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DOIS OU TRÊS MOTIVOS PARA REALIZAR UM CURSO DE FÍSICA

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Academic year: 2021

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DOIS OU TRÊS MOTIVOS PARA REALIZAR UM CURSO DE

FÍSICA

Antônio Vieira Andrade Neto

Departamento de Física - UEFS

A palavra inglesa letter (carta em português) aparece com freqüência na denominação de importantes revistas da área de Física. Para citar algumas temos, por exemplo, a

Physical Review Letter e Applied Physics Letter. Normalmente são revistas com alto fator

de impacto, utilizadas para comunicações relativamente curtas e importantes.

Parodiando essa tradição, estou enviando essa "carta" a um(a) imaginário(a) jovem estudante de Física com algumas provocações.

O que pretendo aqui é apenas fazer algumas observações gerais sobre a Física e provocá-lo(a) a iniciar uma pequena reflexão crítica e honesta. Se de alguma forma conseguir passar a idéia de que se dedicar à Física pode ser uma atividade humana empolgante, considerarei esta carta despretensiosa como um trabalho de relativo impacto.

Talvez o(a) jovem leitor(a) possa estar se perguntando quais são as credenciais que me habilitam a fazer essas provocações. Como falamos em honestidade, a resposta honesta é: quase nenhuma. O que posso dizer, em tom de justificativa, é que me encontro numa luta corpo a corpo com a Física quase todos os dias há mais de vinte anos. Não raro essa luta me cansa, me frustra e por vezes até me deprime. Mas, também não raro, me diverte e me dá um imenso prazer.

Podemos iniciar esse diálogo indagando as motivações para se iniciar um curso de Física. As motivações podem ser as mais variadas possíveis: a habilidade e prazer de consertar e manusear objetos e entender como os mesmos funcionam; a habilidade e prazer de resolver problemas matemáticos; a necessidade mais filosófica de procurar respostas a perguntas tais como; o que é o tempo? Qual sua natureza? Qual a origem

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do Universo? De que é feita a luz? Por fim, há uma motivação não tão nobre que é o fato de que é relativamente fácil passar no vestibular para Física.

Para quem está iniciando (ou pretende iniciar) o Curso de Física, é importante ter consciência desde o início que os Físicos têm um modo especial de pensar e abordar os problemas (problemas do mundo físico, é claro). Podemos dizer que uma parte importante do trabalho dos Físicos consiste no estudo e investigação das chamadas leis da Natureza. Com este objetivo são elaborados conceitos e hipóteses a partir dos quais são tiradas conclusões as quais são confrontadas com dados empíricos já que, em ciência natural, a experiência é o único1 critério de validação ou não de uma teoria. Esses conceitos e hipóteses devem ser os mais simples possíveis2 e explicar o maior número de fatos experimentais possíveis; além de serem logicamente coerentes e epistemologicamente claros, cuja beleza e profundidade só se revelam depois de longo esforço, afinal como diz o poema "Quem quer passar além do Bojador\ Tem que passar além da dor"3. O preço a ser pago na obtenção de um esquema tão ambicioso é a utilização de uma linguagem matemática altamente abstrata. Mas, esse é um preço que os Físicos pagam até com prazer, afinal, como dito, uma das possíveis motivações para se decidir pelo Curso de Física é a habilidade de resolver problemas matemáticos. Vejamos um pequeno teste. Os seguintes números aparecem com muita freqüência em Física: o número e (a base do logaritmo neperiano, e≅2,17); o número π≅3,14, e o número i (a unidade imaginária). Não deixa de ser surpreendente que esses números possam ser combinados (não multiplicando-os pelos seus inversos) e o resultado dê exatamente 1. Temos que

2

1

e

ι π

=

Isso não deixa de ser um pequeno milagre, e milagres costumam nos emocionar.

Assim, quando começamos o curso de Física, iniciamos uma extraordinária aventura intelectual que, se por um lado, exige trabalho árduo, muito esforço e concentração, por outro é fonte de alegria e prazer. Quando descobrimos alguma coisa (mesmo que inédita só para nós) é uma sensação maravilhosa e começamos a ver o mundo com outros olhos. Começamos a descortinar ordem e regularidade num mundo aparentemente caótico; começamos a ver (onde a imensa maioria vê uns símbolos ininteligíveis) um tipo muito especial de beleza.

A idéia de que a Física pode ser divertida, foi assim expressa por Newton:

"Não sei como apareço aos olhos do mundo; aos meus próprios, pareço ter sido apenas como um menino, brincando na praia e divertindo-me em encontrar de vez em quando um seixo mais roliço ou uma concha mais bela que de ordinário, enquanto o grande oceano da verdade jazia todo

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Hoje sabemos como Newton aparece aos olhos do mundo: como um dos maiores (senão o maior) Físicos de todos os tempos. Mas, não deixa de ser surpreendente a beleza e profundidade do pequeno texto acima. Primeiro chama a atenção a identificação da atividade intelectual como uma atividade lúdica (um menino brincando e divertindo-se na praia) e o tipo especial das regras da brincadeira: ordem, simetria (um seixo mais roliço) e até mesmo a atividade intelectual como uma atividade histórica (o grande oceano da verdade inexplorado à minha frente).

Voltemos ao começo. Como posso ter certeza que estou suficientemente motivado para iniciar um curso de Física? Bem, meu(minha) amigo(a) só você, e apenas você, pode saber a resposta. Mas, talvez o seguinte diálogo entre o genial R.Feynman e L. Mlodinow, extraído do livro "O Arco-íris de Feyman", o auxilie:

“ - O ano letivo está terminando, logo… se por acaso não encontrar você antes do verão… Só queria agradecer… por tudo o que me ensinou.

- Não ensinei nada a você - ele disse.

- Você me ensinou muita coisa a meu respeito. - Bobagem. O que eu ensinei?

- Acho que ainda estou descobrindo… mas, como aconteceu agora… você me ensinou um jeito de olhar o mundo, eu acho. E o lugar que ocupo nele.

- Primeiro, em relação a "como aconteceu agora", não lhe ensinei isso, foi você mesmo que concluiu. Não posso lhe dizer qual é o seu lugar, você tem de descobrir por si próprio. Além disso, sou um péssimo professor, então duvido que tenha ensinado alguma coisa a você.

- Muito bem… então obrigado assim mesmo por todas… as conversas. Tenha me ensinado ou não alguma coisa, gostei muito.

- Olhe, já que você insiste em dizer que eu lhe ensinei alguma coisa, acho que deveria submetê-lo a uma prova final.

- É mesmo? - A uma pergunta. - Claro.

- Vá olhar para a fotografia de um átomo tirada de um microscópio eletrônico, certo? Não dê só uma olhada por alto. É muito importante que você examine a imagem cuidadosamente. Pense no que ela significa.

- Certo.

- E então responda à seguinte pergunta: isso mexe com o seu coração? - Se isso mexe com o meu coração?

- Sim ou não. É uma pergunta para sim ou não. Nada de equações. - Muito bem. Depois eu lhe digo.

- Seja claro. Eu não preciso saber a resposta. Você precisa. É um teste auto-aplicável. E não é a resposta que importa, mas o que você faz com a informação.”

Para auxiliar o(a) jovem leitor(a) reproduzo a seguir a fotografia de vários átomos. O que acontece com o seu coração? Lembre-se, você precisa saber a resposta

.

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Como uma carta não deve ser muito longa, me despeço aqui com as palavras que S. Weinberg encerra o seu precioso livro "Os Três Primeiros Minutos do Universo"

" Os homens e as mulheres não se contentam com as histórias confortáveis de deuses e gigantes, ou com a restrição dos seus pensamentos aos problemas da vida quotidiana; constróem também telescópios, satélites e aceleradores e permanecem horas sem fim nos seus gabinetes a procurar o significado dos dados que conseguiram reunir. O esforço desenvolvido para

compreender o universo é uma das poucas coisas que erguem a vida humana acima do nível da farsa e lhe conferem um pouco da dignidade da tragédia" (grifo meu)

Assim, iniciar o curso de Física é ter a possibilidade de assistir, de presenciar, de participar e até mesmo (por que não?) de influenciar os rumos da eterna peleja humana pela busca (ou invenção) de ordem e beleza que dêem sentido a vida.

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Referências

[1] S. WEINBERG, Os três primeiros minutos do universo, Gradiva, Lisboa, 1987

[2] L. MLODINOW, O Arco-íris de Feynman, Sextante, Rio de Janeiro, 2005

[3] A. EINSTEIN e L. INFELD, A evolução da física, Editora Guanabara, Rio de Janeiro 1988

Notas

1

A palavra "único" incomodou ao professor Elder Teixeira, a quem agradeço a leitura do texto, mas, afirmando de outra maneira, podemos dizer que não existe nenhuma esperança para uma teoria que não concorde com os dados experimentais.

2

A idéia de que os conceitos fundamentais devem ser os mais simples possíveis é uma ilustração do modo especial de pensar dos Físicos já que, aparentemente, temos a seguinte regra: quanto mais simples o conceito, maiores as dificuldades de entendê-lo, ou nas palavras de A. Einstein e L. Infeld

"Quanto mais simples e mais fundamentais se tornam nossas suposições, tanto mais intricado se torna o nosso instrumental matemático de raciocínio: o caminho da teoria à observação se torna mais longo, mais sutil e mais complicado. Embora soe paradoxal, poderíamos dizer: A Física moderna é mais simples do que a antiga e parece, portanto, mais difícil e intricada."

3

Bojador é o nome do cabo, situado na costa ocidental africana, conhecido na época das grandes navegações portuguesas como Cabo Não ("Não ouseis ultrapassá-lo") e que representava o limite do mundo conhecido pelos portugueses até 1434. O texto citado é do conhecido poema Mar Português do poeta Fernando Pessoa e é um dos mais belos da língua portuguesa, por isso sempre vale a pena recordá-lo:

(…)

Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena. Quem quer passar além do Bojador

Tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu

Mas nele é que espelhou o céu.

Sobre o(a) autor(a) –

Antônio Vieira Andrade Neto – Mestre em Física, é Professor Assistente do

Referências

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