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Cap 1 - Representation - Stuart Hall

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Academic year: 2021

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I Representação, sentido e linguagem

Nesse capítulo, nós estaremos nos concentrando em um dos processos-chave nesse ‘circuito cultural’ (veja du Gay, Hall et al., 1997, e a Introdução desse volume) – as práticas de representação. O objetivo desse capítulo é introduzi-los a esse tópico, e explicar o que ele é e porque nós damos a ele tanta importância nos estudos culturais.

O conceito de representação veio ocupar um novo e importante lugar no estudo da cultura. A representação conecta sentido e linguagem à cultura. Mas o que exatamente as pessoas querem dizer com isso? O que representação tem a ver com cultura e sentido? Um uso senso-comum do termo é o seguinte: ‘Representação signifi ca usar a linguagem para dizer algo signifi cativo sobre, ou para representar o mundo, signifi cativamente, para outras pessoas’. Você pode perguntar, ‘Isso é tudo?’. Bem, sim e não. Representação é uma parte essencial do processo pelo qual o sentido é produzido e trocado entre membros de uma cultura. Ele envolve o uso da linguagem, de signos e imagens que respondem por ou representam coisas. Mas esse é um processo longe de ser simples, assim como você descobrirá em breve.

Como o conceito de representação conecta sentido e linguagem à cultura? Para explorar essa conexão melhor, nós vamos olhar para um número de teorias diferentes sobre como a linguagem é usada para representar o mundo. Aqui nós desenharemos a distinção entre três diferentes teorias: a refl etiva, a intencional e a construcionista focam a representação. A linguagem simplesmente refl ete um sentido que já existe lá fora no mundo dos objetos, pessoas e eventos (refl etiva)? A linguagem expressa apenas o que o falante ou escritor ou pintor quer dizer, o sentido pessoalmente pretendido por ele ou ela (intencional)? Ou o sentido é construído na e pela linguagem (construcionista)? Você irá aprender mais em um momento sobre essas três abordagens.

A maior parte do capítulo será gasto explorando a abordagem construcionista, porque é a perspectiva que teve o impacto mais signifi cante nos estudos culturais nos últimos anos. Esse capítulo opta por examinar duas variantes ou modelos principais da abordagem construcionista – a abordagem semiótica, fortemente infl uenciado pelo grande lingüista suíço Ferdinand de Saussure, e a abordagem discursivo, associado ao fi lósofo e historiador francês Michel Foucault. Capítulos posteriores nesse livro vão se dedicar a essas duas teorias de novo, dentre outras, para que vocês tenham a oportunidade de consolidar seu entendimento delas, e para aplicá-las a diferentes áreas de análise. Outros capítulos irão introduzir paradigmas teóricos que aplicam enfoques

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construcionistas de diferentes formas à semiótica e ao Foucault. Todas, no entanto, colocam em questão a natureza da representação. Nos voltemos para essa questão primeiro.

I. I Fazendo sentido, representando coisas

O que a palavra representação realmente signifi ca, nesse contexto? O que o processo da representação envolve? Como a representação funciona?

Para responder brevemente, representação é a produção de sentido pela

linguagem. O Shorter Oxford English Dictionary sugere dois sentidos relevantes para a palavra:

1 Representar algo é descrevê-lo ou retratá-lo, trazê-lo à mente por descrição ou retrato ou imaginação; fazer uma relação com algo que tínhamos em nossas mentes ou sentidos previamente; como, por exemplo, na sentença, ‘Essa imagem representa o assassinato de Abel por Caim.’

2 Representar também signifi ca simbolizar, responder por, ser uma amostra de, ou substituir; como na sentença, ‘No Cristianismo, a cruz representa o sofrimento e a crucifi cação de Cristo’.

As fi guras na pintura estão no lugar de, e ao mesmo tempo, respondem por, a história de Caim e Abel. Similarmente, a cruz consiste simplesmente de duas tábuas de madeira colocadas juntas; mas no contexto da fé e ensinamento cristão, ela empreende mais, simboliza ou vem a responder por uma gama maior de sentidos sobre a crucifi cação do fi lho de Deus, e esse é um conceito que podemos colocar em palavras e imagens.

ATIVIDADE 1

Aqui está um exercício simples sobre representação. Olhe para qualquer objeto familiar no cômodo. Você vai imediatamente reconhecer o que é. Mas como você sabe o que o objeto é? O que ‘reconhecer’ signifi ca? Agora, tente se fazer consciente do que está fazendo – observe o que está acontecendo em volta enquanto você o faz. Você reconhece o que ele é

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porque seus processos de pensamento decodifi cam sua percepção visual do objeto nos termos da concepção dele que você tem na sua cabeça. Isso deve ser porque, se você parar de olhar para o objeto, você ainda pode pensar nele conjurando-o, como nós dizemos, ‘no olho da mente’. Continue – tente seguir o processo como ele acontece: Lá está o objeto... e lá está o conceito na sua mente que lhe diz o que ele é, o que a sua imagem visual dele signifi ca.

Agora, me diga o que ele é. Diga em voz alta: “É uma lâmpada’ – ou uma mesa ou um livro ou um telefone ou qualquer coisa. O conceito do objeto passou da sua representação mental dele para a minha via a palavra que você acabou de usar. A palavra responde por ou representa o conceito, e pode ser usada para referenciar ou designar tanto um objeto ‘real’ quanto um objeto imaginário, como anjos dançando na cabeça de um alfi nete, o que ninguém nunca realmente viu.

É assim que você dá sentido às coisas pela linguagem. É assim que você ‘faz sentido’ do mundo das pessoas, objetos e eventos, e como você se capacita a expressar um pensamento complexo sobre aquelas coisas para outras pessoas, ou se comunicar a respeito delas pela linguagem por maneiras que outras pessoas poderão entender.

Por que nós temos que ir por esse processo complexo para representar nossos pensamentos? Se você largar um copo que estava segurando e sair do quarto, você ainda pode pensar no copo, ainda que ele não esteja mais fi sicamente presente. Na verdade, você não pode pensar com o copo. Você só pode pensar com o conceito do copo. Como os lingüistas gostam de dizer, ‘Cachorros latem. Mas o conceito de “cachorro” não pode latir ou morder’. Você não pode falar com o copo real, também. Você só pode falar com a palavra para copo – COPO – que é o signo lingüístico que nós usamos em português para nos referirmos a objetos nos quais bebemos água. Aqui é onde a representação entra. Representação é a produção do sentido dos conceitos da nossa mente pela linguagem. Ela é o elo entre conceitos e linguagem que nos permite referir ao mundo ‘real’ dos objetos, pessoas ou eventos, assim como ao mundo imaginário de objetos, pessoas e eventos fi ctícios.

Então há dois processos, dois sistemas de representação, envolvidos. Primeiro, há o ‘sistema’ pelo qual todos os tipos de objetos, pessoas e eventos são

correlacionados a um conjunto de conceitos ou representações mentais que nós carregamos em nossas cabeças. Sem eles, nós não poderíamos interpretar o mundo signifi cativamente, de maneira alguma. Em primeiro lugar, então,

representação

sistemas de representação

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o sentido depende do sistema de conceitos e imagens formados em nossos pensamentos que podem responder por ou ‘representar’ o mundo, permitindo a nós que façamos referência a coisas tanto dentro quanto fora de nossas cabeças. Antes de continuarmos para olhar para o segundo ‘sistema de representação’, nós devemos observar que o que acabamos de dizer é uma versão bem simples de um processo bem mais complexo. É simples o suficiente vermos como nós devemos formar conceitos para coisas que podemos perceber – pessoas ou objetos materiais, como cadeiras, mesas e carteiras. Mas nós também formamos conceitos para coisas mais obscuras e abstratas, que nós não podemos, de nenhuma maneira simples, ver, sentir ou tocar. Pense, por exemplo, nos nossos conceitos de guerra, ou morte, ou amizade ou amor. E, como nós salientamos, nós também formamos conceitos sobre coisas que nunca vimos, e possivelmente não podem ser ou não serão vistas, e sobre pessoas e lugares que nós inventamos totalmente. Nós devemos ter um claro conceito de anjos, sereias, Deus, o Diabo, ou o Paraíso e o Inferno, ou de Middlemarch (a província fictícia do romance de George Eliot), ou Elizabeth (a heroína da obra Orgulho e Preconceito, de Jane Austen).

Nós temos chamado isso de um ‘sistema de representação’. Isso porque ele consiste não em conceitos individuais, mas em diferentes formas de organizar, agrupar, arranjar e classificar conceitos, e em estabelecer relações complexas entre eles. Por exemplo, nós usamos os princípios da similaridade e diferença para estabelecer relações entre conceitos ou distingui-los uns dos outros. Então, eu tenho a ideia de que, em alguns aspectos, pássaros são como aviões no céu, baseado no fato de que eles são similares porque ambos podem voar – mas eu também tenho a ideia de que, em outros aspectos, eles são diferentes, porque um é parte da natureza enquanto o outro é feito pelo homem. Essa ‘mistura e combinação’ das relações entre conceitos para formar ideias e pensamentos complexos é possível porque nossos conceitos são arranjados em diferentes sistemas classificatórios. Nesse exemplo, o primeiro é baseado na distinção entre voa/não voa e o segundo é baseado na distinção entre natural/feito pelo homem. Há outros princípios de organização como esse trabalhando em todos os sistemas conceituais: por exemplo, classificar de acordo com a sequência – qual conceito segue qual – ou causalidade – o que causa o quê – e assim por diante. O ponto aqui é que nós estamos falando não de uma coleção de conceitos aleatória, mas conceitos organizados, arranjados e classificados em relações complexas com os outros. É assim que o nosso sistema conceitual verdadeiramente é. No entanto, isso não colide com o ponto básico. O sentido depende da relação entre as coisas no mundo – pessoas, objetos e eventos, reais ou ficcionais – e do sistema conceitual, que pode operar como representação

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mental delas.

Agora poderia ser o caso que o mapa conceitual que eu carrego na minha cabeça é totalmente diferente do seu, caso em que eu poderia interpretar ou tomar um sentido do mundo de maneiras totalmente diferentes. Nós seríamos incapazes de compartilhar nossos pensamentos ou expressar ideias sobre o mundo um para o outro. Na realidade, cada um de nós provavelmente entende e interpreta o mundo de um jeito único e individual. No entanto, nós podemos nos comunicar porque compartilhamos praticamente os mesmos mapas

conceituais, e, então, tomamos sentidos ou interpretamos o mundo de maneiras grosseiramente iguais. Isso é, de fato, o que significa quando dizemos que ‘pertencemos à mesma cultura’. Porque nós interpretamos o mundo de maneiras grosseiramente similares, nós podemos construir uma cultura compartilhada de sentidos e, então, construir um mundo social em que habitamos juntos. Isso explica porque ‘cultura’ é por vezes definida em termos de ‘sentidos

compartilhados ou mapas conceituais compartilhados’. (ver du Gay, Hall et al., 1997).

Contudo, um mapa conceitual compartilhado não é suficiente. Nós devemos também ser capazes de representar ou trocar sentidos e conceitos, e nós só podemos fazer isso quando também temos acesso a uma linguagem compartilhada. A linguagem é, portanto, o segundo sistema de representação envolvido no processo global de construção de sentido. Nosso mapa conceitual compartilhado deve ser traduzido em uma linguagem comum, para que

possamos correlacionar nossos conceitos e ideias com certas palavras escritas, sons ditos ou imagens visuais. O termo geral que usamos para palavras, sons ou imagens que carregam sentido é signos. Esses signos respondem por ou representam os conceitos e as relações conceituais entre eles, que nós carregamos em nossas cabeças e que, juntos, constroem os sistemas de sentido da nossa cultura.

Signos são organizados em linguagens e é a existência de linguagens comuns que nos permite traduzir nossos pensamentos (conceitos) em palavras, sons ou imagens, e depois usá-los, operando como uma linguagem, para expressar sentidos e comunicar pensamentos a outras pessoas. Lembre que o termo ‘linguagem’ está sendo usado aqui de forma bem ampla e inclusiva. O sistema de escrita ou o sistema de fala de uma linguagem em particular são ambas, obviamente, ‘linguagens’. Mas assim também o são imagens visuais, sejam produzidas à mão, mecanicamente, eletronicamente, digital ou alguns outros meios, quando elas são usadas para expressar sentido. E assim também o são outras coisas que não são ‘lingüísticas’ em nenhum sentido ordinário: a ‘linguagem’ das expressões faciais ou dos gestos, por exemplo, ou a ‘linguagem’

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da moda, das roupas, ou das luzes do trânsito. Até a música é uma ‘linguagem’, com relações complexas entre diferentes sons e acordes, embora seja um caso muito especial, uma vez que não pode ser facilmente usada para fazer referência a coisas ou objetos reais no mundo (um ponto mais profundamente elaborado em du Gay, ed., 1997, e Mackay, ed., 1997). Qualquer som, palavra, imagem ou objeto que funciona como um signo, e é organizado com outros signos em um sistema que é capaz de carregar e expressar sentido, é, sob esse ponto de vista, ‘uma linguagem’. É nesse sentido que aquele modelo de sentido que eu tenho analisado aqui é por vezes descrito como um ‘linguístico’; e todas as teorias do sentido que seguem esse modelo básico são descritas como pertencentes à ‘virada linguística’ nas ciências sociais e nos estudos culturais.

No centro do processo de significação na cultura, então, há dois ‘sistemas de representação’ relacionados. O primeiro nos permite dar sentido ao mundo pela construção de um conjunto de correspondências ou uma cadeia de equivalências entre as coisas – pessoas, objetos, eventos, ideias abstratas, etc. – e nosso sistema de conceitos, nossos mapas conceituais. O segundo depende de que se construa um conjunto de correspondências entre nosso mapa conceitual e um conjunto de signos, arranjados ou organizados em várias linguagens que respondem por ou representam aqueles conceitos. A relação entre ‘coisas’, conceitos e signos repousa no coração da produção do sentido na linguagem. O processo que liga esses três elementos juntos é o que nós chamamos ‘representação’.

I. 2 Linguagem e representação

Assim como pessoas que pertencem à mesma cultura devem compartilhar um mapa conceitual amplamente similar, elas também devem compartilhar a mesma forma de interpretar os signos de uma linguagem, porque só assim os sentidos podem ser efetivamente trocados entre as pessoas. Mas como nós sabemos qual conceito responde por qual coisa? Ou qual palavra efetivamente representa qual conceito? Como eu sei quais sons ou imagens vão carregar, através da linguagem, o sentido dos meus conceitos e o que eu quero dizer com eles a você? Isso pode parecer relativamente simples no caso dos signos visuais, porque o desenho, a pintura, a imagem de câmera ou TV de uma ovelha carrega a semelhança do animal com um casal peludo pastando em um campo, sobre a qual eu quero me referir. Ainda assim, nós precisamos nos lembrar que uma versão desenhada ou pintada ou digital de uma ovelha não é exatamente igual à ovelha ‘real’. Por uma coisa, a maioria das imagens é em duas dimensões, enquanto a ovelha ‘real’ existe em três dimensões.

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às coisas que eles fazem referência, continuam sendo signos: eles carregam sentido e, então, têm que ser interpretados. Para interpretá-los, nós devemos ter acesso aos dois sistemas de representação discutidos anteriormente: ao mapa conceitual que correlaciona a ovelha no campo com o conceito de ‘ovelha’; e um sistema de linguagem, na qual a linguagem visual carrega alguma semelhança à coisa real ou ‘parece com ela’, de alguma forma. Esse argumento fi ca mais claro se nós pensarmos em um desenho caricato ou uma pintura abstrata de uma ‘ovelha’, onde nós precisamos de um sofi sticado sistema conceitual e de lingüística compartilhada para estarmos certos de que estamos todos ‘lendo’ o signo da mesma forma. Ainda assim, nós podemos nos encontrar imaginando se é realmente a imagem de uma ovelha, no fi nal das contas. Na medida em que a relação entre o signo e o seu referente se torna menos clara, o sentido começa a deslizar e escapar de nós, caminhando para a incerteza. O sentido já não está passando transparentemente de uma pessoa à outra...

Então, mesmo no caso da linguagem visual, onde a relação entre o conceito e o signo parece bem direta e simples, a

questão está longe de ser simples. É ainda mais difícil com a linguagem escrita ou falada, onde as palavras não parecem ou soam nada com as coisas às quais elas se referem. Em

FIGURA I. I

William Holman Hunt, Our English Coasts (‘Strayed Sheep’), 1852.

FIGURA I. 2

P: Quando uma ovelha não é uma ovelha? R: Quando é uma obra de arte.

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parte, isso é porque existem diferentes tipos de signos. Signos visuais são o que chamamos signos icônicos. Ou seja, eles carregam, em suas formas, uma certa semelhança com o objeto, pessoa ou evento ao qual eles fazem referência. Uma fotografia de uma árvore reproduz algo das reais condições da nossa percepção visual no signo visual. Signos escritos ou ditos, por outro lado, são chamados indexicais. Eles não carregam nenhuma relação óbvia com as coisas às quais se referem. As letras Á, R, V, O, R, E, não se parecem em nada com as árvores na natureza, e nem a palavra ‘árvore’ em português soa como árvores ‘reais’ (se é que elas fazem algum som!). A relação nesses sistemas de representação entre o signo, o conceito e o objeto ao qual eles devem ser usados para fazer se referir é completamente arbitrária. Por ‘arbitrária’, nós queremos dizer que, por princípio, qualquer coleção de letras ou qualquer som em qualquer ordem poderia desempenhar o papel igualmente bem. As árvores não se importariam se nós usássemos a palavra SEROVRA – árvores escrito de trás pra frente – para representar o conceito delas. Isso é claro pelo fato de que, em francês, letras bem diferentes e um som bem diferente são usados para se referir ao que, para todas as aparências, é a mesma coisa – uma árvore ‘real’ – e, até onde sabemos, ao mesmo conceito – uma planta grande que cresce na natureza. O francês e o inglês parecem estar usando o mesmo conceito. Mas o conceito que em inglês é representado pela palavra ÁRVORE, é representado em francês pela palavra ARBRE.

I. 3 Compartilhando os códigos

A questão, então, é: como as pessoas que pertencem à mesma cultura, que compartilham o mesmo mapa conceitual e que falam ou escrevem a mesma língua (português) sabem que a combinação arbitrária de letras e sons que constituem a palavra ÁRVORE vai responder por ou representar o conceito de ‘planta grande que cresce na natureza’? Uma possibilidade seria que os objetos no mundo, por eles mesmos, incorporam e fixam, de algum jeito, seu sentido ‘verdadeiro’. Mas não fica nem um pouco claro que árvores de verdade saibam que são árvores, e ainda menos claro que elas saibam que a palavra em português que representa o conceito delas é escrita ÁRVORE, enquanto em francês é escrita ARBRE! Até onde elas sabem, elas poderiam, da mesma forma, serem escritas VACA ou VACHE ou até XYZ. O sentido não está no objeto ou pessoa ou coisa, e nem está na palavra. Somos nós que fixamos o sentido tão firmemente que, depois de um tempo, ele parece natural e inevitável. O sentido é construído pelo sistema de representação. Ele é construído e fixado pelo código, que estabelece a correlação entre nosso sistema conceitual e nossa linguagem de maneira, cada vez que pensamos em uma árvore, o código nos diz

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para usar a palavra em português ÁRVORE, ou a palavra francesa ARBRE. O código nos diz que, na nossa cultura – isto é, nos nossos códigos conceituais e de linguagem – o conceito ‘árvore’ é representado pelas letras Á, R, V, O, R, E, arranjadas em certa sequência, assim como no Código Morse, o signo para V (que, na Segunda Guerra Mundial, Churchill fez ‘responder por’ ou representar ‘Vitória’) é ponto, ponto, ponto, traço, e na ‘linguagem dos semáforos’, verde = vá! e vermelho = pare!

Um jeito de se pensar sobre ‘cultura’, então, é nos termos desses mapas

conceituais compartilhados, sistemas de linguagem compartilhada e os códigos que governam as relações de tradução entre eles. Os códigos fixam as relações entre conceitos e signos. Eles estabilizam o sentido dentre diferentes linguagens e culturas. Eles nos dizem qual linguagem devemos usar para exprimir qual ideia. O inverso também é verdadeiro. Os códigos nos dizem quais conceitos estão em jogo quando ouvimos ou lemos quais signos. Por fixar arbitrariamente as relações entre nosso sistema conceitual e nossos sistemas lingüísticos (lembre-se, ‘linguístico’ em um sentido amplo), os códigos nos possibilitam a falar e ouvir inteligivelmente, e estabelecer uma tradutibilidade entre nossos conceitos e nossas linguagens, que permite o sentido a passar do enunciador para o ouvinte e ser efetivamente comunicado dentro de uma cultura. Essa tradutibilidade não é dada pela natureza ou fixada por deuses. Ela é o resultado de um conjunto de convenções sociais. Ela é fixada socialmente, fixada na cultura. Ingleses ou franceses ou hindus, através do tempo, e sem decisão ou escolha consciente, caminharam para uma concordância não-escrita, uma espécie de compromisso não-escrito de que, em suas várias linguagens, certos signos vão responder por ou representar certos conceitos. Isso é o que as crianças aprendem, e como elas se tornam não apenas indivíduos simplesmente biológicos, mas sujeitos culturais. Elas aprendem o sistema de convenções e representação, os códigos de sua linguagem e cultura, o que as equipa com um ‘know-how’ cultural, permitindo a elas que funcionem como sujeitos culturalmente competentes. Não porque esse conhecimento esteja impresso em seus genes, mas porque elas aprendem suas convenções e, então, gradualmente se tornam ‘pessoas cultas’ – i.e. membros de sua cultura. Elas, inconscientemente, internalizam os códigos que as permitem expressar certos conceitos e ideias através de seus sistemas de representação – escrita, fala, gestos, visualização, e assim por diante – e interpretar ideias que são comunicadas a elas usando os mesmos sistemas.

Você pode achar mais fácil compreender, agora, porque sentido, linguagem e representação são elementos tão críticos no estudo da cultura. Pertencer à uma cultura é pertencer a, grosseiramente, o mesmo universo conceitual e lingüístico,

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saber como conceitos e ideias se traduzem em diferentes linguagens, e como a linguagem pode ser interpretada para se referir a ou referenciar o mundo. Compartilhar essas coisas é ver o mundo pelo mesmo mapa conceitual e fazer sentido dele pelos mesmos sistemas de linguagem. Recentes antropólogos da linguagem, como Sapir e Whorf, levaram essa ideia para seu extremo lógico quando argumentaram que todos nós estamos, assim como estivemos, trancados em nossas perspectivas culturais ou estados de mente, e que a linguagem é a melhor pista que temos para aquele universo conceitual. Essa observação, quando aplicada a todas as culturas humanas, repousa nas raízes do que hoje nós pensamos como relativismo cultural ou lingüístico.

ATIVIDADE 2

Você pode gostar de pensar mais além sobre essa questão de como diferentes culturas classifi cam conceitualmente o mundo e quais as implicações que isso tem para o sentido e a representação.

Os ingleses fazem uma distinção bem simples entre granizo e neve. Os Inuit (esquimós), que sobrevivem em um clima bem diferente, mais extremo e hostil, aparentemente têm várias outras palavras para neve e tempo nevoeiro. Considere a lista de termos Inuit para neve, do “Scott Polar Research Institute” na Tabela 1.1. Há muito mais palavras do que em inglês, fazendo distinções bem mais fi nas e complexas. Os Inuit têm um complexo sistema conceitual de classifi cação para o tempo, se comparado aos ingleses. O romancista Peter Hoeg, por exemplo, escrevendo sobre a Groelândia em seu romance “Miss Smilla’s Feeling For Snow” (1994, pp. 5-6), descreve grafi camente o ‘gelo frazzil’, que é ‘massas juntas em uma mistura espumante de um mingau de gelo, que forma gradualmente placas fl utuantes e panquecas de gelo, que em uma hora fria, ao meio-dia de um domingo, congela-se em uma única folha sólida’. Tais distinções são muito fi nas e elaboradas, até para os ingleses, que estão sempre falando do tempo! A questão, no entanto, é – os Inuit realmente experenciam a neve de uma forma diferente dos ingleses? O sistema de linguagem deles sugere que eles conceituam o tempo

diferentemente. Mas quão longe nossa experiência realmente é demarcada pelo nosso universo conceitual e lingüístico?

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Uma implicação desse argumento sobre códigos culturais é que, se o sentido é o resultado, não de algo fixo lá na natureza, mas das nossas convenções sociais, culturais e lingüísticas, então o sentido não pode nunca ser finalmente fixado. Nós todos podemos ‘concordar’ em permitir que palavras carreguem sentidos um pouco diferentes – como nós temos, por exemplo, para a palavra ‘gay’, ou o uso, pelas pessoas jovens, da palavra ‘irado!’, como um termo de aprovação. Obviamente, deve haver alguma fixação do sentido na linguagem, ou nós nunca poderíamos nos entender uns aos outros. Nós não podemos acordar um dia e, de repente, decidir representar o conceito de ‘árvore’ com as letras ou a palavra VYXW, e esperar que as pessoas acompanhem o que estamos dizendo. Por outro lado, não há um sentido final ou absoluto. Convenções sociais e lingüísticas mudam, sim, através do tempo. Na linguagem do gerencialismo moderno, o que nós costumávamos chamar ‘alunos’, ‘clientes’, ‘pacientes’ e ‘passageiros’, viraram todos ‘consumidores’. Códigos lingüísticos variam significativamente entre uma língua e outra. Muitas culturas não têm palavras para conceitos que são normais e largamente aceitáveis para nós. snow blowing — is snowstorming falling — — is falling; — is snowing light falling — light — is falling first layer of — in fall deep soft —

packed — to make wather light soft —

sugar —

waterlogged, mushy — — is turning into masak watery —

wet — wet falling — wet — is falling

— drifting along a surface — is drifting along a surface — lying on a surface snowflake

is being drifted over with —

piqtuluk piqtuluktuq qanik qanik qaniktuq qaniraq qaniratuq apilraun mauya aniu aquluraq pukak masak masagutaq maqayak misak qanikkuk qanikkuktuq natiruvik natiruviktuaq qanik apiyuaq ice — pan, broken — — ice water

melts — to make water candle — flat — glare — piled — rough — shore — shorefast — slush — young — siqumniq immiugaq immiuqtuaq illauyiniq qaimiq quasaq ivunrit ivvuit tugiu tuvaq quna sikuliaq TABELA I. I Termos Inuit para neve e gelo

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Palavras constantemente saem do uso comum, e novas frases são cunhadas: pense, por exemplo, no uso de ‘redução’ para representar o processo das firmas despedindo as pessoas, deixando-as sem trabalho. Mesmo quando as palavras reais continuam estáveis, suas conotações mudam ou elas adquirem uma nova nuance. O problema é especialmente agudo nas traduções. Por exemplo, a diferença em português entre saber e entender corresponde exatamente e captura exatamente a mesma distinção conceitual que os franceses têm entre savoir e connaitre? Talvez; mas podemos ter certeza?

O principal ponto é que o sentido não é inerente às coisas, no mundo. Ele é construído, produzido. É o resultado de uma prática significante – uma prática que produz sentido, que faz as coisas significarem.

I. 4 Teorias da Representação

Existem, amplamente dizendo, três enfoques para explicar como a

representação do sentido pela linguagem funciona. Nós devemos chamá-los de enfoques reflexivo, intencional e construcionista ou construtivista. Você pode pensar em cada um como uma tentativa em responder as questões, ‘de onde o sentido vem?’ e ‘como nós podemos dizer o sentido “verdadeiro” de uma palavra ou imagem?’

Na abordagem reflexiva, o sentido é pensado como repousando no objeto, pessoa, ideia ou evento no mundo real, e a linguagem funciona como um espelho, para refletir o sentido verdadeiro como ele já existe no mundo. Como o poeta Gertrude Stein uma vez disse, ‘Uma rosa é uma rosa é uma rosa’. No quarto século A.C, os gregos usaram a noção de mimesis para explicar como a linguagem, e até o desenho e a pintura, espelhavam ou imitavam a natureza; eles pensaram no grande poema de Homero, Ilíadas, como ‘imitando’ uma série de eventos heróicos. Então, a teoria de que a linguagem funciona simplesmente refletindo ou imitando a verdade que já existe e está fixada no mundo, é às vezes chamada ‘mimética’.

Claro que há certa verdade óbvia nas teorias miméticas de representação e linguagem. Como nós pontuamos, signos visuais realmente carregam alguma relação com o formato e a textura dos objetos que eles representam. Mas, assim como também já foi pontuado antes, uma imagem visual bidimensional de uma rosa é um signo – ele não deve ser confundido com a planta real com espinhos e flores crescendo no jardim. Lembre-se também que existem várias palavras, sons e imagens que nós entendemos inteiramente, mas que são inteiramente fictícios ou fantasia e se referem a mundos que são completamente imaginários

abordagem reflexiva ou mimética

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– incluindo, como muita gente agora pensa, a maior parte de Ilíadas! É claro, podemos usar a palavra ‘rosa’ para fazer referência à planta real e verdadeira crescendo no jardim, como dissemos antes. Mas isso é porque eu conheço o código que liga o conceito com uma palavra ou imagem particular. Eu não posso pensar ou falar ou desenhar com uma rosa verdadeira. E se alguém me diz que não há nenhuma palavra como ‘rosa’ para uma planta em sua cultura, a verdadeira planta no jardim não pode resolver a falha de comunicação entre nós. Dentro das convenções dos diferentes códigos de linguagem que estamos usando, nós dois estamos certos – e para que nos entendamos, um de nós deverá aprender o código ligando a flor com a palavra para ela na cultura do outro. A segunda abordagem para o sentido na representação argumenta o caso oposto. Ele defende que é o interlocutor, o autor, que impõe seu único sentido no mundo, pela linguagem. As palavras significam o que o autor pretende que elas devem significar. Esse é a abordagem intencional. Mais uma vez, há alguma validade nesse argumento, uma vez que todos nós, como indivíduos, realmente usamos a linguagem para convencer ou comunicar coisas que são especiais ou únicas para nós, para o nosso modo de ver o

mundo. No entanto, como uma teoria geral da representação pela linguagem, a abordagem intencional também é falha. Nós não podemos ser a única fonte de sentidos na linguagem, uma vez que isso significaria que nós poderíamos nos expressar em linguagens inteiramente privadas. Mas a essência da linguagem é a comunicação, e essa, por sua vez, depende de convenções lingüísticas compartilhadas e códigos compartilhados. A linguagem nunca pode ser um jogo inteiramente privado. Nossos sentidos privadamente intencionados, ainda que pessoais a nós, têm que entrar nas regras, códigos e convenções da linguagem para serem compartilhados e entendidos. A linguagem é um sistema social por completo. Isso significa que nossos pensamentos privados têm que negociar com todos os sentidos das palavras ou imagens que estão guardados na linguagem que o uso do nosso sistema de linguagem vai inevitavelmente desencadear.

A terceira abordagem reconhece esse caráter público e social da linguagem. Ele reconhece que nem as coisas nelas mesmas nem os usuários individuais da linguagem podem fixar o sentido na linguagem. As coisas não significam: nós construímos sentido, usando sistemas representacionais – conceitos e signos. Assim, ele é chamado de abordagem construcionista ou construtivista para o sentido na linguagem. De acordo com essa abordagem, nós não devemos confundir o mundo material, onde as coisas e pessoas existem, e as práticas e processos simbólicos pelos quais representação, sentido e linguagem operam. Construtivistas não negam a existência do mundo material. No entanto, não é

abordagem intencional

abordagem construcionista

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o mundo material que transmite sentido: é o sistema de linguagem ou qualquer outro sistema que nós usamos para representar nossos conceitos. São os atores sociais que usam os sistemas conceituais de sua cultura e o lingüístico e outros sistemas representacionais para construir sentido, para fazer com que o mundo seja significativo e para comunicar sobre esse mundo, significativamente, para outros.

Claramente, signos também devem ter uma dimensão material. Os sistemas representacionais consistem nos verdadeiros sons que nós fazemos com nossas cordas vocais, as imagens que fazemos nos papéis fotossensíveis com câmeras, as marcas que fazemos com tinta em telas, os impulsos digitais que transmitimos eletronicamente. A representação é uma prática, um tipo de ‘trabalho’, que usa objetos materiais e efeitos. Mas o sentido depende não da qualidade material do signo, mas de sua função simbólica. É devido a um som ou palavra em particular responder por, simbolizar ou representar um conceito, que ele pode funcionar, na linguagem, como um signo e transportar sentido – ou, como os construcionistas dizem, significar.

I. 5 A linguagem dos semáforos

O exemplo mais simples desse tópico, que é crítico para o entendimento de como as linguagens funcionam como sistemas representacionais, é o famoso exemplo dos semáforos. Um semáforo é uma máquina que produz diferentes luzes coloridas em seqüência. O efeito de luz em diferentes comprimentos de onda no olho – que é um fenômeno material e natural – produz a sensação de diferentes cores. Agora, essas coisas certamente existem de verdade no mundo material. Mas é a nossa cultua que quebra o espectro de luz em diferentes cores, distinguindo as umas das outras e anexando nomes – vermelho, verde, amarelo, azul – a elas. Nós usamos um modo de classificar o espectro colorido para criar cores que são diferentes umas das outras. Nós representamos ou simbolizamos as diferentes cores e as classificamos de acordo com diferentes conceitos de cor. Esse é o sistema conceitual de cores da nossa cultura. Nós dizemos ‘nossa cultura’ porque, claramente, outras culturas devem dividir os espectros coloridos diferentemente. E mais, eles certamente usam diferentes palavras ou letras reais para identificar diferentes cores: o que nós chamamos ‘vermelho’, os franceses chamam ‘rouge’ e assim por diante. Esse é o código lingüístico – aquele que correlaciona certas palavras (signos) com certas cores (conceitos), e então nos permite comunicar sobre cores com outras pessoas, usando a ‘linguagem das cores’.

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Mas como nós usamos esse sistema representacional ou simbólico para regular o trânsito? As cores não têm nenhum sentido fixo ou ‘verdadeiro’ nesse sentido. Vermelho não significa ‘Pare’ na natural, nem verde significa ‘Siga’. Em outras configurações, o vermelho pode responder por, simbolizar ou representar ‘sangue’ ou ‘perigo’ ou ‘comunismo’; e verde pode representar ‘Irlanda’ ou ‘o campo’ ou ‘ambientalismo’. Até esses sentidos podem mudar. Na ‘linguagem dos plugues elétricos’, vermelho costumava significar ‘a conexão com a carga positiva’, mas isso, arbitrariamente e sem explicação, mudou para marrom! Mas então por muitos anos os produtores de plugues tiveram que anexar um pedaço de papel contando às pessoas que aquele código ou convenção havia mudado, de outra forma, como eles saberiam? Vermelho e verde funcionam na linguagem dos semáforos porque ‘pare’ e ‘siga’ são os sentidos que foram atribuídos a eles na nossa cultura pelos códigos ou convenções que governam essa linguagem, e esse código é amplamente conhecido e quase universalmente obedecido em nossa cultura e em culturas como a nossa – embora possamos bem imaginar outras culturas que não possuem o código, nas quais essa linguagem seria um completo mistério.

Permitam-nos continuar com o exemplo por um momento, para explorar um pouco mais além como, de acordo com a abordagem construcionista para a representação, as cores e a ‘linguagem dos semáforos’ funcionam como um sistema representacional ou significante. Recordem os dois sistemas

representacionais de que falamos mais cedo. Primeiro, existe o mapa conceitual de cores na nossa cultura – o modo com que as cores são distinguidas umas das outras, classificadas e arranjadas no nosso universo mental. Segundamente, existem os modos em que palavras ou imagens são correlacionadas com cores na nossa linguagem – nossos códigos lingüísticos de cores. Na verdade, é claro, uma linguagem de cores consiste em mais que apenas palavras individuais para diferentes pontos no espectro de cores. Ela também depende de como elas funcionam na relação de umas com as outras – os tipos de coisas que são governadas pela gramática ou sintaxe nas linguagens escrita ou falada, que nos permitem nos expressar idéias mais complexas. Na linguagem dos semáforos, é a seqüência e posição das cores, assim como as cores mesmas, que permitem que elas carreguem sentido e então funcionem como signos.

Importa quais cores nós usamos? Não, argumentam os construcionistas. Isso porque o que significa não são as cores por elas mesmas, mas a) o fato de elas serem diferentes e poderem ser distinguidas umas das outras; e b) o fato de elas serem organizadas em uma seqüência em particular – vermelho seguido de verde, com, algumas vezes, um aviso amarelo entre eles que diz, na realidade, ‘Fique pronto! As luzes estão quase mudando’. Construcionistas colocam

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esse ponto da seguinte forma. O que signifi ca, o que carrega sentido – eles argumentam – não é cada cor por si mesma nem o conceito ou palavra para ela. É a diferença entre vermelho e verde que signifi ca. Esse é um princípio muito importante, em geral, sobre representação e sentido, e nós deveremos retornar a ele em mais de uma ocasião nos capítulos que seguirão. Pense sobre isso nesses termos. Se você não pudesse diferenciar entre vermelho e verde, você não poderia usar para signifi car ‘pare’ e o outro para signifi car ‘siga’. Da mesma forma, é apenas a diferença entre as letras P e T que permitem que a palavra SHEEP seja ligada, no código da linguagem inglesa, ao conceito de ‘animal com quatro pernas e um casaco de lã’, e a palavra SHEET a ‘o material que nós usamos para nos cobrir na cama à noite’.

Em princípio, qualquer combinação de cores – como qualquer coleção de letras na linguagem escrita ou sons na linguagem falada – o fariam, dado que elas fossem sufi cientemente diferentes para não serem confundidas. Os construcionistas expressam essa ideia dizendo que todos os signos são ‘arbitrários’. ‘Arbitrário’ signifi ca que não existe nenhuma relação natural entre o signo e seu sentido ou conceito. Uma vez que vermelho só signifi ca ‘pare’ porque é assim que o código funciona, em princípio, qualquer cor poderia fazê-lo, incluindo verde. É o código que fi xa o sentido, não a cor por si própria. Isso também tem implicações mais amplas para a teoria da representação e sentido na linguagem. Isso signifi ca que signos por eles mesmos não podem fi xar sentido. Em vez disso, o sentido depende da relação entre um signo e um conceito, o que é fi xado por um código. Sentido, os construcionistas diriam, é ‘relativo’.

ATIVIDADE 3

Por que não testar esse ponto sobre a natureza arbitrária do signo e a importância do código para você? Construa um código para governar o movimento do tráfi co usando duas cores diferentes – Amarelo e Azul – como segue:

Quando a luz amarela está aparecendo...

Agora adicione uma instrução permitindo aos pedestres e ciclistas apenas atravessar, usando Rosa.

Contando que o código nos diga claramente como ler ou interpretar cada cor, e todo mundo concorde em interpretá-las dessa forma, qualquer cor funcionaria. Elas são apenas cores, assim como a palavra SHEEP é apenas uma mistura de letras. Em francês, o mesmo animal é referido utilizando o signo lingüístico

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bem diferente: MOUTON. Signos são arbitrários. Seus sentidos são fixados por códigos.

Como nós dizemos anteriormente, semáforos são máquinas, e cores são o efeito material das ondas de luz na retina do olho. Mas objetos – coisas – também podem funcionar como signos, considerando que tenha sido atribuído a eles um conceito e sentido dentro dos nossos códigos culturais e lingüísticos. Como signos, eles funcionam simbolicamente – eles representam conceitos, e significam. Seus efeitos, no entanto, são sentidos no mundo material e social. Vermelho e Verde funcionam na linguagem dos semáforos como signos, mas eles têm reais efeitos materiais e sociais. Eles regulamentam o comportamento social dos motoristas e, sem eles, haveriam muito mais acidentes de trânsito nas interseções das ruas.

I. 6 Sumário

Nós chegamos a um longo caminho explorando a natureza da representação. É hora de resumir o que nós aprendemos sobre a abordagem construcionista para a representação pela linguagem.

Representação é a produção do sentido pela linguagem. Na representação, argumentam os construcionistas, nós usamos signos, organizados em linguagens de diferentes tipos, para nos comunicarmos significativamente com os outros. Linguagens podem usar signos para simbolizar, responder por ou referenciar objetos, pessoas e eventos no tão chamado mundo ‘real’. Mas eles também podem fazer referencia a coisas imaginárias e mundos de fantasias ou idéias abstratas que não são, em nenhum sentido óbvio, parte do nosso mundo material. Não existe uma simples relação de reflexo, imitação ou correspondência um-a-um entre a linguagem e o mundo real. O mundo não é precisamente ou de alguma outra forma refletido no espelho da linguagem. A linguagem não funciona como um espelho. O sentido é produzido dentro da linguagem, nos e pelos vários sistemas representacionais que, por conveniência, nós chamamos ‘linguagens’. O sentido é produzido pela prática, o trabalho, da representação. Ele é construído pela prática da significação – i.e. produção de sentidos.

Como isso acontece? Na verdade, depende de dois diferentes, porém relacionados, sistemas de representação. Primeiro, os conceitos que são formados na mente funcionam como um sistema de representação mental que classifica e organiza o mundo em significativas categorias. Se nós temos um conceito para alguma coisa, nós podemos dizer que sabemos seu ‘sentido’.

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Mas nós não podemos comunicar esse sentido sem um segundo sistema de representação, a linguagem. A linguagem consiste em signos organizados em várias relações. Mas os signos só podem transportar sentidos se nós possuirmos códigos que nos permitam traduzir nossos conceitos em linguagem – e vice versa, esses códigos são cruciais para o sentido e a representação. Eles são existem na natureza, mas são o resultado de convenções sociais. Eles são uma parte crucial da nossa cultura – nossos ‘mapas de sentido’ compartilhados – que nós aprendemos e, inconscientemente, internalizamos quando nos tornamos membros de nossa cultura. Essa abordagem construcionista para a linguagem então introduz o domínio simbólico da vida, onde palavras e coisas funcionam como signos, bem para o coração da própria vida social.

ATIVIDADE 4

Tudo isso pode parecer um tanto abstrato. Mas nós podemos rapidamente demonstrar sua relevância com um exemplo de uma pintura.

Olhe para a pintura de natureza morta do pintor espanhol Juan Sanchez Cotán (1521-1627), intitulada ‘Marmelo, Repolho, Melão e Pepino (fi gura 1.3). Aparenta como se o pintor tivesse feito todos os esforços para usar a ‘linguagem da pintura’ precisamente para refl etir esses quatro objetos, para capturar ou ‘imitar a natureza’. É esse, então, um exemplo de uma forma de representação refl exiva ou mimética – uma pintura refl etindo o ‘sentido verdadeiro’ do que já existia na cozinha de Cotán? Ou nós podemos achar a operação de certos códigos, a linguagem da pintura usada para produzir um certo sentido? Comece com a pergunta: o que a pintura signifi ca para você? O que ela está ‘dizendo’? Então continue e questione como ela está dizendo isso – como a representação funciona nessa pintura?

Escreva quaisquer pensamentos que lhe aparecerem enquanto olha para a pintura. O que esses objetos dizem para você? Que sentidos eles desencadeiam?

LEITURA A

Agora leia o resumo editado de uma analise da natureza morta pelo teórico e crítico de arte Norman Bryson, incluída como Leitura A no fi nal desse capítulo. Não se preocupe, nessa altura, se a linguagem parecer um pouco difícil e você não entender todos os termos. Selecione

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os pontos principais sobre a forma com que a representação funciona na pintura, de acordo com Bryson.

Bryson não é, de forma alguma, o único crítico da pintura de Cotán, e certamente não fornece a única leitura ‘correta’ sobre ela. Essa não é a questão. A questão do exemplo é que ele nos ajuda a ver como, até na natureza morta, a ‘linguagem da pintura’ não funciona simplesmente para refl etir ou imitar um sentido que já está lá na natureza, mas para produzir sentidos. O ato de pintar é uma prática de signifi cação (que produz sentido). Tome nota, em particular, do que Bryson diz sobre os pontos seguintes:

1. a forma com que a pintura convida você, o espectador, a olhar – o que ele chama de seu ‘modo de ver’; em parte, a função da linguagem é posicionar você, o espectador, em uma certa relação com o sentido. 2. a relação com comida que é colocada pela pintura.

3. como, de acordo com Bryson, ‘forma matemática’ é usada por Cotán para distorcer a pintura, para que ela exiba um sentido particular. Um sentido distorcido em uma pintura pode ser ‘verdadeiro’?

4. o sentido da diferença entre espaço ‘criatural’ e ‘geométrico’: a linguagem da pintura cria seu próprio tipo de espaço

Se necessário, trabalhe o resumo de novo, selecionando esses pontos específi cos. FIGURA I. 3 Juan Cotán, Quince, Cabbage, Melon and Cucumber, c. 1602.

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2 O legado de Saussure

A visão construcionista social da linguagem e representação que nós temos discutido deve muito à obra e influência do lingüista suíço Saussure, que nasceu em Genebra em 1857, fez muito de seu trabalho em Paris, e morreu em 1913. Ele é conhecido como o ‘pai da lingüística moderna’. Para os nossos propósitos, sua importância reside não em seu detalhado trabalho em linguística, mas na sua visão geral da representação e no modo com que seu modelo de linguagem moldou a abordagem semiótica para o problema da representação em uma ampla variedade de campos culturais. Você vai reconhecer muito nos pensamentos de Saussure o que nós já havíamos dito sobre a abordagem construcionista.

Para Saussure, de acordo com Jonathan Culler (1976, p.19), a produção do sentido depende da linguagem: ‘A linguagem é um sistema de sinais’. Sons, imagens, palavras escritas, pinturas, fotografias, etc. funcionam como signos dentro da linguagem ‘apenas quando eles servem para expressar ou comunicar idéias... [para] comunicar idéias, eles devem ser parte de um sistema de convenções...’ (ibid.) Objetos materiais podem funcionar como signos e comunicar sentido também, como nós vimos no exemplo da ‘linguagem dos semáforos’. Em um passo importante, Saussure analisou o signo em dois outros elementos. Havia, argumentou ele, a forma (a verdadeira palavra, imagem, foto, etc.) e havia a idéia ou conceito na sua cabeça com a qual a forma era associada. Saussure chamou o primeiro elemento de significante, e o segundo elemento – o conceito correspondente que ele desencadeia na sua cabeça – o significado. Cada vez que você ouvir ou ler ou ver o significante (e.g. a palavra ou imagem de um Walkman, por exemplo), ele é correlacionado com o significado (o conceito de um tocador de cassete portátil na sua cabeça). Os dois são necessários para produzir sentido, mas é a relação entre eles, fixada pelo nosso código cultural e linguístico, que sustenta a representação. Então ‘o signo é a união de uma forma que significa (significante)... e uma idéia significada (significado). Embora nós possamos dizer... como se eles fossem entidades separadas, eles existem apenas como componentes do signo... (que é) o fato central da linguagem’ (Culler, 1976, p.19).

Saussure também insistiu no que, na seção 1, nós chamamos de natureza arbitrária do signo: ‘Não há nenhuma ligação natural ou inevitável entre o significante e o significado’ (ibid.) Signos não possuem um sentido fixo ou essencial. O que significa, de acordo com Saussure, não é VERMELHO ou a essência da ‘vermelhidão’, mas a diferença entre VERMELHO e VERDE. Os signos, argumentou Saussure, ‘são membros de um sistema e são definidos

signo

significante significado

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em relação a outros membros daquele sistema’. Por exemplo, é difícil definir o sentido de PAI, a não ser que esteja em relação a, e em termos de sua diferença para, outros parentescos, como MÃE, FILHA, FILHO, e assim por diante. A demarcação da diferença dentro da linguagem é fundamental para a produção do sentido, de acordo com Saussure. Mesmo em um nível simples (para repetir um exemplo anterior), nós devemos estar aptos a distinguir, dentro da linguagem, entre SHEEP e SHEET, antes de podermos ligar uma dessas palavras ao conceito de animal que produz lã, e a outra ao conceito de um tecido que cobre uma cama. O jeito mais simples de demarcar diferença é, claramente, por sentidos de oposição binária – como em noite/dia. Críticos posteriores de Saussure observaram que binários (e.g. preto/branco) é apenas uma, bastante simplista, maneira de estabelecer diferença. Bem como a diferença gritante entre preto e branco, há tantas outras, mais sutis, diferenças entre preto e cinza escuro, cinza escuro e cinza claro, cinza e creme e quase-branco, quase-branco e branco brilhante, assim como entre noite, madrugada, aurora, meio-dia, crepúsculo, e assim por diante. Contudo, sua atenção às oposições binárias trouxe Saussure para a revolucionária proposição de que a linguagem consiste de significantes, mas para produzir sentido, os significantes devem estar organizados em um ‘sistema de diferenças’. É a diferença entre os significantes que significa.

Além disso, a relação entre o significante e o significado que é fixada pelos nossos códigos culturais, não é – argumentou Saussure – permanentemente fixa. Palavras mudam seus sentidos. Os conceitos (significados) ao qual eles se referem também mudam, historicamente, e toda mudança altera o mapa conceitual da cultura, levando diferentes culturas, em diferentes momentos históricos, a classificar e pensar sobre o mundo diferentemente. Por muitos séculos, sociedades ocidentais associaram a palavra PRETO com tudo o que era escuro, mal, proibido, diabólico, perigoso e pecaminoso. Contudo, pense em como a percepção das pessoas negras na América na década de 60 mudou depois que a frase ‘Preto é bonito’ (‘Black is beautiful’) se tornou um slogan famoso – onde o significante, PRETO, foi levado a significar o sentido exatamente oposto (significado) às suas associações prévias. Nos termos de Saussure, ‘A linguagem configura uma relação arbitrária entre significantes à sua própria escolha de um lado, e significados à sua própria escolha de outro. Não somente cada língua produz um conjunto diferente de significantes, articulando e dividindo o som contínuo (ou escrita ou desenho ou fotografia) de uma maneira distinta; cada língua produz um conjunto diferente de significados; ela tem um modo distintivo e, portanto, arbitrário, de organizar o mundo em conceitos e categorias’ (Culler, 1976, p.23).

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As implicações desse argumento são de largo alcance para uma teoria da representação e para o nosso entendimento de cultura. Se a relação entre o significante e seu significado é o resultado de um sistema de convenções sociais específico para cada sociedade e para momentos históricos específicos – logo, todos os sentidos são produzidos dentro da história e da cultura. Eles não podem nunca ser finalmente fixados, mas estão sempre sujeitos à mudança, ambos de um contexto cultural e de um período ao outro. Não há, portanto, um ‘verdadeiro sentido’ único, imutável, universal. ‘Por ser arbitrário, o signo é totalmente sujeito à história e a combinação, em um momento em particular, de um dado significante e significado é o resultado contingente do processo histórico’ (Culler, 1976, p.36). Isso abre o sentido e a representação, de uma forma radical, à história e à mudança. É verdade que o próprio Saussure focou exclusivamente no estado do sistema de linguagem em um momento do tempo, ao invés de olhar para a mudança lingüística ao longo do tempo. No entanto, para nossos propósitos, o ponto importante é a forma como esse enfoque desprende o sentido, quebrando qualquer vínculo natural e inevitável entre significante e significado. Isso abre a representação para o constante ‘jogo’ de deslizamento do sentido, para a constante produção de novos sentidos, novas interpretações.

Contudo, se o sentido muda, historicamente, e nunca é finalmente fixado, o que se seque é que ‘captar o sentido’ deve envolver um processo ativo de interpretação. O sentido deve ser ativamente ‘lido’ ou ‘interpretado’. Consequentemente, há uma imprecisão necessária e inevitável sobre a linguagem. O sentido que nós captamos, como espectadores, leitores ou públicos, nunca é exatamente o sentido que foi dado pelo interlocutor ou escritor ou pelos outros espectadores. E uma vez que, para dizer algo

significativo, nós devemos ‘entrar na linguagem’, onde todos os tipos de sentidos que nos antecedem já estão estocados de épocas prévias, nós nunca podemos depurar a linguagem completamente, fazendo uma triagem de todos os outros sentidos ocultos que podem modificar ou distorcer o que nós queremos dizer. Por exemplo, nós não podemos impedir inteiramente algumas das conotações negativas da palavra PRETO de retornar à mente quando nós lemos uma manchete como ‘QUARTA-FEIRA – UM DIA PRETO NA BOLSA DE VALORES’, mesmo que essa não tenha sido a intenção. Há um constante deslizamento de sentido em toda interpretação, uma margem – algo em excesso do que nós pretendíamos dizer – na qual outros sentidos ofuscam a afirmação ou o texto, onde outras associações são despertadas à vida, dando ao que nós dizemos uma diferente torção. Assim, a interpretação se torna um aspecto essencial do processo pelo qual o sentido é dado e tomado. O leitor é tão importante quanto o escritor na produção do sentido. Todo significante dado

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ou codificado com significado tem que ser significativamente interpretado ou decodificado pelo receptor (Hall, 1980). Signos que não tenham sido inteligivelmente recebidos ou interpretados não são, em nenhum sentido útil, ‘significativos’.

2. 1 A Parte social da linguagem

Saussure dividiu a linguagem em duas partes. A primeira consiste nas regras e códigos gerais do sistema lingüístico, que todos os seus usuários dever

compartilhar, se é para ser usado como um meio de comunicação. As regras são os princípios que nós aprendemos quando aprendemos a linguagem e eles nos habilitam a usar a linguagem para dizer o que quer que queiramos. Por exemplo, em inglês, a ordem de palavras preferida é sujeito-verbo-objeto (‘o gato sentou na esteira’), enquanto em latim, o verbo normalmente vem no final. Saussure chamou isso de estrutura de linguagem subjacente e governada por regras, que nos permite produzir sentenças bem formadas, a langue (o sistema de linguagem). A segunda parte consiste nos atos particulares de fala ou escrita ou desenho, que – usando a estrutura e as regras da langue – são produzidas por um real interlocutor ou escritor. Ele chamou isso de parole. ‘La langue é o sistema da linguagem, a linguagem como um sistema de formas, enquanto a parole é a real fala [ou escrita], os atos de fala que só são possíveis pela linguagem’ (Culler, 1976, p.29)

Para Saussure, a estrutura subjacente de regras e códigos (langue) era a parte social da linguagem, a parte que poderia ser estudada com a precisão das leis de uma ciência, devido à sua natureza fechada, limitada. Era sua preferência estudar a linguagem a esse nível de sua ‘estrutura profunda’, que fez as pessoas chamarem Saussure e seu modelo de linguagem de estruturalistas. A segunda parte da linguagem, o ato individual da fala ou do pronunciamento (parole), ele considerou como a ‘superfície’ da linguagem. Havia um número infinito de pronunciamentos possíveis. Assim, à parole inevitavelmente faltava essas propriedades estruturais – formando um conjunto fechado e limitado – que poderia ter nos permitido estudá-la ‘cientificamente’. O que fez o modelo de Saussure atraente a vários estudiosos posteriores foi o fato de o caráter fechado, estruturado da linguagem ao nível de suas regras e leis, que, de acordo com Saussure, habilitou-a a ser estudada cientificamente, ser combinado com a capacidade de ser livre e imprevisivelmente criativa em nossos reais atos de fala. Eles acreditaram que ele ofereceu a eles, afinal, uma abordagem científica para o objeto de pesquisa menos científico – a cultura.

langue

parole

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Ao separar a parte social da linguagem (langue) do ato individual de

comunicação (parole), Saussure quebrou com nossa noção senso-comum de como a linguagem funciona. Nossa intuição senso-comum é que a linguagem vem de dentro de nós – do interlocutor ou escritor individual; que é o sujeito que fala ou escreve que é o autor ou originador do sentido. Isso é o que nós chamamos, mais cedo, de modelo intencional da representação. Mas de acordo com o esquema de Saussure, cada afirmação autorada só se torna possível porque o ‘autor’ compartilha com outros usuários da linguagem as regras e códigos comuns do sistema de linguagem – a langue – que permite que eles se comuniquem um com o outro significantemente. A autora decide o que ela quer dizer. Mas ela não pode ‘decidir’ usar ou não as regras da linguagem, se ela quer ser compreendida. Nós nascemos em uma linguagem, seus códigos e seus sentidos. A linguagem para Saussure é, portanto, um fenômeno social. Ela não pode ser uma questão individual, porque não pode inventar as regras da linguagem individualmente, para nós mesmos. Sua fonte reside na sociedade, na cultura, nos nossos códigos culturais compartilhados, no sistema da linguagem – não na natureza ou no sujeito individual.

Nós vamos passar para a seção 3 para considerar como a abordagem

construcionista para a representação, e particularmente o modelo lingüístico de Saussure, foi aplicado para um conjunto mais amplo de objetos e práticas, e evoluiu para o método semiótico que tanto influenciou o campo. Primeiro, nós temos que levar em conta algumas das críticas feitas ao seu posicionamento.

2. 2 Crítica do modelo de Saussure

O grande feito de Saussure foi nos forçar a focar na linguagem mesma, como um fato social; no processo de representação mesmo; em como a linguagem realmente funciona e o papel que desempenha na produção do sentido. Ao fazê-lo, ele salvou a linguagem do status de um mero meio transparente entre coisas e sentido. Ele mostrou, em vez disso, que a representação era uma prática. No entanto, em seu próprio trabalho, ele tendeu a focar, quase exclusivamente, nos dois aspectos do signo – significante e significado. Ele deu pouco ou

nenhuma atenção a como essa relação entre significante/significado poderia servir ao propósito ao que nós mais cedo chamamos de referência – i.e. nos referindo ao mundo das coisas, pessoas e eventos fora da linguagem, no mundo ‘real’. Lingüistas posteriores fizeram uma distinção entre, digamos, o significado da palavra LIVRO e o uso da palavra para se referir a um livro específico

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adotava uma abordagem similar ao de Saussure, prestou maior atenção à relação entre significantes/significados e o que ele chamou de seus referentes. O que o Saussure chamou de significação realmente envolve ambos os sentido e referência, mas ele focou principalmente na forma.

Outro problema é que Saussure tendeu a focar nos aspectos formais da linguagem – em como a linguagem realmente funciona. Isso tem a grande vantagem de nos fazer examinar a representação como uma prática digna de estudo detalhado em seu próprio mérito. Isso nos força a olhar para a própria linguagem, e não apenas como uma vazia e transparente ‘janela no mundo’. No entanto, o foco de Saussure na linguagem pode ter sido exclusivo demais. A atenção aos seus aspectos formais realmente tirou a atenção das características mais interativas e dialógicas da linguagem – a linguagem como ela é realmente usada, como ela funciona em situações reais, em diálogo entre diferentes tipos de interlocutores. Então, não é surpreendente que, para Saussure, a questão do poder na linguagem – por exemplo, entre interlocutores de diferentes status e posições – não surgiu.

Como foi por vezes o caso, o sonho ‘científico’ que residia por trás do impulso estruturalista do seu trabalho, embora influente em nos alertar para certos aspectos de como a linguagem funciona, provou ser ilusório. A linguagem não é um objeto que pode ser estudado com a precisão de uma ciência como a das leis. Teóricos culturais posteriores aprendeu com o ‘estruturalismo’ de Saussure, mas abandonaram sua premissa científica. A linguagem permanece governada por regras. Mas não é um sistema ‘fechado’ que pode ser reduzido aos seus elementos formais. Uma vez que está constantemente mudando, ela é, por definição, uma definição em aberto. O sentido continua sendo produzido pela linguagem em formas que não podem nunca serem previstas de antemão e o seu deslizamento, como nós descrevemos acima, não pode ser contido. Saussure deve ter sido tentado à visão formal porque, como um bom estruturalista, ele tendia a estudar o estado do sistema de linguagem em um momento, como se isso fosse estático, e ele pudesse conter o fluxo do intercâmbio da linguagem. Todavia, o caso é que vários daqueles que haviam sido mais influenciados pela quebra radical de Saussure com todo o modelo refletivo e o intencional da representação, se apoiaram em seu trabalho, não imitando seu enfoque científico e ‘estruturalista’, mas aplicando seu modelo de um modo bem mais solto, em aberto – i.e. ‘pós-estruturalista’.

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2. 3 Resumo

Quão longe, então, nós caminhamos em nossa discussão das teorias da representação? Nós começamos contrastando três diferentes enfoques. A abordagem reflexiva ou mimética propôs uma relação direta e transparente de imitação ou reflexão entre as palavras (signos) e as coisas. A teoria intencional reduziu a representação às intenções do autor ou sujeito. A teoria construcionista propôs uma relação complexa e mediada entre as coisas no mundo, nossos conceitos em pensamento e a linguagem. Nós nos focamos demoradamente nesse enfoque. As correlações entre esses níveis – o material, o conceitual e o significativo – são governadas pelos nossos códigos culturais e lingüísticos e é esse conjunto de interconexões que produz sentido. Nós então mostramos o quanto esse modelo geral de como os sistemas de representação funcionam na produção do sentido deve ao trabalho de Ferdinand de Saussure. Aqui, o ponto-chave era a ligação proporcionada pelos códigos entre as formas de expressão usadas pela linguagem (seja fala, escrita, desenho, ou outros tipos de representação) – que Saussure chamou de significantes – e os conceitos mentais associados a eles – os significados. A conexão entre esses dois sistemas de representação produziu signos; e os signos, organizados em linguagens, produziam sentido, e poderiam ser usados para referenciar objetos, pessoas e eventos no mundo ‘real’.

3 Da linguagem à cultura: linguística à

semiótica

A principal contribuição de Saussure foi o estudo da lingüística em um sentido estreito. No entanto, desde sua morte, suas teorias têm sido amplamente implantadas como a base para uma abordagem geral da linguagem e sentido, fornecendo um modelo de representação que tem sido aplicado a uma ampla série de objetos e práticas culturais. O próprio Saussure previu essa possibilidade em suas famosas notas de leitura, postumamente coletadas pelos seus estudantes como o Curso em Linguística Geral (1960), onde ele ansiava por ‘Uma ciência que estude a vida dos signos dentro da sociedade... Eu devo chamá-la semiologia, do grego semeion “signos”...’ (p.16). Esse enfoque geral no estudo dos signos na cultura, e da cultura como um tipo de ‘linguagem’, que

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O argumento fundamental por trás da abordagem semiótica é que, uma vez que todos os objetos culturais expressam sentido, e todas as práticas culturais dependem do sentido, eles devem fazer uso dos signos; e à medida que eles fazem, eles devem funcionar como a linguagem funciona, e serem

suscetíveis a uma análise que basicamente faz uso dos conceitos lingüísticos de Saussure (e.g. a distinção entre signifi cante/signifi cado e langue/parole, sua ideia de códigos e

estruturas subjacentes, e a natureza arbitrária do signo). Então, quando em sua coleção de ensaios Mitologias (1972) o crítico francês Roland Barthes estudou ‘O mundo da luta’, ‘Sabão em pó e detergentes’, ‘A face de Greta Garbo’ ou ‘Os guias azuis para a Europa’, ele trouxe a abordagem semiótica para dar suporte em ‘ler’ a cultura popular, tratando essas atividades e objetos como signos, como uma linguagem pela qual o sentido é comunicado. Por exemplo, a maioria de nós pensaria em uma partida de luta como um jogo ou esporte competitivo elaborado para um lutador ganhar vitória sobre seu oponente. Barthes, no entanto, pergunta não ‘Quem venceu?’, mas ‘Qual o sentido desse evento?’. Ele trata isso como um texto a ser lido. Ele ‘lê’ os gestos exagerados dos lutadores como uma linguagem grandiloqüente do que ele chama de puro espetáculo do excesso.

LEITURA B

Você deve agora ler o breve resumo da ‘leitura’ de Barthes de ‘O mundo da luta’, disponibilizada como Leitura B no fi nal desse capítulo.

Bem da mesma forma, o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss estudou os costumes, rituais, objetos totêmicos, designs, mitos e contos folclóricos dos tão chamados ‘primitivos’ povos do Brasil, não analisando como essas coisas eram produzidas e usadas no contexto da vida diária entre os povos amazônicos, mas em termos do que eles estavam tentando ‘dizer’, quais mensagens sobre cultura eles comunicavam. Ele analisou o sentido deles, não interpretando seu conteúdo, mas olhando para as regras e códigos fundamentais pelos quais tais objetos ou práticas produziam sentido, e, ao fazê-lo, ele estava fazendo um clássico ‘movimento’ Saussuriano ou estruturalista, das paroles da cultura à estrutura fundamental, sua langue. Para empreender esse tipo de trabalho,

FIGURA I. 4

Luta como uma linguagem do ‘excesso’.

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estudando o sentido de um programa de televisão como Eastenders, por exemplo, nós teríamos que tratar as imagens na tela como signifi cantes, o uso do código da novela televisiva como gênero, para descobrir como cada imagem na tela fez uso dessas regras para ‘dizer algo’ (signifi cados) que o espectador pudesse ‘ler’ ou interpretar dentro do quadro de um tipo particular de narrativa televisiva (veja a discussão e análise das novelas da TV no Capítulo 6).

Na abordagem semiótica, não apenas palavras e imagens, mas os próprios objetos podem funcionar como signifi cantes na produção do sentido. Roupas, por exemplo, podem ter uma função física simples – cobrir e proteger o corpo do tempo. Mas as roupas também se dobram como signos. Elas constroem signifi cado e carregam uma mensagem. Um vestido de noite deve signifi car ‘elegância’; uma gravata-borboleta e caudas, ‘formalidade’; jeans e camiseta, ‘roupa casual’; um certo tipo de casaco na combinação certa, ‘um passeio na fl oresta longo e romântico no outono’ (Barthes, 1967). Esses signos permitem que as roupas carreguem signifi cado e funcionem como uma linguagem – ‘a linguagem da moda’. Como elas fazem isso?

ATIVIDADE 5

Olhe para o exemplo das roupas em uma revista de moda publicada (Figura 1.5). Aplique o modelo de Saussure para analisar o que as roupas estão ‘dizendo’. Como você decodifi caria a mensagem? Em particular, quais elementos operam como signifi cantes e quais conceitos – signifi cados – você está aplicando a eles? Não pegue apenas uma impressão geral – trabalhe detalhadamente. Como a ‘linguagem da moda’ está funcionando nesse exemplo?

As roupas, por elas mesmas, são os signifi cantes. O código da moda nas culturas consumidoras ocidentais, como a nossa, correlacionam tipos ou combinações particulares de roupas com certos conceitos (‘elegância’, ‘formalidade’,

‘casualidade’, ‘romance’). Esses são os signifi cados. Esses códigos convertem as roupas em signos, que podem ser lidos como uma linguagem. Na linguagem da moda, os signifi cantes são arranjados em certa sequência, em certas relações uns com os outros. As relações podem ser de similaridade – certos itens ‘combinam’ (e.g. sapatos casuais com jeans). Diferenças também são marcadas – sem cintos de couro em vestidos de noite. Alguns signos realmente criam sentido explorando a ‘diferença’: e.g. botas Doc Marten com uma longa saia fl orida. Essas peças de roupa ‘dizem alguma coisa’ – elas contêm signifi cado.

Referências

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