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Produção textual na escola e autoria: como os textos escritos nas aulas de língua portuguesa podem ser autorais

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Academic year: 2021

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CLAUDIA LESSA ALVES SOUSA

PRODUÇÃO TEXTUAL NA ESCOLA E AUTORIA:

COMO OS TEXTOS ESCRITOS NAS AULAS DE LÍNGUA

PORTUGUESA PODEM SER AUTORAIS

Memorial apresentado ao Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS), Instituto de Letras, Universidade Federal da Bahia, como requisito para obtenção do título de Mestre em Letras.

ORIENTADORA: Prof.ª Dr.ª Simone Souza de Assumpção

Salvador

Ba

2015

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Sistema de bibliotecas da UFBA

S725 Sousa, Claudia Lessa Alves.

Produção textual na escola e autoria: como os textos escritos nas aulas de Língua Portuguesa podem ser autorais / Claudia Lessa Alves Sousa. - 2015.

140 f.: il.

Or Orientadora: Profª.Drª. Simone Souza de Assumpção.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal da Bahia, Instituto de Letras, Salvador, 2015.

1. Escrita – Análise – Estudo de casos. 2. Língua Portuguesa – Estudo e ensino. 3. Prática de ensino. 4. Ensino fundamental. I. Assumpção, Simone Souza de. II. Universidade Federal da Bahia. Instituto de Letras. III. Título.

CDD – 469 CDU – 028.4

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A

Mariluce, minha mãe. José Raimundo, meu pai. Ricardo e Sérgio, meus irmãos. Alessandro, meu companheiro.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por mais esta oportunidade nesta vida.

A minha mãe Mariluce, ao meu pai José Raimundo, aos meus irmãos Ricardo e Sérgio, ao meu marido Alessandro, aos meus filhos Heitor e Estevão, pelo amor e pela compreensão ilimitados. A todos os meus professores da vida inteira, em especial: Deraldo Valois (in memorian), Márcia Góes, Tânia Freitas,e Welton Fonseca.

A minha orientadora, professora doutora Simone Souza de Assumpção, pela recepção, pelo cuidado, pelo estímulo à autonomia, sempre.

Aos amigos: Andréia Vieira, Jaqueline Daltro, Lauana Vilaronga, Márcia Humildes, Maria de Fátima Silva, Marisa Roberto, Mônica Sepúlveda, Sérgio Couto por significarem realmente a palavra amizade.

Ao terceto: Cláudia Rocha, Joseli Querino e Antonio Máximo por saberem ser o que são e ensinarem pelo exemplo.

Aos verdadeiros mestres do Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS), professores doutores: Alvanita Almeida, José Henrique Freitas, Júlio Neves, Márcio Muniz, Mônica de Menezes Santos, Simone Souza de Assumpção, Simone Bueno Borges da Silva, Suzane Lima Costa.

Aos colegas do PROFLETRAS, companheiros dessa trajetória.

Aos professores que compuseram a banca para a qualificação: professora doutora Simone Bueno Borges Silva e professor doutor Luciano Amaral Oliveira pelas orientações imprescindíveis.

Às professoras que constituíram a banca de defesa: professora doutora Maria do Socorro Oliveira e professora doutora Raquel Nery Lima Bezerra.

À Universidade Federal da Bahia (UFBA) e ao Instituto de Letras da UFBA.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) por oportunizar com o PROFLETRAS possibilidades de mudanças no ensino Língua Portuguesa em escolas da rede pública.

À coordenação do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), sub-projeto Letras, às professoras-supervisoras e aos alunos-bolsistas.

À equipe gestora do Colégio Estadual Monsenhor Manoel Barbosa e aos colegas professores. Aos alunos muito, muito especiais do 6º ano, turma B, turno matutino de 2014 do Colégio Estadual Monsenhor Manoel Barbosa por me permitirem aprender com eles, também aos seus pais e responsáveis por confiarem no meu trabalho.

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À equipe gestora da Escola Municipal Luiza Mahim e aos colegas professores pelo apoio e pela confiança.

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Para os cartógrafos, a cartografia – diferentemente do mapa: representação de um todo estatístico – é um desenho que acompanha e se faz ao mesmo tempo que os movimentos de transformação da paisagem. Paisagens psicossociais também são cartografáveis. A cartografia, nesse caso, acompanha e se faz ao mesmo tempo que o desmanchamento de certos mundos – sua perda de sentido – e a formação de outros: mundos que se criam para expressar afetos contemporâneos, em relação aos quais os universos vigentes tornaram-se obsoletos.

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SOUSA, Claudia Lessa Alves. Produção textual na escola e autoria: como os textos escritos nas aulas de Língua Portuguesa podem ser autorais. 142 f., 2015. Memorial/Dissertação (Mestrado Profissional em Letras) – PROFLETRAS – Instituto de Letras, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015.

RESUMO

O presente trabalho é uma pesquisa qualitativa de caráter etnográfico e memorialístico e visa avaliar, a partir de exercícios propostos pela professora, se nos textos produzidos pelos alunos do 6º ano B, turno matutino, do Colégio Estadual Monsenhor Manoel Barbosa (Salvador, Bahia), há indícios de autoria e a relação que se estabelece entre o exercício de autonomia e a prática autoral. Para tanto, a professora selecionou um conjunto de atividades com o objetivo de se discutir as concepções de leitura e escrita, considerando os elementos que fazem parte do processo de produção textual, desde a leitura de mundo e a interação com o outro, até a escrita e o reconhecimento de si como autor. A escolha dessa população se deu pelo fato de o 6º ano do Ensino Fundamental ser a fase no período de escolarização na qual o estudante terá que: manejar novas disciplinas em conjunto com as já conhecidas; aprender a lidar com a segmentação de conteúdos e diferentes professores especialistas que se responsabilizam apenas por suas áreas. Essa é uma etapa, de certo modo, confusa e inquietante para os educandos e para todos que fazem parte da comunidade escolar. Numa perspectiva que focaliza a concepção de língua como espaço-tempo de interação humana – em que os sujeitos constroem e são construídos – foram escolhidos exercícios de leitura e escrita das situações do cotidiano. À professora de Língua Portuguesa coube abrir questões sobre a importância da leitura e, principalmente, da escrita e da reescrita enquanto instrumentos de interação com o outro e estimular os alunos à descoberta de informações sobre as práticas autorais e autônomas na escola. Para tanto, a orientação metodológica seguida nessa pesquisa se ampara nos conceitos de etnografia e autobiografia dos pressupostos teóricos de André (1995), Bortoni-Ricardo (2008), Camargo (2010), Fino (2003, 2008), Genzuk (2003), Rolnik (2011), na propositura e execução de sequências didáticas, de Antunes (2009), Cosson ( 2006) Marcuschi (2008), Schneuwly e Dolz (2004), Schneuwly, Dolz e Noverraz (2004), Solé (1998) e, para as discussões sobre autoria, Possenti (2001, 2002), Orlandi (2008, 2012) e Tfouni (2008, 2010) entre outros.

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SOUSA, Claudia Alves Lessa. Textual production in school and authorship: how texts written in Portuguese classes can be authorial. 142 f., 2015. Memorial/Dissertation

(Professional Master’s Degree in Letters) – PROFLETRAS – Letters Institute, Federal University of Bahia, Salvador, 2015.

ABSTRACT

This study is a qualitative study of ethnographic and memorialistic and aims to assess, from exercises proposed by the teacher in the texts produced by the students of 6th grade B, morning shift, the Colégio Estadual Monsenhor Manuel Barbosa (Salvador, Bahia) there is evidence of authorship and the relationship established between the exercise of autonomy and copyright practice. Therefore, the teacher has selected a set of activities with the aim of discussing the conceptions of reading and writing, considering the elements that are part of the text production process, from the world of reading and interacting with each other, to the writing and recognition of oneself as an author. The choice of this population was made because of the 6th year of elementary school is the phase in schooling period in which the student will have to: handle new disciplines along with the already known; learn to deal with the segmentation of content and different specialist teachers who are responsible only for their areas. This stage, in a way, confusing and unsettling for students and for all who are part of the school community. A perspective that focuses on the conception of language as human interaction in space-time - in which the subjects build and are built - reading exercises were chosen and written in everyday situations. To the teacher of Portuguese fell open questions about the importance of reading and especially writing and rewriting as interaction tools with each other and encourage students to discover information on authorial and autonomous practices in school. Therefore, the methodological approach taken in this research supports herself on the concepts of ethnography and autobiography of the theoretical assumptions of André (1995), Bortoni-Ricardo (2008), Campbell (2010), Fine (2003, 2008), Genzuk (2003) Rolnik (2011), and bringing the teaching execution sequences, Antunes (2009), Cosson (2006) Marcuschi (2008), Schneuwly and Dolz (2004), Schneuwly, Dolz and Noverraz (2004), sole (1998) and for discussions about authorship, Possenti (2001, 2002), Orlandi (2008, 2012) and Tfouni (2008, 2010) among others. .

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURAS

Figura 1 – Construção dos autorretratos imagéticos ... 59

Figura 2 – Aluna com seu autorretrato imagético ... 60

Figura 3 – Aluno com seu autorretrato imagético ... 60

Figura 4 – Reprodução dos autorretratos da aluna Glícia ... 64

Figura 5 – Reprodução dos autorretratos do aluno Paulo... 64

Figura 6 – Reprodução dos autorretratos da aluna Anita ... 65

Figura 7 – Reprodução dos autorretratos do aluno Reinaldo ... 65

Figura 8 – Reprodução dos autorretratos do aluno Paulo... 65

Figura 9 – Reprodução de página do livro Vontade de saber português 6º ano ... 72

Figura 10 – Reprodução de página do livro Vontade de saber português 6º ano ... 73

Figura 11 – Reprodução de página do livro Vontade de saber português 6º ano ... 74

Figura 12 – Reprodução de página do livro Vontade de saber português 6º ano ... 75

Figura 13 – Reprodução de página do livro Escrever e criar – é só começar! 6ª série: a redação através do jogo e da literatura ... 78

Figura 14 – Reprodução de trecho do livro didático Vontade de saber português 6º ano... 80

Figura 15 – Reprodução de trecho do livro didático Vontade de saber português 6º ano... 81

Figura 16 – Reprodução de trecho do livro didático Vontade de saber português 6º ano... 82

Figura 17 – Livros de literatura ... 85

Figura 18 – Quadro com os livros de literatura ... 86

Figura 19 – Aluna com o livro de literatura escolhido ... 88

Figura 20 – Aluno com o livro de literatura escolhido ... 88

Figura 21 – Aluna com o livro de literatura escolhido ... 89

Figura 22 – Reprodução da primeira versão da sinopse sobre o filme Prova de fogo elaborada pela aluna Mirna e revisada pela aluna Diana ... 95

Figura 23 – Reprodução da primeira versão da sinopse sobre o filme Prova de fogo elaborada pela aluna Renata e revisada pela aluna Iara ... 96

Figura 24 – Reprodução da primeira versão da sinopse sobre o filme Prova de fogo elaborada pelo aluno André e revisada pelo aluno Gilberto ... 97

Figura 25 – Reprodução da primeira versão da sinopse sobre o filme Prova de fogo elaborada pela aluna Diana e revisada pela aluna Mirna ... 98

Figura 26 – Reprodução da segunda versão da sinopse sobre o filme Prova de fogo elaborada pela aluna Diana ... 98

Figura 27 – Reprodução da primeira versão da sinopse sobre o filme Prova de fogo elaborada pela aluna Tatiana e revisada pela aluna Beatriz ... 99

Figura 28 – Reprodução da segunda versão da sinopse sobre o filme Prova de fogo elaborada pela aluna Tatiana ... 100

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Figura 30 – Reprodução de página do livro Vontade de saber português 6º ano ... 102

Figura 31 – Reprodução de página do livro Vontade de saber português 6º ano ... 103

Figura 32 – Reprodução de página do livro Vontade de saber português 6º ano ... 104

Figura 33 – Livros produzidos pelos alunos do 6º ano B ... 109

Figura 34 – Livros produzidos pelos alunos do 6º ano B ... 109

Figura 35 – Reprodução de trecho do autorretrato escrito do aluno Alex... 114

Figura 36 – Reprodução de trecho do autorretrato escrito do aluno André ... 114

Figura 37 – Reprodução de trecho do autorretrato escrito do aluno Ian ... 115

Figura 38 – Reprodução de trecho do autorretrato escrito da aluna Mirna ... 115

Figura 39 – Reprodução de trecho do autorretrato escrito da aluna Anita ... 115

Figura 40 – Segunda versão da sinopse sobre o livro elaborada pela aluna Iara ... 118

Figura 41 – Primeira versão da sinopse sobre o livro elaborada pela aluna Beatriz ... 118

Figura 42 – Segunda versão da sinopse sobre o livro elaborada pelo aluno Gilberto ... 118

Figura 43 – Primeira versão da sinopse sobre o livro elaborada pelo aluno Sílvio... 120

Figura 44 – Segunda versão da sinopse sobre o livro lido elaborada pelo aluno Sílvio ... 120

Figura 45 – Primeira versão da sinopse sobre o livro elaborada pelo aluno Eduardo... 121

Figura 46 – Segunda versão da sinopse sobre o livro elaborada pelo aluno Eduardo... 122

GRÁFICOS Gráfico 1 – O que é leitura? ... 39

Gráfico 2 – A leitura é… ... 40

Gráfico 3 – O que é escrita? ... 42

Gráfico 4 – A escrita é… ... 43

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Quem são as pessoas da sua família que têm o costume de ler? ... 41

Tabela 2 – O que as pessoas de sua família leem? ... 41

Tabela 3 – Quais são as pessoas da sua família que têm o costume de escrever? ... 44

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SUMÁRIO

1 PARA COMEÇAR A CARTOGRAFIA... ... 13

2 CARTOGRAFIAS DO CAMPO ... 17

2.1 A professora-pesquisadora ... 17

2.2 A escola ... 30

2.3 Os alunos ... 34

3 CARTOGRAFIAS DA ESCRITA ... 46

3.1 Familiarização com a sala de aula ... 48

3.1.1 Sequência didática 1 ... 56

3.1.2 Sequência didática 2 ... 84

4 CARTOGRAFIA DOS ACHADOS ... 111

4.1 Autonomia e autoria ... 111

5 CARTOGRAFIA PRONTA: CONTORNO ... 124

REFERÊNCIAS ... 127

APÊDICE A - Questionário ... 134

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1 PARA COMEÇAR A CARTOGRAFIA...

Se a leitura é Fonte e espaço de formação, o que não dizer da escrita, do exercício da escrita? Com todas as letras e marcas que definem a condição social da escrita, não há como desconsiderar a relação que se estabelece, solitária, necessária, tensa, de tortura criadora que confere um lampejo de existência a si mesmo, porque escreve.

Camargo (2010, p. 14)

O trecho acima sintetiza o que vivencio: a tensão que solicita o exílio para mergulhar em busca das minhas memórias. São lembranças que me conduzem à reflexão sobre a intervenção que propus para mim, enquanto professora-pesquisadora, e para a escola em que trabalho, especificamente, a turma de 6º ano B, turno matutino, no Colégio Estadual Monsenhor Manoel Barbosa, localizado na Boca do Rio, Salvador, Bahia.

O caminho tortuoso de rememoração, de (re)invenção e escrita de mim – porque nem sempre as lembranças estão tão claras e resolvidas e, nesse exercício, o eu que se materializa apresenta-se como descolado, projetado enquanto ser plástico e fluido atravessado pelas subjetividades do próprio caminho desse fazer – poderá revelar nuances de quem eu sou e/ou de quem eu quero mostrar que sou através da escrita, essa tentativa de legitimação enquanto ser social, cultural e ideologicamente localizado: professora de Língua Portuguesa, aluna e pesquisadora no Mestrado Profissional em Letras na Universidade Federal da Bahia.

Por muito tempo, entendi que biografia e autobiografia eram uma espécie de luxo, exclusividade de pessoas com prestígio real ou criado pela mídia. Entretanto, após a leitura do livro A importância do ato de ler, de Paulo Freire (1989), a biografização tornou-se para mim, uma espécie de espaço democrático para registro da existência humana. Dessa forma, as reflexões sobre a minha história apresentam-se imprescindíveis nesse relato, para perceber e oferecer aos outros possibilidades de compreensão sobre o percurso de minha prática enquanto professora de Língua Portuguesa em escolas públicas da rede básica de ensino na cidade de Salvador. A busca que se perscruta no ato de biografar-se traz à tona – como um filme a que se assiste – vivências explicativas das escolhas, persistências ou desistências responsáveis por provocar em mim, professora-pesquisadora, a vontade e a necessidade de ressignificar-me.

Não acredito que vontade e necessidade sejam suficientes para efetivar a ressignificação profissional e pessoal. Penso que há que se desconstruir e reconstruir concepções e fazeres de um percurso, é preciso aprender a se constituir e a continuar. Descontruir, nesse caso, no sentido

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de desmontar para entender a essência e reconstruir como remontar com a consciência das partes.

Em meu fazer pedagógico, a referida busca tem se concretizado em inquietações que orientam a cartografar a mim mesma, expor e viver meu desejo de professora-pesquisadora de Língua Portuguesa: “participar, embarcar na constituição de territórios existenciais, constituição de realidade” (ROLNIK, 2011, p. 66). Para isso, utilizo o “manual do cartógrafo” sugerido pela autora citada, segundo o qual se deve ter: “um critério, um princípio, uma regra e um breve roteiro de preocupações” (ROLNIK, 2011, p. 67, grifo da autora). Considerando o critério do cartógrafo como o grau de abertura para a vida que cada um se permite a cada momento (ROLNIK, 2011, p. 68), entendo que ele se concretiza na concepção de língua que norteia a minha práxis ainda impregnada das teorias que tratam a linguagem como expressão do pensamento ou instrumento de comunicação apenas e, por isso, modelam o processo de ensino-aprendizagem numa perspectiva tradicional: com o professor como a única Fonte de conhecimentos, cabendo a ele apenas transmiti-los, não havendo sequer preocupação com o contexto e a necessidade das situações de sala de aula. Os alunos são apenas simples aprendizes do que está pronto e definido e encontram-se anulados em suas possibilidades de participação para a construção do que lhes é significativo conhecer. De acordo com Travaglia (2009, p. 21-23), essas concepções se traduzem em visões monológicas da língua em que não se consideram as circunstâncias sociais, históricas e ideológicas de seu uso. Há muito venho tentando mudar intuitivamente, incluindo a visão de que a língua é lugar de interação humana, no processo de ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa, pois é perceptível que as concepções consideradas mais tradicionais não servem como fundamentos únicos ao que é proposto para o trabalho com Língua Portuguesa no Ensino Fundamental.

No que se refere ao princípio do cartógrafo, o que me interessa é revisitar minha prática, avaliá-la e ressignificá-la, uma vez que, se a língua que é meu instrumento e objeto de trabalho (e vida) não é imutável, tenho a consciência de que minha prática também não pode ser. Então buscar “canais de efetuação da vida” (ROLNIK, 2011, p. 68) é o que pretendo, ao propor simultaneamente uma intervenção no ser professora, quando procuro reflexões teórico-práticas, e no fazer pedagógico, que buscará atender a uma entre as várias demandas existentes na turma de 6º ano do Ensino Fundamental (no que concerne à produção de textos dentro da disciplina Língua Portuguesa) na unidade escolar à qual sou vinculada – Colégio Estadual Monsenhor Manoel Barbosa. Aqui entendo intervenção como um processo em que não estarei sozinha nem empoderada pela ideia de que sou a única que sabe exatamente o que fazer e qual será o

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resultado de minhas ações; todos os partícipes, o meio e o inesperado são essenciais para que a intervenção e o desenho dela estejam autorizados.

O caminho percorrido pela intervenção que proponho para mim e para minha prática na turma de 6º ano também se constituirá em investigação dele mesmo, análise que tem como implicação idealizada a transformação social. Embora esse seja o fim ideal, não há como deixar de considerar a regra do cartógrafo que, em minha travessia, se apresenta como saber reconhecer meu limite de atuação e interferência no que foi posto como problema e como possibilidade de intervenção.

Quanto ao roteiro de preocupações do cartógrafo, tão particular quanto universal, esse singrar dentro da escola, da sala de aula e da minha prática suscita inquietações demandadas principalmente da forma como vejo, me posiciono, concebo, vivo e permito o que está a minha volta. O contato com as subjetivações inerentes a esse caminhar, a consciência acerca do papel político, a ansiedade, o querer fazer e acertar, compõem o meu roteiro de preocupações num desenho ambivalente porque são elementos que fazem parte do meu modus vivendi, impulsionam-me na busca e podem se mostrar como entraves na apreciação da realidade a que me proponho.

Essa apreciação enquanto postura de cartógrafa e a proposta de intervenção são absolutamente o novo, que, mesmo desejado há muito, representam um campo de possibilidades e impossibilidades onde piso cautelosamente, já que acredito no que tomei para mim: “Todas as entradas são boas, desde que as saídas sejam múltiplas” (ROLNIK, 2011, p. 65).

As entradas dessa cartografia materializam-se como um estudo de cunho etnográfico e vêm registradas num texto memorialístico organizado em quatro seções: “Cartografias do campo”, “Cartografia da escrita”, “Cartografia dos achados” e “Cartografia pronta: contorno”.

Em “Cartografias do campo”, trago os desenhos da minha história enquanto aluna escritora e posterior professora de Língua Portuguesa, traçando uma relação entre essas duas trajetórias que, ao final, se constituem como uma. Procuro refletir sobre a constituição do ser professora, agora pesquisadora instituída pelo Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS), relacionando esse processo às motivações do meu fazer docente em escolas da rede pública na cidade de Salvador. Os detalhamentos ali presentes buscam revelar-me como um ser ainda em formação. Consciente disso e, por essa razão, imbuída em compreender ainda mais o ensino-aprendizagem da disciplina Língua Portuguesa, propus a intervenção “Produção textual na escola e autoria: como os textos escritos nas aulas de Língua Portuguesa podem ser autorais” como um movimento contínuo, embora permita a retrospecção como estratégia para

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repensar, valorar e constituir mais adiante. Também trago o ambiente em que trabalho e que serviu de motivação e terreno para a pesquisa-intervenção, o Colégio Estadual Monsenhor Manoel Barbosa. Trata-se de uma descrição que também se apresenta como reflexão sobre o chão da escola e a sua alma sob a perspectiva de quem partilha esse cotidiano há mais de uma década. Finalizando esse recorte, apresento o perfil dos alunos que vivenciaram comigo as aulas de Língua Portuguesa no ano letivo de 2014 e, portanto, corresponsáveis pela realização da pesquisa.

“Cartografia da escrita”, da mesma forma que o capítulo anterior, oferece a descrição reflexiva sobre todo o proceder da intervenção em sala de aula e fora desta porque demonstra como as aulas aconteceram, as concepções que as embasaram, bem como as apreciações posteriores ao fazer, agora entendido como práxis, uma vez que se constitui como um processo refletido e refratado.

As reflexões e refrações consequentes da intervenção orientam o capítulo “Cartografia dos achados” em que ponho os escritos dos alunos em apreciação para discutir uma das concepções de autoria que, no caso específico da intervenção, representa o princípio adequado às discussões e sua relação com o exercício da autonomia dentro da escola.

“Cartografia pronta: contorno” vem para concluir o desenho proposto pelo memorial. No entanto, não tenho a intenção de utilizá-lo como ponto final do processo formativo que foi dado a conhecer na cartografia. Por isso o subtítulo “contorno”. Concluo consciente de que todo fim é uma nova possibilidade de começo. Daí seu caráter de finito, mas não definitivo.

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2 CARTOGRAFIAS DO CAMPO

2.1 A professora-pesquisadora

Final do segundo semestre do ano de 1990, revejo-me preenchendo o formulário para inscrição no vestibular da Universidade Estadual de Feira de Santana. Entre todas aquelas opções, três cursos faziam-me curiosa: Licenciatura em Letras, Licenciatura em Matemática e Administração de Empresas. Não tinha ideia mais detalhada do que cada um dos cursos poderia me oferecer em termos de formação profissional, apenas que a decisão poderia levar-me a ensinar Língua Portuguesa e uma língua estrangeira, ensinar Matemática ou administrar uma empresa.

O que me conduziu a optar por prestar o concurso para ser professora de Língua Portuguesa e de língua estrangeira, já que isso representava ir de encontro à minha formação em Educação Básica, uma vez que fiz o Curso Científico?

Recordo dois episódios e o valor de ambos na minha formação enquanto aluna e futura professora. Lembrar o que pensei, trazer ao presente o que passou, mas que continua marcando sua presença indelével, é estar no entremeio do tempo, num espaço privilegiado de quem tem acesso ao que a memória e a finalidade desse texto permitem. Porque, enquanto memorial, vejo esta escrita como um híbrido entre o que Passeggi (2010, p. 21) apresenta como definição para memoriais acadêmico e de formação, considerados como memoriais autobiográficos:

O memorial acadêmico é aquele que é escrito por professores e/ou pesquisadores do ensino superior sob a forma de uma narrativa reflexiva sobre sua trajetória intelectual e profissional. As finalidades desse tipo de memorial são múltiplas: (...) objeto de concurso público para ingresso na carreira docente e/ou em outras funções em instituições de ensino superior, (...) instrumento de avaliação para progressão funcional, (...) constituição da memória de um grupo, de uma instituição, etc. O memorial de formação caracteriza-se por ser escrito, geralmente, durante o processo de formação, inicial ou continuada, ser acompanhado por um professor orientador e ser concebido como trabalho de conclusão de curso superior (TCC ou TFC). (grifo da autora)

A hibridização textual configura um escrito que deve atender às injunções da academia, ser uma narrativa reflexiva sobre o percurso intelectual, profissional e formativo anterior e, principalmente, mais contemporâneo, de quem propôs uma intervenção1 para atender a uma

1 Refiro-me ao projeto de intervenção “Produção textual na escola e autoria: como os textos escritos nas aulas de

Língua Portuguesa podem ser autorais” apresentado durante o Mestrado Profissional em Letras oferecido pela Universidade Federal da Bahia em 2013 e motivo deste memorial.

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demanda emergente em uma das turmas de 6º ano do Ensino Fundamental no Colégio Estadual Monsenhor Manoel Barbosa.

Desse modo, o memorial que se inicia aqui, híbrido de nuances de vários gêneros, mantém o caráter essencialmente autobiográfico e reflexivo, permitindo a revelação, a análise, a aprendizagem de quem escreve sobre si mesmo, sobre o outro, sobre o mundo – a “palavramundo”. (FREIRE, 1998, p. 9)

A escrita de um memorial autobiográfico leva-me a assumir a postura de cartógrafa (ROLNIK, 2011) no sentido de busca e constatação de elementos que compõem a paisagem de mim mesma: professora de Língua Portuguesa, aluna do PROFLETRAS na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e pesquisadora. É um exercício “antropofágico”, e ainda seletivo, porque conduzido pelo desejo de me pôr a conhecimento num dado lugar e obter legitimação do que proponho. Nessa antropofagia, devorar lembranças significa retroalimentar-me de hipóteses sobre a (verdadeira?) natureza do que sou e do que tem me constituído enquanto professora de Língua Portuguesa e aluna do PROFLETRAS. Também é um exercício de escritura, porque reivindica a inscrição de mim mesma na produção de sentidos (CORACINI, 2010) deste texto. O leitor, neste caso, não pode ser ignorado. A legibilidade deverá estar em sua essência:

Escrever um texto é dá-lo a ler, torná-lo público, expô-lo a interpretações (in)esperadas, à violência da leitura que é sempre tradução; e para isso, é preciso que seja legível, que obedeça à lei do texto que, como afirma Derrida (1974), está no outro e vem do outro. (CORACINI, 2010, p. 30)

Volto ao mapa de minha trajetória, seleciono os referidos episódios para refazer as rotas numa posição diferente e privilegiada: como alguém que vê o já vivido e tem a oportunidade de pensar sobre seus desdobramentos. São paisagens que, no momento de rememoração, configuram-se como a cartografia que se delineia neste memorial.

Lembro-me nitidamente, ainda no Ensino Fundamental (antigo 1º grau), precisamente nas 7ª e 8ª séries, de a professora de Matemática lançar desafios e perguntar quem poderia resolvê-los no quadro e explicar o raciocínio aos colegas. Sempre me esquivei; no entanto, a professora Tânia Freitas dava um jeito de levar todos os alunos a responderem aos exercícios. Chegou minha vez. Fui, resolvi, expliquei. Os colegas aplaudiram – faziam isso com todos que iam ao quadro – e a professora disse algo como “Menina, você tem talento. Vai ser professora de Matemática. Eu já sei.” Gostei e repeti as participações até o último ano. Essas palavras que reverberaram em minha mente por anos, principalmente porque estudava em escola particular

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e todos os meus colegas só pensavam em profissões que davam continuidade à tradição da família: direito, medicina, administração, odontologia, engenharia, etc. foram resgatadas no momento da escolha para o vestibular. Penso que, na época do Ensino Fundamental, talvez percebesse que havia algo de diferente comigo. Considero que o comentário da professora Tânia Freitas despertou em mim a percepção de que o conhecimento pode ser compartilhado e que o outro que interage com você nesse processo deve ser considerado sempre. Acredito que repensar o significado das ações da professora Tânia Freitas tem um papel fulcral no curso de escrita deste memorial.

O outro episódio data do Ensino Médio (na época Segundo Grau), no primeiro ano. A professora de Língua Portuguesa, Literatura e Redação, Márcia Góes, propôs a produção de um texto descritivo em duplas – não havia trabalho com gêneros especificamente, mas práticas com os tipos textuais: narração, descrição e dissertação. Eu e uma colega muito próxima rapidamente decidimos o que faríamos e lembro que, durante a construção, ríamos muito e vivíamos o efeito de sentido de cada palavra escrita – antecipando, prevendo, conduzindo, de certo modo, orientando a percepção do interlocutor. Utilizamos os dois horários para a escrita enquanto a maioria entregou a produção no final do primeiro horário. Fizemos rascunho e depois é que “passamos a limpo” no formulário entregue pela professora. Depois de uma semana, novamente aula de Redação. A professora principiou a aula comentando os textos descritivos elaborados e disse que leria um que lhe chamou a atenção, sem revelar os autores. Um texto autoral talvez. Revejo a cena, eu e a colega, muito ansiosas, porque imaginávamos que fosse o nosso. Foi. Vergonha, orgulho, medo: sentimentos que me tomaram durante a leitura do texto. A turma em furor com a leitura não permitia que a professora lesse com a continuidade que ela desejava; ria-se muito, lançavam-se hipóteses sobre o “objeto” descrito, também havia muxoxos e acusações. Não recordo o que aconteceu na aula após a leitura, apenas a professora nos chamando ao final, quando todos já haviam ido embora, para comentar o texto, elogiar e perguntar o que faríamos na universidade. Fiquei em silêncio – outras memórias não me deixavam respirar: achava que ia ser professora de Matemática. Hoje sei que não disse a ela porque tinha dúvidas. A professora Márcia Góes sugeriu que pensássemos em cursos como Publicidade, Jornalismo, Direito, Letras e reafirmou que tínhamos facilidade com a escrita. Essas dúvidas foram enxertadas a cada aula de Língua Portuguesa com as possibilidades de conhecer, exercitar e aplicar o que era apresentado. Havia a preocupação da professora em aproximar os conteúdos da disciplina à nossa realidade de aluno adolescente na década de 1990, também em ouvir quais eram nossas expectativas, reclamações e incertezas e em atendê-las o quanto fosse possível e consoante com os objetivos de ensino a que ela se propunha.

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Em que medida esses acontecimentos influenciaram minha escolha profissional? Titubear diante da escolha profissional apresenta-se como clichê, não para quem vive a dúvida, muito menos para mim que volto para refletir sobre o que vivenciei no corpo desejante diante daquela situação limite. Vozes referenciais misturavam-se: das professoras Tânia Freitas e Márcia Góes, dos colegas e de outros professores – estes dois últimos a indicar o caminho da tradição familiar em relação aos estudos, algo que eu não tinha: minha mãe não chegou a concluir o Ensino Fundamental 2 e meu pai apenas seguiu até o Ensino Médio profissionalizante, embora da parte deles não faltasse incentivo na busca pelos saberes institucionalizados ou não, mas, conforme os dois, conhecer sempre foi o caminho para a formação de pessoas melhores. Fardo pesado esse da escolha.

Marquei então determinada: curso de Licenciatura plena em Letras com Inglês na primeira opção e de Licenciatura em Matemática na segunda opção. Não segui a tradição que a ideologia das escolas que frequentei cultivava e por ela eram sustentadas.

“A pessoa é para o que nasce.” Célebre constatação de uma das três irmãs cegas paraibanas – Maria – capturada no documentário homônimo de Roberto Beliner (2002) que aqui transmuto para “a pessoa torna-se para o que nasce”. Não há determinismo, apenas determinações e escolhas. Optei por ser professora, segui a tradição da família: minha mãe, minha avó materna (em suas visitas semestrais) e meu pai sempre foram nossos professores – somos três filhos – e dos filhos alheios.

Cinco semestres depois da entrada no universo da Universidade Estadual de Feira de Santana, estou eu em sala de aula como professora contratada da rede pública estadual de ensino, Escola Estadual Edith Mendes da Gama e Abreu, turno noturno, 1º ano do Ensino Médio. Recordo-me de sentir um tremor de medo e de ansiedade diante de olhos cansados do dia, cansados do tempo, incrédulos quanto a mim. Tão gentis e sábios foram aqueles alunos ao compreender e aceitar minha inexperiência e minha determinação em ser professora como Tânia Freitas e Márcia Góes.

Ser professora como outras professoras. Repetir os modelos? Sim, pareceu no início que só teria que fazer o que as professoras faziam. Os conhecimentos reproduzidos pela academia pouco ajudavam diante das possibilidades da realidade de sala de aula. Essa percepção modificou a minha determinação em seguir os modelos que conhecia.

Cada turma é uma turma: aprendi rapidamente. Entretanto, demorei mais para entender por que os conteúdos que aprendi na Educação Básica não faziam sentido para os meus alunos e já tinha percebido que a formação da licenciatura não me ajudaria, as teorias pareciam distantes do que pulsava à minha frente. Intuitivamente sabia que havia algo errado com o que

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eu tentava ensinar ou com os métodos ou com os recursos. Tentava adaptações que ora pareciam ter ajudado, ora, não. O que eu não sabia até então é que as concepções de língua que me constituíram estavam tão entranhadas em mim que não poderia vislumbrar outras formas plausíveis de ver e viver o ensino da Língua Portuguesa. Aulas de língua funcionavam assim: ensino de gramática e de leitura com compreensão, interpretação e produção de textos. Contudo, a insignificância delas, cada vez mais crescente, incomodava muito. A tradição2 formou-me, na Educação Básica e na licenciatura, deu-me um mapa pronto que ali, na sala de aula, não oferecia direções seguras.

Os caminhos começaram a se reconfigurar quando comecei a questionar e a tentar criar outra forma de ensinar língua. Não lembro se formulei as mesmas questões propostas por Geraldi (2011, p. 40): “por que ensinamos o que ensinamos?” e “para que as crianças aprendem o que aprendem?”. Registro apenas que havia um incômodo e um desconforto em relação ao que fazia.

Fui ser jornalista. Época que representa nessa trajetória o desenho de uma ilha onde estive isolada para pensar sobre o desconforto. Tempos de muita escrita, muitas realidades e descobertas, grande decepção... Não com o trabalho no Jornal Feira Hoje, mas comigo mesma, devido a minha insatisfação em estar naquele lugar de repórter. Ver a vida do outro, (d)escrevê-la como a realidade que c(d)escrevê-lama por ser mostrada, legitimada como existência digna ou indigna não me preenchia.

Pedi demissão e voltei ao exercício do magistério, agora, em escolas da rede particular. Tive uma permanência curta nesse outro lugar de educação formal. Tempo suficiente para terminar a licenciatura e a Especialização em Linguística Aplicada à Língua Portuguesa. Conhecer a Linguística Aplicada ofereceu-me possibilidades de percursos – Sociolinguística, Linguística Textual, Discurso, Fonética e Fonologia – representou um certo empoderamento em relação ao que eu queria: dar significado à minha prática e ao que eu me propunha ensinar. Era o que eu queria e quero e essa conclusão veio há pouco. Na época, não discernia insatisfação de desejo e necessidade. Não intencionava fazer um mestrado. Pretendia experimentar mais o ensino e a aprendizagem na escola, na base. Fiz concursos para professor da rede pública de ensino nas esferas estadual e municipal em Salvador.

2 Tradição que se refere às concepções de língua (GERALDI, 2001) como expressão do pensamento ou

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Vieram as experiências3 em escolas da rede pública de ensino estadual e municipal em Salvador. Outros mundos, novas experimentações e vontade de desistir. As situações – concebidas como problemas - causadas pelo choque entre concepções de educação e de mundo diferentes alimentaram durante um tempo a vontade de desistir de ser professora. A ideia de mudar a minha prática e adequá-la à realidade e aos interesses dos alunos tomava corpo e me expunha, deixava-me vulnerável diante do “sistema de educação”, oscilava entre o que era esperado de uma professora da educação pública e o que acreditava fazer sentido ser essa professora.

Não desisti e a Escola Municipal Amélia Rodrigues, onde trabalhei por 12 anos, foi determinante nesse aspecto. Nosso primeiro diretor, professor Deraldo Valois, foi quem incentivou a formação de um ambiente no qual predominava a valorização do outro e a certeza de que éramos educadores e podíamos sê-lo da melhor forma possível. Por isso abraçou nossa vontade de viver a educação e muitos projetos entre os quais destaco a “Escola Interativa”, oferecido pela Cipó – Comunicação Interativa, organização não-governamental. Esse projeto possibilitou a capacitação de professores e alunos-monitores para práticas fundadas na educação pela comunicação com objetivos guiados pelas demandas da comunidade escolar e orientou-nos a implementar uma emissora de rádio na unidade escolar e a programação desta. Vivi a capacitação e a simultânea preparação da rádio, tentando levar o que aprendia para a outra escola em que trabalhava, sem sucesso. Numa escola maior com muito mais professores, a maioria já muito próxima da aposentadoria – o que não determina desinteresse pelo novo – foi impossível. Fiz o que pude sozinha, infelizmente.

Houve ainda o curso de formação continuada GESTAR II (Gestão da Aprendizagem Escolar), especificamente direcionado a professores da rede básica e pública de ensino da esfera estadual que ensinam Língua Portuguesa e Matemática para alunos do 6º ao 9º ano. Foram 400 horas em que se priorizava a discussão de teorias ligadas à educação e à construção individual e coletiva de atividades posteriormente aplicadas e relatadas num portfólio e também durante os encontros presenciais. A formadora buscava levar à apreciação e à discussão aspectos-chave das teorias de Jean Piaget, Henri Wallon, Lev Semenovitch Vygostky, Sírio Possenti, João Wanderley Geraldi, Angela B. Kleiman, Luiz Antônio Marcuschi, Luiz Carlos Travaglia e outros e instigando-nos a pensar como poderíamos aplicar em sala de aula aquelas contribuições teóricas.

3 Entendo experiência a partir do conceito proposto de Larrosa (2002, p. 21): o que nos passa, nos acontece, nos

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Um espaço-tempo vivido e experimentado porque buscava (e ainda busco) tornar minha prática pedagógica significativa para mim mesma e para meus alunos, embora não houvesse disponibilidade para conhecimento teórico mais aprofundado. À época, sentia essa necessidade, já que, enfim, poderia associar teoria e prática. Não que as entendesse apenas separadas: ainda as percebia numa relação de hierarquia em que a primeira estava sempre em posição mais relevante. O “diálogo” promovido pelo GESTAR II principiou o esboço de um imaginar crítico, exercido e praticado na nomeação e renomeação do mundo: ensino-aprendizagem – norteando sua reconstrução. (BERTHOFF, 2011, p. 33)

Algo mudou na minha forma de trabalhar. Porém, não foi o bastante para que eu pudesse vivenciar os resultados idealizados. O que acontecia era a experimentação com pouca segurança e uma convicção muito maior de que o sistema educacional e suas imposições não cabiam na sala de aula, não eram suficientes para que houvesse a garantia da experimentação dos conhecimentos linguísticos para a performance do texto escrito: o saber que transformado em saber como e em saber quando e por quê (GARCEZ, 2010, p. 19) (grifos meus). Acreditava, ainda, que poderia mostrar a cada aluno o quanto ele poderia ser capaz de mudar sua realidade apenas estudando, descobrindo a vida e o mundo.

Diante dessa nítida vontade minha, percebi uma necessidade dos alunos, principalmente aqueles que entravam no 6º ano: produção de textos adequada à demanda da realidade deles. Resolvi fazer um trabalho específico para esse contexto. Não sabia muito bem como organizar o que pretendia e estar em conformidade com as diretrizes curriculares enviadas pela Secretaria de Educação do Município de Salvador para orientar nossa prática e com a obrigatoriedade sacralizada do uso do livro didático, mas, baseando-me nos Parâmetros Curriculares Nacionais, construí um projeto de leitura e produção textual direcionado aos alunos de uma das turmas de 6º ano em que dava aulas na escola municipal. Tive, desde o início, o apoio do coordenador pedagógico, o professor e pedagogo Welton Fonseca, que, como eu, ficava muito incomodado com os comentários dos outros professores em relação aos alunos que eram matriculados na referida série: “Esses meninos são analfabetos!”, “Todos têm problemas de alfabetização!”, “Eles não sabem ler, nem escrever, nem assinar o próprio nome!”, “Você que é de Português, faça alguma coisa! Bota esses meninos para ler e escrever!” Além disso, compartilhava comigo a visão de um ensino de Língua Portuguesa que fugia do tradicional: leitura de textos pertencentes a gêneros variados, momentos de discussão acerca das interpretações demandadas das leituras, produção de textos que fizessem sentido diante das necessidades dos alunos e aprendizado e aplicação de conteúdos gramaticais necessários à interação provocada por essas situações. Por ter entendido a necessidade do que eu propunha, durante as reuniões com os pais,

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o professor Welton Fonseca sempre destacava que o trabalho com a turma era diferente do habitual devido às dificuldades que os alunos apresentavam em relação à leitura e à escrita.

O “trabalho diferente” era muito simples; apenas promovia a leitura de livros da biblioteca da escola durante um dia por semana durante o tempo da aula, a produção de sinopses, anúncios e resenhas (chamadas de “opiniões” pelos alunos) com espaço para reescritas comentadas coletivas e individuais, a avaliação das atividades propostas (leitura, escritas e reescritas) bem como leitura de outros textos trazidos pelos alunos ou pertencentes ao livro didático. O “diferente” era que não havia o trabalho predominante e descontextualizado com a gramática normativa nem exercícios exclusivamente realizados a partir do livro didático. Foi um ano difícil e, ao final dele, os resultados não eram animadores: muitos alunos dessa turma ficaram em recuperação nas outras disciplinas, embora a maioria tenha sido aprovada para a série seguinte. A turma permaneceu quase em sua totalidade a mesma e só voltou a estar comigo no 9º ano. Percebi que muitos estavam bem melhores em relação à escrita e à oralidade; pareciam mais seguros nos usos da Língua Portuguesa instituídos como padrão. Na época, atribuí essa segurança a fatores como amadurecimento, valorização do papel da escola, apoio da família e, por último, à familiaridade com o “meu” modo de trabalho. Não conferi nenhum valor ao “trabalho diferente” feito junto com eles três anos antes. Nesse ano e no seguinte, muitos deles fizeram seleção para o Instituto Federal de Educação e Tecnologia da Bahia e foram selecionados. Não soube imediatamente; só muito tempo depois um dos alunos comentou: “Só lembrei da senhora na prova de redação. Fácil demais.” Nunca trabalhei com eles nada para concurso nenhum. Neste ano (2014), mais surpresa: três ex-alunos da mesma turma na Universidade Estadual da Bahia fazendo suas graduações e lembrando o valor do trabalho feito em 2007 para a vida deles.

As lembranças desses meninos e meninas fizeram-me acreditar que o “trabalho diferente” poderia ser retomado de uma forma mais sistematizada e fundamentada teoricamente. Acredito que o desenvolvimento da competência textual4 é imprescindível na formação do aluno-cidadão. Por isso, organizo o conteúdo da disciplina nessa perspectiva de produção escrita contextualizada da qual a reescrita é uma das etapas. Parece-me impossível um trabalho em Língua Portuguesa na Educação Básica que não tenha esse enfoque. No entanto, essa não tem sido a prática que percebo nas escolas em que trabalho. Não raro, os alunos relatam que não têm o costume de reescrever seus textos após revisões. Lembro-me de que, quando fui

4 Competência textual é, segundo Travaglia (2009, p. 18), a capacidade de, em situações de interação comunicativa,

produzir e compreender textos considerados bem formados, valendo-se de capacidades textuais básicas: a formativa, transformativa e a qualificativa.

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professora-supervisora5 no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) Letras na UFBA, os alunos-bolsistas, ao tomarem contato (observação) com as aulas de Língua Portuguesa por mim ministradas no Colégio Estadual Monsenhor Manoel Barbosa, também relataram que nunca tinham experienciado a produção escrita de modo contextualizado e vinculado à reescrita. Penso que, até mesmo com eles, os alunos-bolsistas, a produção textual em todas as suas etapas (apreciações, leituras, discussões, revisões, reescritas) também foi vivenciada no período em que, após leituras e discussões suscitadas a partir do livro A importância do ato de ler: em três artigos que se completam de Paulo Freire (1989) e do que experimentavam nas observações das aulas, construíram um artigo baseado na experiência de leitura do grupo. A importância do ato de ler em três etapas que se completam representa a análise acerca do valor constitutivo da leitura para a vida dos bolsistas e estudantes da Licenciatura em Letras na UFBA. Representa também a oportunidade que tive de pensar sobre as minhas memórias enquanto sujeito que lê e escreve e faz disso seu trabalho. A compreensão sobre como a minha formação leitora e escritora culminou na minha escolha profissional começou a ser delineada nesse período.

Rememorar o passado longínquo e o recente e percorrer caminhos já trilhados é pisar num terreno já conhecido que, ao ser materializado pela escrita, faz pensar sobre minha prática de professora durante esses 21 anos. Sou confrontada com o fato de que ainda estou em formação, menos ansiosa talvez, porém com as mesmas inquietações agigantadas ano letivo após ano letivo: que Língua Portuguesa quero ensinar? O que eu quero é o mesmo que os alunos querem e precisam?

A entrada recente no PROFLETRAS, em 2013, permitiu que as questões referidas assumissem status mais consistente e permitissem a valoração das minhas tentativas de adequação do ensino de Língua Portuguesa à realidade e às necessidades das comunidades escolares em que trabalhei e trabalho. Isso significa que a percepção que já norteava minhas aulas no sentido oposto ao orientado pelas concepções de língua, de leitura e de escrita constituidoras de minha formação enquanto aluna e professora tem respaldo teórico. Um novo olhar para a bipartição do indivisível: prática e teoria sustentando possibilidades. Até então, era-me impossível conceber teoria e prática em um mesmo nível, imbricadas. A dicotomia estabelecida passa a ser repensada e, em meio a leituras e discussões, provocações como estas propostas por Hissa (2013, p. 77) fazem-me refletir sobre o que eu experimentei enquanto

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professora até então e a possível reconsideração sobre como teorias e práticas sempre estiveram ali presentes.

Mas o aprender não seria o preenchimento recíproco entre práticas e teorias? (...) Teoria é conhecimento sistemático e resultante de práticas empíricas. Poder-se-ia dizer que a teoria resulta da experimentação do mundo que, por sua vez, permitiria sua transformação. A construção teórica do discurso já é prática.

Possibilidades que assumem o contorno – e começam a redefinir o desenho da minha existência enquanto professora – de outra visão do processo de ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa efetivamente mais centrado no entendimento da língua como lugar de interação entre seres ativos, atores e construtores sociais que, dialogicamente, se constroem e são construídos nos textos (KOCH e ELIAS, 2012), sejam eles orais ou escritos. Penso, desse modo, o dialógico como parte da natureza humana e tomo como parâmetro Bakhtin (2006, p. 115):

Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à coletividade. [...] A palavra é o território comum do leitor e do interlocutor.

Este memorial constitui-se como uma cartografia em elaboração e, por isso, em constante diálogo com o que tem se tornado real no universo das possibilidades teórico-práticas da intervenção “Produção textual na escola e autoria: como os textos escritos nas aulas de Língua Portuguesa podem ser autorais”. Uma aventura de pensar para narrar, narrar para pensar tempos e espaços constituintes do meu aprendizado acerca de minha experiência como professora.

A intervenção compõe-se de uma paisagem em que constam as situações que vivi enquanto produtora de textos e enquanto professora de Língua Portuguesa em escolas da rede pública de ensino. Ao apresentar um plano de trabalho-pesquisa para turmas de 6º ano do Ensino Fundamental, utilizei memórias e reflexões sobre minha prática, experiência para delinear um perfil provisório para a unidade escolar, para os alunos, para as demandas... O caráter provisional justifica-se pelo fato de que o pensar e o produzir o projeto acontecerem no ano anterior à intervenção e também ao caso específico de se tratar do 6º ano que, no CEMMB, é o ano inicial, já que esta escola atende ao Ensino Fundamental 2, ao Ensino Médio e à Educação de Jovens e Adultos.

As minhas inquietações enquanto professora – já mencionadas aqui – conduziram uma trajetória que oscilava muito em termo de concepções de língua. No entanto, reconheço que o

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tradicional e o normativo sempre alicerçaram as minhas práticas, embora isso representasse um incômodo.

Nesse terreno, o projeto de intervenção, antes uma projeção a partir da realidade, teve como objetivo geral perceber como o processo de escrita na escola pode ser autoral. Esse objetivo apresenta-se como a materialização de questionamentos advindos de minha condição de professora6, reelaborados e traduzidos como uma possibilidade de ensino de Língua Portuguesa na Educação Básica. Constitui-se também como a proposição de um fazer no processo de ensino-aprendizagem posto neste memorial e, por isso, disposto em diálogo. A possibilidade de me autocentrar como detentora e controladora do saber esmaece-se neste desenho cartográfico porque o dialógico constitui-me e permite-me a experiência de ser professora.

Acredito que, no processo de ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa, esses questionamentos são essenciais para que o professor busque as respostas e conduza sua prática baseada nelas. Entretanto, a concepção de língua adotada pelo professor é o elemento norteador que poderá fazê-lo perscrutar caminhos que lhe apontem modos de fazer coerentes com o contexto histórico-social do qual faz parte ou conservem-no no lugar de repetir fórmulas descontextualizadas. Dessa forma, se eu entendo a língua como o que foi sintetizado por Marcuschi (2008, p. 61) – “um sistema de práticas com o qual os falantes/ouvintes (escritores/leitores) agem e expressam suas intenções com ações adequadas aos objetivos em cada circunstância, mas não construindo tudo como se fosse uma pressão pura e simples” – será possível a mim compreender o processo de ensino-aprendizagem que proponho (a mim mesma e aos alunos) e tentar soluções para os problemas que surjam em sala de aula.

Se possuímos uma justificativa para se ensinar leitura e escrita, é porque temos estabelecido em nossas concepções de ensino que o domínio desse binômio, na sociedade grafocêntrica da qual fazemos parte, é uma das condições para legitimação enquanto ser social, aqui entendido não como Fonte única de sentido, nem como ser assujeitado (MARCUSCHI, 2008, p. 68-69), porém, aquele que se constrói na presença do outro.

É para o aluno como sujeito da linguagem, “aquele que ocupa um lugar no discurso e que se determina na relação com o outro” (MARCUSCHI, 2008, p. 71), que a escola deve ser pensada. Para isso, há que se deixar espaço para se tratar do processo de produção do texto como um todo, desde as leituras que vão dar suporte para que os alunos explorem e proponham as ideias pretendidas – inclua-se aí a “leitura” de mundo, da “palavramundo” (FREIRE, 1998,

6 Refiro-me àqueles questionamentos propostos por Geraldi (2011, p. 40): “Por que ensinamos o que ensinamos?”

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p. 9) – até a transferência gráfica dessas ideias. Esse processo de registrar o que se pretende e tornar “claras” ao leitor suas ideias não pode ser resumido apenas às etapas de planejamento e de registro: a reescrita, após a releitura que reavalia, reorganiza, pode ser necessária até mais que uma vez.

No entanto, essa prática não tem feito parte do cotidiano escolar que tenho vivenciado: textos são propostos pelo professor, escritos pelos alunos, corrigidos pelo professor, devolvidos com breves comentários, no máximo. Não existe uma devolutiva planejada para a reescrita (aqui considerada como todo o processo de reconstrução textual) baseada na ativação de conhecimentos linguísticos, enciclopédicos, textuais e interacionais (KOCH; ELIAS, 2012, p. 37-52).

A prática com reescrita textual parece ser uma possibilidade de estimular a revisão da escrita entre os alunos, está de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (1998, p.77):

a refacção faz parte do processo de escrita: durante a elaboração de um texto, se releem trechos para prosseguir a redação, se reformulam passagens. Um texto pronto será quase sempre produto de sucessivas versões. Tais procedimentos devem ser ensinados e podem ser aprendidos.

Além disso, é minha hipótese que a escrita exercida como processo pode levar os alunos a exercitar a sua constituição como autor. Nesse exercício constitutivo, autonomia e autoria aparecem imbricadas: o autor surge da prática da autonomia e esta reforça-se pelo saber-se e exercitar-se autoral. No sentido proposto por César (2011, p. 93) citando Castoriadis, a autonomia apresenta-se como pretensa7 superação das diferentes formas de heteronomia – regulação e legislação do outro – e associa-se à formação da autoria, o fazer refletido, lúcido, sustentado sobre um saber efetivo, mas não absoluto e ilusório (CÉSAR, 2011, p. 92).

Rodrigues (2011, p.17-18) considera que há condições para a construção do sujeito-autor: a publicização do escrito, a responsabilidade de quem escreve e o reconhecimento do outro. A exposição possibilita a quem escreve a oportunidade de ver a si mesmo com o olhar de leitor; a responsabilidade diz respeito à capacidade de responder pelo que criou, vendo-o como seu e vendo-se como criação de si mesmo e o reconhecimento do outro. Essas condições compatibilizam-se com a concepção de autoria proposta por Tfouni (2010, p. 55-56), para quem

7 O termo “pretensa” tem a intenção de significar a ilusão acerca da desconsideração da heteronomia, uma vez que

a condição de linguagem humana pressupõe a interação e o dialogismo, enquanto atividades responsivas que imanentemente conduzem a existência do sujeito em sociedade e demandam valoração constante de si mesmo, do outro e de si para o outro.

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autor e sujeito do discurso estão em inter-relação constituindo-se como aquele capaz de estruturar seu texto procurando encaminhar o leitor a posições específicas de leituras desse texto.

Considerando esse panorama, a autoria estará em relação imbricada com o poder? Respondo afirmativamente quando concebo que o autor é aquele que está autorizado ao discurso e que se autoriza e é autorizado pelo seu discurso. Discurso este constituído pelos discursos de outros e para outros. O empoderamento configura-se nessa relação entre autorizar o outro a reconhecer-lhe em sua autonomia e responsabilidade por um dizer e, por isso, ser autorizado e valorado pelo outro.

Nesse contexto, a consideração e a valorização das práticas de letramento já internalizadas e utilizadas pelos alunos é essencial para que, se necessário, outras sejam mobilizadas e, no conjunto, conduzam-nos ao maior domínio das competências de leitura e escrita. Prática de letramento aqui é compreendida como proposto por Kleiman (2005, p.12): conjunto de atividades envolvendo a língua escrita para alcançar um determinado objetivo numa determinada situação, associada aos saberes, às tecnologias e às competências necessárias para sua realização.

O projeto de intervenção apresentado propôs observar se o exercício de escrita e reescrita de textos por alunos do 6º ano, materializados em gêneros discursivos pertencentes ao domínio discursivo interpessoal, representou produções com indícios autorais. A escolha de gêneros pertencentes ao domínio discursivo interpessoal deve-se ao fato de que, a priori, parecem conferir mais explicitamente o status de autor a quem escreve. Entretanto, outros gêneros poderão ser requeridos pelo contexto e deverão ser alvo de estudo também. O que aconteceu e será explicitado em sequência.

Desse modo, idealizei os seguintes objetivos específicos:

 reconhecer a concepção de linguagem que tem norteado meu fazer pedagógico;

 apropriar-me das teorias sobre letramento, gêneros discursivos, escrita e reescrita textual, autoria, autonomia;

 conhecer a cultura escolar da qual faço parte;

 entender o processo que envolve a produção de textos;

 observar as habilidades relacionadas à escrita já adquiridas pelos alunos da turma de 6º ano;

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 compreender a reescrita como etapa fundamental do processo de escrita, exercitando-a e valorizando-a de modo que os alunos a percebam como necessária nas práticas pertencentes ao contexto escolar e fora deste;

 identificar se a escrita e a reescrita de textos constituem-se como espaços de construção da autoria na escola especificamente para a turma de 6º ano;

 reunir e publicizar as produções textuais dos alunos.

2.2 A escola

Os deslocamentos percorridos nesta aventura de narrar e dar a conhecer trazem-me para o ambiente em que trabalho como professora: o que há de físico e humano em sua constituição. O Colégio Estadual Monsenhor Manoel Barbosa (doravante CEMMB) – em que trabalho no regime estatutário de 20 horas semanais há 15 anos e também ambiente para o qual propus a intervenção já mencionada – está localizado no Conjunto Guilherme Marback, setor 2, s/n, bairro do Imbuí. Muito próxima dos bairros Boca do Rio e Pituaçu, essa unidade escolar foi inaugurada há quase 30 anos. Inicialmente seu nome era Escola de 1º Grau Monsenhor Manoel Barbosa e atendia às séries iniciais do Ensino Fundamental, na época, chamada de Educação Integrada. Ficou nessa condição por dois anos até que, em 1986, passou a oferecer apenas o Ensino Fundamental II. Em 2003 estendeu sua abrangência às turmas do Ensino Médio. Essa Unidade Escolar funciona em três turnos e com os níveis assim distribuídos: matutino e vespertino com Ensino Fundamental II e Ensino Médio que também é oferecido no noturno junto com a EJA II (Educação de Jovens e Adultos).

A matrícula do letivo de 2015 registrou 1025 solicitações para os três turnos. Segundo o que observo e sou informada pela coordenação pedagógica, o alunado do CEMMB é formado por indivíduos das classes populares e é originário principalmente dos bairros Boca do Rio, Pituaçu, Costa Azul, mas há também aqueles de outros relativamente próximos: Pernambués, Sussuarana, Mussurunga. No início de cada ano letivo, os discentes são informados sobre os horários do colégio que são assim definidos:

 turno matutino que tem início das aulas às 7h30min (intervalo ocorre em dois momentos: de 9h10min até 9h30min e de 10h até 10h20min) e término às 12 horas;  turno vespertino que tem início das aulas às 13h30min (intervalo ocorre em dois momentos: de15h10min até 15h30min e de16 h até 16h20min) e término às 18 horas;  turno noturno que tem início às 19h e término, às 22h.

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O CEMMB possui 16 salas de aula, todas equipadas com TV Pendrive, sendo que uma dessas é de informática (que dispõe de 10 computadores os quais devem ser utilizados pelos alunos durante as aulas da disciplina Informática), já tivemos internet wi-fi aberta; há ainda uma sala de vídeo com aparelhos de som, TV e DVD e dois projetores multimídia, uma quadra poliesportiva descoberta, uma área de convivência que também é refeitório, uma cozinha, almoxarifados, salas para secretaria, diretoria, vice-direção, coordenação pedagógica e para o Programa Mais Educação8. Há ainda uma biblioteca que tem 2000 títulos, que possui sistema de empréstimo das obras para todos que pertencem à comunidade escolar e estejam cadastrados para tal: alunos, professores e funcionários.

No que se refere à estrutura administrativo-pedagógica, o CEMMB apresenta:

 um diretor: Gideon Ribeiro Cardoso e três vice-diretoras: Ana Paula Costa Ganem (matutino), Aldenízia dos Santos (vespertino), Maria José Caldas Melo (noturno);  duas coordenadoras pedagógicas: Jonalina Márcia Mendes Carvalho, Rita Samara Araújo Machado Santos e a coordenadora do Projeto Mais Educação: Maria de Fátima Sales da Silva.

 um total de 45 professores.

O espaço do colégio é cedido semanalmente para a comunidade que utiliza a quadra poliesportiva para a realização de campeonatos de futebol e a cozinha para o preparo de refeições distribuídas à população carente do bairro e redondezas. Acredito que sejam atitudes positivas uma vez que demonstram à comunidade que o espaço da escola pode ser utilizado para além do que tem sido feito normalmente: aulas em salas; cadeiras enfileiradas; exercícios no quadro, no livro, no caderno, uma atividade extra esporádica como uma visita a um museu, ou a algum ponto da cidade.

Com estrutura física razoável e muito melhor do que tenho visto em outras escolas da rede estadual em Salvador, percebo algumas falhas que vêm se renovando há alguns anos.

Os aparelhos de TV Pendrive não funcionam há muito. Quando eram novos, havia a ideia de que poucos podiam lidar com a tecnologia e os professores, em sua maioria, sequer tentaram. Ficaram esperando uma capacitação da secretaria, o que não aconteceu. Os poucos professores que tentaram fazer uso da TV encontraram como entrave a pouca disponibilidade dos funcionários em providenciar as chaves que abriam os cadeados dos dispositivos

8 Criado como uma estratégia para introduzir a ampliação da jornada escolar, esse programa permite às escolas

públicas municipais e estaduais que o aceitem, conforme o projeto educativo em curso, optar por desenvolver atividades para acompanhamento pedagógico; educação ambiental; esporte e lazer; direitos humanos em educação; cultura e artes; cultura digital; promoção da saúde; comunicação e uso de mídias; investigação no campo das ciências da natureza e educação econômica.

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antivandalismo que ainda hoje guardam os aparelhos que continuam lá nas salas. Ocupam um espaço de possibilidades tornadas inviáveis.

Isso acontece também com os computadores da sala de informática: além do número ser pequeno para turmas com 35 alunos, encontram-se sem uso devido à falta de manutenção que só pode ser realizada por empresas cadastradas pela Secretaria de Educação que não comparecem para fazer o serviço, mesmo já tendo sido informadas da necessidade. A rede wi-fi representa outra situação de descaso: a informação que tenho é que técnicos da mesma Secretaria de Educação desativaram-na no ano passado (2014) e reativaram-na, porém, com uma senha que é desconhecida por todos.

A quadra descoberta não oferece condições de ensino-aprendizagem das modalidades esportivas de modo minimamente confortável e as aulas de Educação Física ficam limitadas à teoria nas salas de aula convencionais e partidas de futebol. Devido a isso, ouço comentários negativos das estudantes sobre as aulas e vejo a baixa frequência delas nessas aulas. Não foi sempre assim. Entre os anos 2000 e 2002, havia outras modalidades esportivas como handebol, voleibol e ginástica rítmica e uma maior participação dos estudantes nas aulas e nos campeonatos internos e externos promovidos pela própria coordenação e professores da escola e de outras unidades escolares do entorno.

O Programa Mais Educação não funciona a contento devido a vários fatores, entre eles estão os recursos não repassados pelo órgão público em tempo hábil, a falta de especialização dos instrutores e a baixa remuneração paga a eles, as tentativas malsucedidas de articulação entre a coordenação do programa e as necessidades reais dos alunos da escola. Tudo isso resulta em baixa adesão, desinteresse e abandono por parte dos estudantes.

Esse é o chão em que piso pelo menos quatro vezes por semana. Realidade que digo conhecer e que me surpreende sempre, pois o novo chega todos os dias reelaborado a partir do que já está lá e não reconheço sempre porque não tenho como dar conta do todo. Tento interferir em algumas de suas refrações. O 6º ano é uma delas.

No Ensino Fundamental de nove anos, o 6º ano se constitui como um divisor de águas, porque representa uma nova forma de se vivenciar a escola: o aluno terá que administrar as novas disciplinas somadas às já conhecidas; a segmentação de conteúdos, que antes poderiam ser abordados mais interdisciplinarmente; os professores especialistas que se responsabilizam apenas por suas áreas e conduzem o aprendiz a fragmentar suas responsabilidades escolares. Não há como negar que essa é uma etapa, de certo modo, confusa e inquietante para os educandos e para todos que fazem parte da comunidade escolar. Ao professor da disciplina Língua Portuguesa, especialista que é, caberá dar continuidade ao desenvolvimento das

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