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As práticas territoriais dos índios Wajãpi do Amapá através de seus desenhos

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As práticas territoriais dos índios Wajãpi do Amapá

através de seus desenhos

Catherine Jacqueline Suzanne Gallois1

1. Introdução

1.1. Sobre os desenhos mostrados aqui

Este trabalho é parte da dissertação de mestrado intitulada Sentidos e formas do

habitar indígena: entre mobilidade e sedentarização. Estudo de caso entre os Wajãpi do Amapá(2).

As representações gráficas dos índios Wajãpi que apresentamos aqui mostram três momentos importantes da territorialidade dos Wajãpi: "quando ainda não havia limites" (quando as territorialidades eram 'abertas'); "olhando para além dos limites", isto é, quando a Terra Indígena é demarcada e os Wajãpi se apropriam da idéia de limites e de Terra( 3); e o novo e atual momento da organização territorial wajãpi, em que a Terra Indígena passa a ter sua ocupação como um todo planejada coletivamente pelos diferentes grupos locais(4) Wajãpi que ali habitam. A apresentação destes desenhos wajãpi( 5)

não visa então ser objeto de uma análise das representações gráficas em si mas sim ilustrar o estudo de três

1

arquiteta-urbanista, mestranda do IPPUR-UFRJ, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional-

Universidade Federal do Rio de Janeiro: catu_gallois@yahoo.com.br

2 A ser defendida no IPPUR-UFRJ, sob orientação do Prof. Dr. Henri Acselrad. 3 Gallois, D.T., 1998.

4 Veja definição adiante. 5

Sobre o contexto de produção das representações gráficas wajãpi aqui apresentadas:

• Os desenhos wajãpi de 1977, 1983 e 1990 foram produzidos nas pesquisas de campo da antropóloga Dominique Tilkin Gallois na área indígena Wajãpi e fazem parte do acervo do NÚCLEO DE HISTÓRIA INDÍGENA E DO INDIGENISMO - NHII-USP.

Os mapas de 2002 foram produzidos nas Oficinas do Diagnóstico Etno-ambiental da Terra

Indígena Wajãpi, Programa Wajãpi Centro de Trabalho Indigenista - CTI, coordenadas por

Dafran Macário e estão no DIAGNÓSTICO ETNO-AMBIENTAL DA TERRA INDÍGENA WAJÃPI, 2002 (vide bibliografia). Também fazem parte do acervo do NÚCLEO DE HISTÓRIA INDÍGENA E DO INDIGENISMO - NHII-USP.

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momentos diferentes da territorialidade dos Wajãpi, a partir da década de 70, pouco depois do contato dos Wajãpi com os não- índios.

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1.2. Os Wajãpi do Amapá

Os Wajãpi falam uma língua Tupi-Guarani. São 1380 pessoas, sendo 640 na Terra Indígena Wajãpi no Estado do Amapá; cerca 30 pessoas habitando o Parque Indígena de Tumucumaque / Pará e 710 no município de Camopi, rio Oiapoque, Guiana Francesa( 6).

1.3. A organização social wajãpi

Os Wajãpi organizam-se em grupos autônomos (ou grupos locais) denominados

wanã. Estes grupos são autônomos politicamente embora pertençam todos à mesma etnia

Wajãpi. Cada grupo local é constituído de várias famílias nucleares, ligadas por redes de parentesco. Pode ser também chamado de 'parentela'. Um grupo local pode começar com a união das famílias de dois ou mais irmãos, ou com a família de um único homem. O chefe do grupo local é o 'fundador' da aldeia e é ele quem deve agregar um número suficiente de pessoas, irmãos e sobretudo genros, para viabilizar a autonomia política e de subsistência do grupo(7). Mas, como veremos adiante (tópico 2), uma aldeia não corresponde à totalidade do grupo local. Este, composto de várias famílias extensas, distribui-se em várias aldeias.

2. A organização territorial dos Wajãpi baseada na mobilidade

territorial

2.1. Ecossistemas da Terra Indígena

A Terra Indígena Wajãpi no Amapá é praticamente coberta por ecossistemas florestais de matas densas em “terra firme”( 8).

2.2. O 'ciclo de vida' de uma aldeia wajãpi

6

GALLOIS & GRUPIONI, 2003.

7

Gallois, D.T., 1983.

8

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O cultivo itinerante de roças se associa à ocupação dispersa. Este é o mais importante fator da duração de uma aldeia, os outros sendo por exemplo a disponibilidade de caça, disponibilidade de matérias-primas vegetais coletadas para confecção das habitações e utensílios. Cada família wajãpi tem no mínimo duas roças em estágios diferentes, sendo feita uma nova a cada ano. As aldeias wajãpi nascem das roças. A roça velha de uma aldeia se transforma em capoeira que voltará a ser floresta, que anos depois poderá voltar a abrigar uma nova aldeia e assim sucessivamente( 9).

Não consideramos este desenho( 10) como uma representação gráfica realista da aldeia Tataira em 1977, mas sim uma representação 'conceitual' de uma aldeia wajãpi. Nesta representação estão presentes os elementos mínimos necessários de uma aldeia relativamente nova (quatro roças: quatro anos): pátio com habitações, caminhos, roças, igarapé.

O desenho mostra bem a forma de ocupação caracterizada pela agricultura itinerante de roças, que ainda hoje é praticada. O pátio com as casas é a centralidade da aldeia ali representada e dele saem caminhos para as roças. Na representação, estas roças estariam em estágios diferentes: primeira roça, de dois ou três anos atrás, roça do ano anterior cujos frutos são colhidos esse ano e a roça sendo preparada para o próximo ano. Não é à toa que as roças estão representadas como círculos separados, pois as roças de uma mesma aldeia não podem ser contíguas de forma a diminuir a contaminação de pragas de uma para outra.

2.3. Organização territorial 'tradicional' é baseada no modelo da

dispersão

"Antigamente só se morava muito longe uns dos outros. Longe. Assim, meu pai morava na cabeceira do Inipuku, depois se afastou para o Mariry, depois se afastou para o Aimã, dali é que voltou ao Inipuku, mas num outro lugar. Longe das aldeias onde estava antes e também longe das aldeias dos outros. Não ficava perto mesmo. Por isso não exterminava a caça" (chefe Waiwai, depoimento de 12/2003).

Jisyrysyry significa "afastar-se afastando": este é o princípio wajãpi de mobilidade no

território que a pequena citação acima ilustra. Este princípio de mobilidade se aplica ao

9

Gallois, Catherine, 2002.

10

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somente aos grupos domésticos e não aos grupos locais. Este princípio corresponde então à mudança de lugar da escala "micro" do território: o pátio, assim como as roças de seus moradores. São as famílias nucleares ou extensas que mudam periodicamente de pátio, seja para perto seja para longe, dando início à formação de novas aldeias ou agregando-se a aldeias já existentes.

É essencial diferenciar as unidades sociológicas das formações espaciais wajãpi. As unidades sociológicas Wajãpi abrangem grupos domésticos (geralmente uma família nuclear), famílias extensas e um conjunto delas, que forma grupos locais. Se cada grupo doméstico corresponde a um pátio, nem o grupo doméstico, nem a família extensa e nem o grupo local correspondem à aldeia. Uma aldeia não corresponde à uma unidade definida, mas apenas consiste na ocupação espacial de um conjunto mais ou menos amplo de famílias extensas, distribuídas nos diferentes pátios desta aldeia.

As famílias wajãpi ocupam, ainda hoje, quatro categorias espaciais dois quais três tipos de aldeias:

• lugares de concentração - aldeias com roças/ pátios com habitações; • lugares de dispersão: aldeias de ocupação intermitente (principalmente

durante a estação seca- acampamentos de caça, pesca e coleta); • sítios de ocupação antiga, kookwer (as capoeiras para onde os wajãpi

retornam regularmente e que constituem zonas de 'reserva' faunística'); • percursos de caça, pesca e coleta, formando uma rede intrincada de

caminhos entre aldeias, acampamentos e igarapés.

Ou seja, é a combinação de fatores de ordem social e ecológica que determina os movimentos de dispersão dos wajãpi no seu território, ou seja, sua organização territorial baseada na mobilidade.

Esta lógica de ocupação espacial se dá, normalmente, dentro de uma área territorial, ou área de ocupação( 11) composta por várias aldeias, associada a determinados grupos locais (como será ilustrado adiante). A cada grupo local pertencem as famílias de várias aldeias que podem estar situadas, ou não, numa mesma 'região'. Apesar de algumas transformações recentes, e apenas para alguns desses wanã, é clara até hoje a correspondência entre grupo local e regiões 'tradicionalmente' ocupadas por esses wanã (vide exemplos ilustrados a seguir).

A mobilidade espacial e temporal das aldeias wajãpi é praticada largamente ainda hoje, mas coexiste com uma mudança da organização territorial que afeta os Wajãpi como um todo desde os anos 90, o que será tratado no tópico 4.

11

(6)

2.4. Primeiras desenhos (1977-83) mostrando o contexto de

territorialidade ‘aberta’

REPRESENTAÇÃO DE PERCURSO DE VÁRIAS GERAÇÕES DE UM MESMO GRUPO LOCAL (GRUPO LOCAL DE TSIRO WAJÃPI) - PARTE 1: ALDEIAS OCUPADAS PELO BISAVÔ E AVÔ DE TSIRO(12)ATÉ O NASCIMENTO DE SEU PAI, PIRIRI. (DESENHO DE 1977)

LEGENDA:

1 - Aldeia AIMÃREAPYRY: Aldeia do bisavô e avô de Tsiro: respectivamente Paoti e Tsaipo. Ali

também viviam o irmão do bisavô Paoti, Ite, e outros dois fillhos de Paoti, o tio -avô Tsamat e o avô Tsaipo. Todas os moradores desta aldeia morreram de tosse, com exceção de Tsaipo, avô de Tsiro, que vai então fundar a aldeia Masiwa. (Aimãreapyry: cabeceira do rio Aimã). 2 - Aldeia MASIWA: Fundada por Tsaipo, avô de Tsiro. 3 - Aldeia MASIWAREAPE: Fundada pelo avô Tsaipo. Ali nasce Piriri, pai de Tsiro, e morre o avô Tsaipo (Masiwareape : cabeceira do rio Masiwa).

REPRESENTAÇÃO DE PERCURSO DE VÁRIAS GERAÇÕES DE UM MESMO GRUPO LOCAL (GRUPO LOCAL DE TSIRO WAJÃPI) - PARTE 2: ALDEIAS OCUPADAS POR TSIROE SEU PAI, PIRIRI, DESDE O NASCIMENTO DE TSIRO ATÉ SEU CASAMENTO (DESENHO( 13) DE 1977)

LEGENDA:

4 - Aldeia YPARY: Fundada pelo pai de Tsiro, Piriri. Ali nasce Tsiro.

4a a 4d: aldeias na mesma região do Kumakary que são de outro grupo local (avô Tamea, avô

Jesewarai e Jawaira). 5 - Aldeia URARYWER: Ali Tisro viveu quando tinha 10 anos. Lugar de muita pupunha. 6 - Aldeia KURUMURI POPY: Ali Tsiro viveu quando tinha 15 anos. Lugar de muita pupunha também. 7 - Aldeia KAPARAMATE: Ali morreu Piriri, pai de Tsiro, que nunca tinha visto brasileiros. 8 - Aldeia [ou pátio?] de Tsiro, onde casou-se com Nawai. Abandonou esta aldeia e foi para a região do Nipuku.

Cada representação de habitação representa no desenho acima uma das aldeias onde Tsiro viveu, desde sua aldeia de nascimento (4) até a aldeia onde se casa (8). As posições das aldeias, de 4 a 8, parecem mostrar um deslocamento circular com um retorno às proximidades do ponto de origem, na outra margem do rio Felício.

12

AUTOR: Tsiro Wajãpi, aldeia Tataira, 1977.

13

(7)

“ANTES NÃO HAVIA LIMITES"( 14) - REPRESENTAÇÃO DOS IGARAPÉS E DAS ALDEIAS DOS ANTIGOS DOS DO IS LADOS DO RIO INIPUKU

“Cada aldeia, um igarapé”

Este desenho( 15) representa a ocupação das aldeias dos antigos nos dois lados do rio Inipuku, que hoje é o limite oeste da Terra Wajãpi. Nunca mais de uma aldeia está à beira de um mesmo igarapé, aspecto primordial da forma de ocupação dos Wajãpi. Essas ‘aldeias dos antigos’ representadas neste desenho eram provavelmente aldeias que se sucederam e foram se deslocando no espaço, de igarapé em igarapé, segundo os ciclos de roças. O que podemos aqui ressaltar é a clareza da representação gráfica da prática de ocupação territorial em contexto de 'territorialidade aberta' praticada pelos Wajãpi, composta dos distintos percursos geográficos que cada grupo local empreendia.

14

Cf Gallois, D.T., 2000.

15

(8)

3. Da 'territorialidade aberta' à Terra Indígena (anos 90)

3.1. Para além da região de ocupação de um só grupo local

PRIMEIRA REPRESENTAÇÃO DA TOTALIDADE DO TERRITÓRIO OCUPADO PELOS WAJÃPI DO AMAPÁ NA VISÃO DO LÍDER KUMAI WAJÃPI (1990)

Este mapa representa, em 1990 e na visão do autor, o falecido líder Kumai, todo o território ocupado pelos Wajãpi do Amapá nos anos 50-60. Esse é um dos primeiros mapas que dá conta da totalidade da ocupação territorial de todos os grupos locais, sendo uma representação que ultrapassa as regiões de percurso do grupo local a qual pertencia Kumai.

A região geográfica ocupada pelos Wajãpi está compreendida entre os grandes rios entre os quais ela se situa: o rio Amapari e o rio Jari. Os limites demarcados da Terra Indígena Wajãpi não corresponderam exatamente à essa ocupação. Estes abrangem combinadamente a memória das regiões de ocupação e de percursos dos antigos(16) e as regiões previamente ocupadas por invasores (garimpeiros sobretudo) expulsos pelos

Wajãpi na década de 80. Assim, os atuais limites da Terra Ind ígena Wajãpi têm origem não só nos elementos de territorialidade presentes na história oral wajãpi (os percursos dos antigos, portanto suas regiões de ocupação,alguns deles ilustrados aqui) mas como também no confronto com os garimpeiros(17)

(regiões que estrategicamente os Wajãpi ocuparam, de forma a impedir novas invasões). Assim, poderíamos dizer que a fronteira sociológica, no sentido atribuído por Martins (1997), vivenciada pelos Wajãpi nesse confronto com os invasores garimpeiros, definiu parte importante dos atuais limites da Terra Indígena Wajãpi.

3.2. A terra demarcada (1996) e localização atual das aldeias (2004)

16

"Os limites que a TIW apresenta atualmente tomaram forma a partir do amálgama entre elementos

de historia oral - relativa aos locais e percursos de ocupação dos antigos - e da avaliação dos impactos das práticas assistencialistas e da crescente ocupação na região" (Gallois, D.T., 1999).

17

Segundo Gallois, D. T. (1998), "o novo conceito de 'limites' surgiu no confronto com invasores.

Guiados por alguns líderes mais conscientes da inoperência da proteção oficial, os Wajãpi decidiram expulsar os garimpeiros" (grifo nosso).

(9)

A Terra Indígena Wajãpi, situada na região centro-oeste do estado do Amapá, teve sua demarcação(18) homologada em 1996, com uma superfície de 607.000 ha, onde os Wajãpi distribuem-se atualmente entre aproximadamente 40 aldeias, conforme seu padrão de organização sóciopolítica, baseado na ampla dispersão dos grupos locais, que prezam sua autonomia econômica e política.

A coincidência entre região geográfica e grupo local mostrada neste mapa dá origem ao conceito de 'região' utilizado nos trabalhos para o Diagnóstico Etno-ambiental da Terra Indígena Wajãpi/2002 feito com a participação dos Wajãpi. Para cada 'aldeia central', uma 'região' composta de 'sub-regiões' ou aldeias situadas nas proximidades da aldeia central. Cada 'região' é definida e nomeada por sua aldeia central e corresponde aproximadamente à região de ocupação dos atuais grupos locais wajãpi, que compartilham então uma história comum de ocupação e exploração de uma mesma região.

4. Organização territorial atual: entre mobilidade (dispersão) e

sedentarização (concentração)

4.1. Aldeia 'velha', aldeia 'nova' e 'aldeia central'

Os Wajãpi hoje designam dois tipos de aldeia: “aldeia velha” e “aldeias nova”. “Aldeia velha” é aquela aldeia que já ultrapassou no tempo seu ciclo ‘natural’ de vida e que deve ser abandonada para que uma “aldeia nova” seja aberta. Este ciclo é

determinado pela lógica espacial e temporal da organização territorial “tradicional” dos Wajãpi, baseada no princípio jisyrysyry, tratado no tópico 2.3. Assim, uma pessoa pode morar em uma dezena de aldeias em sua vida (vide exemplos ilustrados e comentados anteriormente).

18

A Terra Indígena foi demarcada com ampla participação dos Wajãpi, entre 1994 e 1996. Esta 'demarcação participativa' contou com o apoio da organização-não-governamental CTI (Centro de Trabalho Indigenista), da FUNAI (Fundação Nacional do Índio) e da GTZ (Agência de Cooperação do Governo Alemão).

(10)

A lógica da dispersão (mobilidade ) continua persistindo até hoje - os Wajãpi se espalham em pequenos grupos por um vasto território. Mas um novo tipo de aldeia surgiu, a “aldeia central” e com ela algumas mudanças na organização territorial “tradicional”.

“Aldeias centrais”, hoje quase todas “velhas” são aquelas que ainda não foram abandonadas pois é onde se situa a infra-estrutura de assistência (escola e posto de saúde) instalada nas décadas de 80 e 90, seja por missões religiosas seja pela Funai. Atualmente estão em número de cinco na terra indígena, ao redor das quais ‘constelações’ de pequenas aldeias (de ocupação permanente e/ou intermitente) têm sido feitas periodicamente, sempre na mesma região de entorno das aldeias centrais, há uns vinte anos, o que tem causado o esgotamento ambiental dos arredores dessas aldeias. Mas nesta mesma época, depois da demarcação (1996), os Wajãpi têm aberto novas aldeias nos limites da Terra para vigiá-la(19)

, atendendo também ao seu princípio jisyrysyry de mobilidade pelo território.

Através do aprendizado de uma “gestão do coletivo”( 20), hoje os Wajãpi, isto é, todos os grupos locais que ainda empreendem suas ocupações territoriais relativamente

independentes uns dos outros, se reúnem para planejar o uso e ocupação de um território e seus recursos que não são mais “sem limites”. Um objeto importante desse planejamento coletivo da ocupação da Terra Indígena(21) são as aldeias centrais. Como nelas estão

situados os postos de assistência à saúde e educação (escolas), a sua localização é objeto de cuidadosa escolha: desde 1999 as “aldeias centrais velhas” estão sendo abandonadas e “novas aldeias centrais” estão sendo planejadas de forma coletiva(22)pelo conjunto dos Wajãpi de forma a reverter a sedentarização nos seus arredores.

4.2. Mostrando em mapas os recursos e problemas ambientais

19

Depois de 1996, os Wajãpi do Amapá, para realizar a vigilância da Terra Indígena, passaram a contar com o apoio do PPTAL-FUNAI (Projeto Integrado de Proteção às Terras e Populações Indígenas da Amazônia Legal - Fundação Nacional do Índio) . Este programa funcionou com o apoio do Programa Wajãpi da organização-não-governamental CTI (Centro de Trabalho Indigenista) e do Conselho das Aldeias Wajãpi, APINA.

20

Cf Gallois, D.T., 2002.

21

Como pude mos observar na Reunião de Parceria Wajãpi (reunião anual) na aldeia Aramirã em dezembro de 2003.

22 Para realizar a descentralização das aldeias wajãpi, iniciada em 1999, os Wajãpi contam desde 2002

com o apoio financeiro e operacional do PDPI, Projetos De monstrativos dos Povos Indígenas (Cf Conselho das aldeias Wajãpi, 2003, p.5/7)

O PDPI visa "melhorar a qualidade de vida dos povos indígenas da Amazônia Legal brasileira,

fortalecendo sua sustentabilidade econômica, social e cultural, em consonância com a conservação dos recursos naturais de seus territórios" (cf www.mma.gov.br). O PDPI é parte do PDA (Subprograma Projetos

Demonstrativos), dentro do Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (ex-PPG7), vinculado à Secretaria de Coordenação da Amazônia (SCA) do Ministério do Meio Ambiente (MMA).

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DESENHO DE ARREDORES DE ALDEIA (TAA WANÃ - GRUPO DA ALDEIA): MARIRY (“ALDEIA CENTRAL VELHA”), 2002

Este mapa, feito em 2002 por Kasiripina Wajãpi, representa os arredores de Mariry, que é composta de vários pátios ou pequenas aldeias, que foram se deslocando em

pequenas distâncias nos últimos anos... O limite circular, conceitual e não físico, representa a zona explorada (caça, agricultura, coleta...) pelos grupos que habitaram Mariry. As regiões esbranquiçadas representam as áreas onde já não há mais caça.

DESENHO DE ARREDORES DE ALDEIA (TAA WANÃ - GRUPO DA ALDEIA): ALDEIAS PYRAKENUPÃ E PIJAWI NAS PROXIMIDADES DE ARAMIRÃ, “ALDEIA VELHA CENTRAL”, 2002

Este mapa, feito em 2002 por Seni, genro de Sisiwa, chefe de Pyrakenupã, mostra os arredores de Pyrakenupã e Pijawi. Se há várias regiões de caça, não há quase nenhum lugar (boa terra, boa localização) para fazer futuras roças. Somente estão assinalados os locais de roças velhas (capoeiras, kookwer) e roças de colheita em 2002 (koo).

(12)

DESENHO DE REGIÃO DE OCUPAÇÃO DE UM MESMO GRUPO LOCAL (WANÃ) , 2002

Este mapa( 23) representa uma parte da região ocupada pelo grupo local do Ytuwasu. Há duas aldeias Sãinara: a primeira já foi abandonada e as famílias se deslocaram até “Sãinara 2”, uma 'aldeia nova' de algumas famílias que viviam na aldeia Ytuwasu, 'aldeia central velha' praticamente abandonada.

23

(13)

DESENHO DEREGIÃO DE OCUPAÇÃO DE UM MESMO GRUPO LOCAL (WANÃ) - EXTREMO NORTE DA TERRA INDÍGENA - ALDEIA PRINCIPAL: OKAKAI - 2002

Este mapa, feito em 2002 por Kasiripina, representa a região de ocupação de seu grupo local. Esta representação mostra bem não só as zonas de ocupação com aldeias (velhas, em verde e as atuais, em vermelho), os recursos disponíveis (caça, pesca, palhas), como também os locais onde houve mineração e garimpo na década de 80.

(14)

5. Conclusão

Mostramos aqui representações de regiões de ocupação de grupos locais assim como representações de aldeias em 1977, 1983 e em 2002. O objetivo era que ilustrassem alguns dos distintos momentos da territorialidade dos Wajãpi do Amapá, desde a 'territorialidade aberta' à apropriação de uma terra coletiva e com limites, portanto com recursos e

ocupações a gerir coletivamente.

O que não se lê diretamente nos desenhos mostrados aqui, é que, se antes a organização territorial wajãpi estava mais baseada no tempo ('territorialidade aberta' praticada na temporalidade wajãpi), hoje está balizada pelo espaço, pelo modelo centro-periferia que se impôs depois que a Terra Indígena foi demarcada e sobretudo através da importância que as 'aldeias centrais' adquiriram para os Wajãpi. Assim, nos últimos

desenhos tornam-se visíveis algumas das conseqüências da sedentarização em torno dessas 'aldeias centrais velhas', tais como problemas e restrições de recursos ambientais. Há alguns anos as aldeias centrais velhas estão sendo abandonadas e várias aldeias novas novos têm sido feitas nos limites da Terra Indígena, algumas das quais foram eleitas para serem 'aldeias centrais novas' (vide mapa da ocupação atual no tópico 3.2), onde os Wajãpi esperam que se situará a infra-estrutura de assistência que se encontra hoje nas aldeias centrais velhas.

As representações gráficas de 1977, 83 e 90 sem dúvida nenhuma são mais

'espontâneas' do que as de 2002. As primeiras foram produzidas em contexto de pesquisa de campo enquanto que as de 2002 foram produzidas para um objetivo específico, a composição do Diagnóstico Etno-ambiental da Terra Indígena. Em 1990 a Área Indígena Wajãpi não era ainda uma Terra demarcada. Em 2002, havia seis anos que a Terra

Indígena Wajãpi havia sido demarcada, e, neste mesmo, os Wajãpi empreenderam junto ao Programa Wajãpi /Iepé( 24) uma discussão sobre os problemas existentes na Terra Indígena com vistas à gestão futura desses problemas ambientais (oriundos em grande parte do esgotamento das 'aldeias centrais') e dos recursos ambientais (através de um planejamento coletivo da ocupação da Terra Indígena). Assim, os desenhos feitos pelos Wajãpi desde 1977 são um interessante suporte em que o processo de territorialização por eles vivido encontra-se inscrito.

24

Organização não governamental Iepé - Instituto de Pesquisa e Formação em Educação Indígena que atua entre os Wajãpi desde 2002.

(15)

6. Referências bibliográficas

CONSELHO DAS ALDEIAS WAJÃPI (APINA) - Projeto Apoio ao Movimento de Descentralização das Aldeias Wajãpi apresentado ao PDPI (Projeto Demonstrativo dos Povos Indígenas/PDA/PPG7), agosto de 2003.

CTI (Centro de Trabalho Indigenista) - Diagnóstico etno-ambiental da Terra Indígena Wajãpi – Amapá. Relatório apresentado ao FNMA, 2002.

GALLOIS, Catherine - Wajãpi rena: roças, pátios e casas. Rio de Janeiro: Museu do Índio, 2002.

GALLOIS, Dominique Tilkin - Vigilância e controle territorial entre os Wajãpi: os

desafios para superar uma transição na gestão do coletivo in Demarcando terras

indígenas II. Experiências e desafios de um projeto de parceria. GTZ & PPTAL/ Funai, 2002.

_______________________ - "Não sabíamos que existiam limites" in PAIS DE BRITO, Joaquim (Coord.) - Os índios, nós. 1a edição, Lisboa: Museu Nacional de Etnologia, 2000, pp.246-251.

_______________________ - Participação indígena: a experiência da

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_______________________ - Apropriação e gestão de uma 'terra': a experiência

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GALLOIS, Dominique T.; GRUPIONI, Denise Fajardo - Povos Indígenas do Amapá e norte do Pará: quem são, onde estão, quantos são, como vivem e o que pensam? São Paulo: Instituto de Pesquisa e Formação em Educação Indígena, Núcleo de História Indígena e do Indigenismo. NHII-USP, 2003.

MARTINS, José de Souza. - Fronteira. A degradação do outro nos confins do humano. São Paulo: FFLCH-USP, Hucitec, 1997.

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NOVAES, Sylvia Caiuby (org.) - Habitações Indígenas. São Paulo: Nobel / Edusp, 1983.

Referências

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