhes a des-tinação escolhida, observadas a legislação pertinente.

A ausência de uma codificação leva para distorções interpretativas, inclu-sive quanto à natureza jurídica dos serviços funerários. A doutrina, a jurispru-dência, assim como a produção legislativa, caminha no sentido de considerar os serviços funerários como sendo de natureza pública e, além disso, essencial.

A construção argumentativa dos elementos do Direito Funerário, ampa-rada ou não em elementos normativos estranhos à ordem jurídica estabelecida, segue no sentido de considerar que a competência para legislar na esfera de inte-resse deste ramo da Ciência do Direito é dos Munícipios. Apesar disso, a produ-ção legislativa Municipal não pode descuidar das regras e dos princípios Cons-titucionais, bem como das normas das esferas Estaduais e Federal que tratam de questões específicas e que estão na área de abrangência do Direito Funerário.

A interpretação do arcabouço jurídico que compõe o direito positivo fune-rário deve ser informada por seus princípios regentes. A seleção dos princípios informadores do Direito Funerário não pode deixar de considerar a dignidade da pessoa humana como um postulado vinculativo, bem como a adaptação de princípios de outros ramos do direito na sua seara não desnatura o processo de autonomia para qual caminha, ou já se encontra, essa importante vertente da Ciência Jurídica.

Referências:

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Referências

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