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3.1 Familiarização com a sala de aula

3.1.1 Sequência didática 1

Objetivo principal: Conhecer o perfil dos alunos matriculados e frequentes na turma de 6º ano B, turno matutino, do Colégio Estadual Monsenhor Manoel Barbosa a partir do que eles pensam sobre si mesmos.

Desenvolvimento 1ª etapa: 2 h/a23

Objetivos específicos: Ler o poema “Quem sou eu?” de Pedro Bandeira e, a partir dessa leitura, refletir sobre e construir uma resposta para a pergunta que é o título do texto lido.

No primeiro encontro com a turma, nas aulas de 40 minutos24 cada, preferi fazer uma dinâmica rápida de concentração para que conversássemos mais calmamente. É importante trazer que os horários, nessa turma de 6º ano, eram divididos em três dias, sendo dois com uma aula de 50 minutos após o intervalo e um dia com duas aulas (100 minutos) também após o intervalo, perfazendo um total de quatro aulas semanais (200 minutos). As aulas, após o intervalo para a merenda, têm sempre o início mais agitado e é uma prática, nesta unidade escolar, entre alguns professores do 6º ano, promover, sempre que possível, atividades de concentração. Propus a leitura do poema de Pedro Bandeira “Quem sou eu?”, não sem, antes, provocá-los acerca do conteúdo do texto que seria lido, pedindo-lhes que lançassem hipóteses que foram anotadas no quadro. Eis o poema:

Quem sou eu?

Pedro Bandeira Eu às vezes não entendo!

22 As aulas que constituem essa sequência ocorreram entre 14 de abril e 12 de junho de 2014.

23 A sigla h/a: corresponde à quantidade de minutos utilizados em cada aula na Educação Básica que compreende

os Ensinos Fundamental e Médio; desse modo, são utilizados 50 minutos de uma hora para cada aula.

24 Esclareço que as aulas tiveram seus tempos reduzidos em 10 ou 20 minutos por diversas razões durante o ano

letivo de 2014. Os motivos mais frequentes foram as paralisações dos funcionários de apoio (auxiliares de disciplina, da secretaria da escola, de limpeza e de cozinha) e a falta de alimentos para o preparo da merenda escolar.

As pessoas tem um jeito De falar de todo mundo Que não deve ser direito. Aí eu fico pensando Que isso não está bem. As pessoas são quem são, Ou são o que elas têm? Eu queria que comigo Fosse tudo diferente.

Se alguém pensasse em mim, Soubesse que eu sou gente. Falasse do que eu penso, Lembrasse do que eu falo, Pensasse no que eu faço Soubesse por que me calo! Porque eu não sou o que visto. Eu sou do jeito que estou! Não sou também o que eu tenho. Eu sou mesmo quem eu sou!

Fonte: BANDEIRA, Pedro. Quem sou eu? In: LAJOLO, Marisa. (Org.). Palavras de encantamento. São Paulo: Moderna, FNDE, 2001. (Coleção Literatura em minha casa, vol. 1).

Distribuí o texto, fiz a primeira leitura oralizada e fomos conferir as sugestões registradas. Em seguida, orientei-os para a leitura individual e silenciosa e iniciamos a discussão sobre o conteúdo do poema. Lancei algumas questões para que pensassem em casa, avisando- os, que, na aula seguinte, conversaríamos sobre as perguntas. Ei-las: Quem é você? Quem é você dentro da comunidade onde vive? Quem é você aluno?

A escolha de um texto poético deveu-se ao entendimento de que sua temática e seu gênero eram mais adequados ao objetivo de estimular os alunos a refletirem sobre os sentidos nele presentes e participarem mais efetivamente das discussões acerca do tema “identidade”. Compartilho com Cosson (2006, p. 17) a ideia de que o texto literário “nos diz o que somos, nos incentiva a desejar e expressar o mundo por nós mesmos”. Além disso, utilizar um texto para estimular a elaboração de outros textos, – no caso específico dessa oficina, textos orais e escritos não necessariamente pertencentes ao mesmo gênero – é uma prática muito comum nas aulas de Língua Portuguesa e acredito ter sido o caminho eficiente nesse caso.

Ainda sobre a utilização de texto para produção de outros, concordo com Oliveira (2010, p. 107) que, em determinadas situações, um texto pode ser usado como pretexto pedagógico,

principalmente quando se tem em vista o desenvolvimento da capacidade de produção de novos textos materializados em outros gêneros pelos alunos. O pretexto pedagógico difere do pretexto descontextualizado e habitual em aulas de Língua Portuguesa: trazer textos ou trechos para apenas promover o aprendizado de regras gramaticais. Pedagogicamente, é o uso de textos no contexto de sua produção, circulação e leitura (LAJOLO, 2009, p. 107) que servirão como base para construção de sentidos a partir da história e do conhecimento de mundo dos alunos. São os sentidos impregnados em textos escritos ou orais que, por sua vez, facultarão a produção de outros sentidos. A exteriorização e o compartilhamento dessas produções eram o que me interessavam à época e ainda hoje.

Nos dois encontros seguintes, cada um com uma aula de 30 minutos e em dias alternados, retomamos o poema com comentários meus e dos alunos sobre os versos que mais chamaram a atenção e se eles refletiam de algum modo algo a vida deles. Depois passamos à discussão das três questões propostas no primeiro encontro com os alunos se inscrevendo para fala, ora livremente, ora induzidos. Muitas das respostas foram anotadas no quadro e, no final, disse-lhes que eles estavam construindo o perfil de suas personalidades, um autorretrato, mas gostaria de ver aquilo materializado, em minhas mãos, e propus que trouxessem o material de Arte25, folhas de papel A4 e revistas para o próximo encontro.

2ª etapa: 3 h/a

Objetivo específico: Construir o perfil individual, respondendo à pergunta “Quem sou eu?” através de imagens.

Nesse encontro, com duas aulas seguidas e reduzidas a 60 minutos, trouxe-lhes uma apresentação com slides em Powerpoint para mostrar-lhes o que é um autorretrato, mas não pudemos utilizá-la porque não havia energia elétrica nas salas de aula. Então, procedemos com a explicação mais teórica e sucinta para chegar até a proposta de construção de um autorretrato de cada aluno. O autorretrato imagético deveria responder à pergunta discutida: “Quem sou eu?”

Expliquei-lhes que utilizariam o material de Arte requisitado na aula anterior e as revistas para compor com as imagens um autorretrato na folha A4. Quando compreenderam que era um texto imagético, ficaram felizes; porém, alguns relataram dificuldade em conseguir encontrar imagens nas revistas ou até mesmo desenhar algo que os representasse legitimamente. Então propuseram escrever um texto no lugar do autorretrato imagético. Não concordei inicialmente, mas prometi-lhes que depois teriam a oportunidade de escrever. À época, ainda

25 No CEMMB, o material de Arte corresponde a: lápis, borracha, régua, tesoura, lápis de cor, canetas coloridas,

muito impregnada do “poder” a mim concedido como professora, não fui sensível o suficiente para escutar essas vozes.

A construção do texto imagético foi, em primeira instância, lançada para tentar fugir do padrão de escrita já habitual nas aulas de Língua Portuguesa, desmontando a ideia de que só há possibilidade de escrita e leitura na presença do código verbal escrito. A ideia ocorreu após ouvir alunos perguntarem no primeiro dia de aula se eu, como professora de Língua Portuguesa, iria colocá-los para escrever muito. Disse-lhe que não de uma vez só, mas aos poucos e de modo que tivesse sentido para eles.

O registro do diário de campo levou-me a pensar no autorretrato imagético. Na época, essa ideia pareceu-me a mais adequada, já que a escrita inicialmente planejada havia sido, de certo modo, refutada por alguns alunos. Ademais, entrevi a oportunidade de vê-los trabalhando com o novo, algo que lhes estimulasse a ir além do código escrito, na posição tradicional de sentar-se, pensar, escrever, entregar o escrito à professora e voltar a sentar e esperar novas instruções. Houve a vontade de vê-los caminhar entre os colegas, negociar a troca de materiais, folhear as revistas, desenhar, admirar ou não o resultado e facultar-lhes pensar que não só se escreve nas aulas de Língua Portuguesa. As Fig. 1, Fig. 2 e Fig. 3 que seguem ilustram momentos da composição dos autorretratos imagéticos.

FONTE: Acervo da professora-pesquisadora

FONTE: Acervo da professora-pesquisadora

Fonte: Acervo da professora-pesquisadora

No fim das aulas, recolhi os autorretratos iniciados para devolvê-los no encontro da outra semana.

No encontro seguinte, em uma aula, retomamos a construção do autorretrato. Porque havia percebido que alguns alunos tinham inserido “legendas” nas figuras utilizadas na

Figura 2 – Aluna com seu autorretrato imagético

composição do autorretrato, comentei essa atitude e reforcei com os estudantes que, se quisessem, poderiam fazer como os colegas. Observei que os alunos pareceram não se importar muito com o comentário, também, posteriormente, constatei que não acataram a sugestão de inserção de legendas nas figuras na segunda parte do autorretrato. Apenas aqueles que fizeram na primeira atividade, mantiveram as legendas na composição anterior. Em seguida, lancei a pergunta “Como as outras pessoas me veem?” para que pensassem e trouxessem as respostas na aula seguinte. Nessa aula, após socializarmos algumas respostas, conversamos sobre como a opinião das pessoas pode influenciar nossa forma de viver, de ver e de ser. Orientei-os sobre como seria o próximo encontro com dois horários: daríamos continuidade ao nosso percurso imagético compondo uma segunda face do autorretrato. A segunda atividade representaria as opiniões sobre a pergunta “Como as pessoas me veem?”.

3ª etapa: 2 h/a

Objetivo específico: Construir a segunda parte do autorretrato, respondendo à pergunta “Como as pessoas me veem?”

Nos dois horários dedicados à construção da segunda etapa do autorretrato, retomamos rapidamente, como forma de contextualizar a atividade que seria desenvolvida, as discussões da aula anterior e orientei os alunos a construir o autorretrato com imagens. Poucos tiveram dificuldade com a representação através de recortes, figuras, desenhos e pediram para escrever as suas opiniões. Após refletir algum tempo, disse-lhes que poderiam fazê-lo naquele momento ou em outro posterior, já que era um pedido que ainda permanecia. Ao final das aulas, os autorretratos foram recolhidos e, como muitos ainda não tinham sido concluídos devido à redução no tempo das aulas, combinamos que terminariam na outra semana.

4ª etapa: 1 h/a

Objetivo específico: Concluir a segunda parte do autorretrato e revisar o material produzido.

Nesse momento, os alunos concluíram os seus autorretratos e tiveram oportunidade de revisar e refazer o que já estava pronto. A apreciação dos textos imagéticos com a intenção de verificar a adequação destes às intenções de seus autores foi um dos aspectos levantados durante a atividade em que comentamos sobre o fato de estarmos em interação com outras pessoas em boa parte do nosso dia. Disse-lhes que apresentariam coletivamente seus textos no próximo encontro e aqueles que já o faziam em pequenos grupos mostraram-se empolgados. Outros questionaram e sugeriram apenas expor num mural em sala de aula mesmo. A ideia não foi muito bem-vinda, uma vez que outros trabalhos já haviam sido expostos e alunos dos turnos

vespertino e/ou noturno destruíram as produções. Diante do impasse, ficamos de pensar em casa e trazer as propostas na próxima aula.

5ª etapa: 2 h/a

Objetivo específico: Socializar os autorretratos oralmente.

Iniciamos a aula com a discussão acerca das propostas sobre o que fazer com os autorretratos. Os alunos foram taxativos em não querer expor na sala nem no mural geral do pátio externo com receio de que fossem rasgados. No CEMMB, é muito frequente a atitude de retirarem ou rasgarem os cartazes afixados nos murais das salas de aula e aqueles localizados pelos corredores ou no pátio da unidade escolar. O que tenho observado é que, normalmente, os materiais depredados são os que representam trabalhos dos alunos. Nem sempre isso aconteceu na escola. Estou lá há 15 anos e, nos anos iniciais desse meu percurso, havia exposições de atividades e ornamentação constantes sem que nada fosse retirado sem a permissão dos responsáveis. Talvez essa atitude seja reflexo da mudança no proceder pedagógico dos professores. Anteriormente, percebia o estímulo e a prática constante em expor e valorizar os trabalhos de todos na escola, principalmente as atividades da disciplina Arte. Além disso, as docentes de Arte sempre auxiliavam nas apresentações das outras disciplinas. No entanto, com a aposentadoria dessas professoras, os substitutos que chegaram à escola não costumam agir de modo semelhante as suas antecessoras. Entendo que não é ético responsabilizar os professores de Arte por demover os estudantes dessa cultura de destruição, nós, professores de outras áreas, temos a obrigação de desmontar esse hábito e mostrar aos estudantes a importância de respeitar o espaço-tempo de dizer do outro.

Apresentei então a solução de arquivar não só os autorretratos como também todas as atividades desenvolvidas em uma pasta individual que seria exposta no fim do ano letivo e, posteriormente, entregue a eles. Concordaram. Em seguida, passaram a livremente expor seus autorretratos e comentá-los. Após algumas participações, levantei a questão se, mesmo tendo falado sobre as produções, ainda sentiam necessidade de escrever sobre as perguntas motivadoras “Quem sou eu?” e “Como as pessoas me veem?”. Perguntaram-me se isso significaria nota. Afirmei que tudo que faziam era avaliado; então decidiram que fariam o texto. Orientei-os que a produção seria em classe, o que desagradou alguns, pois tinham a intenção de escrever em casa ou na banca26. Não concordei, justificando que em sala poderia orientá-los e avaliá-los melhor.

26 A banca, como é conhecido o reforço escolar particular, é muito frequente na comunidade escolar do CEMMB.

O que tenho observado é que esse recurso é utilizado pelos pais ou responsáveis pelos alunos em duas situações: ou porque não têm condições de acompanhar os filhos em suas tarefas escolares por conta do trabalho ou outra

Em seguida, passamos à apresentação dos autorretratos imagéticos. A intenção foi que eles se sentissem livres e começassem a perceber a necessidade de organizarem-se para falar e para ouvir. Orientei-os quanto à importância em ouvir e permitir que o colega se expressasse. Durante as apresentações, a proficiência de alguns chamou a atenção e falamos novamente sobre adequação, intenção e aceitação referentes aos textos produzidos.

Com essas atividades, fechei o ciclo em que eu buscava conhecer os alunos a partir da visão que tinham de si. Um aspecto decorrente dessas atividades foi o fato dos alunos reconhecerem esses momentos como importantes para si mesmos, tempo-espaço para perceberem-se como pessoas que têm uma individualidade, uma constituição, uma história de vida única dentro daquela sala de aula e ainda formada a partir da interação com os outros. Os comentários sobre as atividades registrados no final endossam essa percepção: “Eu gostei por causa da forma de responder e conhecer sobre a nossa vida.” (André); “Eu acho muito bom aprender coisas novas todos os dias e com essas atividades eu aprendi quem sou eu de verdade.”(Beatriz); “Gostei dessas atividades porque a gente interage, aprende mais.” (Ian); “Achei muito importantes as atividades que fizemos, assim nos conhecemos melhor e nos divertimos. Nessas atividades expressamos quem somos!” (Iara). Além disso, houve uma boa participação dos alunos, muitos opinaram e foi perceptível a preocupação com a aprovação dos outros.

A produção dos autorretratos ainda se revelou como a oportunidade de fortalecimento do vínculo entre mim e os alunos e entre eles mesmos. Deixar-se ver pelos seus pares e por mim legitima-lhes um papel num grupo que lhes impõe valoração. Coracini (2010, p. 46), quando considera a escrita na escola, afirma que o “aluno deve ter a possiblidade de se dizer, mais do que dizer, de se expor, mais do que expor, para que vivencie a experiência do estranhamento, a construção de si” porque essa prática oferece a chance de torná-lo protagonista de sua própria história, inclusive a história de aprendizagem na escola. Acredito que essa consideração também foi válida para a atividade de construção dos autorretratos imagéticos: a descontração e o comprometimento da maioria com a atividade endossaram a valoração positiva acerca da construção. Essa era a impressão que me conduziu a pensar e insistir no autorretrato imagético e que se tornou constatação no decorrer do ano letivo. Também houve a contrapartida: conhecê- los naquele momento fez-me reconhecê-los em seus escritos e em suas atitudes. Acredito que o planejamento da sequência didática 2 foi orientado por essa percepção de cada um e do todo.

limitação ou porque é solicitado pela coordenação que o aluno tenha um acompanhamento devido a dificuldades de aprendizado – que, na maioria das vezes, é entendido como necessidade de alguém que o ensine a fazer as tarefas, embora possa ser de outras ordens.

Alguns autorretratos encontram-se reproduzidos a seguir através das Fig. 4, Fig. 5, Fig. 6, Fig. 7 e Fig. 8:

FONTE: Acervo da professora-pesquisadora

FONTE: Acervo da professora-pesquisadora

Figura 5 – Reprodução dos autorretratos do aluno Paulo Figura 4 – Reprodução dos autorretratos da aluna Glícia

FONTE: Acervo da professora-pesquisadora

FONTE: Acervo da professora-pesquisadora

Figura 7 – Reprodução dos autorretratos do aluno Reinaldo

Figura 8 – Reprodução dos autorretratos do aluno Paulo Figura 6 – Reprodução dos autorretratos da aluna Anita

FONTE: Acervo da professora-pesquisadora

6ª etapa: 4h/a

Objetivos específicos: Produzir um texto escrito que também fosse um autorretrato, respondendo às perguntas: “Quem é você?” “Como as pessoas o(a) veem?” “Quem é você dentro da comunidade onde vive?” “Quem é você aluno?”. Discutir a importância de planejar a produção de um texto.

Utilizamos dois horários para a produção do autorretrato escrito com base no que foi construído e discutido nas últimas aulas, incluindo as questões para reflexão. Disse-lhes que o texto teria a quantidade de linhas necessárias para dar conta do que eles decidissem revelar porque essa foi a primeira pergunta que me fizeram. Depois, expliquei que todo texto para ser escrito precisa de um planejamento: o escritor deve estabelecer sobre o quê, como, para quem, para que e de onde vai falar. Foram minutos de explicação que pareceram não fazer muito sentido para eles, porque queriam escrever o quanto antes. Deixei-os iniciar a escrita, até começarem as perguntas: “Tem que ter título?” “É uma história?” “Como eu começo?” “Posso começar com ‘era uma vez’?” Retomamos a questão do planejamento, o pensar sobre o que vou escrever, como, por que, para quê e para quem e fomos exemplificando. Como havia pouco tempo de aula, pedi que registrassem nos cadernos o que foi discutido porque fariam os textos na outra aula.

No dia seguinte, devido à inexistência de professor para duas disciplinas em outras turmas, o horário de aulas foi remanejado e tivemos dois horários seguidos, fato que permitiu a escrita dos textos, a socialização voluntária e a entrega deles. O momento de socialização permitiu, mais uma vez, a percepção de como o grupo se comportava em relação aos colegas que leram seus textos, revelando as incompatibilidades, as implicâncias de uns em relação a outros, o respeito, o medo e a desmontagem de algumas tendências preconceituosas muito mais fortemente que no encontro de exposição dos autorretratos.

Muito além disso, foi visível o empoderamento que a exposição de si para os outros causou nos alunos: aqueles que foram aplaudidos ficaram visivelmente felizes com o reconhecimento; outros, que não quiseram ler, prontificaram-se a fazê-lo em busca também da notoriedade naquele momento e depois porque, em outras oportunidades, ainda houve comentários elogiosos sobre os textos e seus autores. Retomamos a discussão sobre as questões abordadas nas aulas anteriores: adequar o que se fala ou que se escreve, segundo suas intenções para que quem vê, ouve ou lê tenha a possibilidade de aceitá-lo.

Tomar os autorretratos imagéticos para escrever sobre eles ou a partir deles permitiu aos alunos o exercício da recognição – segundo Berthoff (2011, p. 21), configura-se “a própria forma e configuração da exploração criativa e do pensamento crítico” – e reinvenção do escrito de si nas composições. Olhar e olhar mais uma vez é fundante no processo de revisão e reescrita de textos porque implica na avaliação de si, para si e para o outro. Tornar escritas as imagens fê-los começar a vivenciar explicitamente o dialogismo presente na interação constitutiva daquela atividade e a perceber a escrita materializada em suas atitudes.

A observação comparativa entre os autorretratos imagéticos e os escritos faz-me perceber que as produções escritas mantiveram correspondência com as imagens selecionadas para as composições dos autorretratos. Entre as 29 atividades completas (autorretratos imagéticos e textos escritos) apenas três não trazem relação direta entre as figuras e os relatos

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