• Nenhum resultado encontrado

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA"

Copied!
10
0
0

Texto

(1)

N.º 3/2018 – SFCONST/PGR Sistema Único nº 374298/2018

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.777/SC

REQUERENTE: Associação Nacional dos Servidores do Ministério Público (ANSEMP)

INTERESSADO: Governador do Estado de Santa Catarina

Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina

RELATOR: Ministro Ricardo Lewandowski

Excelentíssimo Senhor Ministro Ricardo Lewandowski,

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEIS ESTADUAIS QUE CRIAM INÚMEROS CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO NO ÂMBITO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SANTA CATARINA. CARGOS COM ATRIBUIÇÕES DE CHEFIA, DIREÇÃO OU ASSESSORAMENTO. CONFORMIDADE COM O ART. 37-V-PARTE FINAL DA CR. LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL Nº 223/2002. INEXISTÊNCIA DE PERCENTUAL MÍNIMO DE CARGOS COMISSIONADOS DE NATUREZA JURÍDICA A SER PREENCHIDO POR SERVIDORES DE CARREIRA. INIEXISTÊNCIA DE CARGOS EFETIVOS DESTINADOS

EXCLUSIVAMENTE A BACHARÉIS EM DIREITO.

INCONSTITUCIONALIDADES. DESRESPEITO AO ART. 37-II-V DA CR CONFIGURADA.

1. É constitucional a criação de cargos em comissão direcionados a atribuições de chefia, direção ou assessoramento, nos moldes do art. 37-V-parte final da CR.

2. A Constituição da República não explicita a ideal correlação que deve haver entre o número de cargos de provimento em comissão e a quantidade de cargos efetivos, mas deixa a cargo do legislador ordinário a definição de percentual mínimo de cargos comissionados a ser preenchido por servidores de carreira, nos termos do art. 37-V da CR.

3. A não fixação, na Lei Complementar estadual nº 223/2002, de percentual mínimo de cargos em comissão de natureza jurídica que devem ser destinados a servidores efetivos do órgão, bem como a inexistência, no Quadro de Pessoal do MPSC, de cargos efetivos exclusivos para bacharéis em Direito configuram desrespeito ao art. 37-II-V da CR.

4. As funções de assessoramento jurídico não devem ser exclusivas de servidores sem vínculo.

5. Dados do Portal da Transparência do MPSC revelam que o órgão tem dado prioridade ao preenchimento e à criação de cargos em comissão, em detrimento da ocupação total e da ampliação dos cargos efetivos.

(2)

I

Trata-se de ação direta de constitucionalidade, com pedido de medida cautelar, proposta pela Associação Nacional dos Servidores do Ministério Público – ANSEMP, em face das Leis Complementares catarinenses nºs 276/2004 (art. 1º), 368/2006 (arts. 3º e 6º), 400/2006 (art. 4º), 505/2010 (art. 2º), 517/2010 (arts. 4º e 5º), 599/2013 (art. 3º), 629/2014 (art. 4º), 650/2015 (art. 3º), 653/2015 (art. 1º), 664/2015 (arts. 5º e 6º), 665/2015 (art. 6º), 683/2016 (art. 6º), nos pontos em que criam inúmeros cargos de provimento em comissão no âmbito do Ministério Público de Santa Catarina – MPSC.

A ANSEMP alega que a desproporcionalidade do número de cargos comissionados (1.205) com o de cargos efetivos (655) no quadro do MPSC ofende o art.

37-caput (princípios da moralidade, da impessoalidade e da eficiências) e II (regra do concurso

público) da CR. Aponta, ainda, descompasso com o art. 37-V da CR, porquanto, a seu ver, “as atribuições dos cargos em comissão no MPSC restam fixadas de forma vaga, imprecisa,

sem relação com atividades de direção, chefia e assessoramento e sem a demonstração do elemento da confiança ínsita ao instituto” (pág. 23 da peça 1).

Adotou-se o rito do art. 12 da Lei nº 9.868/1999.

O Governador do Estado de Santa Catarina informou que os processos legislativos dos quais decorreram as normas questionadas foram inaugurados pelo MPSC, aprovados pela Assembleia Legislativa e sancionados (peça 30).

A Assembleia Legislativa defendeu a regularidade dos atos questionados. Informou que o art. 16-parágrafo único da Lei Complementar estadual nº 223/2002 prevê que 70% (setenta por cento) dos cargos de provimento em comissão devem ser ocupados por servidores efetivos. Disse que, considerando o quantitativo de membros do MPSC (518) e de servidores efetivos (655), a instituição contaria com 1.173 cargos de colaboradores com vínculo efetivo. Afirmou que, dos 1.205 cargos em comissão e funções de confiança, 124 estão ocupados por membros e servidores efetivos, 124 estão vagos e 957 foram destinados a servidores sem vínculo. Destes últimos, a grande maioria teria finalidade de assessoramento jurídico dos membros do Ministério público (110 Assistentes de Procuradoria de Justiça e 754 Assistentes de Promotoria de Justiça). Asseverou, ainda, que os cargos comissionados de

(3)

direção e chefia, não relacionados com assessoramento jurídico, são ocupado quase que exclusivamente por servidores efetivos. Lembrou que a Procuradoria-Geral da República arquivou representação de inconstitucionalidade contra a Lei Complementar estadual nº 223/2002 (PA nº 1.33.000.002754/2014-10), sob o argumento de que “a ampliação do

número de cargos em comissão está resguardada por estudos de impacto financeiro e orçamentário, aprovada pelo Tribunal de Contas Catarinense e tem por finalidade atender à crescente demanda social que envolve as atividades do Ministério Público estadual” (pág. 4

da peça 33).

A ANSEMP apresentou petição contestando a inclusão do número de membros do MPSC na verificação da proporcionalidade entre o número de cargos efetivos e de cargos em comissão. Ressaltou que nas Procuradorias de Justiça e nas Promotorias de Justiça não haveria nenhum cargo efetivo que tenha como requisito de investidura a graduação em Direito (peça 38).

A Advocacia-Geral da União manifestou-se pela improcedência do pedido, sob os fundamentos de que “os cargos em comissão impugnados destinam-se ao exercício de

atividades de direção, chefia e assessoramento”, bem como de que “o quantitativo de referidos cargos correlaciona-se com o número de cargos efetivos existentes no órgão” (pág.

1 da peça 40).

É o relatório.

II

A Constituição da República, no art. 37-II, estabelece a obrigatoriedade de prévia aprovação em concurso público como critério básico para a investidura em cargo ou emprego público, com vistas a assegurar a observância aos princípios da impessoalidade, da moralidade e da isonomia no ingresso no serviço público. Essa regra é afastada pelo 37-V da CR, que prevê a nomeação para cargos em comissão como modalidade excepcional de acesso a cargos públicos, admitida somente nos casos em que as funções a serem desempenhadas pelo comitente estejam voltadas à direção, à chefia ou ao assessoramento e, por tal motivo, pressuponham vínculo especial de confiança com a autoridade nomeante.

(4)

É pertinente, no ponto, a seguinte lição de Cármen Lúcia Antunes Rocha, em obra doutrinária:

Pelos termos claros e taxativos da norma [art. 37, V, CR], vê-se, pois, que inexiste possibilidade de ter o legislador infraconstitucional discricionariedade para dispor sobre a natureza do provimento de cargo público que não seja de direção, chefia e assessoramento, pois não tendo tais atribuições há vinculação legislativa, e o provimento de tal cargo é, necessariamente e pelo fundamento constitucional, efetivo.

(...) Não se interprete o comissionamento como um arbítrio administrativo deixado ao cuidado do administrador público. Arbitrariedade administrativa é incompatível com o Estado de Direito. Assim, não há comissionamento conferido sem limites a quem quer que seja. Principalmente, não há como interpretar norma que configure como cargo de provimento comissionado sem atentar às normas que estabelecem os fundamentos constitucionais da Administração Pública.1 A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem rejeitado a criação de cargos em comissão que possuam atribuições meramente técnicas, que não detenham o caráter de assessoramento, chefia ou direção exigido pela Constituição:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEIS 6.600/1998 (ART. 1º, CAPUT E INCISOS I E II), 7.679/2004 E 7.696/2004 E LEI COMPLEMENTAR 57/2003 (ART. 5º), DO ESTADO DA PARAÍBA. CRIAÇÃO DE CARGOS EM COMISSÃO.

I - Admissibilidade de aditamento do pedido na ação direta de inconstitucionali-dade para declarar inconstitucional norma editada durante o curso da ação. Cir-cunstância em que se constata a alteração da norma impugnada por outra apenas para alterar a denominação de cargos na administração judicial estadual; alteração legislativa que não torna prejudicado o pedido na ação direta.

II - Ofende o disposto no art. 37, II, da Constituição Federal norma que cria car-gos em comissão cujas atribuições não se harmonizam com o princípio da livre nomeação e exoneração, que informa a investidura em comissão. Necessidade de demonstração efetiva, pelo legislador estadual, da adequação da norma aos fins pretendidos, de modo a justificar a exceção à regra do concurso público para a in-vestidura em cargo público. Precedentes. Ação julgada procedente.

(ADI 3.233/PB, Relator Ministro JOAQUIM BARBOSA, DJe 14.9.2007)

Na espécie, como bem apontou a Advocacia-Geral da União, “a maioria dos

cargos comissionados impugnados pela requerente consiste em cargos de Assistente de Procuradoria de Justiça e de Assistente de Promotoria de Justiça, cujas atribuições cingem-se ao ascingem-sessoramento jurídico dos membros do Ministério Público de Santa Catarina” (pág.

14 da peça 40). Os outros cargos impugnados são de Assessor Jurídico, Assessor em Comunicação, Assessor de Gabinete, Chefe de Gabinete, Gerente de Processos Jurídicos 1 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais dos servidores públicos. São Paulo: Saraiva,

(5)

Digitais, Coordenador de Engenharia e Arquitetura e Secretário Executivo, que contam com atribuições que variam de assessoria, planejamento, coordenação, liderança e organização de trabalhos. Ao contrário do que afirma a associação autora, portanto, não há ofensa ao art. 37-V da CR, porquanto as atribuições dos cargos comissionados não são meramente técnicas e burocráticas. Atendem, sim, aos requisitos constitucionais para a criação desse gênero de cargo.

Resta a análise quanto à alegação de desproporcionalidade entre o número de cargos comissionados e de cargos efetivos no quadro do MPSC, à luz dos princípios da moralidade, da impessoalidade e da eficiência, bem como da regra do concurso público.

A Constituição Federal não explicita a ideal correlação que deve haver entre o número de cargos de provimento em comissão e a quantidade de cargos efetivos. Prevê, apenas, no art. 37-V, que deve haver a reserva de percentual de cargos comissionados a ser preenchido por servidores efetivos, organizados em carreira, deixando a cargo do legislador infraconstitucional a definição das respectivas quantidades mínimas. A eficácia da norma depende, portanto, de regulamentação por lei de cada unidade federativa, para cada carreira específica.

A normativa não impede, porém, que o Supremo Tribunal Federal analise e rejeite hipóteses em que há manifesta desproporcionalidade entre o número de cargos efetivos e cargos comissionados, quando patente a tentativa de burla à regra do concurso público. Em casos excepcionais, a Corte já reconheceu ofensa aos princípios da proporcionalidade e da moralidade administrativa. É o que se vê dos seguintes julgados:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. EXPRESSÃO “CARGOS EM COMISSÃO” CONSTANTE DO CAPUT DO ART. 5º, DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 5º E DO CAPUT DO ART. 6º; DAS TABELAS II E III DO ANEXO II E DAS TABELAS I, II E III DO ANEXO III À LEI N. 1.950/08; E DAS EXPRESSÕES “ATRIBUIÇÕES”, “DENOMINAÇÕES” E “ESPECIFICAÇÕES” DE CARGOS CONTIDAS NO ART. 8º DA LEI N. 1.950/2008. CRIAÇÃO DE MILHARES DE CARGOS EM COMISSÃO.

DESCUMPRIMENTO DOS ARTS. 37, INC. II E V, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE.

(…) 3. O número de cargos efetivos (providos e vagos) existentes nos quadros

do Poder Executivo tocantinense e o de cargos de provimento em comissão criados pela Lei n. 1.950/2008 evidencia a inobservância do princípio da proporcionalidade.

(6)

4. A obrigatoriedade de concurso público, com as exceções constitucionais, é instrumento de efetivação dos princípios da igualdade, da impessoalidade e da moralidade administrativa, garantidores do acesso aos cargos públicos aos cidadãos. A não submissão ao concurso público fez-se regra no Estado do Tocantins: afronta ao art. 37, inc. II, da Constituição da República. Precedentes. 5. A criação de 28.177 cargos, sendo 79 de natureza especial e 28.098 em

comissão, não tem respaldo no princípio da moralidade administrativa, pressuposto de legitimação e validade constitucional dos atos estatais. (...)

(ADI 4.125/TO, Relatora Ministra CÁRMEN LÚCIA, DJe 15.2.2011)

AGRAVO INTERNO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ATO NORMATIVO MUNICIPAL. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. OFENSA. INCOMPATIBILIDADE ENTRE O NÚMERO DE SERVIDORES EFETIVOS E EM CARGOS EM COMISSÃO.

I - Cabe ao Poder Judiciário verificar a regularidade dos atos normativos e de administração do Poder Público em relação às causas, aos motivos e à finalidade que os ensejam.

II - Pelo princípio da proporcionalidade, há que ser guardada correlação

entre o número de cargos efetivos e em comissão, de maneira que exista estrutura para atuação do Poder Legislativo local.

III - Agravo improvido.

(RE 365368 AgR, Relator Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, DJe 29.6.2007)

Na espécie, o legislador ordinário previu, no Plano de Cargos, Carreira e Vencimentos do Pessoal do Ministério Público do Estado de Santa Catarina (Lei Complementar estadual nº 223/2002), que 70% (setenta por cento) dos cargos de provimento em comissão de natureza administrativa devem ser destinados a servidores efetivos do órgão (art. 16). Não estabeleceu percentual mínimo quanto aos cargos comissionados de

natureza jurídica. Nem poderia, pois, a análise da lei revela a espantosa situação de que não

há, no Quadro de Pessoal do MPSC, a existência de cargos efetivos exclusivos para bacharéis em Direito.

Na Lei Complementar estadual nº 223/2002, a exigência de conclusão de curso superior em Direito é direcionada apenas aos cargos comissionados de Assessor Jurídico, Assistente de Procuradoria de Justiça e Assistente de Promotoria de Justiça. A circunstância acaba por afastar totalmente a regra do concurso público (art. 37-II da CR) no tocante ao preenchimento de cargos jurídicos auxiliares, que, no Ministério Público da União, por exemplo, são preenchidos por Analistas do MPU/Apoio Jurídico/Direito, e, no Supremo Tribunal Federal, por Analista Judiciário/Área Judiciária. Essa irregularidade já foi detectada

(7)

pelo Conselho Nacional do Ministério Público no Procedimento de Controle Administrativo nº 1.00101/2015-74-CNJ, quando expediu recomendação ao Procurador-Geral de Justiça de Santa Catarina para que proceda “ao exame de viabilidade de se estabelecer em lei

percentuais para o provimento dos cargos de direção, chefia e de assessores de promotores e procuradores de justiça por titulares de cargos efetivos privativos de bacharéis em Direito”.

Por esclarecedor, vale a leitura de trecho do voto do Conselheiro Relator Esdras Dantas de Souza:

Da leitura da Lei Complementar estadual n.º 223, de 10 de janeiro de 20022,

observa-se que não há na carreira dos servidores do Ministério Público do Estado de Santa Catarina cargo efetivo privativo de bacharéis em direito.

A formação jurídica é exigida para os servidores titulares do cargo de provimento em comissão intitulado “Assessor Jurídico”, cuja atribuição legal é “assessorar nas

atividades jurídicas relacionadas ao órgão ou unidade administrativa a que estiver vinculado”.

Exige-se, igualmente, graduação em Direito para o cargo comissionado “Assistente de Procuradoria de Justiça”, destinado a assessorar nas atividades jurídicas relacionadas à Procuradoria de Justiça na qual esteja vinculado”.

Também são privativos de bacharéis em Direito os cargos comissionados denominados “Assistente de Promotoria de Justiça”, voltados ao assessoramento das atividades das Promotorias de Justiça.

Ocorre que a investidura em cargo público se faz, em regra, mediante a aprova-ção de concursos públicos, por aplicaaprova-ção expressa do artigo 37, inciso II, da Constituiaprova-ção Federal.

Os cargos comissionados constituem exceção à regra do concurso público e des-tinam-se ao exercício das atribuições de chefia, direção e assessoramento e devendo “ser

preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos pre-vistos em lei” (artigo 37, inciso V, da Constituição Federal).

Segundo disposto no parágrafo único do artigo 16 da Lei Complementar estadual n.º 223/02, “Serão destinados, no mínimo, 70% (setenta por cento) dos cargos de

provi-mento em comissão de natureza administrativa aos servidores efetivos do Quadro de

Pessoal do Ministério Público de Santa Catarina” (Sem grifos no original).

Não há no texto constitucional qualquer restrição quanto à natureza do cargo co-missionado a ser ocupado por servidores titulares de cargos efetivos, motivo pelo qual a restrição contida no texto da lei supramencionada vai de encontro ao regramento consti-tucional.

Além disso, a ausência de previsão legal para cargos privativos de profissionais da carreira jurídica, notadamente no quadro da instituição Ministério Público cuja ativi-dade finalística é estritamente jurídica, associada à existência de significativo número de cargos comissionados somente ocupados por bacharéis em Direito, indica violação da re-gra do concurso público, prevista do artigo 37, II, da Constituição Federal.

A maioria dos cargos comissionados existentes no âmbito do MPSC são de assessoramento, função de extrema importância para o exercício das atividades fins do

(8)

parquet. A propósito, verifica-se que, dos 1.124 cargos comissionados indicados no Anexo IV

da Lei Complementar estadual nº 223/2002, 1.050 são de funções de assessoria jurídica. O princípio da meritocracia, junto com os da impessoalidade, da moralidade e da isonomia, também é um dos pilares da regra constitucional do concurso público. Sobre meritocracia, José Afonso da Silva esclarece:

O princípio da acessibilidade aos cargos e empregos públicos visa essencialmente a reali-zar o princípio do mérito, que se apura mediante a investidura por concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração (art. 37, II).

(SILVA, José Afonso. Comentário contextual à Constituição. 7. ed. São Paulo: Malhei-ros, 2010, p. 343)

Os servidores efetivos, que passam por rigoroso processo seletivo, possuem comprovada capacidade intelectual para exercer funções de assessoramento jurídico, que não devem ser exclusivas de servidores sem vínculo. A alegação de que a atividade de assessoria seria “exclusiva dos assessores com vínculo de confiança”, como defendido pelo MPSC no âmbito do Procedimento de Controle Administrativo nº 1.00101/2015-74-CNJ, e a inexistência de cargo efetivo exclusivo para bacharéis em Direito desrespeitam não apenas a regra do concurso público (art. 37-II da CR), mas, principalmente, a previsão constitucional de que haja percentual mínimo de preenchimento de cargos comissionados por servidores efetivos (art. 37-V da CR).

Vale notar, ademais, que, ainda que a regra do art. 16 da Lei Complementar estadual nº 223/2002 não fosse limitada aos cargos comissionados de natureza administrativa, ou seja, que abrangesse também os cargos de assessoria jurídica, o percentual mínimo ali previsto (70%) não é cumprido pelo MPSC.

Informações no Portal da Transparência do Ministério Público de Santa Catarina2 revelam que o número de cargos comissionados (1.204) excede o de cargos efetivos (1.173, sendo 518 membros e 655 servidores), bem como que, de todos os cargos em comissão existentes no órgão, 65 são preenchidos por membros, 58 são preenchidos por servidores efetivos e 951 o são por servidores sem vínculo. Confiram-se:

(9)

Cumpre esclarecer que não se deve computar as funções gratificadas na análise do preenchimento de cargos comissionados por servidores efetivos, por terem natureza diversa, já que a Constituição distingue o tratamento dado a elas. Para as funções comissionadas, exige-se que o execício se dê exclusivamente por servidores efetivos, ou seja, aqueles investidos no cargo por meio de concurso público. Cargos em comissão, por sua vez, prescindem de prévia aprovação em concurso público, ante a ressalva contida na parte final do art. 37-II da CR. Essa diferenciação é importante, pois nota-se das tabelas apresentadas acima que o Portal da Transparência do MPSC ora separa as funções gratificadas dos cargos comissionados, ora os contabiliza como um único dado.

Pois bem. Dos 1.204 cargos em comissão, 843 deveriam ser preenchidos por servidores efetivos ou membros, mas, atualmente, apenas 123 o são. Além de não respeitar o percentual mínimo de cargos comissionados a serem destinados a servidores efetivos, o MPSC tem dado prioridade ao preenchimento e à criação de cargos em comissão, em detrimento da ocupação total e da ampliação dos cargos efetivos. Corrobora essa afirmativa a verificação de que, dos 655 cargos de servidores efetivos existentes, apenas 498 estão ocupados (76%), dos 518 cargos de membros, 451 estão ocupados (87%), enquanto que, dos 1.204 cargos comissionados, 1.075 estão ocupados (89,3%)3. Ademais, vale lembrar a notícia da associação autora de que em quinze anos o MPSC multiplicou por quatorze o número de cargos de livre provimento e apenas por dois o número de cargos a serem preenchidos por servidores efetivos. Isso porque, em 2002, o MPSC contava com 382 cargos efetivos e 86 cargos comissionados, enquanto que, em 2017, conta com 655 cargos efetivos e 1.204 comissionados.

3 https://transparencia.mpsc.mp.br/QvAJAXZfc/opendoc.htm?document=Portal%20Transparencia%2FPortal %20Transp%20MPSC.qvw&host=QVS%40qvias&anonymous=true (acessado em 18.1.2018)

(10)

Há, portanto, flagrante inconstitucionalidade na criação e na ocupação dos cargos comissionados no âmbito do MPSC.

Cumpre ressaltar, por mero acréscimo, que as inconstitucionalidades agora reveladas não são afastadas pela circunstância de, na promoção de arquivamento do PA nº 1.33.000.002754/2014-10, a Procuradoria-Geral da República ter afirmado que “a ampliação

do número de cargos em comissão está resguardada por estudos de impacto financeiro e orçamentário, aprovada pelo Tribunal de Contas Catarinense e tem por finalidade atender à crescente demanda social que envolve as atividades do Ministério Público estadual”.

Pelo exposto, a Procuradora-Geral da República opina pela procedência do pedido.

Brasília, 19 de dezembro de 2018.

Raquel Elias Ferreira Dodge

Procuradora-Geral da República

Referências

Documentos relacionados

Diante do exposto, no que tange a atual conjuntura dos SAIs, o referido projeto tem como objetivo central analisar as características da população atendida

FIGURA 12 – Cocho auxiliar na baia para alimentação dos leitões Fonte: Arquivo pessoal.. Há relação positiva entre aumento da altura das vilosidades do intestino

Embora não seja relevante para os fins do presente parecer, é preciso fazer um esclarecimento, para que se tenha uma visão completa de como deve funcionar um processo penal

A adoção do processo eletrônico de votação e o seu paulatino aperfeiçoamento constituem conquista do sistema eleitoral brasileiro, orientado pelo fortaleci- mento da

(trecho do voto do Min. - Taxa judiciária e custas: são espécies tributárias, classificando-se como taxas, resultando da prestação de serviço público específico

2 Art. As custas judiciais, destinadas exclusivamente ao custeio dos serviços afetos as atividades específi- cas da Justiça e prestados exclusivamente pelo Poder Judiciário, têm

Ao fazê-lo, violou (i) a determinação constitucional de repasse a Estados e Distrito Federal de 29% do produto da arrecadação da CIDE-combustíveis; (ii) a vedação de

134/135: “QUE a gráfica Flamar já prestou serviços de gráfica a BETINHO GOMES no valor estimado de R$42 mil re- ais aproximadamente, valor esse que inclusive não foi quitado/pago;