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A atuação do Poder Judiciário nas políticas de erradicação do trabalho escravo rural no Brasil contemporâneo

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

CELLY COOK INATOMI

A ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NAS POLÍTICAS DE ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO RURAL NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

CAMPINAS 2016

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora do trabalho de Defesa de Tese de Doutorado “A atuação do Poder Judiciário nas políticas de erradicação do trabalho escravo rural no Brasil contemporâneo”, composta pelos professores doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 8 de março de 2016, considerou a candidata Celly Cook Inatomi aprovada.

Prof. Dr. Oswaldo E. do Amaral

Prof. Dr. Frederico Normanha Ribeiro de Almeida

Prof. Dr. Valeriano Mendes Ferreira Costa

Profa. Dra. Débora Alves Maciel

Prof. Dr. Eduardo G. Noronha

A Ata da Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora consta no processo de vida acadêmica da aluna.

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Dedico este trabalho ao Chris e à Piaf, com muito carinho

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Agradecimentos

Começo expondo meus sinceros agradecimentos ao Andrei, que há mais de 10 anos aceitou a tarefa de me orientar, desde a monografia ao doutorado, sempre com muita sabedoria, paciência e amizade. Agradeço por seu apoio, pelas oportunidades de participação em seus projetos, e pela confiança em mim depositada nas vezes em que fui sua monitora no Programa de Estágio Docente na Unicamp.

Agradeço também aos professores membros da banca de qualificação, Prof. Dr. Eduardo Noronha e Profa. Dra. Walquíria Domingues Leão Rêgo, pelas críticas, observações e sugestões que contribuíram para a finalização deste trabalho e para o seu aperfeiçoamento.

Sou grata à CAPES pela bolsa de doutorado concedida, sem a qual eu não poderia ter me dedicado exclusivamente para a realização desta pesquisa.

Agradeço também aos funcionários do IFCH, especialmente à Priscila Gartier, da Secretaria da Pós-Graduação de Ciência Política, e ao Sandro Carmo, da biblioteca, pela forma tão solícita, gentil e competente com a qual sempre trabalharam. Sou grata aos alunos dos PEDs em que fui monitora na Unicamp, pela experiência enriquecedora de dar aula e pelo respeito com que me receberam. Sou grata especialmente aos queridos Murilo Polato e Ana Clara Rocha, pela docilidade e incentivo com que sempre me trataram.

Agradeço imensamente ao Thiago Trindade, a seu pai Edi Aparecido Trindade, e ao Coordenador do Curso de Direito da Faculdade de Jaguariúna Prof. Fabrízio Rosa, pela oportunidade concedida de trabalhar como professora. Agradeço aos meus alunos pelas experiências e pelo crescimento que tenho vivenciado enquanto docente. Agradeço às minhas queridas amigas da pós-graduação da Unicamp, Marcia Baratto e Ariana Bazzano, que foram apoio constante em diversos momentos. Agradeço pelo ombro amigo tantas vezes cedido, pelos conselhos, pela sabedoria e conhecimento e pelas tantas risadas e comilanças que já compartilhamos juntas. Sem vocês, tudo teria sido muito mais difícil, solitário e sem graça.

Agradeço também à minha querida amiga Karen Sakalauska, que com seu entusiasmo e fé inabalável, mostrou-se sempre disposta a ajudar e a dar o seu melhor. Agradeço pelas vezes que me recebeu tão bem em sua casa, pelas tantas mensagens só para saber se estava tudo bem, pelas conversas e discussões filosóficas (nem sempre harmoniosas), mas que me ensinam constantemente o real valor do respeito

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às diferenças de pensamento. Você me faz querer ser uma pessoa melhor, uma professora melhor e uma amiga melhor. Obrigada também por ter trazido a linda Clarinha ao mundo, que veio para alegrar a vida de todos.

Agradeço também aos meus queridos amigos de graduação, Marcio Scherma, Sara Lima, Thelma Belo, Ciça Ferrarezzi e Renato Pereira, que mesmo distantes, continuam presentes em minha vida até os dias de hoje, seja em pensamento ou em uma mensagem de saudade. São todos amigos iluminados, que levo como referência de seres humanos extraordinários.

Sou grata também à minha querida amiga de sempre e de todas as horas Juliana Bertazzo, que com sua generosidade abundante esteve sempre a postos para conversar, ajudar e alegrar. Agradeço por sua amizade sempre e invariavelmente sincera, calorosa e presente. Amizade preciosa e difícil de encontrar, um tesouro que quero levar por toda a vida.

Agradeço à família Inatomi (pai, mãe, Satye, tia Margo, tia Anézia, tio Roberto, tia Amélia, Cristina, Hugo, Danilo e Daniel), à família Pierotti dos Santos (José Camilo, Eva Catalina, Thomas e Cristiane), à família Cook (Vó Meire, tia Neca, tia Tuca e tia Cheila), e a inúmeros amigos, pelo carinho, pelos presentes recebidos, pela ajuda, e por terem me proporcionado, ao fim da redação desta tese, uma semana de férias (tão gostosa!), da qual nunca vou me esquecer.

Agradeço aos queridos José Camilo e Eva Catalina pelas ajudas que deram sempre que necessário ao longo de todos esses anos, e pelo tratamento tão carinhoso que dão a minha querida Piaf.

Quanto à minha família, meu pai Mario, minha mãe Miriam, e minha irmã Satye, não há palavras que possam expressar a minha gratidão por tudo que já fizeram e ainda fazem por mim. Vocês são o início e o fim de tudo, minha base e meus princípios, e objeto constante das minhas orações.

Por fim, agradeço ao meu querido Chris e a minha linda cachorrinha Piaf. A ela agradeço pela alegria e companheirismo sempre presentes, e por aparecer em minha vida como um verdadeiro presente de Deus. Ao Chris agradeço por seu coração sempre generoso e aberto, por sua paciência, pelo café na madrugada, por sentar comigo e me ajudar a pensar e organizar as ideais, por me acalmar, e por me levar para ver flores. Eu amo vocês.

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Agradeço, sobretudo, a Deus e a nossa senhora, pela saúde, pelo teto, pelo alimento e pela força concedida.

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Resumo

O objetivo da tese é o de analisar a atuação do Poder Judiciário nas políticas de erradicação do trabalho escravo rural no Brasil contemporâneo, de forma a verificar seus entendimentos acerca do trabalho escravo, suas formas de argumentação e seus posicionamentos frente à necessidade das políticas de erradicação do trabalho escravo rural. Para tanto, a tese empreendeu uma análise em profundidade e em fluxo de três casos que trataram do tema do trabalho escravo rural no Brasil, sempre sob o olhar conjunto de três dimensões de análise: individual ou do jogo político, institucional e estrutural. A tese possibilitou verificar que o Poder Judiciário atuou de forma mitigada no quadro das políticas de erradicação do trabalho escravo rural, apresentando mais limitações do que possibilidades de apoio a essas políticas. Cada caso analisado mostrou que há uma coexistência entre fatores de ordem individual, institucional e estrutural que permitiram fortalecer a tese sobre a atuação mitigada do Poder Judiciário, embora cada caso tenha revelado um fator como mais expressivo que os demais.

Palavras-chave: Poder Judiciário – trabalho escravo rural – direitos de cidadania – estudos de caso

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Abstract

This thesis provides an analysis of the actions taken by the Judiciary in the framework of rural slave labor eradication policies in contemporary Brazil. The key aim of the research work was to determine the understanding held by the Judiciary of what constitutes slave labor, as well as to identify the arguments made by members of the judiciary and stances taken by them in the framework of rural slave labor eradication policies. For that purpose, the research work presented in this thesis produced an in-depth flow analysis of three case studies that dealt with rural slave labor in Brazil, under three simultaneous analytical dimensions: individual (or political game), institutional and structural. The research work generated a central thesis that the Judiciary had limited action in the framework of rural slave labor eradication policies, invariably presenting more limitations than indications of support to such policies. Each case studied revealed the coexistence of individual, institutional and structural factors corroborating the thesis about the limited action of the Judiciary, even though a different key factor stands out in each of the three cases.

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Sumário

Introdução ... 15

Apresentação do tema e relevância da pesquisa ... 15

Objetivos ... 18

Tese e argumentos ... 19

Metodologia de pesquisa ... 23

Estrutura da tese ... 24

PARTE I... 26

Capítulo 1 – Dimensões para uma análise política do Poder Judiciário ... 28

1.1 – Introdução ... 28

1.2 – A dimensão individual: os interesses políticos dos atores ... 31

1.3 – A dimensão estrutural: a função e a contradição do direito ... 45

1.4 – A dimensão institucional: as regras do jogo político ... 51

1.5 – As análises do Poder Judiciário no Brasil e o despertar da multidimensionalidade... 55

1.6 – Conclusões: “Let a hundred flowers bloom” ... 60

Capítulo 2 – Um panorama das políticas governamentais de erradicação do trabalho escravo rural ... 62

2.1 – Introdução ... 62

2.2 – Primeiras denúncias e sua visão sistêmica (1970-1984) ... 63

2.3 – Políticas embrionárias e o jogo político (1985-1995) ... 77

2.4 – Reconhecimento público e as limitações institucionais (1995-2002) ... 91

2.5 – Políticas integradas, “consensos” e as contradições do direito (2003-2012) 105 2.6 – Conclusões ... 124

PARTE II ... 127

Preliminares para os estudos de caso ... 128

Critérios para a escolha dos casos ... 128

Os casos escolhidos ... 135

Critérios para a análise dos casos na Justiça ... 144

Capítulo 3 – O Caso do “gato”: aquele que “cai sempre em pé” (1996-2015) ... 146

3.1 – Introdução ... 146

3.2 – A fuga, a denúncia e as fiscalizações (1996-2004) ... 146

3.3 – O Caso no Judiciário (2004-2015) ... 155

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Capítulo 4 – O Caso do Senador João Ribeiro: um “homem do campo” (2004-2014)176

4.1 – Introdução ... 176

4.2 – A denúncia e a fiscalização ... 176

4.3 – O caso entra no Judiciário ... 182

4.3.1 – O Caso do Senador João Ribeiro na Justiça do Trabalho ... 184

4.3.2 – O Caso do Senador João Ribeiro no Supremo Tribunal Federal ... 197

4.4 – Conclusões ... 207

Capítulo 5 – O Caso Pagrisa: “modelo internacional” (2007-2015) ... 212

5.1 – Introdução ... 212

5.2 – A denúncia e a fiscalização ... 212

5.3 – Senadores se rebelam e o caso entra no Judiciário ... 229

5.4 – O caso no Judiciário ... 265

5.4.1 – O Caso Pagrisa na Justiça do Trabalho ... 266

5.4.2 – O Caso Pagrisa na Justiça Federal ... 280

5.5 – Conclusões ... 304

Conclusões ... 311

Tese e resultados ... 311

Diálogos teóricos e metodológicos ... 314

Desdobramentos ... 319

Referências Bibliográficas ... 321

Apêndices ... 345

Apêndice 1 – Relatórios produzidos sobre trabalho escravo após 2003 ... 345

Apêndice 2 – Espectro dos casos nas políticas de erradicação do trabalho escravo346 Apêndice 3 – Espectro temporal do Caso do “gato” ... 347

Apêndice 4 – Lista de notícias sobre o Caso do Senador João Ribeiro ... 355

Apêndice 5 – Espectro temporal do Caso Pagrisa ... 356

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Lista de Tabelas

Tabela 1 - Medidas Formais para o Trabalho Rural e para o Trabalho Escravo

(1940-1969) ... 66

Tabela 2 - Medidas Formais para o Trabalho Rural e para o Trabalho Escravo (1985-1994) ... 79

Tabela 3 - Medidas Formais para o Trabalho Rural e para o Trabalho Escravo (1995-2002) ... 93

Tabela 4 - Medidas Formais para o Trabalho Rural e para o Trabalho Escravo (2003-2012) ... 107

Tabela 5 - Operações de Fiscalização e Inclusões na "Lista Suja" do Trabalho Escravo (1995-2012) ... 111

Tabela 6 - Atividades rurais com trabalho escravo que foram parar no TST ... 130

Tabela 7 - Atividades rurais com trabalho escravo que foram parar no STJ ... 131

Tabela 8 - Autores das ações sobre trabalho escravo no TST ... 131

Tabela 9 - Autores das ações sobre trabalho escravo julgadas pelo STJ ... 132

Tabela 10 - Tempo de duração dos processos no TST em função dos autores das ações ... 133

Tabela 11 - Tempo de duração dos processos do STJ em função dos autores das ações ... 133

Tabela 12 - Respostas do TST em função dos autores das ações ... 134

Tabela 13 - Respostas do STJ em função dos autores das ações ... 134

Tabela 14 - Espectro do cenário do trabalho escravo nos casos escolhidos ... 135

Tabela 15- Trabalhadores resgatos por estado federativo (1995-2014) ... 136

Tabela 16 - Operações de Fiscalização realizadas no Caso do "gato"... 148

Tabela 17 - Quadro de Inquéritos Policiais abertos para o Caso do "gato" ... 154

Tabela 18 - Quadro Geral de Processos na Justiça para o Caso do "gato" ... 156

Tabela 19 - Características Gerais dos Processos Judiciais no Caso do "gato" ... 157

Tabela 20 - Redesignação de Audiências, Motivos e Autores - Caso do "gato" ... 160

Tabela 21 - Natureza dos motivos de redesignação de audiências - Caso do "gato" 161 Tabela 22 - Natureza dos argumentos dos juízes - Caso do "gato" ... 172

Tabela 23 - Quadro Geral de Processos na Justiça para o Caso do Senado João Ribeiro ... 184

Tabela 24 - Características Gerais dos Processos na Justiça Trabalhista no Caso do Senador João Ribeiro ... 184

Tabela 25 - Natureza dos argumentos dos juízes trabalhistas - Caso do Senador João Ribeiro ... 185

Tabela 26 - Características Gerais dos Processos no STF no Caso do Senador João Ribeiro ... 197

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Tabela 27 - Natureza dos argumentos dos ministros do STF - Caso do Senador João

Ribeiro ... 198

Tabela 28 - Quadro Geral de Processos na Justiça para o Caso Pagrisa ... 266

Tabela 29 - Características Gerais dos Processos na Justiça Trabalhista no Caso Pagrisa ... 267

Tabela 30 - Redesignações de audiências na Justiça Trabalhista de 1º Grau - Caso Pagrisa ... 268

Tabela 31 - Motivos das Redesignações de audiências na Justiça Trabalhista de 1 º grau - Caso Pagrisa ... 269

Tabela 32 - Redesignação de audiências na Justiça Trabalhista - Caso Pagrisa ... 272

Tabela 33 - Natureza dos argumentos dos juízes trabalhistas - Caso Pagrisa ... 273

Tabela 34 - Redesignação de Audiências, Motivos e Autores - Caso Pagrisa ... 275

Tabela 35 - Características Gerais dos Processos na Justiça Federal para o Caso Pagrisa ... 281

Tabela 36 - Natureza dos argumentos dos juízes da Justiça Federal - Caso Pagrisa282

Lista de Figuras

Figura 1 - Atividades rurais em que foi encontrado trabalho escravo ... 129

Figura 2 - Mapa dos trabalhadores escravos resgatados ... 138

Figura 3 - Mapa do índice de probabilidade de escravidão e resgates em 2007 ... 139

Figura 4 - Fluxos dos trabalhados escravos ... 140

Figura 6 - Trabalho escravo e a cana-de-açúcar ... 142

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Introdução

Apresentação do tema e relevância da pesquisa

Como nos mostra a socióloga Maria de Nazareth Baudel Wanderley (2011), o tema do trabalho escravo rural no Brasil contemporâneo não é novo na literatura brasileira das ciências sociais, pois está entre os diversos temas abordados pelos estudos rurais que vieram se desenvolvendo desde os anos 1960 até os dias de hoje. Podemos encontrar, assim, diversos trabalhos, especialmente no campo da Sociologia, que buscaram entender as causas desse fenômeno, e que acabaram por fornecer contribuições muito importantes para o entendimento de processos macroestruturais da sociedade brasileira, tais como o avanço do capitalismo no meio rural e seu consequente processo de modernização conservadora. São trabalhos, portanto, que nos ajudam a entender a conformação da cidadania no meio rural brasileiro.

Juntamente a esses avanços acadêmicos em direção a um entendimento mais macroestrutural, o tema também vem sendo abordado em outras direções. Desde meados dos anos 1980, diversos órgãos públicos e organizações da sociedade civil vêm produzindo uma série de relatórios de caráter mais técnico e denunciativo. Os relatórios mais descritivos e técnicos, em grande medida produzidos por órgãos públicos, possuem uma ênfase mais institucionalizada. Eles abordam questões de infra-estrutura e de organização das instituições para lidar com o problema, e também comentam as políticas de erradicação implementadas pelo governo federal. Já os relatórios de caráter mais denunciativo, produzidos por organizações da sociedade civil, possuem uma visão mais voltada para o processo político e para o sistema econômico. Ou seja, voltam seu olhar para a relação entre as expectativas sociais por cidadania e justiça e as ações tomadas pelas autoridades políticas e as diretrizes econômicas. O ponto em comum entre esses dois tipos de relatórios, no entanto, é que ambos batem na tecla da falta de um consenso acerca do que é e como se identifica o trabalho escravo rural hoje. Argumenta-se que a

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falta desse consenso prejudica a atuação das instituições e, consequentemente, possibilita que a questão seja definida e manipulada de acordo com os valores e interesses particulares dos atores envolvidos.

Como aponta José de Souza Martins (1999), a confusão sobre a definição do trabalho escravo rural vem, de fato, permitindo sua manipulação de acordo com interesses particulares e, com isso, constituindo um problema para a atuação das instituições. Mas o autor ressalva que enfatizar somente essa questão é deixar de olhar para algo mais importante, que é a ação e a capacidade das instituições políticas de lidar com a exploração do trabalho no campo em seu sentido mais genuíno e amplo. Segundo o autor, essa discussão sobre o trabalho escravo rural, pautada em sua definição, fragmenta o sentido de cidadania, pois acaba estabelecendo gradações acerca do que é uma exploração aceitável (uma questão “apenas” trabalhista) e o que é uma exploração inaceitável (que atinge o ser humano em sua dignidade). Assim, a busca indiscriminada por uma definição única pode ser tão problemática quanto a sua própria inexistência, pois as instituições podem deixar de fora novas situações de exploração do trabalho rural que não se encaixam em definições previamente estabelecidas e que precisam igualmente de uma constante atenção e atuação das autoridades públicas.

A questão central, portanto, não está na definição, mas no entendimento que as instituições sustentam acerca das relações e das condições de trabalho no campo. Como argumenta o autor, as relações de trabalho e de produção no campo estão em constante modificação e, com elas, também caminham diferentes formas de exploração do trabalhador, no que a atuação institucional deveria ter a postura crítica de tentar acompanhar essas mudanças, de modo a evitar que a exploração ocorra em qualquer nível. No entanto, Martins (1999) aponta que quase nada tem sido feito em termos de pesquisas mais sistemáticas que possibilite acompanhar e analisar a atuação das instituições políticas, inclusive a atuação das instituições do Judiciário.

É certo que os relatórios dos órgãos públicos têm fornecido informações sobre as instituições, descrevendo seus desempenhos e dificuldades. No entanto, como já vimos, são relatórios que estão mais preocupados em mostrar

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dados acerca da infra-estrutura e dos resultados das políticas governamentais, não adentrando de forma mais crítica na lógica de funcionamento e de atuação das instituições. São relatórios que atribuem os problemas institucionais existentes à falta de recursos ou à falta de leis objetivas e claras que definam o que é o trabalho escravo rural. Os relatórios das organizações da sociedade civil, por sua vez, quando falam das instituições, acabam personalizando-as na figura de atores particulares, de modo a mostrar a correlação de forças e de interesses no jogo político, tratando a questão da erradicação do trabalho escravo majoritariamente como uma questão de vontade política. Com isso, acabam desconsiderando a ideia de que as vontades particulares dos sujeitos podem não se traduzir necessariamente na atuação das instituições. Ou seja, acabam negligenciando o caráter organizativo e coercitivo das instituições sobre a vontade particular dos indivíduos.

Assim, tanto os relatórios dos órgãos públicos quanto das organizações da sociedade civil se apresentam de forma claramente parciais e engajadas, constituindo materiais empíricos a serem analisados e não pesquisas sistemáticas sobre a atuação das instituições políticas no problema do trabalho escravo rural. É nesse ponto que a tese, no campo da ciência política, pode apresentar algumas contribuições.

Claramente que não se trata de analisar a atuação do Judiciário sobre todo tipo de exploração do trabalho no campo no passado e no presente, até mesmo porque o intuito é um focar sobre a instituição do Judiciário e não sobre a exploração do trabalho em si. Não é intuito, portanto, tentarmos ver como o Judiciário acompanha as transformações da exploração do trabalho no campo, até mesmo porque isso demandaria uma pesquisa empírica muito mais abrangente temporalmente. No entanto, pensamos que focar sobre a controvertida questão do trabalho escravo rural contemporâneo não nos impossibilita de ver a atuação do Judiciário perante a exploração do trabalho rural como um todo e mais historicamente. Por se tratar de uma questão controversa no universo político-jurídico, sendo alvo de muitas discórdias e desentendimentos entre os atores e as instituições políticas, é uma questão que acaba sendo definida através de comparações e diferenciações com

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outras situações de exploração mais reconhecidas e sedimentadas, como as questões trabalhistas e o nosso antigo sistema escravista. Assim, o estudo sobre a atuação do Judiciário sobre o trabalho escravo rural no Brasil contemporâneo pode facilmente fornecer pistas sobre sua atuação (ou ao menos sobre seu pensamento) em outras questões de exploração do trabalho no campo. Mais importante, trata-se de um tema que nos permite expandir os estudos empíricos sobre o Judiciário brasileiro e sobre o seu papel na defesa e garantia dos direitos de cidadania.

Objetivos

O objetivo central da tese é o de realizar uma análise de caráter exploratório através do estudo de três casos de trabalho escravo rural de expressividade teórica e que foram parar nas instâncias do Poder Judiciário. Escolhemos três casos de trabalho escravo cujas atividades rurais em questão são significativamente representativas no quadro do trabalho escravo rural no Brasil, e nos quais os acusados possuem perfis distintos ou capacidades litigatórias variáveis. Os casos compreendem, assim, acusações de trabalho de escravo no setor sucroalcooleiro e no setor pecuário; e tem por acusados um “gato” (o Caso do “gato”), um senador da República (o Caso do Senador João Ribeiro) e uma grande empresa do setor sucroalcooleiro (o Caso Pagrisa)1.

O intuito é o de realizar uma incursão em profundidade e em fluxo nos casos selecionados, de forma a delimitar e analisar as formas pelas quais o Poder Judiciário vem pautando suas decisões e atuando no cenário das políticas de erradicação do trabalho escravo rural no Brasil contemporâneo, especialmente entre 1995 e 2012, quando as políticas se tornam mais institucionalizadas.

Queremos saber que avanços, retrocessos ou interferências ele tem empreendido nesse cenário; como vem entendendo esse problema crítico da

1 Os critérios de seleção dos casos encontram-se detalhados nas “Preliminares para os

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exploração do trabalho no campo; e que instrumentos e ações institucionais vem apresentando para lidar com esse problema. Queremos identificar e analisar, também, as respostas que ele tem dado às expectativas de outros atores e instituições; a que ou a quem sua atuação tem propiciado ganhos diretos ou indiretos; e de que formas vem respondendo e se alinhando às políticas governamentais implementadas. Queremos, ainda, explorar e compreender os argumentos e critérios que ele tem se valido para justificar sua atuação. Em resumo, queremos saber como que o Judiciário vem se apresentando e se portando neste quadro, e se nele podemos enxergar possibilidades de entendimentos mais críticos sobre a exploração do trabalho no campo, que considerem seu aspecto sistêmico e que permitam romper com a reprodução de padrões desiguais de cidadania.

Tese e argumentos

A hipótese de pesquisa trabalhada pela tese resultou da realização de duas explorações empíricas preliminares (que serão expostas ao longo da análise), e que auxiliaram, inclusive, na opção pelo método dos estudos de caso e também na própria delimitação dos casos analisados. Na primeira exploração empírica realizada (exposta no Capítulo 2 da tese), foi feita a leitura e análise de um conjunto de documentos legislativos, políticas, relatórios e pesquisas elaborados por diversos atores políticos e sociais acerca do tema do trabalho escravo rural e acerca das políticas governamentais implementadas. E na segunda exploração empírica (exposta nas Preliminares para os estudos de caso na Parte II da tese), foi realizado o levantamento e análise de alguns processos judiciais envolvendo o tema do trabalho escravo rural em função de variáveis gerais de análise.

Esses dois momentos preliminares de exploração empírica nos possibilitaram perceber não apenas a complexidade de fatores que envolvem a questão do trabalho escravo rural, como também a diversidade de dimensões analíticas que são necessárias para obtermos uma compreensão mais completa da atuação do Poder Judiciário. Ambos os momentos nos deram ilustrações empíricas primárias da tese de que o Poder Judiciário vem atuando

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de forma mitigada sobre o tema, apresentando mais limitações do que possibilidades de apoio às políticas de erradicação do trabalho escravo rural. Tais ilustrações primárias foram problematizadas e fortificadas pelos estudos de caso empreendidos, que nos mostraram de forma ainda mais clara a atuação mitigada do Poder Judiciário e a importância de se considerar diferentes dimensões de análise para se compreender as possíveis razões dessa atuação.

No que tange às possibilidades de apoio às políticas de erradicação por parte do Poder Judiciário, os estudos dos casos nos mostraram que embora tenha sido possível encontrar sentenças e entendimentos judiciais que considerassem os aspectos mais sistêmicos acerca da exploração no campo, tais entendimentos acabaram se dando de forma isolada e provisória, na medida em que foram ou questionados ou anulados através de recursos julgados por instâncias judiciais superiores. Tais situações, no entanto, apresentaram um ponto positivo importante, no sentido de que as sentenças e entendimentos mais amplos acabaram servindo como instrumentos de mobilização por parte de outros atores políticos, especialmente pela mídia ativista no campo.

No que tange às limitações, por sua vez, os estudos dos casos nos mostraram que elas se apresentaram das mais variadas formas. Pudemos encontrá-las nos retrocessos que o Judiciário empreendeu no entendimento da exploração do trabalho no campo, minimizando e ponderando as situações de exploração encontradas. Pudemos vê-las nas interferências que ele realizou ao questionar a legitimidade de ações e medidas punitivas tomadas por outros atores e instituições políticas. Também estiveram presentes na falta de responsividade do Judiciário às expectativas por justiça de outros atores políticos e sociais, deixando-lhes o sentimento de impunidade em função da morosidade e do prolongamento dos processos até a prescrição dos crimes. Ligadas a isso, também pudemos observar a existência de decisões e argumentações diferenciadas que o Judiciário deu aos casos em função de seus réus e de sua relevância no cenário político-econômico, apontando a permeabilidade da Justiça às pressões de ordem externas. Além disso, as

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limitações também puderam ser observadas nos diversos argumentos que o Judiciário mobilizou para justificar sua atuação. Tais argumentos se mostraram de forma explícita (como nos casos citados de amenização da exploração encontrada e de questionamento de medidas de outras instituições) e também de forma implícita à sua lógica de funcionamento institucional (como nas tergiversações processuais e na postergação dos casos até serem amenizados ou anulados).

Assim, na medida em que fomos ganhando mais contato com os materiais empíricos e, simultaneamente, com os diversos estudos e abordagens de análise sobre o Poder Judiciário (apresentadas no Capítulo 1 da tese), também fomos percebendo a importância de vê-lo a partir de lentes ou dimensões mais variadas de análise. Fomos percebendo que uma hipótese e uma explicação dicotômica, que simplesmente mostrasse a atuação do Judiciario como sendo o resultado de um fator ou outro, poderia não dar conta de diversos elementos trazidos por nossos materiais empíricos. Ou seja, fomos percebendo que explicar a atuação do Judiciário somente em função do conservadorismo dos juízes, ou somente em função de problemas internos institucionais, ou somente em função da estrutura social e econômica histórica brasileira, poderia negligenciar fatores importantes.

Como apontamos, trata-se da existência tanto de limitações quanto de possibilidades de sustentação, sobre as quais supomos uma predominância das limitações e não uma simples exclusão das possibilidades de sustentação das políticas de erradicação por parte do Judiciário. Julgamos relevante, assim, construirmos nossa argumentação através da ênfase conjunta em três dimensões de análise: uma voltada para o processo político ou para a ação dos atores envolvidos, uma segunda de ordem estrutural, e uma terceira dimensão institucional. Ou seja, pensamos e nos questionamos sobre a contribuição ou peso explicativo de cada dimensão, de forma a empreendermos um estudo aprofundado da atuação do Poder Judiciário sobre o problema do trabalho escravo rural.

Para nós, ver o Judiciário a partir da lente do processo político ou individual é enxergá-lo a partir da ação dos juízes e de suas relações com

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outros atores envolvidos. É identificar e caracterizar esses atores, seus entendimentos, objetivos, demandas, expectativas, estratégias, decisões, poderes e relações. É olhar mais de perto as coalizões de forças, de ideias e de programas de ação. É se voltar para as aproximações e distanciamentos entre os atores, e para a sua inserção no cenário conflitante das políticas de erradicação do trabalho escravo rural. É ver que as polarizações resultantes de um olhar mais estrutural podem ser esmiuçadas e detalhadas em suas nuances e efeitos. É olhar o resultado final dos processos macro-estruturais a partir de uma lupa, para vermos as possibilidades abertas no seio das relações entre os atores, para entendermos como elas são pensadas e alcançadas, e de que forma podem impactar no posicionamento de outros sujeitos e no próprio cenário de políticas voltadas para o combate ao trabalho escravo rural.

Ver o Judiciário a partir de uma lente estrutural, por sua vez, nos possibilita resgatar, com auxílio da bibliografia, a ideia de função do Judiciário nas mudanças estruturais das relações sociais e do desenvolvimento da cidadania no campo no Brasil. É entender seu papel hoje em função de sua inserção em importantes marcos históricos da ordem política, econômica e social brasileira no passado. É recordar, por exemplo, o papel atribuído ao Judiciário para lidar com as consequências diretas da política desenvolvimentista do regime militar, do processo de redemocratização no final dos anos 1980, e das reformas neoliberais implementadas a partir dos anos 1990. É lembrar, portanto, do seu papel no avanço da empresa capitalista no campo, na acentuação da concentração da propriedade da terra e na expulsão de camponeses de suas terras e sua consequente submissão a condições indignas e degradantes de trabalho. É recordar também a sua função de repressão institucional sistemática das mobilizações renovadas por reforma agrária, e a sua função de criminalização dos movimentos sociais rurais. Assim, ver o Judiciário a partir de uma lente mais estrutural é vê-lo a partir de sua funcionalidade para a defesa e manutenção desses marcos históricos fundamentais, ajudando na conformação de uma cidadania de caráter peculiar no meio rural.

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Por fim, olhar para o Judiciário a partir de uma dimensão institucional é entendê-lo como uma instituição política que possui independência e autonomia perante os sujeitos e os processos macroestruturais. Ou seja, é vê-lo enquanto dotado de regras, organização e lógica próprias de funcionamento e de atuação. É entendê-lo na complexidade de suas relações intra-institucionais que regem a ação de seu corpo de funcionários. Trata-se de uma dimensão que nos permite, por exemplo, trabalhar as inovações das instituições judiciais, especialmente no que diz respeito à sua independência, prerrogativas e aos instrumentos de promoção de cidadania adquiridos após 1988 e, mais fortemente, após a reforma judicial de 2004. Isso, por sua vez, nos possibilita estudar as relações conflituosas que se abriram com os outros poderes do Estado do ponto de vista da formulação e da implementação de políticas públicas. O que essa dimensão nos traz de essencial, portanto, é um maior conhecimento da “máquina” judicial brasileira e de seus efeitos sobre o processo político.

Podemos observar, assim, que são três dimensões de análise que nos chamam atenção para elementos igualmente importantes para explicar as possibilidades e as limitações (bem como suas relações) da atuação do Judiciário brasileiro na questão do trabalho escravo rural no Brasil contemporâneo.

Metodologia de pesquisa

A tese se pautou centralmente pela metodologia dos estudos de casos e da análise de fluxo dos processos judiciais selecionados2, mantendo um diálogo com os achados empíricos preliminares e com as diversas abordagens analíticas sobre o Poder Judiciário. Entendemos que os estudos de casos nos permitem analisar o problema com maior profundidade, no que podemos levantar e trabalhar com variáveis que abordem as três dimensões de análise citadas. A análise de fluxo, por sua vez, nos permite acompanhar os processos

2

Os critérios de seleção, assim como os critérios de análise dos casos, encontram-se detalhados nas “Preliminares para os estudos de caso”, expostas na Parte II da tese.

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em toda a sua trajetória, percursos, atalhos, interferências e pausas. Assim, acompanhamos cada caso desde a denúncia até o julgamento e sentenciamento, passando por diferentes esferas e graus do Judiciário.

Trata-se, sobretudo, de um estudo de caráter exploratório, que não busca dar explicações fechadas ou unilaterais sobre a atuação do Poder Judiciário, mas sim levantar elementos que, em conjunto, permitem entender essa atuação em fluxo e em profundidade. A partir do estudo exploratório não se toma uma variável única que seja capaz de explicar todo e qualquer caso de trabalho escravo rural, muito embora seja possível estabelecer alguns critérios gerais e comuns de análise, que tomam forma particular em função do fluxo singular a cada caso.

Estrutura da tese

A tese foi divida em duas partes. Na Parte I (formada pelos Capítulos 1 e 2), colacionamos um conjunto de questões e respostas, tanto no plano teórico e metodológico quanto no plano empírico, que ajudam a compreender a atuação política do Poder Judiciário na questão do trabalho escravo rural. Assim, no Capítulo 1 apresentamos um mapeamento de várias abordagens teóricas sobre o Poder Judiciário, em que tentamos identificar quais dimensões analíticas cada abordagem enfatiza e que relações ela estabelece com as demais dimensões. Procuramos, ainda, verificar as metodologias de pesquisa mobilizadas e suas possibilidades analíticas. No Capítulo 2, traçamos um panorama das políticas de erradicação do trabalho escravo rural no Brasil, de forma a descrever as caracterizações e os entendimentos institucionais acerca do problema e de que forma essas políticas e entendimentos foram avaliados por diferentes atores políticos e sociais.

Na Parte II, por sua vez, voltamo-nos inteiramente para os estudos de caso, que se dispõem ao longo dos Capítulos 3, 4 e 5. No Capítulo 3, analisamos o Caso do “gato”, em que o Judiciário tratou de um caso sem repercussão política, e no qual sobressaiu a importância de fatores de ordem institucional para a compreensão da atuação do Poder Judiciário. No Capítulo

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4, por sua vez, analisamos o Caso do Senador João Ribeiro, em que já se nota uma repercussão política bem maior, não apenas em função da posição pública do senador, mas também em função da manifestação de posicionamentos individuais dos juízes sustentando concepções conservadoras e naturalizadoras das condições degradantes de trabalho no campo. No Capítulo 5, por fim, analisamos o Caso Pagrisa, que é o caso mais de descrição mais longa, mais complexo e de maior repercussão política entre os três casos estudados, e no qual se mostrou de forma mais evidente a importância de fatores de ordem estrutural sobre o andamento do caso na Justiça, dada a visível permeabilidade dos juízes às influências de ordem socioeconômica exercidas pela empresa.

Nas conclusões, por fim, fazemos um resgate dos resultados apresentados nos estudos dos casos em função da tese defendida, assim como também procuramos “fechar” diálogos teóricos e metodológicos abertos no Capítulo 1 da tese em função dos resultados obtidos com os estudos de caso. E procuramos, ainda, traçar algumas possibilidades de desdobramentos da tese para a realização de pesquisas futuras.

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Esta primeira parte da tese está voltada para a discussão de questões e respostas que podem ser levantadas em uma análise política da atuação do Poder Judiciário. Essa discussão é feita aqui em dois momentos. Primeiramente, no Capítulo 1, o debate é realizado no plano teórico e metodológico, de forma a estudar as questões, respostas e metodologias desenvolvidas por diferentes abordagens analíticas para o estudo político do Poder Judiciário. Num segundo momento, no Capítulo 2, a discussão já é feita através dos primeiros movimentos exploratórios e empíricos da tese, em que traçamos um panorama das políticas de erradicação – de forma a apresentar os problemas em voga e as soluções institucionais dadas pelas políticas governamentais – e procuramos analisar as avaliações de diferentes atores políticos e sociais sobre as políticas implementadas – de forma a verificar as questões e avaliações que foram feitas inclusive sobre a atuação do Poder Judiciário. Assim, tanto o primeiro quanto o segundo capítulo nos ajudam a colacionar questões e possíveis respostas sobre a atuação política do Poder Judiciário no quadro das políticas de erradicação do trabalho escravo rural, apontando, especialmente, para a necessidade de considerarmos uma multiplicidade de fatores ou dimensões analíticas para a compreensão mais completa do problema.

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Capítulo 1

– Dimensões para uma análise política do

Poder Judiciário

3

“It’s the vague people who are the pioneers” (Richard Rorty)

1.1 – Introdução

O objetivo deste capítulo é o de apresentar o esquema teórico-metodológico que nos auxilia neste trabalho e que resulta de um esforço em discutir a importância de diferentes dimensões analíticas para se pensar o Poder Judiciário brasileiro. Para tanto, destinamos boa parte deste capítulo para discutir o debate norte-americano em Ciência Política sobre o Poder Judiciário. A essencialidade deste debate reside na sua própria formação e desenvolvimento, que nos mostra um embate constante entre diferentes abordagens analíticas com diferentes explicações sobre a atuação do Poder Judiciário. A exploração desse debate nos ajuda não apenas a entender suas possibilidades e limites como também a entender as possibilidades e limites do debate brasileiro, que, em sua maioria, incorporou alguns pressupostos do debate norte-americano de forma acrítica, especialmente através das teses da judicialização da política.

Apresentamos o debate norte-americano de forma a tornar menos nítidas as linhas teórico-metodológicas que separam as diferentes abordagens analíticas presentes nesse debate. Expomos uma visão mais abrangente das abordagens, saindo do que lhes é padrão e nuclear para caminhar em direção às suas margens e, assim, ver os contatos que estabelecem com outras abordagens. O intuito, portanto, é o de verificar os pontos de semelhança, de continuidade ou mesmo de complementaridade entre as diversas perspectivas, mostrando que o debate pode ser apresentado menos como um jogo de oposições e mais como um diálogo fluido de trocas teóricas e metodológicas.

3

Este capítulo é o resultado resumido de um trabalho mais extenso sobre o debate norte-americano em ciência política sobre o Poder Judiciário, trabalho no qual os autores e obras citadas ao longo do capítulo se encontram resenhados e analisados com maior profundidade e correlação.

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Defendemos a tese de que conhecer esse debate para além do que lhe é padrão nos ajuda a perceber que a adoção de uma abordagem analítica particular para estudar o Poder Judiciário não deve necessariamente nos prender a uma linha única de pensamento, pressupostos e métodos de trabalho. Isso acontece justamente porque as abordagens conversam muito mais entre si do que geralmente se reconhece, extrapolando os esquemas teórico-metodológicos por demais rígidos e fechados. A reconstrução do debate em termos mais abrangentes possibilita verificar a existência de uma margem de ação para o pesquisador transitar de forma mais livre e exploratória entre as diversas abordagens analíticas sobre o Poder Judiciário, buscando realizar tentativas de síntese e não o aprofundamento de análises unilaterais.

A identidade que cada abordagem sustenta no campo dos estudos judiciais norte-americanos geralmente é construída e defendida em oposição às abordagens já existentes, até mesmo para que ela se coloque como diferente e inovadora. Esse processo de diferenciação se dá através da defesa ou da ênfase de uma dimensão de análise específica: algumas abordagens defendem que para entendermos a atuação política do Judiciário é preciso que nos voltemos para as ações dos juízes, para os seus valores e preferências políticas particulares, levando-nos, assim, para dimensões individuais de análise; outras abordagens, por sua vez, defendem que a atuação do Judiciário só pode ser inteiramente compreendida se conseguirmos descobrir a sua função dentro de uma determinada sociedade, fazendo-nos pensar em dimensões analíticas mais estruturais; e outras, ainda, defendem que uma análise sobre o Poder Judiciário tem que levar em conta suas regras e formas de funcionamento, no que é preciso reconhecer a importância da dimensão institucional.

O que podemos perceber, no entanto, é que, embora as abordagens sempre apresentem uma ênfase sobre uma dimensão de análise em particular, e embora elas sejam reconhecidas, agrupadas e compreendidas por isso, elas se entrelaçam de maneiras diversas, extrapolando não somente os limites internos de suas próprias abordagens como também dos conjuntos de abordagens no qual se inserem, a dizer, individualistas, estruturalistas e

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institucionalistas. Podemos encontrar, por exemplo, abordagens individualistas, mas que apresentam características teórico-metodológicas que se desviam do padrão de uma análise individualista, trazendo argumentos de caráter institucional ou estrutural e, com isso, desenvolvendo análises mais multidimensionais. O que se pode perceber é que até mesmo as abordagens mais “puras” ou mais unidimensionais possuem trabalhos ou estudiosos que fogem à regra e empurram os limites de suas próprias abordagens, testando ao extremo sua capacidade analítica.

Para realizar o que estamos propondo, este capítulo se divide da seguinte forma. Na primeira parte, discutimos um conjunto de abordagens norte-americanas que enfatizam a dimensão individual para analisar o Poder Judiciário. Falamos sobre as abordagens mais tipicamente ou puramente “individualistas”, como o Modelo Atitudinal e o Modelo Estratégico; e sobre as abordagens mais abrangentes, como o Realismo Jurídico, a Jurisprudência Política e a Mobilização do Direito. Além disso, mostramos que até mesmo dentro das abordagens mais puramente individualistas, como no Modelo Atitudinal e no Modelo Estratégico, é possível encontrar exemplos que não somente se aproximam das abordagens individualistas mais abrangentes, como também extrapolam os limites do próprio conjunto de abordagens individualistas, caminhando em direção a considerações de caráter mais institucional e/ou estrutural.

Na segunda parte do capítulo, discutimos os trabalhos norte-americanos de cunho estruturalista vindos do movimento dos Critical Legal Studies, novamente pensando em termos de trabalhos mais puros e mais abrangentes. Dentre os mais puros, vemos o posicionamento radical das teses da “indeterminação” do direito. Dentre as mais abrangentes, vemos o posicionamento de trabalhos que se aproximam tanto das abordagens individualistas quanto dos trabalhos estruturais de origem marxista.

Na terceira parte, discutimos a abordagem do Institucionalismo Histórico, de forma a mostrar as ligações e semelhanças com os conjuntos de abordagens vistas anteriormente. Ao compararmos o Institucionalismo Histórico com as demais abordagens, relembramos, com base nas análises anteriores,

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que ele não foi o único e nem o primeiro a tentar fazer uma síntese analítica entre as três dimensões de análise.

Na quarta e última parte, por fim, buscamos fazer alguns apontamentos sobre o debate brasileiro de acordo com o que foi discutido nos itens anteriores, de forma a entender as possibilidades e os limites das abordagens mais recorrentes sobre o Poder Judiciário brasileiro, bem como as questões trazidas por novos trabalhos.

Nas conclusões, por fim, recuperamos algumas considerações centrais feitas ao longo do capítulo, para mostrar que o desenvolvimento das diferentes abordagens analíticas se deu não apenas através de um jogo de oposições, mas também através de uma fluidez significativa de questões, pressupostos e metodologias, que acabam ofuscando a nitidez das linhas que separam as abordagens em quadros rígidos e fechados de análise e abrindo um campo grande de perguntas de pesquisa.

1.2 – A dimensão individual: os interesses políticos dos atores

Na Ciência Política norte-americana, as abordagens de cunho individualista são geralmente identificadas como behavioristas ou como abordagens que têm por unidade de análise os indivíduos ou grupos de indivíduos, cujas ações, comportamentos, interesses e valores particulares são os elementos que explicam o jogo político. Em outras palavras, são abordagens que procuram explicar a política através do comportamento ou da ação dos indivíduos, ação esta voltada para a realização de objetivos particulares. Para essas abordagens, as instituições, assim como as regras mais estruturais de uma sociedade, seriam basicamente reflexos sedimentados dessas preferências individuais em ação e em interação; e funcionariam auxiliando os indivíduos com informações ou previsões sobre como melhor agir para alcançar seus objetivos.

Essa identificação das abordagens individualistas como behavioristas também é comum entre os estudos políticos norte-americanos sobre o Poder Judiciário, e isso se deve, em grande medida, à quebra teórica e metodológica

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que o behaviorismo trouxe para o campo dos estudos judiciais (Pritchett, 1968; Smith, 1988; March e Olsen, 1989; Whittington, 2000; Maveety, 2003b; Segal, 2003), dividindo-o em “estudos judiciais no Direito” (Public Law) e “estudos judiciais na Ciência Política” (estudos do Judicial Process).

O behaviorismo representou um marco importante da “emancipação” da Ciência Política frente ao Direito. Se antes os cientistas políticos se encontravam de alguma forma dependentes do Direito e das categorias jurídicas e institucionais para analisar o Judiciário, aparecendo como meros “comentadores” de leis e de decisões judiciais, eles passam, agora, a constituir um campo próprio de estudos, construindo uma teoria e metodologia própria. A ideia central que se funda, portanto, com a emergência do “behaviorismo judicial”, particularmente através do Modelo Atitudinal e do Modelo Estratégico, é a ideia de análise “política” do Judiciário, análise esta que requer uma mudança radical de foco, métodos e materiais empíricos de pesquisa (Schubert, 1963).

A atuação do Judiciário e as decisões judiciais não podem mais ser explicadas com base nas regras e normas jurídicas, ou com base na ideia do legalismo jurídico de que os juízes são meros “aplicadores” das leis, neutros e apolíticos. Agora, a atuação do Judiciário e as decisões judiciais somente se explicam em função dos valores e das preferências políticas particulares dos juízes. O juiz passa a ser visto como um verdadeiro ator político, que tem na decisão judicial a sua possibilidade de ação política; ele não decide conforme as regras, mas conforme seus interesses políticos particulares (Schubert, 1963; Segal e Spaeth, 1993; Segal, 2003). As regras jurídicas só tem importância para a análise caso exerçam alguma influência sobre o comportamento dos juízes, que podem instrumentalizar tais regras de forma estratégica para atingir seus objetivos (Schubert, 1964, 1974b; Segal e Spaeth, 1993, 1996a, 1996b; Rohde, 1972a, 1972b; Rohde e Spaeth, 1976; Murphy, 1964; Epstein e Knight, 1998).

O que ocorre, assim, é uma mudança completa de foco, que sai da visão extremamente formal e institucional do Direito para uma visão individualista e comportamentalista da decisão judicial. Juntamente com a mudança de foco,

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também se dá uma mudança no método e no material empírico de pesquisa. O cientista político não deve mais se voltar para uma análise descritiva do conteúdo das leis, códigos e constituições, limitando-se a comentar as diferentes interpretações que foram dadas pelos juízes em contextos políticos distintos. Agora, ele deve observar os votos que os juízes deram e suas frequências em uma massa de decisões, quantificando as vezes em que deram votos liberais e votos conservadores4. O importante é localizar o juiz no jogo político, verificar de que “lado” ele está, e mostrar, através de métodos quantitativos cada vez mais sofisticados5, que a atuação política do Judiciário deve ser entendida unicamente a partir do comportamento político dos juízes. Isso seria fazer uma análise “política” e “científica” do Judiciário, análise esta que configuraria o mainstream dos estudos judicias na Ciência Política norte-americana.

Nesse processo de construção de uma análise “política” do Judiciário ou de fortalecimento dos estudos judiciais em Ciência Política frente aos estudos judiciais no Direito, o Modelo Atitudinal e o Modelo Estratégico tiveram cada qual papéis importantes e, sob nosso ponto de vista, complementares. Se o Modelo Atitudinal foi o responsável por firmar a ideia do “juiz político”, que decide conforme seus valores e preferências políticas particulares, o Modelo Estratégico procurou resgatar para a análise behaviorista a importância de se olhar novamente para as normas e para as regras institucionais, de forma a enfatizar que os juízes podem atuar de forma estratégica frente a elas para alcançar seus objetivos particulares. Em seus desenvolvimentos mais recentes, inclusive, os trabalhos estratégicos (agora reconhecidos como do

4

Esses estudos produziram um grande conjunto de bases de dados estatísticas para demonstrar o caráter político da atuação dos juízes da Suprema Corte dos Estados Unidos. Para exemplos, consultar Spaeth (1999a, 1999b) e Segal e Spaeth (2000).

5

Um das técnicas mais comumente utilizadas é a scalogram analysis, através da qual o estudioso pode dispor as atitudes individuais dos juízes (os votos) em uma escala unilear, acumulativa e contínua de valores, de forma a verificar a consistência dessas atitudes ao longo de diversas decisões. Trata-se de uma escala gradativa de valores, do extremo mais progressista ao extremo mais conservador, que permite verificar que um juiz vota sempre a favor daqueles valores que vão até o limite crítico de valores que os separam de outros. Essa técnica é importante na medida em que permite explicar as diferenças encontradas nos votos dos juízes de decisão para decisão, mostrando uma lógica maior por trás de votos que se diferenciam, mas que acabam caindo dentro um grupo único de valores.

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Institucionalismo da Escolha Racional”) analisam o envolvimento de elites governamentais na formulação e na alteração das regras constitucionais e de funcionamento das instituições judiciais, mostrado o caráter político do próprio direito e as suas relações com o comportamento estratégico dos juízes e de outros atores políticos (Ginsburg, 2003; Helmke, 2004, Hirschl, 2004; Finkel, 2008).

A ideia de estratégia, contudo, não é exclusividade ou pioneira do Modelo Estratégico ou do Neo-Institucionalismo da Escolha Racional, muito embora o contrário seja propagado pela literatura6. Emprestada de teóricos da escolha racional ou de teorias econômicas da política (Downs, 1957; Riker, 1962; Elster, 1986), a ideia de estratégia já se encontrava presente entre os primeiros trabalhos do Modelo Atitudinal, influenciando de forma significativa não apenas o desenvolvimento dos próprios trabalhos atitudinalistas7, como também o nascimento dos trabalhos estratégicos, alguns inclusive em parceria com os atitudinalistas8. A diferença entre uma abordagem e outra parece se dar muito mais no plano da “gradação” do que da “inovação”: enquanto entre os atitudinalistas a ideia de estratégia aparece de forma rarefeita e esparsa, para explicar casos em que a preferência política particular do juiz não se encontrava tão explícita na decisão judicial, entre os estratégicos, a ideia ganha estatuto de “conceito”, permitindo explicar tais “contra-casos” de forma mais sistemática.

6

Como mostram Epstein e Knight (2000), é em função da questão estratégica e da consideração de questões institucionais para a análise comportamental dos juízes que o Modelo Estratégico é geralmente entendido e se porta como um movimento revolucionário diante do Modelo Atitudinal.

7

Glendon Schubert (1964, 1974a, 1974b), considerado o pai fundador do Modelo Atitudinal, preocupava-se, assim como os estratégicos, com questões de caráter institucional, de forma a mostrar o comportamento estratégico dos juízes diante dessas questões. Para incorporar tais elementos à análise comportamental, Schubert procurou aperfeiçoar gradativamente os métodos quantitativos de pesquisa, de modo a considerar as regras e outros elementos de forma sistemática, quantificável e não mais de forma descritiva.

8

A semelhança entre o Modelo Atitudinal e o Modelo Estratégico são reconhecidas pelos próprios estudiosos estratégicos (Epstein e Knight, 2000), reconhecimento este que também pode ser visto nas parcerias de pesquisa e em publicações conjuntas desde o início do desenvolvimento dos trabalhos estratégicos (ver, por exemplo, Pritchett, Murphy e Epstein (2002 [1961]).

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Tanto para os atitudinalistas quanto para os estratégicos, portanto, a ideia de estratégia se encontra presente, e, em ambas as ocasiões, para manter a análise com foco na dimensão individual ou na questão comportamental. O uso da ideia de estratégia lhes possibilitou considerar elementos institucionais, mas sem abandonar a dimensão individual de análise, que era o diferencial de seus trabalhos frente às pesquisas no Direito. Assim, não se trata de olhar para as regras e para as instituições de forma independente, mas sempre tendo como referência primeira o comportamento dos juízes. Por isso dizemos, portanto, que tanto o Modelo Atitudinal quanto o Modelo Estratégico ajudaram a estabelecer e a fortalecer a ideia padrão de análise “política” do Judiciário, diferenciando os estudos judiciais na Ciência Política dos estudos judicias no Direito. Seu olhar voltado para o comportamento individual, assim como sua metodologia quantitativa sofisticada, conformaram na Ciência Política norte-americana um padrão “científico” a ser seguido e implementado.

Contudo, podemos encontrar entre os próprios modelos behavioristas, trabalhos atitudinalistas e estratégicos que fogem a esse padrão e apresentam outras formas de se fazer uma análise política do Judiciário, alargando os limites de suas abordagens e dialogando com outras dimensões analíticas. Existem trabalhos atitudinalistas e estratégicos que dizem que, para entendermos a atuação política do Judiciário, não basta olharmos para os juízes, para os seus valores e comportamentos. É preciso também olhar para os aspectos institucionais e estruturais como elementos independentes das vontades e das estratégias individuais, e que cercam e limitam de fato a atuação do juiz.

Entre esses trabalhos, encontramos estudos que defendem que a atuação política do Judiciário deve ser compreendida também a partir da função do juiz e do Judiciário dentro de um sistema ou “espírito” democrático (Pritchett, 19489; Howard, 1968). É preciso não apenas mostrar quais são os

9

Para alguns, o caráter multidimensional de Pritchett é visto como ambíguo e como um resquício da crise inicial (teórica e metodológica) que a Ciência Política enfrentou para se desvencilhar do Direito (Schubert, 1963; Maveety, 2003; Segal, 2003). Embora Pritchett seja

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valores políticos que guiam o comportamento decisório dos juízes, mas também investigar como que se formam tais valores (Pritchett, 1948, 1968; Danelski, 1960). O juiz e o Judiciário, dentro de um sistema democrático, teriam funções políticas específicas, normativamente estabelecidas, no que as regras jurídicas poderiam sim formar e guiar seu comportamento. Assim, um juiz que decide intervir no Executivo ou no Legislativo em defesa dos direitos e das liberdades individuais pode resultar não diretamente de seus valores políticos particulares, mas antes da sua própria função dentro de um sistema constitucional democrático, cujas regras lhe dão independência e poder político para esse tipo de intervenção.

Também encontramos trabalhos behavioristas que questionam a ligação direta que se faz entre os valores particulares dos juízes e as decisões judiciais, mostrando que a direção e a intensidade desse link mudam ao longo do tempo, especialmente em função de constrangimentos institucionais (Ulmer, 1969, 1979b). São estudos que se voltam, por exemplo, para a análise das regras de funcionamento das cortes, de outros momentos do processo decisório (Ulmer, 1972, 1979a; Ulmer, Hintze e Kirklosky, 1972), das regras judiciais de acesso aos tribunais (Ulmer, 1978), e da pressão exercida por grupos e lideranças dentro da Corte sobre o comportamento dos juízes (Danelski, 1960; Ulmer, 1963). Tudo para mostrar que esse comportamento varia conforme questões outras que não somente os valores políticos particulares dos juízes10.

Outros estudos behavioristas questionam um problema central dos atitudinalistas e estratégicos padrões, que é a separação que eles fazem entre “direito” e “política”. Passa-se a questionar se “decidir conforme as regras” é de fato diferente de “decidir conforme valores e interesses políticos”,

reconhecido como o precursor do Modelo Atitudinal (Maveety, 2003), seu trabalho não é visto como o que de fato “quebrou” com o Legalismo Jurídico e seus pressupostos institucionais.

10

Ulmer reconhece a importância das abordagens tradicionais (institucionais) e se coloca mais numa posição de complementaridade do que de oposição a elas. Bradley (2003) cita, inclusive, uma passagem de um livro de Ulmer em que ele confirma essa ideia: “A abordagem behaviorista não substitui outras perspectivas, mas complementa o conhecimento que tem sido e continua a ser a marca de modelos analíticos mais tradicionais” (Ulmer, 1961: I apud Bradley, 2003: 109).

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se que as próprias regras ou que o próprio direito é um elemento político em si e não apenas uma roupagem que é estrategicamente utilizada ou instrumentalizada pelos juízes para alcançarem seus objetivos particulares.

Alguns estudos mostram “a política no direito” ao enfatizarem a importância dos valores culturais e políticos de uma sociedade na formação não somente do comportamento dos juízes, como também das próprias regras de funcionamento das instituições judiciais. Encontramos, assim, preocupações com a questão da socialização judicial e com as experiências profissionais e políticas dos juízes, que estruturam e institucionalizam padrões de comportamento (Cook, 1971). Também encontramos análises sobre as relações entre os tribunais com a opinião pública e as expectativas culturais e sociais sobre o papel do juiz e do Judiciário (Cook, 1977, 1979). Vemos, ainda, trabalhos em que se demonstra a importância dos valores políticos, culturais e sociais de uma sociedade na formulação das regras de seleção dos juízes da Suprema Corte dos Estados Unidos11, mostrando que os valores manifestos nas decisões dos juízes podem ser culturalmente e institucionalmente selecionados (Cook, 1977, 1981, 1982, 1984).

Vemos, assim, que são trabalhos que procuram mostrar que, embora haja uma relação entre valores políticos pessoais dos juízes e suas decisões, há muitas outras questões institucionais e estruturais anteriores e contínuas ao processo decisório que influem na efetivação dos valores pessoais dos juízes. Assim, existiria uma muldimensionalidade latente na atuação política do Judiciário, que deve ser estudada a partir de um entrelaçamento de questões individuais, institucionais e estruturais, de modo semelhante ao que apontam os estudos do Neo-institucionalismo histórico12.

11

Cook mostra o processo de aceitação da primeira mulher como juíza da Suprema Corte dos Estados Unidos. Segundo seus estudos, isso só foi possível quando a cultura política do país se alterou e passou a considerar plausível a presença de uma mulher na Suprema Corte.

12

Como apontou Epstein e Matther (2003: 186), o interesse de Beverly Blair Cook em diferentes dimensões da atuação política do Judiciário “moveu intelectualmente as barreiras do atitudinalismo, incorporando em uma explicação do ato de julgar as normas jurídicas e o contexto social, que são os mesmos fatores enfatizados pela abordagem alternativa do institucionalismo histórico ao estudo do comportamento judicial”.

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Do ponto de vista metodológico, esses trabalhos behavioristas não-padrões ajudam a quebrar com a ideia que se fundou com o Modelo Atitudinal de que uma análise “política” e “científica” do Judiciário requer obrigatoriamente um foco unidimensional sobre o juiz, juntamente com a aplicação de uma metodologia quantitativa sofisticada. Ainda que o uso desta metodologia não tenha sido descartada, e em alguns casos tenha sido estimulada e aperfeiçoada, o reconhecimento de outras dimensões analíticas e a utilização de metodologias qualitativas parece ser um traço comum entre esses estudos13. Eles vêm conquistando espaço e importância crescentes no

mainstream dos estudos judiciais na Ciência Política norte-americana, dada a

capacidade de mostrar os limites das análises políticas padrões e a possibilidade de inaugurar novas hipóteses, agendas de pesquisa, e até mesmo novas abordagens analíticas.

Assim, se entre as abordagens individualistas puramente behavioristas nós podemos encontrar tantos trabalhos que fogem ao padrão, vejamos o que acontece entre as abordagens individualistas que não são behavioristas, ou que podemos chamar de “mais abrangentes”, como o Realismo Jurídico, a Jurisprudência Política e a Mobilização do direito. Através delas podemos encontrar trabalhos que tratam a relação entre política e direito não apenas pela chave da instrumentalidade (pressupondo a centralidade do juiz e a separação entre direito e política), mas também pelo seu caráter histórico e constitutivo, considerando cada vez mais a importância das dimensões institucionais e estruturais de análise para se entender a atuação politica dos juízes e do Judiciário como um todo. É a partir de seus trabalhos que podemos ver semelhanças e diálogos cada vez mais claros tanto com o Marxismo e com

13

Destaca-se, por exemplo, a capacidade dos métodos qualitativos como os estudos de caso de realizar uma espécie de “anatomia” do processo judicial, permitindo ver a existência de manipulações e constrangimentos de grupos de interesses sobre o juízes (Pritchett, 1968; Pritchett, Murphy e Epstein, 2002). Aponta-se também a importância das análises descritivas de Howard sobre os fluxos de litigação, agendas de julgamento, bem como das biografias e entrevistas de juízes como meios de se analisar a questão estratégica (Maveety e Maltese, 2003). E, no extremo da desvinculação da pesquisa a uma metodologia pré-estabelecida, aponta-se, como fez Beverly Blair Cook, a importância de deixar o problema e o objeto de pesquisa ditar a metodologia necessária e não o contrário (Epstein e Matther, 2003).

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