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TRATADO DAS AÇÕES -PONTES DE MIRANDA.TOMO 6

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TRATADO DAS AÇÕES - TOMO VI -Ações mandamentais

Tábua sistemática das matérias

Parte 1

Ações mandamentais em geral

Capítulo único

Conceito e natureza da ação mandamental

§ 1. Conceito e espécies da ação mandamental. 1.Conceito da ação mandamental. 2. Ação mandamental tipica

§ 2. Eficácia mandamental. 1. Eficácia mandamental imediata. 2. Eficácia mandamental mediata. 3. Eficácia

imediata e mediata nas ações mandamentais. 4. Ação de caução “embutida” em ação cominatória

§ 3. Concepção e classificação da ação mandamental. 1. Inicio da investigação. 2. Pressupostos da ação

man-damental Parte II

Ações mandamentais especiais

Capítulo 1

Ação de habeas corpus

§ 4. Precisões conceptuais. 1. Ação mandamental. 2.Habeas corpus e sua história. 3. Liberdade física.

4. Dados históricos

§ 5. Pressupostos da ação. 1. Legitimação ativa. 2. Transgressões disciplinares. 3. Estado de sítio, estado de guerra e estado de defesa. 4. Ação de habeas corpus e recurso pendente

. 5. Ilegalidade da coação.6.Abuso do poder

§ 6. Classificação da ação de habeas corpus.1. Natureza e eficácia da sentença sobre pedido de habeas corpus.

2. Eficácia imediata e mediata. 3. Processo. Capítulo II

Mandado de segurança

§ 7. Conceito e fatos históricos. 1. Mandado de segurança e mandado de habeas corpus. 2. Evolução da técnica

legislativa. 3. Dados históricos. 4. Justiça, erro e ensejo de correção. 5. Pretensão mandamental e pretensão-conteúdo

§ 8. Natureza e eficácia da ação de mandado de segurança. 1. Ação e sentença. 2. Autoridade pública, ou gente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público, ofensora ou ameaçante. 3. Certeza e liquidez do direito. 4. Questão de contrariedade à Constituição federal ou à Constituição estadual, a direito material e a direito formal. 5. Irrecorribilidade e incorregibilidade. 6. Legitimação passiva

§ 9. Atos atacáveis. 1. Atos administrativos revogáveis ou reconsideráveis. 2. Prazo preclusivo. 3. Direito

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Capitulo III

Ações possessórias mandamentais

§ 10. Conceitos e precisões. 1. Posse, poder fático. 2.Posse de coisas incorpóreas

§ 11. Espécies de posse. 1. Posse imediata e posse mediata. 2. Pluralidade possível de posses mediatas.

3. Unicidade da posse imediata. 4. Medidas constritivas. 5. Posse e limites. 6. EnfiTeuse e posse. 7. Ação pos-sessória contra o senhorio

§ 12. Ação de manutenção. 1. Proteção interdital. 2. “Intenlicta retinendae possessionis”. 3. Reintegração,

recuperação. 4. Forma do processo

§ 13. Interditos e outras medidas. 1. Ações interditais.2.Elementos eficaciais. 3. Legitimação ativa. 4.

Legiti-mação passiva. 5. Posse, pré-contrato e contrato. 6. Ação de esbulho contra terceiro. 7. Servidor da posse,, legitimado passivo. 8. Composse e defesa. 9. Postulação e prova. 10. Fato do réu. 11. Data da ofensa. 12. Só se mantém, segundo os princípios, quem tem posse. 13. Justificação prévia. 14. Se há duplicidade da ação de manutenção; “actio duplex”. 15. Alegação de domínio. 16. Dúvida sobre a posse, não quanto ao domínio

Capítulo IV

Interdito proibitório Capítulo III

Ações possessórias mandamentais

§ 14. Origens e outros dados. 1. Interdito proibitório, origens. 2. Posse e interdito proibitório. 3. Ação de força

iminente. 4. Pressupostos. 5. Infração do preceito

§ 15. Procedimento. 1. Mandado de manutenção, eventual. 2. Autuação e mandado. 3. Contestação. 4. Curso

ordinário

Capítulo V

Ação de Sequestro com a destituição de inventariante

§ 16. Pressupostos da ação. 1. Pedido de destituição de inventariante. 2. Causas da remoção. 3. Sentença de

remoção de inventariante e Sequestro da herança. Capítulo VI

Ação de extinção de usufruto ou fideicomisso sem culpa do titular

§ 17. Conceito e eficácia. 1. Usufruto. 2. Fideicomisso.3. Extinção de usufruto e de fideicomisso. 4.

Competên-cia para a ação de extinção de usufruto e de fideicomisso

Capítulo VII

Embargos de terceiro

§ 18. Conceito e natureza. 1. Terceiro e embargos de terceiro. 2. Elemento preponderante da ação de embargos

de terceiro. 3. Outras ações que tocam ao terceiro.

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ter-ceiro. 2. Pendência de ação executiva

§ 20. Pressupostos da ação de embargos de terceiro. 1. Mandamentalidade dos embargos de terceiro. 2.

Le-gitimação ativa do terceiro. 3. Ato processual contra o qual se embarga. 4. Embargos de terceiro contra atos de jurisdição voluntária. 5. Divergência entre a decisão na ação e a decisão dos embargos de terceiro. 6. Posse ou direito. 7. Ação de embargos e remédio jurídico possessório. 8. Créditos ainda não vencidos e execução embargável. 9. Legitimação processual passiva. 10. Embargos de terceiro e ação possessória. 11. Comunhão “ pro indiviso “ e embargos de terceiro. 12. Ações incluídas nos embargos de terceiro. 13. Litiogiiosidade de coisa e embargos de terceiro. 13. Litigiosidade de coisa e embargos de terceiro. 14. Terceiro credor do executado. 15.Interesse e motivação. 16. Embargos de terceiro e Sequestro.

§ 21. Tempo para a propositura. 1. Tempo em que se opõem os embargos. 2. Processo em autos distintos e

reunião dos autos. 3. Recebimento ou desprezo “in limine”. 4. Efeito de suspensão da execução. 5. Suspensão parcial e não-suspensão. 6. Nulidades do processo principal. 7. Partes na ação e embargante. 8. Alienação de bem em fraude. 9. Prazo e oposição a qualquer tempo. 10. Suspensão do procedimento e decisão do juiz. 11. Recurso pendente de terceiro e oposição de embargos de terceiro. 12. Sentença trânsita em julgado.

§ 22. Procedimento. 1. Mandado de entrega, dito mandado de manutenção. 2. Restituição de bens e frutos.

3. Provas na primeira fase do processo. 4. Contestação dos embargos de terceiro. 5. Foro do juízo constritor. § 23. Eficácia sentencial. 1. Natureza da sentença nos embargos de terceiro. 2. Elemento declarativo da

sen-tença. 3. Intervenção pelo réu da ação principal. 4. Conteúdo da ação de embargos de terceiro.

Capítulo VIII

Ação de modificação

§ 24. Conceito e natureza. 1. Preliminares. 2. Conceito de ação de modificação. 3. Natureza da ação de

modificação § 25. Eficácia da ação de modificação. 1. Preliminares sobre a eficácia da sentença. 2. Quando se pode propor

a ação de modificação. 3. Ação mandamental de modificação

Capítulo IX

Algumas ações mandamentais

§ 26. Precisões quanto a espécies. 1. Em caso de arrecadação. 2. Ação de reservas de bens. 3. Ação de extinção.

4. Ação de habilitação de herdeiros. 5. Registro civil e ações. 6. Extinção de fundações. 7. Outras ações. 8. Ação de embargos do devedor. Tabela I. Ações mandamentais. Tabela II. Ações de eficácia mandamental imediata. Tabela III. Ações de eficácia mandamental mediata

Parte III

Ações cautelares mandamentais e outras medidas cautelares Capítulo 1

Ações cautelares em geral

§ 27. Pretensões e ações de medidas cautelares. 1. Conceitos e classificação. Tabela IV. Classificação das

ações cautelares. 2. Pretensão à tutela jurídica cautelar. 3. Principiologia quanto às ações sobre medidas cau-telares. 4. Medidas especiais de segurança. 5. Ações mandamentais ou só de eficácia mandamental secundária § 28. Pressupostos e eficácia das ações de medidas cautelares. 1. Sistema Jurídico, ação e eficácia . 2. Pesos de eficácia das sentenças nas ações cautelares. 3. “ Ne iudex procedat ex officio “ . 4. Receio de Lesão grave ou de

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difícil reparação. 5. Atos nocíveis. 6. Coisa ou documento em poder da outra parte. 7. Superveniência de certos fatos e necessidade de se manter o “status quo”. 8. Medida cautelar e preparatoriedade. 9. Ineficácia relativa de atos de alienação e de gravame. 10. Posse e medidas de constrição cautelares

§ 29. Espécies de ações de medidas cautelares. 1. Força das sentenças na ações de medidas cautelares. 2.

Tentativas de fixação de força sentencial. 3. Exemplificatividade da enumeração. Tabela V. Ações cautelares.

Capítulo II

Ações cautelares em geral

1. Arresto

§ 30. Conceito e dados históricos. 1. Dados históricos.2. Origem da palavra “arresto”. 3. Elementos comuns e

diferenciais entre o “arresto” e o “Sequestro”. 4. Atos dispositivos ineficazes

§ 31. Pressupostos do arresto. 1. Arresto, pressupostos. 2. Titulo da divida. 3. Arrestabilidade e

inarrestabili-dade

§ 32. Eficácia sentencial. 1. Preponderância da eficácia. 2. Prescrição

II. Ação de Sequestro

§ 33. Conceito e espécies. 1. Conceito. 2. Espécies de Sequestro. 3. Eficácia sentencial

III. Busca e apreensão

§ 34. Conceito e espécies. 1. Conceito. 2. Espécies.3. Competência judicial e natureza da decisão. 4. Eficácia

sentencial

IV. Depósito de menores e incapazes

§ 35. Conceito e espécies. 1. Lide entre cônjuges e depósito de menores e incapazes. 2. Oposição a casamento

de incapaz. 3. Maus tratos e depósito cautelar. 4. Falta de pais, tutor ou curador, e depósito cautelar de incapazes

§ 36. Ação e sentença. 1. Eficácia sentencial. 2. Ação mandamental

V. Ação de posse em nome do nascituro

§ 37. Natureza e pressupostos da ação. 1. Nascituro e direitos. 2. Salvaguarda dos direitos do nascituro. 3.

Teo-rias. 4. Vir a ser e personalidade. 5. Afastamento do conceito de condição. 6. Dificuldades doutrináTeo-rias. 7. Viabilidade. 8. Saisina e posse. 9. Nascimento e cessação de eficácia

§ 38. Ação e procedimento. 1. Interesse do nascituro. 2. Herdeiros e outros interessados. 3. Provas. 4. Fatos

apreciados pela sentença. 5. Natureza da sentença.6. Posse de administração VI. Ação de atentado

§ 39. Conceito e espécies de atos de atentado. 1. Conceito de atentado. 2. Espécies de atentado. 3. Citação e

atos processuais subsequentes. 4. Atentado e causas para ação. 5. Pressupostos objetivos da ação de atentado. 6. Litispendência . 7. Terceiro e atentado. 8. Atentado e julgamento.

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§ 40. Legitimação ativa e passiva. 1. Legitimação processual ativa. 2. Legitimação processual passiva. 3.

“Status litis” e atentado

§ 41. Eficácia da ação e da sentença. 1. Finalidade da ação de atentado. 2. Eficácia da propositura da ação de

atentado. 3. Sentença na ação de atentado. 4. Após a “conclusio in causa” e na via recursal. 5. “Ratio legis” da regra jurídica sobre competência para a ação incidental. 6. Autuação. 7. Juízo ou juiz? 8. Defesa do acusado. 9. Sentença de reconhecimento do atentado e força mandamental. 10. Purgação do atentado. 11. Recurso e eficácia. 12. Restituibilidade da audiência ao demandado, se julgada improcedente a ação de atentado.

13. Atentante vencedor na ação principal.

§ 42. Multas e perdas e danos . 1.Multas e perdas e danos 2. Enunciado de dever. 3. Procedimento.

Capitulo III

Ações Cautelares constitutivas

I. Ação de separação de corpos

§ 43. Pressupostos da ação. 1. Separação preparatória de corpos 3. Separação preparatória de corpos. 2. Extensão da separação de corpos. 3.Separação de corpos e “ sequestratio.” . 4. Pressupostos e procedimento § 44. Precisões. 1. Conceito e natureza. 2. Eficácia sentencial

III.Produção antecipada de prova

§ 45. Diversas espécies. 1. Pretensão à segurança da prova: vistorias, arbitramentos, pericias e inquirições

cau-telares. 2. Interesse na ação

§ 46. Eficácia sentencia!. 1. Eficácia das ações. 2. Problemas de ligação de ações. 3. Espécies de segurança da

prova

IV.Ação de exibição de coisa, livro ou documento

§ 47. Natureza da pretensão. 1. Pretensão à exibição e ação cautelar de exibição. 2. Pretensão a que se exiba. 3.

Eficácia sentencial

V.Ação de caução cautelar

§ 48. Natureza e eficácia. 1. Caução medida cautelar. 2. Caução de dano infecto. 3. Prevenção de medida

pre-ventiva. 4. Caução e caução necessária. 5. Fazenda Pública. 6. Escolha da caução

§ 49. Procedimento e medidas. 1. Processo da ação de caução não-cautelar. 2. Valor e espécie. 3. Certificado do

registro provisório. 4. Pedido pelo caucionante. 5. Não-ocorrência de contestação

§ 50. Eficácia sentencial. 1. Sentença constitutiva integrativa. 2. Ocorrência da contestação. 3. Garantia

pres-tada

VI. Ação de alimentos provisionais

§ 51. Natureza da ação. 1. Alimentos e cautelaridade.2. Alimentos e medida cautelar. 3. Prisão e obrigação

de prestação de alimentos. 4. Conceito

VII.Ação cautelar de arrolamento e descrição de bens

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Capítulo IV

Ações cautelares executivas

I. Ação de obra de conservação

§ 53. Natureza e legitimação ativa. 1. Medidas cautelares de conservação de bens. 2. Legitimação ativa. 3.

Ação de vedação de reparos, benfeitorias ou alterações ou colheita II. Ação de entrega cautelar de bens próprios do autor

§ 54. Precisões e cabimento. 1. Ação cautelar de entrega de bens. 2. Eficácia sentencial

§ 55. Outras ações de força executiva. 1. Ações cautelares similares. 2. Ação de nunciação de obra nova.

Capítulo V

Medidas cautelares preparatórias e acessórias

§ 56. Preparatoriedade das medidas. 1. Cautelaridade e preparatoriedade. 2. Eficácia e preparatoriedade. 3.

Petição e atos processuais iniciais. 4. Ações cautelares não-acessórias. 5. Perda de eficácia da ação cautelar preparatória. 6. Contagem do prazo

Capítulo VI

Procedimento das medidas cautelares

§ 57. Pedido e atos processuais. 1. Breves referências.2. Ação cautelar pendente a lide. 3. Pendências da lide e

eficácia. 4. Modificação e revogação da medida cautelar. 5.Completamento da cognição inicial. 6. Terminação anormal da relação juridica processual. 7. Suspensão do processo e outras circunstâncias. 8. Direito anterior e direito vigente. 9. Novo pedido após indeferimento. 10. Revogação da medida e readmissão

§ 58. Eficácia da decisão favorável. 1. Eficácia da medida cautelar. 2. Cessação de eficácia de pleno direito. 3.

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Parte 1

Ações mandamentais em geral

Capítulo Unico

Conceito e natureza da ação mandamental

§ 1. Conceito e espécies da ação mandamental

1. Conceito da ação mandamental. A ação mandamental é aquela que tem por fito preponderante que alguma pessoa atenda, imediatamente, ao que o juízo manda. Alude-se, no étimo, à mão, à manus, e a semelhantes palavras de outras velhas línguas. Porque quase só se trabalhava com a mão, formou-se o Mann, o homem, em tantas zonas do mundo. Com a mão, aponta-se, mas o mandamento refere-se ao movimento da mão e à premên-cia de obedecer. Foi grave erro dos juristas menosprezarem a busca dos pesos de mandamentalidade nas ações e nas sentenças.

2. Ação mandamental típica. A ação mandamental típica supõe que o juiz decida após o exame dos elementos contenutísticos, e de tal modo se considere baseada, acertadamente, a sua decisão, que ele possa mandar. Compare-se com a que, preponderante-mente, apenas declare, com a que, com o peso 5, constitui (positiva ou negativamente), ou condena, e com a que executa. Juiz que executa, ou se trate de ação fundada em título judicial, ou em titulo extrajudicial, não manda preponderantemente; daí, nas ações executivas típicas, o mandamento ser quasempre a eficácia imediata,

4.A função mandamental do juízo ou é exercida na própria sentença, ou é deixada a atividade posterior, dele ou de outrem. Quanto à retirada do mandado, isso depende do peso declarativo do julgado, ou de regra jurídica especial, que a pode fazer retirável, no todo ou em parte (cf. Friedrich Stein, (ilber die bindende Kraft der

ricbterlichen Entscbeidungen, 7, nota 4).

§ 2. Eficácia mandamental

1. Eficácia mandamental imediata. A eficácia mandamental imediata aparece em ações de alta relevância no mundo jurídico. Basta pensar-se, de início, na ação declarativa típica, na ação de usucapião, na ação de consignação em pagamento, na de verificação de crédito, na de abertura de sucessão definitiva, na ação de filiação, declarativa (e na própria ação de filiação, constitutiva), e noutras ações declarativas. Nas ações constitutivas, a eficácia mandamental imediata aparece na ação do pré-contraeníe vendedor para o depósito, se o comprador não assina a escritura na de remição de imóvel hipotecado, na de substituição do devedor, para haver o preferente a indenização pelo terceiro adquirente, na de investidura da inventariança, na de separação de bens para pagamento de dívidas da partilha, na de cumprimento de testamento, na constitutiva de curadoria, na de gravame ou alienação de bens dotais, na de cancelamento do registro de bens de família, nas de organização ou de extinção de fundação, na de modificação da organização, na de suprimento de assentimento, inclusive na de ratificação, na de sub-rogação, na ação de negócios jurídicos sobre bens de incapazes, na de protesto, na de notificação, na de interpelação e na de protesto cambiário.

A ação de modificação de organização é de eficácia mandamental imediata. Não se há de confundir com a ação de modificação da sentença.

É interessante observar-se que tal imediatidade é peculiar a quase todas as ações declarativas e constitutivas. Aliás, a maioria das ações de eficácia mandamental imediata é constitutiva.

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2. Eficácia mandamental mediata. Na ação de renovação de contrato de locação, e, portanto, nas de igual estrutura, na de nunciação de obra nova demolitória, na de eleição e de nomeação de cabecel e nas de nomeações de inventariante, tutores e cura-dores, a mandamentalidade é mediata, no futuro. Na ação de demarcação de terras (segunda fase), nas de inventário e partilha, na de petição de herança vacante (declarativa negativa), na de habilitação de herdeiros, na de verificação de créditos, na de dissolução e liquidação de sociedade, na de obra de conservação em coisa litigiosa, na de arrematação, dá-se o mesmo, ou porque a execução possa não ter transferido a posse, ou porque, sendo declarativa a ação, se precise de mandado, aí, efeito mediato, devido a outro elemento que ficou entre a eficácia preponderante e a mandamentalidade (na ação de petição de herança vacante, a condenatoriedade; na de habilitação de herdeiro, a executividade; na de verificação de crédito, a constitutividade).

Quando a mandamentalidade é 3, tem-se de pedir, como eficácia mediata de decisão, o cumprimento. Não o determina na própria sentença o juiz. O interessado pede, não reclama. Reclama ele quando não se expediu, ou não cumpriu o mandado, produzindo-se, imediatamente, a eficácia mandamental.

No Tomo 1, 311-3 18, cogitamos da ação de modificação da sentença, que é mandamental. E preciso não se confundir com falta de coisa julgada formal a modificabilidade do que foi decidido, se proposta ação de modificação. A ação de modificação supõe que a sentença mesma, que formalmente transitou em julgado, possa ser alterada no que dispusera para o futuro; a eficácia no futuro é que está sujeita, devido à natureza da sen-tença, a mudança, se o juízo a reconhecer.

3. Eficácia imediata e mediata nas ações mandamentais. Nas ações mandamentais, quasempre há a eficácia imediata de declaratividade. A eficácia mediata está nos outros casos, exceto na ação de atentado e na de revisão de aluguel.

A constitutividade é eficácia imediata na ação de interdito proibitório, na de averbação do registro civil, na de revisão de aluguel e na de reserva de bens, na falência. Mediata, na ação mandamental típica, na de mandado de segurança, na de depósito judicial em caso de avaria.

Raramente ocorre que a ação mandamental tenha a eficácia imediata de condenação (ação de nunciação de obra nova pelo embargante, 3, 1, 4, 5, 2; ação de remoção ou destituição de inventariante culpado, 3, 2, 4, 5, 1; às vezes, em ação de embargos de terceiro, 2, 1, 4, 5, 3; ação de atentado, 2, 1, 4, 5, 3; ação de regulação de avarias, 3, 1, 4, 5, 2). A eficácia mediata (3) de condenação aparece em casos relevantes (ação de habeas

corpus, de caução “embutida” em ação cominatória, de manutenção de posse).

A eficácia executiva imediata surge na ação de posse em nome do nascituro e na de entrega de objetos próprios. A eficácia mediata está na ação de manutenção provisória, na de habilitação de herdeiros nos casos de direito de construir, inclusive em terreno rural, na de embargos (de terceiro) contra a arrecadação, na de abertura de sucessão provisória, do ausente que aparece depois da sucessão definitiva, na de habilitação em arrecadação de bens do ausente, acudindo a provoca tio ad agendum, na de habilitação de herdeiros nas arrecadações, na de revisão de aluguel, às vezes na de embargos de terceiro.

4. Ação de caução “embutida” em ação cominatória. Na ação cominatôria, proposta por titular de direito real, pode ser pedida a prestação de caução pelo demandado, indicado, desde logo, o valor. Trata-se de ação de caução embutida na ação cominatória, se há perigo iminente. O juiz aprecia a indicação do valor, com os elementos constantes dos autos e as diligências que ordenar. A caução de dano infecto é medida acessória, e não necessária: o dano pode ser, desde já, iminente, ou prever-ser iminente. O que dá ensejo à ação de caução não é a probabilidade do dano, mas sim a sua iminência, o periculum in mora. Daí poder pedi-la o titular, a qualquer tempo.

O juiz pode ouvir perito ou peritos e determinar as diligências que lhe pareçam necessárias.

A caução de dano infecto perde razão de ser se o demandado procede à demolição (1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, 2 de março de 1950, OD 31 de agosto), salvo se já houve danos.

A decisão do juiz, se o demandado não impugna o pedido, é preceptiva sine clausula. Tal mandado tem efeito preclusivo e não admite discussão posterior. O processo e o cumprimento

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do mandado de caução de dano infecto de modo nenhum perturbam o andamento do processo cominatório principal.

No velho direito luso-brasileiro, discutia-se qual a cominação cabível se o réu não prestasse a caução. Respondia-se que se dava a caução como prestada, 011 sequestrariam os bens. Hoje, o que se há de entender é que se há de proceder com execução do ato que se pediu na ação principal, ou com as reparações necessárias, ou com essas e aquela, conforme a lei ou o negócio jurídico.

O sistema jurídico cógita da titularidade das entidades estatais, e atende a que elas possam alegar a urgência, verificada por perito, a fim de se cumprir imediatamente a providência que foi pedida, com a ressalva de poder o juiz, na sentença, declarar o direito à indenização e inserir a condenação. Quanto às próprias construções iniciadas ou feitas sem licença da autoridade competente, não são demolíveis se veril ira que foram atendidos os pressupostos que a lei estabelece (isso não retira ao demandado o dever de pagar o valor da licença ou das licenças, de depositar as plantas e documentos que deveria ter entregue para o arquivo e de solver a multa ou as multas em que incorreu). A decisão do juiz, na espécie, supre-se de cognição incompleta, mas sem se poder considerar medida de arbítrio judicial ou ato administrativo. O juiz leva a cabo, desde logo, a demolição, ou a destruição de plantações, ou outras interferências, de modo que o cominatório é substituído, no início, pela execução específica. A ação é mandamental. A entidade estatal tem o ônus de alegar e provar que as obras não poderiam ter licença, nem podem ser alteradas a ponto de satisfazerem o que é exigido (cf. 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, 6 de agosto de 1951, (RF V/522). A 5ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 29 de setembro de 1950 (RT 189/690), falou de ‘não resultar prejuízo a terceiros, nem estar em jogo interesse coletivo”; porém, seria ir-se além da função da entidade estatal, do juiz. E preciso que se trate de exigência que está na lei, senso lato. Se é possível atender-se à lei, ao regulamento ou outra fonte jurídica, então pode ser feita a prova dessa alegação (e. g., pode ser desviada a fumaça que seria danosa a edifício tombado; cf. Tribunal Federal de Recursos, 3 de abril de 1950, 131/426). A impossibilidade pode ser material (física), ou ser conceituada por alguma regra jurídica. Somente as obras apontadas na petição inicial podem ser demolidas. Se alguma obra, ou algumas obras sobrevém, tem de ser feito outro pedido, ou têm de ser feitos outros (3ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 6 de dezembro de 1951, RT 198/2 17), salvo se em continuação das que foram indicadas.

§ 3. Concepção e classificação da ação mandamental

1. Início da investigação. As ações mandamentais típicas têm 4 de declaratividade, 3 de constitutividade, 2 de condenatoriedade, 5 de mandamentalidade e 1 de executividade. Todas as sentenças, quaisquer que sejam as ações, podem ser sobre o mérito, ou apenas de extinção da relação jurídica processual. Aqueles juristas que afastam a classe das ações mandamentais erram palínarmente; mais ainda, os que vêem, no julgamento do mérito, quaisquer que sejam as ações, mandamento. Seria confundirem-se com os atos processuais de mandado

(e. g., mandado de citação) as sentenças que mandam. Aqui, a ação, de direito material, é inandamental, e a

sentença na”ação”, na lide, atende à característica da ação que foi proposta. Há o direito, a pretensão e a ação, para, no plano processual, se obter o mandado. O mandado pode ser dirigido a outro órgão do Estado, ou a algum sub-órgão da justiça, ou a alguma pessoa física ou jurídica.

Desde 1914, com o trabalho de Georg Kuttner (Urteilswirkungen ausserbalb des Zivilprozesses, 21 s., 31 s.), alguns juristas se preocuparam, não todos, nem mesmo muitos, com a ação mandamental. Mas faltava a investigação lógico-matemática da classificação científica das ações e das sentenças, onde, no estrangeiro e no Brasil, principalmente por influência dos livros italianos, há balbúrdia, e até absurdos na enumeração das classes de ações.

O que antes de tudo importa saber-se é que, com a ação de direito material, se propõe a “ação”, a lide, cujo rito depende da lei processual, e o que se espera é a sentença que mande. Entenda-se: a sentença favorável. Muito diferente é o que se passa com as ações condenatórias, cujo peso 3 de executividade permite que se proponha a ação executiva de sentença. Há, no procedimento da ação executiva de sentença, como no da ação executiva de título extrajudicial, o pedido inicial de citação. Mas esse mandado, que é para se citar, nada tem com a sentença na ação de condenação (5 de condenatoriedade, 3 de executividade), porque a sentença condenatória apenas deu ensejo à propositura da ação executiva e o ato de mandado, para a citação, nada tem de sentencial. Dai o erro gravissimo de dizer James Goldschmidt (Zivilprozessrecht, 1A ed., 1929, § 15 a; 2ª ed., 1969, § 15 a) que a

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ação de condenação já é uma ação de mandamento, pois o titulo executivo contém em si um mandado executivo dirigido ao órgão para que o efetive. Ora, aí, a ação, sendo de condenação, sendo típica, somente tem 1 de manda-mentalidade, e algumas vezes 2, rarissimamente 3 ou 4 (3, na ação de pedido de prêmio ao achador; 4, na ação confessôria e na negativa; cf. Tomo V, 89-101 e 102-111. A confusão, corriqueira, entre mandado

intraprocessual, que depende de mero despacho, ou decisão interlocutória, e o mandado sentencia1, tem levado

a grandes erros. Sempre que alguém ordena ou manda, sem ter conteúdo e eficácia de sentença o mandamento, de modo nenhum se pode falar de sentença mandamental, seja ela de força mandamental (5), seja de eficácia mandamental imediata (4), ou mesmo mediata (3).

2. Pressupostos da ação mandamental. Tem-se de partir de haver a pretensão pré-processual, que é a tutela jurídica, a pretensão e a ação de direito material. Pense-se na ação de habeas corpus, na ação de mandado de segurança, na ação de manutenção de posse, no interdito proibitório, na ação de arresto, de seqüestro, de busca e apreensão, de embargos de terceiro, de atentado, de posse em nome do nascituro e tantas outras. Não deixa de ser surpreendente que, através de tantos séculos, não se vislumbrasse a classe de tantas ações, evidentemente in-confundíveis com as das outras quatro classes.

A sentença, que se profere na ação mandamental, tem, como efeito máximo, 5 de mandamentalidade; após ele, vem o efeito imediato, 4, que é o de declaratividade, mas espécies há em que se diminui o elemento declarativo, 3, na ação de interdito proibitório, na ação de nunciação de obra nova só do embargante, na ação de Sequestro com a remoção do culpado, na ação de averbação no registro civil, na ação de instituição de bem de família, na ação de Sequestro, na ação de entrega de objetos próprios, na ação de depósito de filhos, na ação de posse em nome do nascituro, na ação de regulação de avarias e na ação de reserva de bens da falência. Não se diga, portanto, que há sentenças de mandamento que carecem de elemento declarativo:

só uma delas tem 1 de declaratividade, que é a de revisão de aluguel.

sentença mandamental não é predominantemente declarativa, posto que algumas tenham eficácia declarativa imediata. Nem, tampouco, predominantemente constitutiva: a própria execução provisória é ato de execução, em que o mandado é apenas intraprocessual. Nem é predominantemente condenatória, mesmo porque, em todas elas, o elemento condenatório imediato (4) somente aparece na ação de nunciação de obra nova pelo em-bargante, na de Sequestro com a remoção de inventariante, excepcionalmente na de embargos de terceiro, na de atentado e na regulação de avarias. Nem é predominantemente executiva, pois o próprio elemento de executividade, como eficácia mediata, só exsurge na ação de posse em nome do nascituro e na ação de entrega de objetos próprios. Temos de ater-nos à investigação e às conclusões científicas.

Sem o exame, o conhecimento das cinco classes de ações, com as essenciais diferenças e os elementos internos que se distribuem entre elas, fazendo ressaltar o elemento preponderante, não se poderia nem se pode caracterizar a ação mandamental.

Tudo que até aqui dissemos só se refere à natureza das ações mandamentais em geral, mas, principalmente, à ação mandamental típica. De agora em diante temos de mostrar as principais ações mandamentais, para que se lhes apontem as características. Com isso, efetivamente se consegue mostrar o que, infelizmente, faltou ao século passado e estava a faltar neste século.

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Parte II

Ações mandamentais especiais

Capítulo 1

Ação de habeas corpus

§ 4. Precisões conceptuais

1. Ação mandamental. A ação de habeas corpus é a mais relevante ação mandamental, por sua ligação direta ao ser humano. Daí, desde 1916, termos dedicado ao instituto muito da nossa atividade intelectual (História e

Prática do Habeas Corpus, 1972, 7ª ed. Aqui, temos de resumir o que dissemos.

2.Habeas corpus e sua história. O instituto do habeas corpus é instituto de direito formal, que o direito constitucional brasileiro elevou à categoria de direito constitucional. Há, portanto, no plano do direito material, ação. Não se trata de garantia institucional, porque se assegura o habeas corpus sempre que se dá ilegalidade, ou abuso de poder, na restrição da liberdade física; não se disse, como a respeito da propriedade, que se garantia o direito ou a instituição. Tampouco, há garantia de status quo. Em virtude das regras jurídicas da Magna Carta, já que nenhum homem livre podia ser preso (imprisionetur), nem simplesmente detido (capiatur), sem que fosse condenado por seus pares ou pelas leis do pais, nisi per legale iudicium parium suorum, vel per legem

terrae. Aliás, esse julgamento do homem livre por seus iguais não era criação da Inglaterra. Os próprios barões

franceses tinham essa regra como de direito comum e, anteriormente, pertencera às velhas leis germânicas, em diferentes lugares e tempos, resistindo às reações (William Stubbs, The Constitutional History of England, 1, 537).

Havia três meios de livrar um inglês de uma prisão injusta: a) o writ de mão-tomada, ou ordem de entregar o acusado a um de seus amigos, ou afeiçoados que, assegurando o comparecimento dele, perante o juiz, à primeira citação, o tomava pela mão, simbolicamente; b) o writ de odio et atia, ou breve de bono et maio, que supunha estar presa a pessoa e acusada de morte, sendo, por isso, impossível a caução: o xerife sindicava se o indivíduo era acusado de ódio ou malvadez, cabendo novo writ (tradas in bollivum), se fosse caso de legitima defesa; c) o writ de homine replegiande, pelo qual se soltava o acusado mediante a caução derivada do

frankpledge. Esses meios, todavia, não eram eficazes e prontos. Como a detenção injusta de homem livre era

tão odiosa que o “direito inglês sempre procurou conceder contra essa ilegalidade meios de direito” (Edward Coke, Inst., II, 315; IV, 182), dos quais o mais prático tanto quanto mais expedito foi o writ of habeas corpus, tomou-se essa medida o processo preferido pelos britânicos. O privilégio dele, que só séculos depois obtiveram, constitui uma de suas mais contínuas aspirações. Em todo o caso, essa ordem, que era eficaz nos casos de prisão executada por particulares, não podia ser quando o opressor era o príncipe, ou rei, ou, por ele, alguém que o re-presentasse.

3. Liberdade física. ~Em que consiste a liberdade física? Quais os seus limites, as suas fronteiras, a sua definição técnica? Liberdade pessoal, no sentido estrito, foi a liberdade de locomoção, the power of locomotion, a liberdade física: ius manendi, ambulandi, eundi ultro citroque. Assim também ensinava William Blackstone

(Commentaires, trart. franc., 1, 23ª; cf. George Bowier, Commentaries on the Universal Public Law, 291),

quando dizia: “Imediatamente após a segurança pessoal, o princípio objetivo da lei inglesa é proteger e assegurar a liberdade pessoal dos individuos. Essa liberdade consiste no poder de mudar de lugar e de situação, ou de se transportar para qualquer lugar que se deseja, sem impedimentos, nem prisões, salvo se a lei o Sequestro ordenar devidamente”. Em que consiste essa liberdade misteriosa, demagógica, nós o sabemos de Montesquieu, no Capítulo III do Livro XI de seu Esprit des Lois: “à pouvoir faire ce que l’on doit vouloir, et à n’être point contraint de faire ce que l’on doit ne point vouloir”. Pura liberdade à Robinson Crusoe.

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impenetrabilidade dos caracteres psicológicos dos dois povos europeus. Uma é integral, dogmática, abstrata; a outra é concreta: divide-se, tem espécies... Ora a liberdade de imprensa, ora a liberdade de consciência, ora a liberdade física. Todas concernem a algum objeto sensível. Não são figuras metafísicas. Não volteiam nos domínios da ideologia. Todas pisam terra firme. Não querem o infinito, como aquela: apenas exprimem o conteúdo de seus limites. Se é a liberdade física, define-se em termos verbais invariáveis e salientes: ir, ficar e

vir.

Se tão irrecusável é a importância do direito de ir, ficar, e vir, não o é menos a sua demarcação. Onde não há manifestação exterior, não há, não pode haver liberdade física: há liberdade de cultos, de imprensa, de pensamento, ou o que quer que seja. Direito socialmente relevante e imprescindível para a vida prática do homem, o reconhecimento da liberdade física foi uma dessas conquistas históricas argamassadas em sacrifícios, heroismos e lutas sucessivas. Devia ter sido, originariamente, antes mesmo de se “justificar”, prerrogativa dita naturalmente inalienável, dessas que inspiraram os legisladores do Digesto a máxima: Ris ex facto nascitur. Depois veio a sanção da sociedade: a mútua promessa tácita de agir ex solo rationis dictarnine e, nesse estado novo, segundo Spinoza, o ius civitatis coincide não mais com o poder natural dos seres, e sim com a potentia

civitatis. As divisões enfraquecem-no, portanto, pouco a pouco. Algumas classes o perdem por completo.

Surgem mais tarde as reivindicações, ora prudentes, ora violentas e sôfregas. Através de todas essas contingências, o conceito da liberdade física não variou: foi sempre o direito de ir, ficar e vir, de andar e mover-se ultra et citro.

Restringir a liberdade física é cercear, abarreirar, por quaisquer meios impeditivos, o movimento de alguém,

obrigar o individuo a não ir e a não vir de algum lugar; constringi-lo a mover-se ou a caminhar; impedir-lhe que fique, vá ou venha. Esses meios proibitórios podem ser originados de lei legítima e, nesse caso, não fica menos íntegra a liberdade física, e podem provir de incompetentes, do arbítrio de outrem, autoridade ou particulares, e eis a figura jurídica da violação, punível pelo direito penal e remediável pelo habeas corpus se está em caso ato de atividade.

Habeas corpus eram as palavras iniciais da fórmula ou mandado que o Tribunal concedia e era endereçado a

quantos tivessem em seu poder, ou guarda, o corpo do detido. A ordem era do teor seguinte: “Tomai o corpo desse detido e vinde submeter ao Tribunal o homem e o caso”. Literalmente: tome, no subjuntivo (habeas), de

habeo, es, ul, itum, ere, ter, exibir, tomar, trazer. Por onde se vê que era preciso produzir e apresentar àCorte o

homem e o negócio, para que pudesse a Justiça, convenientemente instruída, estatuir sobre a questão, velando pelo indivíduo. O seu fim era evitar, ou remediar, quando impetradas, a prisão injusta, as opressões e as detenções, excessivamente prolongadas. Também nesse tempo, em caso de prisão preventiva, o acusado não devia ser tratado como os indivíduos já condenados, recusandose, destarte, a tal prisão, o caráter da pena. Por isso mesmo, o paciente devia comparecer à Justiça com as mãos e os pés livres: Custodes poenam sibi com

mis-sorum non augeant, nec eos torqueant; sed omni soevitia remonta pietateque adhibita, iudicia debit exsequantur (Reta, 1, 26).

4. Dados históricos. Obteremos idéia dos serviços prestados por esses remédios se tivermos em memória o que era a liberdade física nos povos antigos e na Idade Média. O direito de ir, ficar e vir era vaga noção teórica, sem as garantias necessárias que o efetivassem. As violações ficavam impunes. Por toda a parte, coagiam-se os individuos ilegalmente. Os próprios magistrados obrigavam homens livres a prestar-lhes serviços domésticos! Daí, as leis tendentes a proibir esses vexames, de que é exemplo o princípio de Carlos Magno (Cap. 793): “ut

ilios liberos homines comites nostri ad eorum opus servile non opprimant”.

Todas as formas anteriormente referidas e relativas à liberdade física emanavam do antigo direito e uso saxônicos. A livre caução, por exemplo, que tantos bens produzira, teve sua origem concreta nos tempos de Henrique 1 e Eduardo, o Confessor; mas a essência da instituição é de origem ainda mais remota. Já em lei de Edgardo 1, o theoding man é citado como subordinado a hundredes man, e a theoding o é, em Athelst., VI, 4, 8, § 1º, e, no século XI, em Knut (II, 20), que reinou do começo até meados desse século. A liberdade física já era protegida pela antiga Constituição judiciária saxônica; porém não havia então remédio jurídico processual a que, por sua virtude, se lhe pudesse atribuir o ser fonte do habeas corpus. Esse é posterior à própria Magna Carta, de onde procede, contudo, em seus princípios de direito subjetivo. A tal respeito disse Henri Halíam

(Histoire Constitutionnelle d’Angleterre, 1, 1.6): “Desde os primeiros tempos da Constituição, nenhum homem

livre podia ser detido, salvo se já estivesse acusado ou condenado criminalmente, ou por dívida civil. No primeiro caso, podia sempre o paciente pedir à Corte do Banco do Rei um writ of habeas corpus ad

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subiiciendum”. Não pensam assim, todavia, vários escritores modernos, dentre os quais, para não alongarmos

sobremodo a exposição, citamos um dos mais profundos em estudos sobre habeas corpus, L. Hammon (Habeas

corpus, Cyclopedia of Law and Procedure, 21, 282): “The first recognition of it (habeas corpus) is found in

Magna Charta, but there is ample evidence that it was im use before that time”. Havia, desde o século XIII, a coisa; e, portanto, intrinsecamente, o nome, que dela derivou.

Em termos de ciência do direito, mais exatamente: havia o direito e a pretensão à liberdade física; o remédio

jurídico processual veio depois.

Passemos a Portugal.

Nas Ordenações Afonsinas (1446), Livro III, Título 80, diz o § 5: “No segundo caso, honde tratamos dos autos começados, e naõ acabados, he achado em Direito huum soo caso, em o qual, ainda que naõ possam apelar, podem denunciar, segundo usança de cada huum Luguar: a qual denunciaçam ha tam grande ef feito e vigor como apelaçam. A saber, quando alguem edefica novamente alguuma obra, que a Mim he prejudicial, embargando-me a vista das minhas Cazas, ou alguti outra minha servidoem, que me seja devida, eu por mim posso denunciar ao dito edificante, lançando certas pedras na Obra segundo Direito, e usança da terra, que mais nam faça naquella obra, pois a mim he prejudicial. E se depois que a dita denunciaçam assy for feita, for mais edificado na dita Obra, sendo o Juiz da terra requerido pera elIo, mandará desfazer todo aquello, que assy mais for edificado, sem tomar outro conhecimento, se foi bem edificado, e depois que todo for tomado ao primeiro estado, entam tomará o dito Juiz conhecimento, e fará direito aas partes”. No § 6: “No terceiro caso, honde tratamos dos autos nom começados, mais cominatorios, Dizemos que a parte, que se teme ou recea ser aggravada, se pode socorrer aos Juizes da terra, improrando seu Officio, per que mandem prover como lhe nom seja feito tal aggravo”. No § 7: “E ainda Dizemos, que poderá fora do Juizo apelar de tal comminaçam, a saber, poendose sob poderio do Juiz, requerendo, e protestando da sua parte a aquelie, de que se teme ser aggravado, que tal aggravo lhe nom faça. E se depois do dito requerimento, e protestaçam assy feita, for alguúa novidade cometida, ou atentada, e o Juiz depois for requerido pera elIo, mandará todo tomar, restituir ao primeiro estado”. No § 8: “E em tal apelaçam, ou protestaçam assy feita deve ser inserta, e declarada a causa verisimil e resoada, por que assy apelou, ou protestou, como dito he nas outras apelaçoens. Pode-se poer exemplo: “Eu me temo de alguum, que me queira ofender na pessoa, ou me queira sem rezam ocupar, e tomar minhas cousas; se eu quero, posso requerer ao Juiz, que segure mim, e minhas

cousas delie, a qual segurança me deve dar; e se depois della eu receber ofença do que fuy seguro, o Juiz deve hy tomar, e restituir todo o que for cometido, e atentado depois da dita segurança dada, e mais proceder contra aquelie que a quebrantou, e menos presou seu poderio’.

As referências são à pessoa ou aos bens.

As ações eram mandamentais e havia a alusão à “segurança

Nas Ordenações Manuelinas (1512), Livro III, Titulo 62, §§ 4-7, reproduziram-se, com pequenas alterações, os textos afonsinos.

Tanto nas Ordenações Afonsinas como nas Ordenações Manuelinas, há alusão à “segurança”. Qualquer das ações era mandamental.

Nas Ordenações Filipinas (1603), Livro III, Título 78, §§4-6, aparece o que antes se estatuíra, com as referências à“pessoa” e às “coisas”, bem como à segurança e ao “mandado”. O que, depois, por influência da terminologia inglesa, chamamos “habeas corpus”, e o que se denomina “mandado de segurança lá estavam, em conjunto.

A Constituição do Império do Brasil não falou do habeas corpus. Todavia, o seu art. 179, § 8ª, era de liberalismo que podia comportar perfeitamente esse remédio jurídico processual. “Ninguém poderá ser preso sem culpa formada, exceto nos casos declarados em lei: e nestes, dentro de vinte e quatro horas contadas da entrada da prisão, sendo em cidades, vilas ou outras povoações próximas aos lugares da residência do juiz, e nos lugares remotos dentro de um prazo razoável, que a lei marcará, atenta a extensão do território, o juiz por uma nota por ele assinada fará constar ao réu o motivo da prisão, os nomes de seu acusador e os das testemunhas, havendo-as”.

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Estava de tal modo propagado o amor da liberdade no espírito brasileiro, na primeira metade do século XIX, graças aos novos políticos educados na Europa (abeberados de direito inglês e de idéias libertárias de França contemporânea, que se misturavam em sua formação moral), e aos fatores mesmos da alma secular do mundo, que a inserção do habeas corpus derivou, facilmente, da nossa primeira carta constitucional. Quanto a esse fato, ouçamos o que em 1870 dizia o deputado José de Alencar:

“... alguns pensam que o habeas corpus data do Código do Processo (1832); minha opinião é contrária. Entendo que, embora caiba aos autores do Código do Processo a glória de terem compreendido e tratado de desenvolver o pensamento constitucional, todavia o habeas corpus é instituição, o habeas corpus está incluído, está implícito, na Constituição, quando ela decretou a independência dos poderes e quando deu ao Poder Judiciário o direito exclusivo de conhecer de tudo quanto entende com a inviolabilidade pessoal”.

Entre 1832 e 1874 houve ligeiras modificações nas leis relativas ao habeas corpus, quer devidas a atos legislativos e regulamentos, quer à jurisprudência, que acentuou, aqui e ali, às vezes sabiamente, certos pontos controversos ou insuficientes. Uma dessas alterações foi a introduzida pela Lei de 3 de dezembro de 1841, a lei de “justiça russa”, como denominava o Manifesto político de 1869, “a velha árvore de Bernardo de Vasconcelos e do Visconde de Uruguai”, dizia José Tomás Nabuco de Araújo, “a cuja sombra cresceu o Império”. Essa lei estatuiu que se daria recurso de ofício da decisão concedendo soltura em virtude de habeas corpus, medida com que o liberalismo de nossos antigos homens públicos não conseguiu conformar-se. Pouco tempo depois, o Regulamento nº 120, de 31 de janeiro de 1842, considerou, expressamente, necessário esse recurso, que estabelecia certa coerência com a organização judiciária e dava às decisões maior acatamento e austeridade. Fora, portanto, o mesmo critério de dignidade hierárquica que inspirara à Lei de 3 de dezembro de 1841, o estabelecer que somente poderia conceder o habeas corpus o juiz superior ao que decretasse a prisão. Entre outras extensões louváveis, já o processo de habeas corpus admitia que por ele se fizesse o pedido de fiança, embora não tivesse sido interposto em tempo o recurso especial indicado em caso de denegação. Relativamente à forma do pedido, se ele não fosse bastante, mandava-se que o impetrante satisfizesse o que faltasse. Nos tribunais, o desembargador a quem se distribuisse, interrompendo qualquer outro serviço, examinava-o, e fazia fiel exposição verbal em mesa; após o debate da matéria, decidia-se, à pluralidade de votos, se cabia, ou não, a ordem simples ou com esclarecimentos. A decisão era lançada na petição e assinada pelos desembargadores que houvessem votado (José Antônio Pimenta Bueno, Apontamentos sobre o Processo Criminal pelo Júri, 75). As variações do período que se extrema em 1832 e 1871 não alargaram as aplicabilidades do habeas corpus senão no que decorria necessariamente da linguagem do Código do Processo Criminal. Esses limites, acentuados, de sobremão, pelos Regulamentos e Avisos do Ministério da Justiça, eram os que se podiam entrever no art. 3ª0 do Código do Processo Criminal e na explicação dada pelo memorável Aviso de 30 de agosto de 1863, que equiparava à prisão, para os efeitos da concessão do habeas corpus, todos e quaisquer constrangimentos ilegais à liberdade física, proviessem de autoridades administrativas ou judiciárias. A ameaça, porém, não orçava, então, em constrangimento, pois foi esse o maior serviço que aos brasileiros prestou a Lei nº 2.033, de 20 de setembro de 1871, no § 1ºdo art. 18. A tendência, como se vê, foi sempre a de se ampliar o cabimento do grande remédio jurídico, com que enriqueceram o direito brasileiro os autores do Código do Processo Criminal. Nem sequer se pode dizer que a excetuou a Lei de 3 de dezembro de 1841, tão ferinamente acoimada de severa por parte dos políticos liberais.

Para que se obtenha a noção real do estado de espírito antes da Lei n0 2.033, de 1871, que marcou nova fase na história do habeas corpus no Brasil, nada melhor se poderá recordar que a discussão travada no Senado, ao ser votado o projeto (elaborado pelas Comissões de Justiça Criminal e de Constituição da Câmara dos Deputados e emendado no Senado do império), de que resultou a referida lei. Estava no poder o Visconde do Rio Branco. Uma semana depois, surgiu a Lei de 20 de setembro de 1871, que aliviaria a consciência nacional do peso da escravatura. O ponto mais atacado pela oposição, que era o partido liberal, foi o de não se dar habeas corpus nos casos de pronúncia ou condenação. A discussão no Senado mostra a lucidez dos políticos daquele tempo, profundamente interessados no acerto das regras jurídicas.

§ 5. Pressupostos da ação

1.Legitimação ativa. De 1832 a 1871, o habeas corpus era privilégio de brasileiros. O Código do Processo Criminal (Lei de 29 de novembro de 1832) apenas estabelecia, no art. 340: “Todo cidadão que entender que ele ou outrem sofre uma prisão ou constrangimento ilegal em sua liberdade tem direito de pedir uma ordem de

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estrangeiro requerer para si ordem de habeas corpus, nos casos em que esta tem lugar”. É de notar-se, portanto, que o estrangeiro defendia a sua liberdade, e o seu direito de pedir habeas corpus era limitado à sua qualidade de paciente. O brasileiro tinha-o de pedir para si, ou para outrem. Defendia-se a si e podia defender os outros, como se fora guarda da legislação. Em 1916, escrevíamos nós, no livro História e Prática do Habeas Corpus, p. 110, e então se assentou a doutrina e com ela a jurisprudência no sentido do direito público subjetivo da

mulher a pedir habeas corpus para si ou para outrem: “Como se devia entender a palavra “cidadão” do art. 340

do Código do Processo Criminal? No significado de “brasileiro”; e tanto isso é certo que, para favorecer aos estrangeiros, foi preciso que a Lei nº2.033 expressamente o determinasse, como vimos. Havia, porém, dúvida: a podia a mulher pedir habeas corpus? A resposta dos juristas foi afirmativa, limitando esse direito aos casos em que o pedisse para si, ou para seu marido, de acordo com os termos da lei. Não concordamos com essa interpretação. Tem-se de saber se a mulher está incluída, ou não, no disposto no art. 3ª0 do Código do Processo Criminal: “Todo cidadão que entender que ele ou outrem sofre uma prisão ou constrangimento ilegal em sua liberdade temdireito de pedir uma ordem de habeas corpus em seu favor”. Ou a mulher está incluída na palavra

cidadão, e, nesse caso, pode pedir para si, ou para outrem; ou não está incluída, e, nesse caso, não tem o direito

de pedir, nem para outrem, nem para si. Não há por onde se falsear o raciocínio. E o que está escrito. Qualquer das duas interpretações extremas é defensável: a intermediária absolutamente não o é. A “incapacidade” jurídica da mulher concerne apenas ao litigar em juízo, e não aos atos que pertencem à defesa de seus direitos inalienáveis, que o casamento não ablui”. Daí em diante não mais se negou à mulher-solteira, casada, separada judicialmente ou divorciada ou viúva, nacional ou estrangeira — a pretensão ao remédio jurídico processual, constitucional, do habeas corpus, para si ou para outrem.

A exegese e a crítica do habeas corpus, como foi prometido na Constituição de 1891, deviam partir da mais singela e nua exposição literal, apenas comparada com a linguagem dos decretos anteriores, em que o contemplara, já com a mesma intenção e termos, o Governo Provisório. Foi o período agudo de transformação jurídica, sob todos os títulos memorável. Antes, simples remédio jurídico processual, extinguível pelos legisladores ordinários. Desde aí, o habeas corpus adquiriu, em seu novo nascedouro, o caráter de direito constitucional inderrogável e imperativo. Não lhe improvisaram essa nova feição os constituintes republicanos. A admissibilidade do recurso, para o Supremo Tribunal Federal, em todos os casos de denegação, grande serviço que ao regime prestou o Decreto nº848, de 11 de outubro de 1890, confirmado, neste ponto, pelo art. 61 da Constituição de 1891, integrou a nova situação jurídica criada pela regra jurídica inserta na Declaração de Direitos.

Antes, ao tempo do Império, o habeas corpus consistia apenas no modus operandi, como diria Bacon, isto é, na maneira pela qual a lei relativa à liberdade física produzia o seu efeito, quando violada; desde 1891, dada a sua inserção constitucional, nada mais nos restava do que aceitá-lo como o produto de evolução subitônea, como aprazia a Bateson e a De Vries, saindo, por variação descontínua, de tipo jurídico, já formado para espécie nova, que tanto é dizer, do modus operandi, para a situação superior, imprevista, de efeito, que deve produzir a lei, aperatio statuti: de forma de direito, ou remédio jurídico processual, para a categoria máxima, politicamente fundamental e juridicamente suprema, de direito constitucional. Essa é a conclusão a que chegaria quem quer que meditasse o texto legal de 1891: “Dar-se-á o habeas corpus . Assim o disse o constituinte, assim se havia de entender. Tal é o critério único que nos poderia dar o exame objetivo dos fatos. (Essas palavras escrevemos em 1916, há mais de meio século).

2. Transgressões disciplinares. A propósito da exclusão do habeas corpus, no tocante às transgressões

disciplinares, são pertinentes algumas considerações que digam do verdadeiro conteúdo do enunciado, bem

como da significação, em técnica legislativa constitucional, da referida regra jurídica. Historicamente, lembre-mos que, ainda antes da Revisão de 1925-1926, o Supremo Tribunal Federal (13 de junho e 3 de dezembro de 1910, 12 de maio e 2 de dezembro de 1911, 10 de abril e 11 de maio de 1912) assentara não ser caso de habeas

corpus o constrangimento resultante de prisão de militar, por autoridade militar, em caso de jurisdição restrita.

A lei dos funcionários públicos civis não cominava pena de prisão, ou outra restrição de liberdade, em princípio, a tais funcionários, de modo que não houve oportunidade, tanto quanto saibamos para que o Supremo Tribunal Federal se manifestasse sobre o habeas corpus, em caso de transgressão disciplinar, seguida de constrangimento à liberdade de locomoção. Tudo nos faz crer, todavia, que, se alguma vez se lhe houvesse dado tal ensejo, a sua decisão seria a mesma. No tocante aos pressupostos do habeas corpus, portanto, já no campo da dogmática, quer houvesse a regra jurídica de ressalva quer não a houvesse, como ocorria com a Constituição de 1891 e com a Revisão de 1925-1926, a solução seria a mesma.

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Quem diz transgressão disciplinar refere-se, necessariamente, a (a) hierarquia, através da qual flui o dever de obediência e de conformidade com instruções, regulamentos internos e recebimento de ordens; a (b) poder

disciplinar, que supõe a atribuição de direito de punir, disciplinarmente, cujo caráter subjetivo o localiza em

todos, ou em alguns, ou somente em algum dos superiores hierárquicos; a (c) ato ligado à função; a (d) pena, suscetível de ser aplicada disciplinarmente, portanto — sem ser pela Justiça como Justiça. Ora, desde que há hierarquia, há poder disciplinar, há ato e há pena disciplinar, qualquer ingerência da Justiça na economia moral do encadeamento administrativo seria perturbadora da finalidade mesma das regras jurídicas que estabelecem o

dever de obediência e o direito de mandar. Assim, com ou sem o texto constitucional, onde quer que aqueles

pressupostos se apresentem, não há cogitar-se de habeas corpus. Demais disso, o Poder Judiciário só aprecia a inconstitucionalidade ou a ilegalidade dos atos dos poderes públicos, não a injustiça intrínseca, naquilo em que qualquer dos poderes obra discricionariamente. Temos, pois, que a antiga jurisprudência e o atual texto constitucional se subsumem, como enunciados vedativos, noutro, de caráter mais geral, que vemos formulado, por exemplo, em dois acórdãos do antigo Supremo Tribunal Federal (17 de outubro de 1914 e 5 de julho de 1916): “o habeas corpus não é meio idôneo para impedir que a autoridade competente exerça atos que se compreendem na defesa das suas atribuições legais”. A pena disciplinar escapa a certos princípios rígidos que expõem as outras penas a apreciações judiciárias. No tocante ao habeas corpus, claro é que nunca se pode entrar na indagação da matéria probatória, que pertence aos recursos, e não ao remédio jurídico processual do

habeas corpus. Em consequência, qualquer ingerência, se estão compostos todos os elementos para a aplicação

da pena disciplinar, que permitisse à Justiça cassar ou suspender decisões disciplinares, seria atentatória do

princípio da separação dos poderes.

E possível, porém, que falte algum dos pressupostos. Se, nas relações entre o punido e o que puniu, não há

hierarquia, ainda que se trate de hierarquia acidental, prevista por alguma regra jurídica, porque essa hierarquia

também é e pode constituir o pressuposto necessário, de transgressão disciplinar não se há de falar. Basta que se prove não existir tal hierarquia, nem mesmo acidental, para que não seja caso de se invocar o texto consti-tucional, e o habeas corpus é autorizado. Mas hierarquia pode existir, completa, permanente, clara, sem existir o poder disciplinar: algumas vezes, o funcionário público, hierarquicamente superior a outro, não tem o poder de aplicar pena disciplinar ao seu subalterno. Por onde se vê que a hierarquia e o poder disciplinar, aquela, mais objetiva do que subjetiva, porquanto ligada ao serviço e à organização das funções, e esse, mais subjetivo do que objetivo, por constituir, tão-só, competência de punir, são pressupostos necessários, mas autônomos. Se há

hierarquia, se há poder disciplinar e há ato ligado à função, ligação cujo conceito pertence à lei mesma que

regula o poder disciplinar, a pena disciplinar pode ser aplicada, e nada tem com isso a Justiça. Se o ato é absolutamente estranho à função, e. g., se o funcionário público civil publica livro de versos, falta o pressuposto do ato ligado à função, e, pois, de transgressão disciplinar não se há de cogitar. O texto constitucional não veda o habeas corpus em tal hipótese. Ainda mais: é possível que haja hierarquia, poder disciplinar, ato ligado à função; e não haja pena. Seria absolutamente contra os princípios que se afastasse o remédio jurídico processual do habeas corpus. Assim, se não se está em tempo de guerra com país estrangeiro, e alguma autoridade militar, inclusive o chefe das Forças Armadas, que é o Presidente da República, condena, disciplinarmente, à pena de morte algum oficial ou praça, cabe o remédio jurídico processual do habeas corpus. Outrossim, se a autoridade civil ou militar aplica, disciplinarmente, pena de banimento, de confisco ou de prisão perpétua, ou, sem lei que lho permita, a de prisão.

A lei pode estabelecer prazo máximo para a prisão. O regulamento pode fixá-lo. Ou exigir processo, a que se haja de dar certo destino. A infração, pela autoridade militar, legitima o deferimento da ordem (cf. Supremo Tribunal Federal, 17 de agosto de 1918, RSTF 21/245 s.).

A limitação de ordem constitucional de modo nenhum pré-exclui as ações de habeas corpus, em se tratando de

crime militar.

Os Avisos do Governo Imperial de 19 de fevereiro de 183ª, nº 375, de 30 de agosto de 1865, e nº117, de 8 de março de 1876, entendiam que se podia conhecer de habeas corpus, em caso de réu militar, preso por crime militar. O Decreto n848, de 11 de outubro de 1890, art. 47, parágrafo único, explicitou-o.

3. Estado de sítio e estado de guerra e estado de defesa. O estado de sítio e o estado de guerra (zona bélica), a exemplo do estado de defesa, não suspendem o direito subjetivo público ao habeas corpus. Daí ser errado dizer-se, como fez a 1ª Câmara da Corte de Apelação do Distrito Federal, a 26 de março de 1936, que estava suspensa

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a garantia constitucional do habeas corpus. O habeas corpus não cabe nos casos em que a detenção é em virtude dos poderes oriundos do estado de sitio, porque então não é ilegal, nem inconstitucional, a detenção. Muito diferente é dizer-se que está suspenso o habeas corpus (não vêm ao caso termos do Decreto nº702, de 21 de março de 1936, art. 2º, porque, se o art. 20 houvesse suspendido a garantia do habeas corpus, nenhum

habeas corpus se poderia dar. Só não se daria habeas corpus quando, em consequência do estado de

emergência ou de estado de guerra, a detenção fosse legal). Aliás, entendendo certo, as Justiças disseram errado, porque, quando a detenção não interessava à segurança nacional, sempre o concederam. É exemplo o pedido deferido pela Corte de Apelação de Minas Gerais, a 27 de março de 1936, a despeito de falar, no acórdão, de suspensão do habeas corpus. Teria sido grande serviço à técnica jurídica o ter a Justiça, com mais cuidado, restabelecido a verdadeira compreensão dos efeitos excepcionais do estado de sítio, dito então estado de comoção intestina grave, diante das poucas luzes do redator do referido Decreto nº 702, art. 2º. As ditaduras são sempre férteis em mediocridades.

Algumas considerações precisam ser feitas. As Constituições fizeram constitucional a pretensão à tutela jurídica pelo habeas corpus. Se a prisão ou detenção é ilegal (pode ser, até, inconstitucional), o Estado tem de prestar o mandamento pedido (prestação jurisdicional). Apura-se é ilegal a prisão, para se atender, ou não, ao que foi pedido. A prestação jurisdicional éa sentença, que há de ser mandamental, em caso de deferimento do pedido, ou declarativa negativa, se o caso é de indeferimento do pedido. O estado de sitio altera as regras jurídicas concernentes à res in iudicium deducta, e não as regras jurídicas préprocessuais (constitucionais), ou processuais, sobre o remédio juridico do habeas corpus.

4. Ação de habeas corpus e recurso pendente. Tantas exceções há à regra jurídica “não cabe habeas corpus se há recurso em que se possa atender ao pedido”, que melhor fora não enunciá-la. A regra jurídica seria: se só em recurso pode ser atendido o pedido, não cabe habeas corpus. Mas o “só” faria ressaltar a tautologia. Se a nulidade é evidente, ou se não é crime o fato, ou se não está previsto, ou se ocorreu outro caso de inexistência, ou de cessação de punibilidade, não há por onde se excluir o pedido de habeas corpus. Outrossim, quando foi admitido recurso, contra a lei (Supremo Tribunal Federal, 17 de novembro de 1943, RF 100/128), ou se, decretada a nulidade da sentença condenatória, e. g., se não foi fundamentada, não se obedeceu à decisão, deixando-se de proferir nova sentença (6 de agosto de 1946, RF 109/195).

A injustiça da sentença, só por si, não pode ser apurada no processo de habeas corpus, que estaria reduzido a recurso. Mas, se a injustiça decorre de aplicação de lei que não existe, ou de lei que é nula (por inconstitucionalidade), ou ineficaz, cabe o habeas corpus. Dai o Tribunal de Justiça de São Paulo, a 8 de outubro de 1946 (RT 166/52), ter admitido exceções à regra jurídica (extrapolada) do não-cabimento, se argúi a injustiça da sentença (cf.1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, 24 de novembro de 1943, RF 99/154, Paraná

á 256).

5. iIegalidade da coação. A ilegalidade da medida pode não consistir na prisão, porém no processo do acusado, que corra, por exemplo, perante juiz incompetente. Se o auto de flagrante vale, surte os seus efeitos. Assim, já a antiga Corte Suprema, a 26 de agosto de 1936, concedera a ordem de habeas corpus, não para que se soltasse o réu, e sim para que fosse processado por juiz competente, desconstituindose a sentença condenatória, se houvesse, e todo o processado. A respeito veio à discussão saber-se constituía motivo relevante, para a demora da formação da culpa, a marcha do processo perante juiz incompetente. Alguns ministros, em maioria, entenderam que, in casu, não tendo havido abuso, mas equívoco, em que incorreu o próprio paciente, pois que deixou de arguir a incompetência na ocasião oportuna, não tendo provado, então, ser funcionário público, e ter procedido no exercício de suas funções, a permanência no juízo incompetente era motivo irrelevante. Outros ministros achavam que, sendo a prisão em flagrante medida de caráter provisório, como ocorre com a que deflui da pronúncia e com a preventiva, o decurso do tempo em juízo incompetente não constitui motivo relevante para a demora, de modo que concediam a ordem para ser solto o réu.

É possível conceder-se habeas corpus para se submeter o paciente a julgamento, por se considerar ilegal exigência que fora feita, podendo, na decisão, ser ordenado, em instrução, que se exclua a formalidade exigida (Corte Suprema, 20 de abril de 1936).

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como se o tivesse. A falsa autoridade usurpa-o; a autoridade incompetente, que exerce poder que compete a outrem, usurpa; a autoridade competente não usurpa, mas, de certo modo, exorbita, se abusa do poder.

§ 6. Classificação da ação de habeas corpus

1. Natureza e eficácia da sentença sobre pedido de habeas corpus. (a) Classificação exaustiva das sentenças diz-nos que as sentenças ou são declarativos, ou constitutivas, ou condenatórias, ou mandamentais, ou

executivas. Na melhor das classificações das sentenças segundo a sua eficácia, aliás, a única cientificamente

perfeita, tem-se, pois, como critério de separação entre elas, a força preponderante, sem se partir da pureza a

priori da eficácia de qualquer delas.

A sentença denegatória é declarativa, com ou sem reserva.

A sentença concessiva de habeas corpus, preponderante-mente, não declara, nem constitui, nem condena, nem executa, manda. Tivemos ensejo de mostrar-lhe partes que, por exemplo, declarem, ou condenem, ou constituam; porém essa não é a sua eficácia própria, a sua força. O que, em verdade, ela faz) mais do que as outras, é mandar: manda soltar, manda que se deixe o acusado prestar fiança, que se expeça salvo-conduto, que se dê entrada em tal lugar, que saia de tal lugar.

(b) O mandamento da sentença concessiva do habeas cor-pus pode consistir:

a) em ordem de soltura, se o paciente está preso ou detido. A ordem de soltura tem de ser obedecida, sem qualquer apreciação pelo tribunal, juiz, ou outra autoridade que seja coatora, porque não se trata de sentença que precise de actio iudica ti, como as sentenças condenatórias. Nas ações mandamentais, como a de habeas

corpus, a de arresto, a de Sequestro, a de busca e apreensão, a eficácia executiva é imediata, ao passo que, nas

ações constitutivas, o ato é—de regra— incluso e, nas ações condenatórias, mediato; em salvo-conduto, se a ordem de habeas corpus foi concedida para se evitar ameaça de violência ou coação ilegal; cem ser o paciente

admitido a prestar fiança ou ser-lhe conservada a que prestou. Se a ilegalidade decorre do fato de não ter sido

o paciente admitido a prestar fiança, o juiz arbitra o valor da fiança, que pode ser prestada perante ele, remetendo à autoridade os respectivos autos, para serem anexados aos do inquérito policial ou aos do processo judicial;

d) em ordem de remoção, para que o acusado seja submetido ao juiz competente (habeas corpus ad prosequendum);

e) em ordem para que se tome o testemunho de alguém, a que se impediu de testemunhar, por meio de

constrangimento à liberdade física;

f) em ordem para se mudar de prisão ou ordem para ser posto o acusado fora do lugar que se lhe impôs como residência.

Sobre o assunto, no livro sobre História e Prática do Habeas Corpus falamos das espécies britânicas.

(c) A sentença não deixa de ser mandamental, se a ilegalidade concerne à não-admissão à fiança. O juiz arbitra-lhe o valor, podendo ser prestada perante ele, remetendo os autos à autoridade junto à qual corre o processo, para serem anexados. Não é contrário à índole das sentenças mandamentais que o mandado seja aos oficiais do próprio juízo, ou ao escrivâo, para ato que seja assinado, ou não, pelo juiz sentenciante. Se a fiança é prestada perante a autoridade processante, apenas ressalta, ainda mais, o mandamento da concessão da ordem de habeas

corpus.

(d) Quando o paciente está preso em lugar que não seja o da sede do juízo ou do tribunal que concede a ordem, o alvará de soltura é expedido pelo telégrafo, se o há, observadas as formalidades estabelecidas na lei, ou por via postal. A juntada da cópia da decisão aos autos é de grande significação, pela eficácia mandamental da sentença; porém, ainda que o escrivão ou secretário do tribunal concedente não haja enviado a cópia, ou que o escrivão ou secretário do tribunal processante não a tenha recebido, ou não a tenha juntado, a eficácia é a mesma. A ordem de habeas corpus não se confunde com essa cópia, posto que a juntada da própria ordem baste.

Referências

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