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26 de setembro de 2007

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Processo 06S4612 Data do documento 26 de setembro de 2007 Relator Vasques Dinis

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA | SOCIAL

Acórdão

DESCRITORES

Recurso > Admissibilidade > Sucumbência > Liquidação de sentença > Litigância de má fé

SUMÁRIO

I - De acordo com o regime da admissibilidade dos recursos, em processo laboral, a regra é a de que só admitem recurso as decisões se, cumulativamente: (i) forem proferidas em causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre; (ii) a decisão impugnada for desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do mesmo tribunal (art. 79.º, do CPT e art. 678.º, n.º 1, do CPC).

II - O valor da sucumbência, para efeitos de admissibilidade de recurso, reporta-se ao montante do prejuízo que a decisão recorrida importa para o recorrente, o qual é aferido em função do teor da alegação do recurso e da pretensão nele formulada, equivalendo, assim, ao valor do recurso, traduzido na utilidade económica que, através dele, se pretende obter.

III - Mas este requisito da sucumbência só deve funcionar se for possível determinar, com segurança, que o seu valor não é superior a metade da alçada do tribunal recorrido.

IV - Em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, deverá atender-se somente ao valor da causa.

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V - Da iliquidez da condenação não decorre, necessariamente, a impossibilidade de determinar, com segurança, se a medida da sucumbência é igual ou inferior a metade da alçada do tribunal recorrido, devendo tal medida aferir-se em função do valor do pedido e seus fundamentos e da regra da proibição de condenação ultra petitum, consignada no art. 661.º, n.º, do CPC, cujo efeito deve estender-se ao momento da liquidação.

VI - Daí que, para os efeitos de admissibilidade do recurso de revista interposto pelo autor, não se verifica o requisito da sucumbência se aquele formula no recurso uma pretensão não liquidada, mas cuja quantificação atingirá, face ao referido em IV, o valor máximo de € 3.474,20, sendo certo que à data da propositura da acção a alçada da Relação, em matéria cível, era de € 14.963,94.

VII - Pelo mesmo motivo, também não é admissível o recurso de revista interposto pela ré, se o valor da condenação líquida da mesma (€ 3.429,60), adicionado à condenação ilíquida - mas que o autor havia quantificado na petição inicial em € 2.284,00, e que, por isso, funciona como limite da condenação -, é desfavorável para a recorrente em € 5.713,60 (€ 3.429,60 + € 2.284,00)

VIII - A litigância de má fé é uma questão de natureza processual, sendo o recurso de agravo o próprio para impugnar a decisão sobre tal matéria.

IX - Porém, sempre que o recurso de revista seja o próprio, a lei admite que o recorrente invoque, além da violação de lei substantiva, a violação de lei do processo, quando desta for admissível o recurso, nos termos do n.º 2, do art. 754.º, do CPC, de modo a interpor do mesmo acórdão um único recurso.

X - Não se verificando qualquer das excepções previstas na segunda parte do n.º 2 e n.º 3, do art. 754.º, do CPC, não é admissível recurso da decisão da Relação que revogou a condenação, por litigância de má fé, proferida na 1.ª instância.

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do relator sobre a admissibilidade é, também, provisório, não formando caso julgado, por ser modificável pela conferência, quer por iniciativa do relator, dos seus adjuntos e das próprias partes.

TEXTO INTEGRAL

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. Nesta acção emergente de contrato de trabalho, instaurada, em 19 de Abril

de 2004, por AA, no Tribunal do Trabalho do Porto, contra “Empresa-A, Engenharia e Construção, SA”, o Autor pediu a condenação da Ré a pagar-lhe a importância total de € 19.379,72, compreendendo:

– A indemnização por antiguidade por rescisão com justa causa do contrato de trabalho, no valor de € 3.726,81;

– Diferenças de subsídios de férias e de Natal, no valor de € 2.284,00; e

– Remuneração de trabalho prestado fora do horário normal, no valor de € 13.666,12.

2 . Na primeira instância, a acção foi julgada parcialmente procedente e a Ré

condenada a pagar ao Autor: [...]

a) As quatro (4) primeiras horas de trabalho extraordinário prestado semanalmente, no período de 06.09.2002 a 03.04.2004, pelo facto de sempre ter cumprido um horário de trabalho semanal de 44 horas quando o horário de trabalho semanal era de 40 horas, quantia essa a apurar em execução de sentença.

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decorrentes da não inclusão no cálculo desses subsídios das quantias pagas (e a pagar) a título de trabalho extraordinário no mesmo período e com base na média dos doze (12) meses anteriores ao mês em que eram devidos, também a apurar em execução de sentença.

[...]

Foi, outrossim, decidido condenar o Autor, por litigância de má fé, na multa de 10 UCs, equivalente a € 890,00.

3 . Da sentença recorreram, em via principal, a Ré e, subordinadamente, o

Autor, vindo o Tribunal da Relação do Porto, no conhecimento de ambos recursos, a declarar sem efeito a condenação do Autor como litigante de má fé e a rematar o seu acórdão com o seguinte dispositivo:

[...]

Acorda-se em, concedendo parcial provimento ao recurso da Ré e provimento integral ao recurso subordinado do Autor, revogar a sentença, assim condenando a Ré a pagar ao Autor a indemnização de € 3.429,60 (três mil quatrocentos e vinte e nove euros e sessenta cêntimos), acrescida das diferenças verificadas nos subsídios de férias e de Natal pagos ao A. decorrentes da não inclusão no cálculo desses subsídios do que vier a apurar-se, em sede de liquidação, corresponder a 50% das quantias que lhe foram pagas mensalmente sob a designação de “ajudas de custo”.

No demais peticionado, julga-se improcedente a acção, absolvendo a Ré dos pedidos.

[...]

Inconformados, Autor e Ré vieram pedir revista, terminando as respectivas alegações com as conclusões assim redigidas:

No recurso do Autor:

1.ª O Recorrente foi contratado em Portugal, local onde reside, para prestar serviço em Angola;

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2.ª Assim, a relação jurídica laboral estabelecida entre Recorrente – trabalhador português a residir em Portugal – e Recorrida – empresa portuguesa com sede em Portugal, é aplicável a lei portuguesa (art. 42.º, n.º 1, do Código Civil);

3.ª O limite máximo do período normal de trabalho ao caso aplicável é o da Lei Portuguesa, ou seja, o de oito horas por dia e 40 horas por semana – art. 5.º/1 do D.L. n.º 409/71, de 27/9;

4.ª Por outro lado, não poderia deixar de entender-se que, mesmo a observar-se o horário de trabalho com a carga semanal vigente no País estrangeiro, o trabalhador, que celebrou contrato sujeito em Portugal, onde ambas as partes têm a sua residência e sede, não poderia ser negativamente discriminado em relação à lei portuguesa, que é aplicável às obrigações decorrentes do vínculo juslaboral, “ex vi” do art. 42.º/1, 2.ª parte, do Código Civil.

5.ª Conforme muito bem se decidiu no acórdão da Relação do Porto, a Recorrida violou culposamente as garantias legais do Recorrente, constituindo justa causa para a resolução do contrato de trabalho nos termos do art. 441.º, n.os 1 e 2, alínea b), do CT, uma vez que, ao transferir o Recorrente para Portugal em desrespeito ao acordado no contrato de trabalho, afectou consideravelmente o Recorrente ao nível da retribuição auferida.

6.ª Ora, uma vez que a Recorrida não pagou ao Recorrente as quatro horas semanais, ao motivo supra referido, para a resolução do contrato de trabalho com justa causa, acresce o alegado motivo da falta de pagamento do trabalho suplementar.

7.ª O douto acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 42.º do Código Civil [e] 5.º, n.º 1, do D.L: 409/71, de 27/9.

Termos em que [...] deve o presente recurso ser julgado procedente [...] e por via dele:

Ser revogado o douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto, na parte em que considerou aplicável o regime jurídico Angolano à questão do horário de trabalho e ser confirmada, nesta parte a decisão proferida em primeira

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instância.

No recurso do Ré:

A) QUANTO À NATUREZA RETRIBUTIVA DAS AJUDAS DE CUSTO E SUA UTILIZAÇÃO, ACRESCIDA DA REMUNERAÇÃO DO TRABALHO SUPLEMENTAR, COMO BASE DE CÁLCULO DOS SUBSÍDIOS DE FÉRIAS E NATAL:

1.ª A douta sentença do Tribunal do Trabalho do Porto coloca a tónica da questão da retribuição-base para efeitos de pagamento do subsídio de férias e de Natal na inclusão, ou não, da remuneração do trabalho suplementar nessa base de cálculo. Não se pronuncia concretamente sobre a inclusão na mesma retribuição- -base das ajudas de custo pagas pela Ré ao Autor, e por este sempre entendidas, desejadas e tratadas como tal.

2.ª Aliás, já em sede de reposta ao pedido de aclaração da sentença, havia a ora Recorrente alertado para a circunstância de a douta sentença apenas considerar “(São pois) devidas pela ré ao autor as quantias resultantes das diferenças entre as importâncias efectivamente devidas (i.e., por referência à média anual da remuneração do trabalho suplementar) e as importâncias efectivamente pagas a título de subsídio de férias e de Natal, nos termos acabados de referir.”

3.ª Sucede que, apesar da Primeira Instância ter decidido nada haver a aclarar ou rectificar nesta parte da sua decisão, no seu recurso (subordinado) interposto para o Tribunal da Relação, o Autor não se insurgiu – quer pela via da normal apelação, quer, eventualmente, pela da nulidade da decisão por omissão de pronúncia – contra a posição vertida na douta sentença quanto à não inclusão das ajudas de custo por si recebidas na retribuição-base.

4.ª Assim, em obediência à força jurídica do caso julgado formal, e salvo o devido respeito, não poderia agora o Tribunal da Relação do Porto abordar a questão da natureza jurídica das ajudas de custo, porquanto, por via do teor da decisão da Primeira Instância nesta parte, e da subsequente sua não discordância pelo Autor, consolidou-se na Ordem Jurídica o entendimento

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(válido para este caso) de que só a remuneração do trabalho suplementar poderá, quando muito, contar para efeitos de diferenças de subsídios de férias e de Natal.

5.ª Pelo que, face ao exposto, à luz das regras dos efeitos da sentença (arts. 671º e 672º do Código de Processo Civil), são ilegais as considerações vertidas a este propósito pelo Tribunal a quo, v.g., a fls. 25 do douto Acórdão recorrido, devendo nesta medida ser totalmente desconsideradas.

A título subsidiário, dir-se-á o seguinte:

6.ª Nada se diz nos autos se, efectivamente, o Autor tinha ou não outras despesas pessoais, nomeadamente fora dos tempos de trabalho: alimentação à noite e/ou fins de semana, deslocações e estadias de lazer, etc. Pelo que, carece de fundamento factual a conclusão de que as ajudas de custo pagas pela Ré ao Autor se não destinavam a custear quaisquer despesas deste.

7.ª A retribuição do Autor é a que expressamente vem indicada como remuneração base no contrato de trabalho e nos sucessivos recibos de vencimento, acrescida de duodécimos de subsídios de férias e de Natal.

8.ª Resulta do ponto nº 3 al. b) dos factos provados, que as ajudas de custo são devidas pela duração da estadia em Angola, à razão de 22,10 euros por cada dia.

9.ª Não se trata de qualquer contrapartida do trabalho do Autor, mas antes a contribuição da entidade patronal relativamente às despesas pessoais daquele, e sempre segundo os critérios e limites consagrados anualmente para as deslocações dos funcionários públicos. Representam apenas um encargo financeiro da entidade empregadora, que visa dotar o trabalhador de um fundo de maneio para fazer face às despesas pessoais que o mesmo decida desembolsar, apenas enquanto (e por causa da) sua situação de deslocado em Angola.

10.ª É verdade que a Ré concede e fornece aos seus trabalhadores em Angola condições mínimas em termos de alojamento, transporte e alimentação. Mas,

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naturalmente, elas não são as melhores, pois tratam-se de meras condições de estaleiro, asseguradas pela entidade patronal num contexto de conferir um mínimo de logística a quem vai a trabalhar em local, país e continente distante, que não conhece, onde não dispõe de contactos, e, como se sabe, escasseiam (para não dizer que inexistem) no mercado os meios de 1ª necessidade.

11.ª O facto de a empresa garantir, em termos mínimos, as deslocações em serviço, alojamento e alimentação aos seus trabalhadores, nunca impediu que estes obtenham e usufruam de condições objectivamente melhores – e, claro, mais caras –, caso em que terão que fazer face às respectivas despesas por recurso às ajudas de custo concertadas. Trata-se de uma mera opção que o trabalhador terá que tomar: suportar condições vida muito rudimentares, sem confortos ou qualidade, asseguradas pela empresa, ou melhoria dessas mesmas condições (transporte individual, habitação arrendada, alimentação em restaurantes), custeadas então pelo próprio trabalhador, e, neste caso, sem qualquer acréscimo de retribuição, ou, sequer, contrapartida ou comparticipação adicional da empresa.

12.ª As muito básicas condições apresentadas pela empresa apenas constituem uma componente de apoio à chegada ao local do colaborador, representando a sua eventual permanência em tais condições, um acto de sacrifício pessoal, dada a má qualidade da alimentação no estaleiro e dos dormitórios, e, bem assim, da inexistência de transporte fornecido pela empresa para as suas deslocações pessoais. As ajudas de custo recebidas pelo Autor destinam-se pois, sem dúvida, a compensar o Autor por despesas aleatórias que o mesmo decidisse efectuar por referência ao nível de vida que o mesmo estava habituado a beneficiar em Portugal,

13.ª Além disso, não é verdade que o Autor não tivesse ainda que suportar outras despesas pessoais: cfr. teor dos recibos de vencimento do Autor juntos autos, nos quais, sob a rubrica “Adiantamentos” ou “Desc. Adiantamentos – sucursal”, em praticamente todos os meses, imediatamente se percebe que lhe

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foram deduzida (nas suas “ajudas de custo”, naturalmente) determinadas quantias pecuniárias por despesas efectuadas no mês anterior!!!

14.ª Assim, e na medida em que as ajudas de custo recebidas pelo sinistrado não constituem contrapartida por serviço prestado no âmbito de contrato de trabalho, eles não fazem parte integrante da sua retribuição.

15.ª Mas ainda que se considere que aquelas verbas diárias se devem descaracterizar como ajudas de custo (no que se não concede), a verdade é que, pelas razões supra aduzidas, e atento o respectivo objecto, sempre as mesmas teriam que ser consideradas como um “subsídio de deslocação” (Cláusula 27.ª, do CCTV), ou um outro qualquer de natureza análoga. Estaremos, assim, quando muito (e sempre sem conceder), perante uma contrapartida pelo manifesto acréscimo de penosidade que tais circunstâncias (trabalho em país estrangeiro) implicam, o que, por conseguinte, equivale a um subsídio de deslocação ou outro de natureza análoga, destinado a compensar o trabalhador pela penosidade pessoal que representa trabalhar em país estrangeiro.

16.ª Logo, sem prejuízo de se discordar da posição do Tribunal da Relação quanto à qualificação dada às ajudas de custo, sempre se concluirá que se trata de verba apenas paga como forma de compensação pessoal, e nunca como contrapartida de trabalho prestado: dada a sua natureza específica de compensação por penosidade associada à deslocação do trabalhador, tais verbas nunca fariam parte integrante do conceito de retribuição (cfr. Cláusula 33.ª, n.º 2, al. a) do CCTV),

17.ª Mas mesmo que fosse conferida natureza jurídica retributiva às ajudas de custo (o que se não aceita), no modesto entender da Ré, elas continuariam a ter um regime específico, nunca integrando a base de cálculo de apuramento de aditivos remuneratórios, como o trabalho suplementar, subsídio de férias ou de Natal – o que é próprio e exclusivo do conceito de remuneração-base. Conforme se alcança do facto provado n.º 3.º, al. a), o Autor auferiria “…a remuneração

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base mensal bruta de € 458,00, a que acrescem os Subsídios de Férias e de Natal de igual valor, pagáveis em duodécimos de € 38,16, conjuntamente com a remuneração mensal.”

18.ª Assim, nos termos do n.º 1 do art. 250.º do Código do Trabalho, são as próprias disposições contratuais a confirmar que os subsídios de férias e de Natal seriam pagos unicamente em montante igual ao da remuneração base, sendo que outra não pode ser a base de cálculo para os acréscimos percentuais devidos pela prestação de trabalho suplementar, e subsídios de férias e de natal.

19.ª Comportando a noção de retribuição diversos regimes, com modalidades e amplitudes diferentes, não é a circunstância de as mesmas se mostrarem regulares e vinculativas, que converte a priori “a contrapartida do manifesto acréscimo de penosidade” em retribuição-base.

20.ª Ainda que se atribuísse natureza jurídica retributiva às ajudas de custo, elas continuariam a ter um regime específico, nunca integrando, por conseguinte a base de cálculo (retribuição base) para apuramento dos subsídios de férias e de Natal

21.ª Acresce que, se é verdade que qualquer atribuição patrimonial do empregador se deve presumir como sendo retribuição (art. 249.º do Código do Trabalho), não o é menos que tal presunção sai objectiva e manifestamente prejudicada por força da excepção consagrada na Lei, de modo expresso e imperativo, no que concerne às ajudas de custo. A excepção expressa consagrada no art. 260.º do Código do Trabalho quanto à natureza (não) retributiva das ajudas de custo, afasta quer a mera presunção de retribuição do n.º 3 do art. 249.º do CT, quer a extensão do conceito geral via da regularidade quantitativa, prevista no n.º 2 do mesmo dispositivo.

22.ª Repare-se, aliás, que mesmo num universo tão mais amplo como é do da Lei dos Acidentes de Trabalho, se não esquece que as ajudas de custo não são consideradas parte da retribuição – cfr., v.g., Acórdãos do Supremo Tribunal de

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Justiça de 08.03.1995, 05.12.2001 e 19.02.2004 (www.dgsi.pt).

23.ª Mesmo que se considere aplicável a legislação angolana à matéria da retribuição do Autor, sempre se dirá que, diversamente do pretendido no douto parecer do Ministério Público – e dado por reproduzido pelo acórdão recorrido – em lado algum a Lei Geral do Trabalho angolana prevê a inclusão no conceito de “salário” das ajudas de custo e da remuneração do trabalho suplementar. Com efeito, o Tribunal “a quo” limita-se a transcrever aquele parecer, sem cuidar de apresentar fundamentos normativos concretos (no âmbito da legislação angolana) para a específica tese defendida…

B) DA JUSTA CAUSA PARA A RESCISÃO DO TRABALHADOR:

24.ª O Autor invocou um conjunto (incindível) de quatro fundamentos para rescindir o seu contrato de trabalho (vide fls. 7 da sentença da Primeira Instância): 1) Falta de pagamento de quaisquer horas de trabalho suplementar prestado; 2) Violação do Dever de Ocupação efectiva, desde que o Autor chegou a Portugal; 3) Não pagamento integral dos subsídios de férias e de Natal; 4) Alteração substancial das condições de trabalho em Portugal.

25.ª À excepção do motivo avançado pela douta sentença no que respeita ao não pagamento na íntegra dos subsídios de férias e de natal [tal deveu-se, além do mais – isto é, sem prejuízo do erro da decisão nesta matéria – ao acordo expresso e reciprocamente vinculante celebrado pelas partes no próprio contrato, como resulta facto provado 3.º al. a)], a ora Recorrente concorda inteiramente com a posição assumida pela Primeira Instância a fls. 12 da sentença, dando-a aqui por reproduzida como sua, nos termos e para todos os efeitos legais.

26.ª Donde que, apesar de o Autor apenas ter vislumbrado justa causa para a rescisão do seu contrato de trabalho na conjugação de quatro fundamentos distintos, o Tribunal da Relação entendeu que se verificava apenas um!!! (sem contudo conceder), e que esse só era suficiente para consubstanciar a aludida justa causa de ruptura imediata do vínculo.

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27.ª Mas, ficou provado que o Autor faltou intencionalmente à verdade quando invocou (pelo menos) os dois primeiros motivos como razão da impossibilidade de manutenção do seu vínculo laboral, à luz dos arts. 441.º n.º 4 e 396.º nº 2 do Código do Trabalho.

28.ª Assim, quer do ponto de vista quantitativo (quanto aos motivos que, para o Autor, faziam aqui parte integrante da verificação de justa causa – comprovação de apenas um em quatro), quer na consideração das demais circunstâncias relevantes na iniciativa e conteúdo da rescisão do contrato por parte do Autor (contrabalanço dos valores ético-jurídicos que estão na base das posições recíprocas das partes), afigura-se que, de facto e de direito, inexistem motivos suficientemente censuráveis à entidade patronal que justifiquem a verificação de justa causa para a rescisão do contrato pelo trabalhador.

29.ª Todavia, sem embargo, conforme se alcança do documento junto com a p.i. a fls. 10 dos autos, e vem confirmado pelo facto provado 10.º, o Autor não cumpriu o preceituado no art. 442.º do Código do Trabalho: não alegou, sequer sucintamente, quaisquer factos concretos em que se estribaria a sua invocação da suposta “alteração substancial das condições de trabalho” (expressão que corresponde a um mero enquadramento normativo).

30.ª E tratando-se do cumprimento estrito da regra do art. 442.º, n.º 1, do CT, esta questão reveste natureza imperativa, sendo, por isso, matéria de conhecimento oficioso e a todo o tempo.

31.ª Importa, aliás, assinalar que as considerações vertidas nos 3.º e 5.º parágrafo[s] de fls. 28 do acórdão recorrido, não correspondem – como devido – a qualquer facto alegado por quem tinha tal ónus processual…

32.ª Por conseguinte, não sendo invocados na declaração de resolução do contrato quaisquer factos concretamente especificados, dos quais o Autor retirasse a conclusão de alteração substancial das condições de trabalho, tudo aponta para a invalidade daquela rescisão, o que aqui expressamente se argúi. 33.ª Em segundo lugar, recorda-se que a limitação geográfica de deslocação do

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Autor se encontrava ab initio definida apenas pelo próprio motivo que, nos termos da Lei, legitimou a celebração do contrato a termo certo: é que se, por um lado, o “termo” representa a precariedade do vínculo para o trabalhador, por outro lado, ele acarreta uma restrição ao poder de direcção da entidade patronal sobre o trabalhador, na medida em que não o pode colocar em qualquer obra onde o mesmo seja necessário, como sucede com qualquer trabalhador efectivo da produção ao serviço de uma empresa de construção civil e empreitadas de obras públicas com a dimensão internacional da Ré (obras na União Europeia, Europa de Leste, África e América do Sul).

34.ª A Ré nunca negou que, à data da sua rescisão unilateral, o A. estivesse vinculado por contrato de trabalho por tempo indeterminado. Mas como esta não é uma situação jurídica à qual estejam associadas apenas vantagens, do ponto de vista do trabalhador, afigura-se de elementar justiça e razoabilidade concluir que, a partir do momento em que o A. se considerou vinculado à empresa a título permanente por força de contrato de trabalho subordinado sem termo, ele passou também a ficar indistintamente afecto a qualquer empreitada que a Ré tivesse sob adjudicação (diversamente do que se verificara até então).

35.ª Ao reivindicar a qualidade de trabalhador do quadro permanente da Ré, o Autor como que “retirou” das cláusulas do contrato a restrição legal (para o empregador) do local de trabalho se reportar a Angola. Logo, eliminando-se o termo aposto ao contrato de trabalho, é lógico e inevitável que deixem de vigorar todas as cláusulas contratuais que existiam apenas por causa precisamente desse mesmo termo.

36.ª O Autor não foi contratado para trabalhar em Angola para sempre: foi contratado para trabalhar em Angola enquanto perdurasse o termo certo aposto ao contrato, e como forma de legitimar a sua aposição. Sendo este ultrapassado, o contrato do Autor passou a “não escrito”, reportando-se todas as suas condições pelas dos trabalhadores efectivos sem local de trabalho fixo,

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isto é, com domicílio pessoal em Portugal e, por isso, com direito a ajudas de custo por cada dia de trabalho em qualquer obra, desde que distante de casa. 37.ª Nas frentes de trabalho da Ré, inexistem trabalhadores do quadro permanente de pessoal que possam arrogar-se a um local de trabalho fixo (e, ao alegar o vínculo permanente à Ré, o A. não podia ignorar tal facto): resulta intrínseco à actividade de um trabalhador permanente de uma empresa do sector da construção civil e obras públicas a inexistência de um local de trabalho fixo (dado que não depende da entidade patronal o ter e o local das obras para executar): Acórdão de 06.10.1988 do Tribunal da Relação de Lisboa (CJ, 1988, Vol. IV, pag. 156):

38.ª Não será outro, aliás, o sentido da norma do art. 154.º do Código do Trabalho quando admite ressalvas à regra geral, e esclarece a vinculação do trabalhador às deslocações inerentes às suas funções …

39.ª Por outro lado, nos termos das Cláusulas 23.ª, n.º 2 e 24.ª do Contrato Colectivo de Trabalho aplicável (BTE, 1.ª Série, nº 15, de 22 de Abril de 2002), considera-se local habitual de trabalho o que resultar da natureza da actividade do trabalhador e da necessidade da empresa que tenha levado à sua admissão, desde que esta fosse ou devesse ser conhecida pelo trabalhador. E, nos casos em que o local de trabalho seja não fixo, exercendo o trabalhador indistintamente a sua actividade em diversos lugares, terá o mesmo direito ao pagamento das despesas com transporte, alimentação e alojamento directamente impostas pelo exercício dessa actividade, podendo haver lugar ao pagamento de ajudas de custo.

40.ª Foi no âmbito dos seus poderes normais de direcção e de gestão empresarial que a Ré transferiu o Autor para Portugal e lhe destinou obra para continuar a sua prestação de serviço (com, note-se, as compensações materiais correspondentes).

41.ª Sendo o Autor um trabalhador sem local de trabalho fixo a partir do momento em que passou a pertencer aos quadros do pessoal permanente de

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uma empresa de construção civil e obras públicas de dimensão internacional, afigura-se manifesto que o acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 154.º, n.º 2 do CT e Cláusulas 23.ª n.º 2 e 24.ª do Contrato Colectivo de Trabalho aplicável (BTE, 1.ª Série, n.º 15, de 22 de Abril de 2002).

42.ª Porque assim, não agiu a Ré ilicitamente na transferência do Autor para Portugal, e, mesmo que assim se não entendesse (por mera divergência de posições jurídicas), nunca se vislumbraria aqui um grau de censurabilidade no seu comportamento suficiente para fundamentar a verificação do conceito de justa causa, nos termos em que esta se define, como ultima ratio quanto ao destino do vínculo laboral (arts. 441.º n.º 4 e 396.º n.º 2 do Código do Trabalho).

C) DA LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ DO AUTOR:

43.ª Como é patente, a alegação da má fé do Autor não se funda na falta de prova de factos por si alegados, nem no decaimento de teses jurídicas, como no tocante à matéria do trabalho suplementar a aplicação do direito laboral português.

44.ª Por via dos factos provados sob os n.os 8.º, 11.º, 14.º, 15.º, 17.º e 18.º, provou-se, efectivamente, o exacto contrário daquilo que o Autor afirmara e repetira solene e enfaticamente, em sede própria (na declaração de resolução do contrato e nos articulados dos presentes autos alterou intencionalmente a verdade dos factos): de que nunca havia sido remunerado por quaisquer horas de por trabalho suplementar prestado, e, bem assim, que a Ré nunca lhe havia destinado local de trabalho após o seu regresso a Portugal.

45.ª Ou seja, não só se provou que o Autor recebera todo o trabalho suplementar para além das 44 horas (conforme previsto), como se provou mesmo que o Autor sempre soube, ao longo do tempo em que prestou serviço em Angola, a precisa forma e os quantitativos desses mesmos pagamentos. E também se provou que, tendo o Autor regressado a Portugal em 03.04.2004, este, logo em 08.04.2004, esteve nos escritórios da Ré para lhe ser indicado o

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novo local de trabalho, através da Guia de Transferência, cuja recepção e assinatura o mesmo recusou, obrigando a entidade patronal a proceder à comunicação formal por escrito postal.

46.ª É pois indesmentível que o Autor alterou a verdade de factos, por si sempre conhecidos, desejados e praticados, deduzindo pretensão cuja falta de fundamento nunca ignorou (vide Acórdão de 20.01.1997 do Tribunal da Relação do Porto, www.dgsi.pt, Proc. n.º 9610668). Razão por que deve o A. ser declarado como litigante de má fé, condenado em multa e indemnização à parte contrária, o que expressamente se reitera, nos termos do art. 456.º e seguintes do Código de Processo Civil.

Termos em que [...] deve o presente recurso ser julgado procedente [...] e, por via dele, ser revogado o douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto por Acórdão que absolva a Recorrente da totalidade dos pedidos, condenando ainda o Autor em multa e indemnização, por força da verificada sua litigância de má fé.

Apenas a Ré contra-alegou para concluir no sentido de ser negada a revista pedida pelo Autor, tendo, para o caso de assim não se entender, requerido, ao abrigo do disposto no artigo 684.º-A, do Código de Processo Civil, a ampliação do objecto de tal recurso para ver revogado o acórdão da Relação na parte em que não conheceu da impugnação da matéria de facto, e, subsidiariamente, ordenada a baixa dos autos para produção de prova complementar.

As revistas foram admitidas, no tribunal recorrido, e no exame preliminar, neste Supremo Tribunal.

O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de serem negadas as revistas, posição contra a qual, reagiram ambas as partes, no que a cada uma afectava.

Depois de corridos os vistos, foi, pelo relator, suscitada a questão da inadmissibilidade dos recursos, quer, no que diz respeito ao mérito da causa, por não se mostrar verificada uma das condições impostas pelo n.º 1 do artigo

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678.º do Código de Processo Civil, nos termos do qual só é admissível recurso se a decisão impugnada for desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal de que se recorre, quer, no que concerne à litigância de má fé, objecto do recurso da Ré.

Notificadas as partes para se pronunciarem, apenas a Ré veio defender a admissibilidade do recurso de revista que interpôs.

O conhecimento do objecto das revistas depende do que vier a ser decidido sobre a sua admissibilidade, daí que se imponha, antes de mais, resolver esta última questão.

II

A - Da admissibilidade dos recursos em função da sucumbência:

1 . O regime da admissibilidade dos recursos, em processo laboral, é o que

resulta das disposições combinadas dos artigos 79.º do Código de Processo do Trabalho (CPT) e 678.º do Código de Processo Civil (CPC).

De harmonia com este regime, a regra, no que agora interessa, é a de que só admitem recurso as decisões proferidas em causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre, exigindo-se, cumulativamente, que a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do mesmo tribunal – artigo 678.º, n.º 1, do CPC, e proémio do artigo 79.º do CPT.

As excepções a tal regra contemplam as acções em que estejam em causa a determinação da categoria profissional, o despedimento do trabalhador, a sua reintegração na empresa e a validade ou subsistência do contrato de trabalho, os processos emergentes de acidentes de trabalho ou de doença profissional, e os processos do contencioso das instituições de previdência, abono de família e organismos sindicais, sendo, em todos os casos, independentemente do valor, admissível recurso, mas, apenas, até à Relação – 79.º, alíneas a), b), e c), do

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CPT.

Também admitem sempre recurso as decisões respeitantes ao valor da causa, e qualquer que seja o valor desta, as decisões impugnadas com fundamento em violação das regras de competência absoluta ou em ofensa de caso julgado, bem como os acórdãos da Relação que estejam em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, sobre a mesma questão fundamental de direito e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se a orientação nele perfilhada estiver de acordo com a jurisprudência anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, e, ainda, as decisões proferidas contra jurisprudência uniformizada – artigo 678.º, n.os 2, 3, 4 e 6, do CPC.

No caso que nos ocupa, não foi, em nenhum dos requerimentos de interposição dos recursos, invocada qualquer das referidas excepções à regra da alçada e da sucumbência, no que concerne ao recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sendo, para efeito de admissibilidade, inoperante a alegação da Ré, apenas, nas conclusões 1.ª a 5.ª da sua revista, de que, “em obediência à força jurídica do caso julgado formal, e salvo o devido respeito, não poderia agora o Tribunal da Relação do Porto abordar a questão da natureza jurídica das ajudas de custo”, e de que “face ao exposto, à luz das regras dos efeitos da sentença (arts. 671.º e 672.º do Código de Processo Civil), são ilegais as considerações vertidas a este propósito pelo Tribunal a quo”, não podendo, assim, considerar-se como fundamento do recurso a ofensa de caso julgado (cfr. o Acórdão deste Supremo de 15 de Junho 2005, no Processo n.º 3793/04-4.ª Secção, sumariado em www.stj.pt, Jurisprudência/Sumários de Acórdãos).

2 . Sobre a admissibilidade do recurso, em função do valor da sucumbência,

escreveu-se no Acórdão deste Supremo de 13 de Julho de 2006, proferido na Revista n.º 895/06-4.ª Secção (www.dsgi.pt, Documento n.º SJ200607130008954):

(19)

O artigo 678.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (1) faz depender admissibilidade de recurso ordinário da verificação cumulativa de dois requisitos: – 1) que a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre; 2) que a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal que proferiu a decisão.

O segundo requisito, valor da sucumbência, reporta-se ao montante do prejuízo que a decisão recorrida importa para o recorrente, aferido pelo teor da alegação do recurso e pela pretensão nele formulada, equivalendo, pois, ao valor do recurso, traduzido na utilidade económica que, através dele, se pretende obter. Assim, se a parte, tendo pugnado, nas instâncias, pela absolvição do pedido, ou um dos pedidos, sofre condenação de valor superior a metade da alçada do tribunal que proferiu a decisão, e interpõe recurso, em cuja alegação se conforma com o sentido da decisão, discordando, apenas, do quantum da condenação, o valor da sucumbência a atender, para efeito de admissibilidade do recurso, é o da diferença entre o montante fixado na decisão recorrida e o que pretende seja fixado na decisão do recurso – é essa diferença que consubstancia a medida do que na decisão a recorrente passou a considerar que lhe foi desfavorável, posto que, no restante, não impugnado, porque convencida, aceitando a decisão, o ter ficado vencida se tornou irrelevante. Compreende-se que assim seja, pois, subjacente à exigência da medida da sucumbência encontra-se a repercussão económica da decisão recorrida para a parte vencida, na perspectiva desta, que pode, no requerimento de interposição do recurso, restringi-lo a qualquer dos segmentos decisórios da decisão impugnada e, nas conclusões da alegação, restringir o objecto inicial do recurso, sendo que os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso (2) .

E é a dimensão do valor do objecto do recurso que justifica ou exclui o conhecimento pelos tribunais superiores, sabido que as razões de política legislativa que determinaram a introdução da regra de sucumbência se

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prendem com a necessidade de “não sobrecarregar os tribunais superiores com a eventual reapreciação de todas as decisões proferidas por tribunais inferiores – sob pena de o número daqueles ter de ser equivalente ao dos tribunais de 1.ª instância e com a consequente dispersão das tendências jurisprudenciais” (3) . [...]

Não se vêem razões para abandonar o entendimento seguido no referido acórdão, que reflecte a única interpretação consentânea com a letra do n.º 1 do artigo 678.º, do Código de Processo Civil, onde se consigna, expressamente, a desfavorabilidade para o recorrente das decisões impugnadas, em valor superior a metade da alçada do tribunal recorrido, o que afasta a ponderação, para o efeito, do valor correspondente aos segmentos decisórios não impugnados.

É certo que o requisito da sucumbência só pode funcionar se for possível determinar, com segurança, que o seu valor não é superior a metade da alçada do tribunal recorrido, posto que, nos termos da parte final do n.º 1 do citado artigo 678.º, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, deverá atender-se somente ao valor da causa.

Tal sucederá, designadamente, quando a decisão impugnada consubstancie condenação em quantia total ou parcialmente ilíquida, ou seja, cuja liquidação seja relegada para momento ulterior.

Mas, nem sempre, da iliquidez da condenação decorre a impossibilidade de determinar, com segurança, se a medida da sucumbência é igual ou inferior a metade da alçada do tribunal recorrido, uma vez que tal medida tem de aferir-se em função do valor do pedido e aferir-seus fundamentos e da regra da proibição de condenação ultra petitum, consignada no artigo 661.º, n.º 1, do CPC, cujo efeito deve estender-se ao momento da liquidação.

É o que sucede, nomeadamente, se é formulado um pedido de condenação em montante determinado, calculado em função de prestações bem quantificadas com referência a um período de tempo já passado, e o tribunal, apurando que é

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devido menos do que o pedido, por redução de um dos factores do cálculo, condena no que vier, posteriormente, a ser liquidado, por não dispor de todos os elementos indispensáveis para fixar a quantia exacta da condenação.

Em tal caso, torna-se possível estabelecer um valor limite máximo da condenação ilíquida, tendo em conta o pedido formulado e os factores de cálculo tornados certos pela sentença da acção declarativa, o que permite averiguar até que medida a decisão que vier a proceder à liquidação pode ser desfavorável para a parte que a impugna.

Posto que, no caso que nos ocupa, as partes, nos respectivos recursos, impugnam decisão condenatória em que a liquidação de uma das parcelas foi relegada para momento ulterior, importa, à luz das precedentes considerações, determinar o valor máximo da sucumbência em causa em cada um das revistas que vêm pedidas.

Ter-se-á presente que, à data da propositura da acção, a alçada da Relação, em matéria cível, era de € 14.963,94, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, na redacção do Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro.

3. Quanto à revista do Autor:

Está em causa saber se a Ré deve ser condenada, como decidiu a 1.ª instância, a pagar ao Autor as 4 (quatro) primeiras horas de trabalho extraordinário prestado semanalmente, no período de 6 de Setembro de 2002 a 3 de Abril de 2004, período que compreende 574 dias, que perfazem 82 semanas, a que têm de ser deduzidas 4 semanas, visto que o Autor alegou que gozava 15 dias de férias de seis em seis meses, pelo que o trabalho extraordinário em causa se computa em 312 horas (78 semanas x 4 horas).

O Autor alegou que prestava, pelo menos, duas horas e meia de trabalho suplementar por dia, que a cada hora de trabalho no horário normal correspondia a remuneração € 6,60, e que a primeira hora de trabalho extraordinário deverá ser paga com acréscimo de 50% e a segunda e seguintes

(22)

com o acréscimo de 75%, tendo quantificado o seu pedido com base em tais elementos.

Admitindo, para facilitar o raciocínio, que aquelas primeiras 4 horas semanais de trabalho extraordinário foram prestadas em dois dias, face ao alegado pelo Autor, e tendo em conta os demais factores de cálculo enunciados, o valor máximo da pretensão formulada no recurso será de € 3.346,20:

(156 horas x € 6,60 x 1,5) + (156 horas x € 6,60 x 1,75) = € 3.346,20.

Mesmo admitindo que aquelas quatro horas eram prestadas no mesmo dia da semana, hipótese mais favorável para o Autor, o valor reclamado nunca poderia exceder € 3.474,00:

(78 horas x € 6,60 x 1,5) + (234 horas x € 6,60 x 1,75) = € 3.474,20.

Em qualquer caso, o valor que vier a ser obtido em sede liquidação será sempre inferior a metade da alçada da Relação, que é de € 7.481,97, do que decorre poder, com segurança, afirmar-se que não se verifica em relação ao recurso do Autor o pressuposto da sucumbência em medida bastante para admitir a impugnação, por via de recurso, do acórdão da Relação.

4. Quanto à revista da Ré:

No que agora interessa ter presente, foi a Ré condenada a pagar uma quantia líquida – € 3.429,60, correspondente a indemnização devida por dado causa à rescisão do contrato pelo Autor – e uma quantia a liquidar posteriormente, relativa a diferenças verificadas nos subsídios de férias e de Natal, decorrentes da não inclusão no respectivo cálculo de 50% dos valores mensalmente auferidos pelo Autor sob a denominação de “ajudas de custo”.

O Autor alegou que apenas tinha recebido subsídios de férias e de Natal calculados por referência ao vencimento base, quando, para tal efeito, o salário efectivo é, também, integrado pelas designadas “ajudas de custo”, faltando pagar as respectivas diferenças, no valor de € 2.284,00, importância que reclamou a esse mesmo título, na petição inicial, e que funciona como limite da condenação, nos termos do n.º 1 do artigo 661.º do CPC.

(23)

Tendo em conta este limite adicionado ao valor da condenação líquida, que a Ré também impugna, a decisão recorrida mostra-se desfavorável para ela em € 5.713,60 (€ 3.429,60 + 2.284,00), valor muito inferior a metade da alçada da Relação.

Abstraindo, como hipótese de trabalho, da existência do referido limite, a medida da sucumbência da Ré será ainda menor, como se vai ver.

De harmonia com o ponto 14.º) da decisão da matéria facto – que não foi impugnado –, o Autor recebeu, a título de “ajudas de custo”, mensalmente, importâncias que variaram entre o mínimo de € 347,93 e o máximo de € 1.016,14, o total de € 16.559,20, em 19 meses.

Aceitando que a expressão do acórdão recorrido “50% dos valores mensalmente auferidos” equivale a 50% da média mensal daquele valor global, temos que o quantum a considerar para o cálculo da diferença verificada em cada um dos subsídios, quando reportados a 12 meses de trabalho, nunca poderá exceder € 435,77: (€ 16.559,20 : 19 x 0,5).

Concedendo, por facilidade de raciocínio, que o Autor tinha direito aos subsídios correspondentes a dois anos de trabalho – ele apenas prestou trabalho durante cerca de 19 meses –, a parte da condenação ilíquida seria desfavorável para a Ré em € 1.743,08 (€ 435,77 x 4), o que somado ao valor da condenação em quantia certa, traduziria uma sucumbência de € 5.172,68.

Ainda que se considerasse ser de atender ao valor médio das “ajudas de custos” auferidas nos últimos 12 meses anteriores ao momento do pagamento dos subsídios em causa – critério por que optou a 1.ª instância –, o resultado da média, qualquer que tenha sido esse momento, sempre ficaria aquém do pedido pelo Autor, por, logicamente, ter de ser inferior ao valor achado por referência ao percebido no mês em que mais foi pago, àquele título.

Como se referiu, foi de € 1.016,14 o valor mais alto auferido num mês pelo Autor, pelo que a diferença encontrada, por aplicação dos factores supra mencionados, seria do valor total de € 2.032,28 (€ 1.016,14 x 0,5 x 4), que

(24)

somado ao valor da condenação em quantia certa, resultaria na sucumbência de € 5.461,88.

Em suma, é possível concluir, com toda a segurança, que, independentemente do que vier a ser apurado, quanto aos elementos, ainda não disponíveis, necessários à determinação da parte ilíquida da condenação, a sucumbência da Ré, em resultado da decisão recorrida, será sempre inferior a metade da alçada da Relação.

B - Da admissibilidade do recurso da Ré, na parte em que versa a questão da

má fé:

A sentença da 1.ª instância condenou o Autor por litigância de má fé, por ter considerado que ele deduziu pretensões cuja falta de fundamento não ignorava. O Tribunal da Relação declarou sem efeito tal condenação.

A Ré, na revista, pugna pela repristinação da decisão da 1.ª instância.

A apreciação da questão da má fé remete-nos para o âmbito dos poderes do Supremo Tribunal de Justiça, em matéria de recurso.

Não está em causa a aplicação da norma do n.º 3 do artigo 456.º do CPC – segundo a qual, independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso em um grau, da decisão que condene por litigância de má fé – dado que, por um lado, da decisão que proferiu a condenação já houve recurso em um grau e, por outro lado, a decisão ora recorrida não é condenatória.

Porque a litigância de má fé é uma questão de natureza processual, a espécie de recurso visando impugnar a decisão sobre tal matéria é o agravo, nos termos das disposições combinadas dos artigos 691.º, 733.º e 740.º, n.º 2, alínea a), do CPC.

De acordo com o n.º 1 do artigo 722.º do CPC, sempre que o recurso de revista seja o próprio, a lei admite que o recorrente invoque, além da violação de lei substantiva, a violação de lei de processo, quando desta for admissível o recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 754.º do mesmo Código, de modo a

(25)

interpor do mesmo acórdão um único recurso.

Tendo a acção sido proposta em 19 de Abril de 2004, é aplicável, subsidiariamente, por força do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do CPT, o disposto no artigo 754.º do CPC, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 375-A/99, de 20 de Setembro.

Dispõe o referido artigo 754.º que «[c]abe recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação de que seja admissível recurso, salvo nos casos em que couber a revista ou apelação» (n.º 1); «[n]ão é admitido recurso do acórdão da Relação sobre decisão da primeira instância, salvo se o acórdão estiver em oposição com outro, proferido no domínio da mesma legislação pelo Supremo Tribunal de Justiça ou por qualquer Relação, e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigo 732.º-A e 732.º-B, jurisprudência com ele conforme» (n.º 2); «[o] disposto na primeira parte do número anterior não é aplicável aos agravos referidos nos números 2 e 3 do artigo 678.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 734.º» (n.º 3).

No caso que nos ocupa, não se verifica qualquer das excepções previstas na segunda parte do n.º 2 do citado artigo 754.º e no n.º 3 do mesmo preceito. Do que ficou dito decorre que a lei não permite o recurso da decisão da Relação que revogou a condenação, por litigância de má fé, proferida na 1.ª instância.

C - A decisão que admite o recurso não vincula o tribunal superior (4) e o

despacho do relator sobre a admissibilidade é, também, provisório, não formando caso julgado, por ser modificável pela conferência, quer por iniciativa do relator, dos seus adjuntos e das próprias partes (5).

Assim, embora os recursos tenham sido admitidos na 2.ª instância, e, preliminarmente, neste Supremo, pelo relator, não existe obstáculo legal a que seja proferido acórdão a declarar a sua inadmissibilidade, tanto em relação à revista pedida pelo Autor como à revista pedida pela Ré, sendo certo que às partes foi dada oportunidade de se pronunciarem sobre a questão.

(26)

III

Em face do exposto, decide-se não conhecer do objecto das revistas. Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 26 de Setembro de 2007. Vasques Dinis (Relator)

Bravo Serra Mário Pereira

---(1) Aplicável por força do disposto no artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro, em vigor desde 1 de Janeiro de 2000.

(2) Artigo 684.º, n.os 2, 3 e 4, do Código de Processo Civil.

(3) Carlos Lopes do Rêgo, Estudos sobre a Jurisprudência Constitucional (Acesso ao Direito e aos Tribunais), Aequitas – Editorial Notícias, Lisboa, 1993, p. 83. (4) Artigo 687.º, n.º 4, do Código de Processo Civil.

(5) Artigos 700.º a 708.º, "ex vi" do artigo 726.º, todos do Código de Processo Civil.

Referências

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