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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO FRANCISCA JOCINEIDE DA COSTA E SILVA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

FRANCISCA JOCINEIDE DA COSTA E SILVA

―ACHO QUE VOCÊS VÃO SE SURPREENDER!‖

AS RELAÇÕES ESCOLA-FAMÍLIA NA CONSTRUÇÃO DAS IDENTIDADES DE GÊNERO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

JOÃO PESSOA – PB 2019

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FRANCISCA JOCINEIDE DA COSTA E SILVA

―ACHO QUE VOCÊS VÃO SE SURPREENDER!‖

AS RELAÇÕES ESCOLA-FAMÍLIA NA CONSTRUÇÃO DAS IDENTIDADES DE GÊNERO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba na linha de pesquisa Estudos Culturais da Educação como requisito para obtenção de grau de Doutora em Educação.

Orientadora: Professora Doutora Maria Eulina Pessoa de Carvalho

João Pessoa – PB 2019

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AGRADECIMENTOS

Meu eterno agradecimento à minha família: minha mãe Nacioneide Costa, meu pai Arimateia Neves, minhas irmãs Valéria Cristina e Jocileide Silva (que trouxe o sorriso do meu sobrinho Heitor para recarregar minhas energias), meus irmãos Henderson Jairus e Thiago Willian, minha tia Conceição Neves, meu tio Ivaldo Sales, e minha “pimpim” Juliana Neves. Nesse período longe, a certeza do amor de vocês foi o que me deu força e energia para prosseguir. Obrigada pela vida!

Wilmington Jr., “meu branquelo”, obrigada por sempre perguntar: “pegou no seu material hoje?”. Obrigada por estar comigo, pela paciência e pelas oportunidades. “Perto de você eu sinto como se estivesse em casa!”

Às professoras, monitoras, supervisora pedagógica e gestora do CREI, muito obrigada pela acolhida, o compartilhamento das experiências, lutas e glórias, e as amizades construídas! Contem sempre comigo. E às famílias que aceitaram colaborar com esta pesquisa, muito obrigada!

Agradeço à minha querida orientadora Profa. Maria Eulina Carvalho por me acompanhar nessa trajetória desde 2010. Sou infinitamente grata por suas contribuições em todos os aspectos. Muito obrigada!

Agradeço à banca examinadora, Maria Alice Nogueira, Nádia Salomão, Fernando Hermida e Jeane Félix, pela disposição em contribuir com suas análises para esta pesquisa. Muito obrigada!

Meus agradecimentos ao grupo de pesquisa Gênero, Educação, Diversidade e Inclusão, ao Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Ação sobre Mulheres e Relações de Gênero, ao Programa de Pós-graduação em Educação e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior, por me fornecerem os recursos necessários para o desenvolvimento do meu trabalho.

A todas as mulheres que lutaram e morreram para que eu, mulher, negra, nordestina e pobre, pudesse escrever uma tese e contribuir em busca de uma sociedade que valorize as mulheres, as crianças e a educação. Uma sociedade munida com educação prosperará, mas uma sociedade armada está fadada à morte. Muito obrigada!

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RESUMO

O objetivo desta tese foi analisar as relações escola-família no processo de construção das identidades de gênero das crianças, a partir da questão: como escola e família interagem no processo de construção das identidades de gênero das crianças na Educação Infantil? A pesquisa foi empírica, qualitativa e participante, ancorada nos Estudos Culturais da Educação e nos Estudos de Gênero. O referencial teórico considerou as discussões sobre gênero, infância, Educação Infantil no Brasil, relações escola-família e as construções das identidades de gênero na Educação Infantil. O argumento foi que as relações escola-família na Educação Infantil embasam a produção das identidades de gênero infantis, que podem vir a ser mais plurais e equânimes ou binárias e dicotômicas, a partir da promoção de oportunidades iguais de aprendizagem e desenvolvimento para meninos e meninas transformando as desigualdades de gênero. O local de pesquisa foi um Centro de Referência em Educação Infantil (CREI) de João Pessoa/PB, tendo como sujeitos as docentes, as monitoras, uma supervisora pedagógica, a diretora da instituição e os familiares. A produção dos dados iniciou-se em fevereiro de 2017 e finalizou em dezembro de 2018, utilizando as seguintes técnicas: entrevistas com corpo docente e gestão, gravadas em áudio; questionário e oficina com as famílias; e observação da rotina do CREI e da participação das famílias nos eventos da instituição. A análise de conteúdo norteou o plano de análise dos dados a partir das seguintes categorias: Concepções de gênero, Orientação das atividades, Brincadeiras, Banhos e Relações escola-família. Os resultados apontaram que as construções das identidades de gênero das crianças ocorrem por meio de uma pedagogia organizacional e visual, evidenciada nas decorações e comemorações do CREI, que reproduz as diferenças culturalmente atribuídas aos gêneros masculino e feminino. Embora se tenha observado a tentativa de superação das tradicionais separações e prescrições de gênero, em busca do respeito a cada criança, as concepções de gênero de docentes, monitoras e supervisora ainda são marcadas pelo binarismo e dicotomia. As educadoras do CREI e as/os familiares têm as mesmas perspectivas quanto à importância da participação da família na vida escolar das crianças, mas não há discussão nem acordo explícito ou formal sobre as construções das identidades de gênero infantis. O CREI assume uma política curricular e prática pedagógica que tenta não discriminar nem separar as crianças, exceto no banho. Mas não conhecendo efetiva ou amplamente as culturas familiares, que se constatou serem diversas, as educadoras, para evitar conflitos, baseiam suas práticas em suposições acerca das expectativas das famílias.

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RESUMEN

El objetivo de esta tesis fue analisar las relaciones escuela-familia en el proceso de construcción de las identidades de género de niños y niñas, desde la pregunta: ¿cómo escuela y familia interactúan en el proceso de construcción de las identidades de género de niños y niñas en la Educación Infantil? La investigación fue empírica, cualitativa y participante, anclada en los Estudios Culturales de la Educación y Estudios de Género. El marco teórico consideró las discusiones sobre género, infancia, Educación Infantil en Brasil, relaciones escuela-familia y las construcciones de las identidades de género en la Educación Infantil. El argumento fue que las relaciones escuela-familia en la Educación Infantil fundamentan la producción de las identidades de género infantiles, que pueden llegar a ser más plurales y ecuánimes o binarias y dicotómicas, a partir de la promoción de oportunidades iguales de aprendizaje y desarrollo para niños y niñas transformando las desigualdades de género. El campo de investigación fue un Centro de Referencia en Educación Infantil (CREI) de João Pessoa/Paraíba/Brasil, y tuvo como sujetos a las docentes, las monitoras, una supervisora pedagógica, la directora de la institución y los familiares. La producción de los datos se inició en febrero de 2017 y finalizó en diciembre de 2018, utilizando las siguientes técnicas: entrevistas con el cuerpo docente y gestión, grabadas en audio; cuestionario y taller con las familias; y observación de la rutina del CREI y de la participación de las familias en los eventos de la institución. El análisis de contenido orientó el plan de análisis de los datos a partir de las siguientes categorías: Concepciones de género, Orientación de las actividades, Juegos, Baños y relaciones escuela-familia. Los resultados apuntaron que las construcciones de las identidades de género de niños y niñas ocurren por medio de una pedagogía organizacional y visual, evidenciada en las decoraciones y conmemoraciones del CREI, que reproduce las diferencias culturalmente atribuidas a los géneros masculino y femenino. Aunque se ha observado el intento de superación de las tradicionales separaciones y prescripciones de género, en busca del respeto a cada niño y niña, las concepciones de género de docentes, monitoras y supervisora todavía están marcadas por el binarismo y la dicotomía. Las educadoras del CREI y los/las familiares tienen las mismas perspectivas en cuanto a la importancia de la participación de la familia en la vida escolar de los niños, pero no hay discusión ni acuerdo explícito o formal sobre las construcciones de las identidades de género infantiles. El CREI asume una política curricular y práctica pedagógica que intenta no discriminar ni separar a niños y niñas, excepto en el baño. Pero no conociendo efectiva o ampliamente las culturas familiares, que se constató que son diversas, las educadoras, para evitar conflictos, basan sus prácticas en suposiciones acerca de las expectativas de las familias.

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ABSTRACT

This dissertation aimed to analyse family-school relations within the process of children‟s gender identity construction, pursuing the following question: how do school and family interact in the process of constructing the gender identities of children in Early Childhood Education? The research was empirical, qualitative and participant, anchored in Cultural Studies and Gender Studies. The theoretical framework considered the discussions on gender, childhood, childhood education in Brazil, school-family relations and the construction of gender identities in Early Childhood Education. The argument was that school-family relations in Early Childhood Education support the production of children's gender identities, which may be plural and equitable or binary and dichotomous, by promoting equal learning and development opportunities for boys and girls, hence changing gender inequalities. The research filed was an Early Childhood Education Center located in João Pessoa/Paraíba/Brasil, and the subjects were the educators (teachers and aides, the pedagogical supervisor, the principal) and family members. Data production started in February 2017 and ended in December 2018, using the following techniques: interviews with educators, recorded in audio; questionnaire and workshop with families; and observation of the routine of the Education Center and of the participation of families in school events. Content analysis guided the data analysis plan including the following categories: Gender Conceptions, Activities‟ Pedagogical Guidelines, Play, Baths, and School-Family Relations. The results showed that the construction of children's gender identities occur through an organizational and visual pedagogy, evidenced in school decoration and celebrations, which reproduces the culturally attributed gender differences. Although the attempt to overcome traditional gender separations and prescriptions, in order to respect each child, has been observed, the gender conceptions of teachers, aides, and pedagogical supervisor are still marked by binarism and dichotomy. Educators and family members have the same perspectives on the importance of family participation in children's school life, but there is neither discussion nor explicit or formal agreement about the construction of children's gender identities. The Education Center adopts a curricular policy and pedagogical practice that tries not to discriminate or separate children, except during bath time. However, by not knowing the diverse family cultures effectively or extensively, which were found to be diverse, the educators base their practices on assumptions about the expectations of families, to avoid conflicts.

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

PPGE – Programa de Pós-graduação em Educação UFPB – Universidade Federal da Paraíba

ANPEd - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior SciELO – Scientific Eletronic Library Online

CREI – Centro de Referência em Educação Infantil

DCNEI – Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil BNCC – Base Nacional Comum Curricular

RCNEI – Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil PNE – Plano Nacional de Educação

PMEJP – Plano Municipal de Educação de João Pessoa PPP – Projeto Político Pedagógico

USF – Unidade de Saúde da Família PIBIC – Bolsa de Iniciação Científica

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...11

2. CONSTRUÇÕES DAS IDENTIDADES DE GÊNERO NA INFÂNCIA...23

2.1. Identidade...25

2.2. Gênero...27

2.3. Infância...33

2.3.1. Educação Infantil no Brasil...42

2.4. Relações escola-família...46

2.5. Construções das Identidades de Gênero na Educação Infantil...53

3. “VOCÊS METEM A MÃO NA MASSA!” PERCURSO METODOLÓGICO...57

3.1. O CREI: campo empírico...59

3.2. Produção e análise dos dados...65

3.2.1. Observação: ―Quando a gente tem essa troca é muito bom!‖...66

3.2.2. Entrevista: ―Porque tudo que eu falei aí é a realidade que a gente vive, né?‖.68 3.2.3. Questionário com famílias: ―As que precisam estar presente nunca estão!‖...69

3.2.4. Análise de Conteúdo...73

4. ―MÃE MARAVILHA! SUPER PAI!‖ A PEDAGOGIA VISUAL E ORGANIZACIONAL...77

4.1. Decoração das salas...79

4.2. Confraternizações...82

4.2.1. Festa das mães...82

4.2.2. Festa dos pais...86

4.2.3. Festas juninas...90

4.2.4. Festa do dia das crianças...94

5. “JÁ VEM DE CASA!” AS CATEGORIAS DE ANÁLISE...99

5.1. Concepções de gênero: ―As características de menino e menina?‖...102

5.2. Orientações nas atividades: ―Eu nunca separo‖...111

5.3. Brincadeiras: ―Eu deixo as crianças à vontade com os brinquedos‖...114

5.4. Banhos: ―Ficam perguntando as coisas!‖...120

5.5. Relações escola-família: ―Acho que creche tem que ser parceria do funcionário com os pais‖...125

5.6. O que as famílias esperam para o futuro de seus filhos e filhas?...132

5.7. Síntese: “Tem que ter educação sexual nas escolas‖...138

6. CONCLUSÕES: QUAL É A SURPRESA?...141

REFERÊNCIAS...148

APÊNDICES...156

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1. INTRODUÇÃO

Foto 1: CARTAZ DE BEM VINDOS

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“Acho que vocês vão se surpreender!” Foi esta a frase proferida pela gestora logo após ser apresentado o tema da pesquisa durante a visita à instituição pública de Educação Infantil para solicitação de autorização para a pesquisa. No momento não me atentei a perguntar o porquê, e guardei para retomar na entrevista. Pensei que tipo de surpresa poderia esperar da instituição, e essa inquietação transformou a fala da gestora no título desta tese. A Foto 1 (p. 11) pode dar indícios das surpresas ao apresentar crianças de diferentes sexos, raças e com deficiência, apontando uma proposta de inclusão da instituição de Educação Infantil.

O interesse desta pesquisa surgiu da dissertação de Mestrado, cursado no Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE) na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), cujo objetivo foi analisar a produção científica brasileira sobre gênero na Educação Infantil. Analisei artigos científicos de seis periódicos acadêmicos em educação e em gênero, e anais dos eventos Fazendo Gênero e da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) no período 2007-2013. O estudo revelou uma produção incipiente em gênero na Educação Infantil. As pesquisas analisadas, por um lado, apontaram como são construídas as identidades binárias e dicotômicas masculinas e femininas na escola; por outro lado, apresentaram poucas propostas de ações práticas para a construção de identidades de gênero equânimes (SILVA, 2015).

Durante as análises dos textos para a dissertação, identifiquei que a escola responsabilizava unicamente as famílias pelas construções das identidades de gênero, quase sempre na perspectiva binária, afirmando que “elas [crianças] já vêm de casa assim”; se escandalizava quando as crianças expressavam curiosidade sobre a sexualidade; e ou culpava as famílias quando as crianças atravessavam as fronteiras binárias de gênero e buscavam vivenciar outros papéis que não aqueles tradicionalmente atrelados ao sexo biológico.

Os dados da dissertação apontaram, ainda, que a escola não tomava consciência que também operava essas construções, ao separar as crianças por sexo nas atividades ou não praticar a equidade e o respeito à diversidade de gênero, ou seja, não valorizar as diversas expressões de masculinidade e feminilidade (assim rotuladas) independentemente do sexo biológico. Por outro lado, algumas famílias criticavam a escola quando buscava trabalhar as questões de gênero e sexualidade, argumentando que influenciaria no desenvolvimento das identidades das crianças de forma prejudicial, sobretudo a identidade sexual.

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O que estaria marcando esses posicionamentos no contexto das relações escola-família? Esse questionamento possibilitou a proposta de pesquisa para o doutorado, tendo em vista que foi/é comum em meu percurso de estudante – na graduação, nos estágios e ouvindo experiências docentes – deparar-me com discussões envolvendo o trabalho da escola e da família na construção das identidades de gênero das crianças, geralmente em casos considerados transgressores, em que as crianças rompem com o binarismo e a dicotomia de gênero.

Alguns dos argumentos dessas discussões responsabilizam as famílias pelas aprendizagens gendradas (apropriação de características atribuídas ao masculino e ao feminino conforme o sexo biológico), e a escola pela ausência de atuação, conformando as desigualdades de gênero. Outros defendem que não é função da escola trabalhar as relações de gênero com as crianças para não influenciar em suas identidades sexuais futuras nem atrapalhar as escolhas educativas das famílias quanto a crenças e valores, neste caso, confundindo gênero com identidade sexual. Este último também é um dos argumentos que fundamentam o Projeto de Lei do Senado 193, de 2016, denominado Escola Sem Partido, de autoria do Senador Magno Malta, que tramitou no Senado Federal e na Câmara dos Deputados para limitar o trabalho docente em alguns temas, dentre eles gênero e sexualidade.

A Comissão de Educação, Cultura e Esporte (BRASIL, 2017b) elaborou um parecer referente à PL 193/2016, que determinou a retirada do projeto de lei das votações. O então Senador Cristovão Buarque, relator do Parecer (Anexo 3), argumentou que o projeto de lei “desafia” a Constituição Federal de 1988, quanto à finalidade da educação – desenvolvimento pleno do ser humano, preparação para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho – e não assegura a liberdade de ensino ao limitar o trabalho docente. Ressaltou que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) de 1996 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) de 1990, já abordam os temas do projeto de lei, tornando-o desnecessário. Destacou que a participação das famílias já é assegurada legalmente e que deve ocorrer por meio da gestão democrática. Reforçou que professores/as “devem ter a liberdade de ensinar preservada” (p. 5). Apontou que o projeto não apresenta evidências que comprovem a “suposta doutrinação” dos temas em questão nas escolas, tornando “inviável” sua aplicação. Sugeriu a formação docente nos temas destacados no projeto, para que professores/as reforcem o respeito aos/às

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estudantes. E enfatizou que “participação, diálogo e crítica são elementos do processo educativo essenciais para diferenciar a verdadeira educação da mera doutrinação” (p. 7), portanto a liberdade de ensino e aprendizagem precisa ser garantida.

O Senador Magno Malta, em 21 de novembro de 2017, pediu a retirada do projeto de lei de votação, antes de ser dado o parecer. Porém, vários municípios brasileiros aprovaram leis proibindo as discussões das questões de gênero e sexualidade nas escolas. E em 18 de dezembro de 2018, passou na Comissão de Constituição e Justiça do Município de João Pessoa um projeto chamado Projeto Ideologia de Gênero, com os mesmos fins dos mencionados acima, para entrar na pauta de votação do dia 19 de dezembro de 2018 na Câmara Municipal. Com o movimento de oposição de uma vereadora o projeto foi retirado de votação em 2018.

Em uma cultura como a nossa, gênero é o primeiro marcador de identidade humana. Antes mesmo do nascimento, a expectativa sobre o sexo da criança condiciona a escolha de enxoval, decoração de quarto e brinquedos. Em geral, os nomes atribuídos às crianças são gendrados, bebês meninas têm as orelhas furadas para usarem brincos e lacinhos colados nos cabelos; bebês meninos usam roupas menos graciosas e coloridas. Logo, eles e elas terão expressões e comportamentos cerceados e modelados de acordo com estereótipos masculinos e femininos. Essa socialização de gênero integrante das práticas tradicionais de educação da infância vai de casa para a escola:

As crianças iniciam o maternal ou a escola com compreensões prévias de masculinidade e feminidade desenvolvidas em comunidades de práticas das quais elas eram membros. Ademais, elas são influenciadas por valores e percepções de adultos presentes no ambiente, pelas concepções de pares e de professores[as] a respeito do que é um comportamento „natural‟, por imagens da mídia e, à medida que crescem, pela estrutura escolar. As crianças usam tudo isso, em conjunto com as percepções de outros novatos e com as construções dominantes de grupo de seus pares, para elaborar compreensões coletivas das regras de como ser um menino ou uma menina „adequado‟ nesse contexto (PAECHTER, 2009, p. 75).

Essa perspectiva de construções dicotômicas de identidade de gênero, que significa a identificação do sujeito com características de feminilidade ou masculinidade, resulta na produção de desigualdades, do sexismo, superioridade atribuída ao sexo masculino na cultura androcêntrica e patriarcal (que tem o homem

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como centro e detentor do poder), de misoginia, inferiorização de características femininas (CARVALHO, ANDRADE, JUNQUEIRA, 2009). Se essas aprendizagens se iniciam desde o nascimento, é certo que meninas e meninos terão oportunidades e experiências diferentes e desiguais de desenvolvimento humano.

Na cultura androcêntrica, as relações de gênero são relações de poder variáveis e constantes no tempo e espaço, atravessam todas as práticas e instituições sociais, e caracterizam-se pela oposição, assimetria, hierarquia e desigualdade, sendo reconhecidamente de dominação masculina (BOURDIEU, 2002). Nessa perspectiva, gênero é uma construção binária, dicotômica e relacional de características e papéis atribuídos culturalmente a homens e mulheres conforme seu sexo biológico. Para a construção de uma imagem masculina forte, viril, ativa, insensível, valente, guerreira, defensora, provedora etc., é preciso criar outro polo, o feminino, com características opostas ao anterior: frágil, indefesa, passiva, sensível, medrosa, pacificadora, cuidadora etc.

Pode se ter como resultado desse tipo de construção o sofrimento de mulheres e homens que se sentem obrigadas e obrigados a se enquadrarem em um perfil de feminilidade e masculinidade, não podendo vivenciar outras formas de ser mulher ou homem, ou simplesmente de ser. Essas outras formas geralmente são reprimidas desde a primeira infância pelas diversas instituições sociais, em que se incluem escola e família.

A Educação Infantil no Brasil é um nível de ensino e constitui a primeira etapa da Educação Básica, atendendo crianças de 0 a 5 anos em instituições próprias, e com matrícula obrigatória a partir dos 4 anos (BRASIL, 1996, modificada pela Lei 12.796 de 2013). Diferentemente dos precursores (e raros) jardins de infância que atendiam crianças das camadas médias, o acesso a creches e pré-escolas foi um direito inicialmente conquistado pelas mães trabalhadoras para terem um local onde pudessem deixar seus/suas filhos e filhas durante a jornada laboral. As crianças passaram a ter o direito de acesso à educação garantido legalmente a partir da Constituição Brasileira de 1988, resultado de lutas da sociedade civil organizada em oposição ao atendimento dual: assistencialista para crianças de classe social baixa (em creches) e educacional para crianças de classes mais elevadas (em pré-escolas) (ABRAMOWICZ, 2003).

Segundo a LDBEN de 1996 em seu Artigo 29, o objetivo da Educação Infantil é contribuir para o desenvolvimento “físico, psicológico, intelectual e social,

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complementando a ação da família e da comunidade” (BRASIL, 1996). O foco na Educação Infantil não é o ensino dos conteúdos científicos acumulados, mas construir a relação da criança com o mundo que a cerca e, segundo a legislação, ajudar a família no desenvolvimento das crianças por meio do trabalho planejado e sistemático, enfatizando a necessidade das relações entre escola e família.

Sobre essas relações, Carvalho (2000; 2004a; 2004b) destaca que a escola espera ter a colaboração constante de uma família com alguém disponível para cuidar do acompanhamento escolar dos filhos e filhas, geralmente a mãe, e com recursos culturais, econômicos e pedagógicos para ajudar no aproveitamento escolar dos/as alunos/as, por vezes substituindo a ação da própria escola que nem sempre dispõe desses recursos. A autora afirma também que, para a escola, o sucesso escolar das crianças depende da parceria das famílias, e não apenas do seu próprio trabalho especializado/pedagógico, e que essa expectativa implica em desconsiderar a diversidade de arranjos e condições familiares atravessados, entre outros marcadores, pelas relações de classe social e gênero.

Paz (2010) identificou, em sua pesquisa sobre as práticas pedagógicas na Educação Infantil, que as docentes da instituição investigada compreendiam as identidades de mães e pais das crianças como fixas e obedientes às normas binárias de gênero: mães que cuidam do lar, da vida escolar dos filhos e filhas e têm obrigação de comparecer à escola quando solicitadas; e pais provedores que não têm disponibilidade para acompanhar os filhos e as filhas. A responsabilidade com a educação das crianças recai sobre a mãe independentemente se trabalha fora de casa ou não.

As relações escola-família são complexas e tornam-se tensas quando as instituições cobram entre si atribuições que não lhes competem especificamente, confundem as atribuições ou deixam de cumprir sua parte na relação. A escola chama a família a assumir as responsabilidades pedagógicas, de competência daquela, ao enviar tarefas para casa quando a criança ainda não desenvolveu as habilidades necessárias para fazê-las sem ajuda de pessoas adultas (CARVALHO, 2000; 2004b). Ou a família tenta impor ao currículo escolar suas crenças e valores particulares, por exemplo, impedir que a escola transversalize gênero e sexualidade em seu espaço ou tentar modificar a rotina escolar.

Para amenizar possíveis tensões, é importante, desde o início do ano letivo, fazer os acordos e definir as atribuições e limites de cada instituição. Quais os

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papéis da instituição de Educação Infantil e da família? O que e como escola e família ensinam sobre identidade de gênero? Estas questões guiam a análise das compreensões de educadores/as familiares e escolares sobre o processo de construção das identidades de gênero das crianças.

Considerando a necessidade de conhecer a produção sobre a temática desta tese, realizei, em janeiro de 2017, um levantamento no banco de teses e dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (CAPES), na Scientific Eletronic Library Online (SciELO), nas dez primeiras páginas do site de busca Google, bem como nas dez primeiras páginas do site Google Acadêmico. Para a busca, utilizei as palavras chave “gênero-família-educaçãoinfantil”, e os critérios de inclusão/exclusão: conter os três termos em títulos, resumos e/ou palavras-chave, a produção ser na área de educação, ter sido publicada entre 2014 e 2016, período posterior ao analisado no meu trabalho de dissertação.

No banco de teses e dissertações da CAPES, além dos descritores mencionados, usei como filtro o recurso “Nome dos Programas” marcando a opção “Educação”, que possibilita selecionar trabalhos oriundos apenas dos programas de pós-graduação em educação. Nessa busca foram encontrados 1.019 registros de 2013 a 2016 que continham quaisquer dos três termos, mas não apareciam os três nos títulos, resumos ou palavras-chave.

O portal da CAPES seleciona os trabalhos por conterem os termos, mas não são necessariamente objetos principais das pesquisas. Ocorre que os descritores constam no texto completo ou nas informações gerais do trabalho, e por isso, aparecem nos resultados. Dos 1.019 registros selecionados, examinados um a um, não foram encontradas teses e/ou dissertações dos programas de educação que tivessem como objetivo pesquisar especificamente sobre as relações escola-família no processo de construção das identidades de gênero das crianças na Educação Infantil.

Na página da SciELO encontrei cinco trabalhos com as palavras-chave, porém não eram referentes ao campo da educação e/ou estavam fora do período de análise, por isso não entraram. Considerando que nas páginas do Google aparecem diferentes resultados com as palavras utilizadas, desde anúncios publicitários até livros, destaquei apenas os referentes à produção científica que pressupõe uma

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avaliação mais rigorosa da comunidade acadêmica, porém, dos registros encontrados nenhum foi de interesse desta pesquisa.

Realizei nova busca no site Google Acadêmico e encontrei os mesmos resultados da página da SciElo. É importante ressaltar que esse levantamento foi realizado a partir de um recorte metodológico, e sem dúvida tem limitações. Uma busca com outros descritores relacionados ao tema, em outras bases de dados, em outro campo de estudo, em períodos diferentes, traria outros resultados. Nesta tese, esse levantamento contribui para enfatizar a importância de discussão dos temas aqui em destaque, no campo da Educação, e confrontar com o avanço da questão que virou pano de fundo de campanha política com propostas de combate às discussões de gênero nas escolas.

Para contribuir com a superação desta lacuna no campo da educação, desenvolvo esta pesquisa de forma empírica, por ser realizada em um local de pesquisa com a presença do/a pesquisador/a, que pode estar observando, intervindo, analisando, construindo etc., e de caráter qualitativo, que “busca a interpretação em lugar da mensuração, a descoberta em lugar da constatação, e assume que fatos e valores estão intimamente relacionados, tornando-se inaceitável uma postura neutra do[a] pesquisador[a]” (GATTI, ANDRÉ, 2013 p. 30). Assim, tal pesquisa busca os sentidos e significados das ações dos sujeitos, que deixam de ser coadjuvantes e passam a ser o centro da investigação.

A pesquisa está ancorada nos Estudos Culturais da Educação, que procuram “compreender a complexidade das ocasiões, dos eventos e dos processos mundanos nos quais as „identidades‟ são formadas e transformadas” (FROW; MORRIS, 2006, p. 318). Estar no espaço escolar observando as relações escola-família, é uma das formas de entender como suas “ocasiões e eventos” contribuem para a construção das identidades de gênero das crianças, seja essa relação formal e ou informal.

Família e escola são instituições educativas, cada uma com suas especificidades e limites próprios (CARVALHO, 2000; 2004a). Considerando que a participação da família é importante na Educação Infantil, devido aos sujeitos envolvidos serem crianças pequenas, de 0 a 5 anos, que dependem dos/as adultos/as para sua sobrevivência, desenvolvimento e aprendizagens, esta pesquisa questionou: como escola e família interagem no processo de construção das

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Assim, o objetivo geral foi analisar as relações escola-família no processo de construção das identidades de gênero das crianças no cotidiano da Educação Infantil. Após as orientações no exame de qualificação, passei a usar o termo relações escola-família no plural para indicar que essas relações são diversas e plurais no tempo, no espaço, com os sujeitos, nas características e nos objetivos de ambas as instituições.

Os objetivos específicos foram:

 identificar a configuração formal das relações escola-família na política educacional municipal e da instituição;

 analisar as expectativas de uma instituição de Educação Infantil de João Pessoa/PB, campo de pesquisa, quanto à participação das famílias;

 verificar as expectativas da família quanto à socialização de gênero na escola;

 analisar divergências, conflitos, acomodações e acordos entre escola e família sobre as construções das identidades de gênero das crianças.

A instituição escolhida foi um Centro de Referência em Educação Infantil (CREI), situado em um bairro da periferia de João Pessoa, nas proximidades da universidade. O CREI recebe crianças das comunidades dos arredores com as mais diversas faixas de renda familiar. Em seu entorno, há igrejas, uma unidade municipal de saúde, praças, restaurantes, avenidas com acesso de ônibus para diversos sentidos da cidade. Os bairros adjacentes possuem shoppings, farmácias, escolas de grande porte, praças e supermercados. Inclui também uma antiga favela, portanto é uma região que aglutina diferentes situações econômicas.

As crianças matriculadas no CREI têm faixa etária de 2 a 5 anos, e ficam dez horas na instituição, das 7h às 17h. Obtive autorização para o desenvolvimento da pesquisa: do Comitê de Ética da UFPB (Protocolo nº 0125/17. CAAE: 65320017.1.0000.5188), da Secretaria de Educação do município e do CREI por meio da Carta de Anuência (Anexo 1). Foi entregue a docentes e familiares que aceitaram participar da pesquisa o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo 2), conforme a Resolução Nº 466, de 12 de dezembro de 2012, sobre as orientações éticas da pesquisa com seres humanos.

Para captar as perspectivas de docentes, monitoras, supervisora, gestora da instituição e das famílias sobre as aprendizagens de gênero das crianças, utilizei como técnicas e instrumentos de produção de dados a observação, entrevista e

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questionário, que são apresentados em detalhes no segundo capítulo a partir das considerações de Richardson (2011). A análise de conteúdo foi a técnica de análise dos dados, entendendo-se que esta permite fazer inferências sobre contextos e experiências (BARDIN, 2011). Contudo, assumo a perspectiva dos Estudos Culturais da Educação como norteadora, por permitirem recriar metodologias durante o processo de pesquisa (PARAÍSO, 2012).

A entrevista com a gestora e a supervisora pedagógica buscou informações sociodemográficas do público da escola e da participação das famílias na instituição, como se dá e como a escola espera e orienta que aconteça. A entrevista com as docentes e monitoras, e o questionário com familiares objetivaram identificar suas perspectivas e expectativas acerca da construção das identidades de gênero das crianças, destacando divergências, conflitos, acomodações e acordos entre as instituições. A observação visou compreender as interações/relações entre escola-família que afetam a construção das identidades de gênero das crianças.

O processo de construção das identidades de gênero das crianças dependerá dos acordos estabelecidos (in)formalmente entre escola e família, o que pode ampliar ou limitar o trabalho pedagógico autônomo que tenha como objetivo o desenvolvimento integral das crianças: social, psíquico, afetivo, cognitivo, cultural e físico como prevê a legislação (BRASIL, 1996). Esses acordos podem dar à escola (ou não) a base para um trabalho que vise práticas curriculares e pedagógicas sem distinção por sexo ou qualquer outro marcador – raça/etnia, deficiência, classe social e origem espacial, por exemplo, morar na parte mais nobre ou menos nobre dos bairros circundantes. Com efeito, as práticas e relações escolares podem não somente aprimorar as habilidades infantis como evitar sofrimentos, quando a escola reconhece os sujeitos ali presentes como seres humanos diversos com necessidades de aprendizagem diversas.

É a partir das interações dos/as adultos/as responsáveis na escola e na família que as crianças constroem suas identidades de gênero, por vezes contestando a ordem binária e dicotômica, gerando eventualmente conflitos entre as instituições, e por vezes reproduzindo essas identidades, resultando em acomodação (SILVA, 2015). O que escola e família acordam, formal ou informalmente, para as construções de gênero das crianças pode ser identificado nas práticas cotidianas, sobretudo quando ocorrem incidentes a partir dos quais se explicitam divergências de posturas e valores.

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O argumento que trago é que as relações escola-família na Educação Infantil podem embasar a produção de identidades de gênero plurais e equânimes, em contraposição às tradicionais identidades binárias e dicotômicas, a partir da promoção de oportunidades iguais de aprendizagem e desenvolvimento para meninos e meninas, transformando as desigualdades de gênero.

Esse argumento surge das seguintes hipóteses: os acordos estabelecidos entre escola-família terem base em posicionamentos privados e do senso comum ao invés de públicos e científicos, ambos importantes para construções sociais e educacionais; a possibilidade de predominância das expectativas implícitas, sobretudo do lado da família, uma vez que na Educação Infantil o cuidado com o corpo da criança é fundamental, e as práticas educativas tradicionais gendram o corpo, isto é, inscrevem um gênero no corpo. Considerando que “o corpo é provisório, mutável e mutante, suscetível a inúmeras intervenções [...]” (GOELLNER, 2013, p.30), ele também é vigiado e moldado, e nele inscrito aquilo que se espera em cada tempo e espaço.

A escola tem o dever de receber, respeitar, reconhecer e valorizar a diversidade das crianças e das famílias em seu espaço, em benefício de todas. Por sua vez, as famílias dependem da escola para o processo de ensino-aprendizagem das crianças, e os acordos e desacordos entre ambas precisam ser continuamente revistos. É importante examinar essa relação para entender como efetivamente a desejada participação da família funciona e como se dão as interações entre ambas instituições, em prol do desenvolvimento integral das crianças.

O mundo é composto de diferenças que se ampliam para as crianças a partir de sua entrada na escola. Lá elas podem experienciar coletiva e colaborativamente as diversas sensações, emoções, ações, realizar as variadas atividades, brincar com quem, como e com o que quiserem para maximizarem suas aprendizagens, desde que isso não resulte em danos e sofrimentos. É nesse contexto que as crianças constroem suas identidades de gênero, mas estas não precisam ser impostas, pois não existe nenhuma razão científica ou pedagógica para conformar crianças nessa fase de 0 a 5 anos a papéis e identidades de gênero.

Diante do exposto, esta tese está organizada em quatro capítulos, além da introdução e conclusão. O primeiro apresenta o referencial teórico, trazendo na perspectiva dos Estudos Culturais a discussão sobre identidades e gênero; considerações sobre infância e Educação Infantil no Brasil; as relações

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escola-família no processo de desenvolvimento das crianças; finalizando com as construções das identidades de gênero na primeira infância, especificamente na escola. No segundo capítulo, discorro sobre o percurso metodológico, caracterizando o local, os sujeitos e as técnicas e instrumentos de produção e análise dos dados.

No terceiro capítulo apresento a primeira parte dos resultados focando nas prescrições de gênero que a pedagogia organizacional e visual do local da pesquisa possibilitou. O quarto capítulo traz a segunda parte dos resultados com as análises das categorias e expectativas das famílias para o futuro de seus/suas filhos e filhas.

Nas conclusões, aponto algumas propostas de trabalho para escola e no trato com a família, visando à construção de identidades de gênero equânimes, entendendo que cabe a escola acolher as diferenças sem produzir desigualdades na educação infantil.

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2. CONSTRUÇÕES DAS IDENTIDADES DE

GÊNERO NA INFÂNCIA

Foto 2: CARTAZ DECORATIVO DA FESTA JUNINA

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A Foto 2 (p. 23) é uma indicação de como ocorrem as construções das identidades de gênero no espaço escolar por meio de suas mensagens visuais. Essas construções perpassam as diversas instituições, sujeitos, espaços e tempos, e têm como base relações de poder mediadas pelas posições e características dos sujeitos. No caso desta pesquisa, a instituição é a escola infantil e os sujeitos são os adultos, educadoras familiares e escolares. Os Estudos Culturais, campo em que se insere esta pesquisa, permitem articular as construções socioculturais ao campo da educação, entendendo esta como um meio pelo qual as identidades são (re)produzidas.

Wortmann (2005) aponta a argumentação central dos Estudos Culturais: “todas as formas de produção cultural precisam ser estudadas em relação a outras práticas culturais e estruturas históricas” (p. 167). Afirma ainda que a articulação entre Estudos Culturais e Educação permite outros questionamentos importantes dentro do campo educativo que antes não eram possíveis apenas da perspectiva educacional.

Importante ressaltar o conceito de cultura, para os Estudos Culturais: é compreendida “como expressão das formas pelas quais as sociedades dão sentido e organizam suas experiências comuns... uma forma de vida (ideias, atitudes, linguagens, práticas, instituições e relações de poder)...” (COSTA, 2005, p. 109). Sendo a instituição escolar um espaço de construção cultural, seus processos pedagógicos também precisam ser analisados como construtores de significados, e isso justifica a possibilidade de articulação entre Estudos Culturais e Educação.

Segundo Frow e Morris (2006, p. 330) “a preocupação dos Estudos Culturais é com a constituição e com o funcionamento dos sistemas de relações, e não com os domínios formados por esses processos”. Assim, investigar as construções das identidades de gênero significa questionar as relações, os processos que as envolvem e os significados atribuídos a esses processos em meio às relações escola-família. O autor e a autora destacam que os Estudos Culturais possibilitam atravessar as diversas disciplinas ou discursos, e buscam entender os fenômenos como um “constructo textual”, que significa toda forma de discurso. Essa possibilidade dá sustentação à pesquisa educacional na perspectiva dos Estudos Culturais, uma vez que os diversos discursos estão imersos nas práticas educativas e funcionam como tais.

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Outra preocupação dos Estudos Culturais “é mostrar as relações entre poder e práticas culturais e expor como o poder atua para modelar essas práticas” (COSTA, 2005, p. 109). Pensando que as crianças da Educação Infantil também aprendem sobre o mundo por meio dos/das adultos/as, por vezes de forma impositiva, elas inserem-se nas diversas práticas e relações de poder.

Portanto, a base teórica desta tese insere-se no campo dos Estudos Culturais da Educação e dos Estudos de Gênero pela compreensão das identidades de gênero como construções culturais e educacionais. Nesse sentido, este capítulo se desdobra em cinco seções. Na primeira, segunda e terceira, discuto os conceitos de identidade, gênero, infância e Educação Infantil no Brasil. As relações escola-família como contexto de construção das identidades de gênero das crianças é abordada na quarta seção. Por último, na quinta seção, sintetizo as construções das identidades de gênero na Educação Infantil a partir das interações escola-família.

2.1. Identidade

O conceito de identidade é importante para embasar as construções das identidades de gênero, que é apenas uma das muitas identidades presentes no sujeito, embora seja considerada a primeira identidade atribuída àquele.

O culturalista e sociólogo Stuart Hall aponta algumas considerações sobre a identidade cultural na pós-modernidade (HALL, 2011) para analisar a chamada “crise de identidade”. Ele destaca que as várias mudanças sociais contemporâneas evidenciam outras identidades não vistas anteriormente. Não há mais a referência de uma identidade fixa e imutável. A identidade entra em “crise” ao deslocar o sujeito de um modelo único, ou seja, ao serem colocadas em evidência várias formas de identidade.

Na perspectiva pós-moderna, Hall (2011) aponta que a identidade é fluida, múltipla e contraditória, que se forma e transforma constantemente nas diversas relações sociais, podendo ser assumidas e vividas diferentes identidades em um único sujeito em espaços e tempos diversos, mesmo que temporariamente. O sujeito é considerado em seus aspectos psíquicos, sociais, culturais, econômicos, políticos etc., e está em constante processo de construção identitária.

Hall (2012) destaca que a construção das identidades se dá por meio das práticas discursivas com base nas relações de poder. Essas práticas são próprias a

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tempos e espaços, têm uma historicidade, são fortalecidas por instituições sociais, e têm objetivo definido, o de marcar os sujeitos na tentativa de torná-los uma unidade. Essa marcação, comumente, segundo o autor, se dá pela diferenciação do “outro”. Assim, o que não constitui o “eu” é o diferente. A identidade, portanto, se constrói pela diferença. No entanto, a diferenciação pode produzir exclusão e marginalização, assim como pode ser o mote para a inclusão.

O sociólogo Zygmunt Bauman (2005) afirma que as identidades se constroem individual e coletivamente, assim, ao mesmo tempo em que as particularidades são construídas, o sujeito também se inclui em uma coletividade, necessária para evidenciar o que cada um tem de particular, e o que os diferencia e interliga no coletivo. Sendo a construção da identidade uma construção social, seu processo é dinâmico e constante:

„A identidade‟ só nos é revelada como algo a ser inventado, e não descoberto; como alvo de um esforço, „um objetivo‟; como uma coisa que ainda se precisa construir a partir do zero ou escolher entre alternativas e então lutar por ela e protegê-la lutando ainda mais [...] (BAUMAN, 2005, p. 21-22).

Segundo o autor, a construção das identidades na modernidade, caracterizada pela globalização, ocorre pela inserção do sujeito em um ambiente onde já existe uma ordem a ser aprendida. Essa ordem se instala nas instituições sociais como família, igreja, escola, mídia e Estado, com normas e orientações individuais e coletivas, bem como uma organização cultural, política e econômica. Porém, o sujeito pode reproduzir essa ordem, ressignificá-la para experienciar objetivos diferentes, ou negá-la.

Bauman (2005) afirma, ainda, que a identidade é também um “campo de batalha”, pois ao se falar em identidade fala-se de uma luta constante de grupos e instituições que dominam a construção de um modelo único de identidade contra aqueles que reivindicam o reconhecimento da diversidade de identidades. As identidades são constantemente construídas e inacabadas levando em consideração todos os fatores anteriormente mencionados, portanto são “líquidas”, ou seja, podem ser modificadas conforme as relações de poder envolvidas, o tempo, o espaço, a situação, as interações e os objetivos.

A construção da identidade na infância é abordada por Pessoa e Costa (2014) a partir do enfoque da psicologia histórico-cultural de Henri Wallon e Lev Vygotsky.

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Nessa perspectiva, a identidade infantil se constitui por meio da relação e interação da criança com o meio, com seus pares e com os adultos. Essa constituição se dá pela percepção do “eu” diferente do “outro”, sendo esse “outro” necessário para a constituição do “eu”, já que a identidade nessa abordagem se constrói pela interação. Logo, também é considerada uma construção individual e coletiva.

Pessoa e Costa (2014) afirmam que o contexto familiar é o primeiro a propiciar o arcabouço material e imaterial para a formação da criança. Esta inicia sua construção identitária a partir da relação e interação com os/as adultos/as: por meio dos artefatos culturais oferecidos à criança, da relação afetiva estabelecida, das convicções, crenças e opiniões dos/as adultos/as. É na perspectiva, expectativa e desejo dos/as adultos/as que as identidades infantis começam a ser construídas, sendo impostas e fixadas com maior ou menor investimento a depender da cultura familiar e das práticas de vigilância e controle. Na terceira seção deste capítulo, abordo com mais detalhes a perspectiva de desenvolvimento infantil a partir da contribuição de Vygotsky (1991).

Em suma, o conceito de identidade é compreendido como uma constante construção sociocultural e pedagógica, diversa e infindável. Para a construção do “eu” é necessário o “outro”, é percebendo o “outro” que o “eu” encontra o que os torna, ambos, particular e coletivo. As identidades são, portanto, mutáveis, maleáveis, individuais, coletivas, dependentes de algo externo ao “eu”, históricas e perpassam todos os aspectos dos seres humanos, psicológico, físico e emocional. Elas são ensinadas, aprendidas e reconfiguradas no âmbito das instituições educativas: família, escola, mídia, igreja, Estado, entre outras.

2.2. Gênero

Apresento o conceito de gênero em diferentes perspectivas para apontar como ele perpassa os diversos âmbitos sociais, mas o foco de análise e aprofundamento desta pesquisa é na perspectiva educacional com a contribuição dos Estudos Culturais da Educação, na qual está inserida.

As perspectivas teóricas que apresento são: a sociológica com Pierre Bourdieu (2002), que define gênero a partir da divisão social e sexual do trabalho; a histórica com Joan Scott (1995), ao apontar gênero como uma categoria de análise das relações sociais; a psicológica com Maria Cala Carrillo e Ester Barberá Heredia

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(2009), que destacam a evolução do conceito na Psicologia; e a perspectiva educacional com Guacira Louro (2014), que mostra como esse conceito se insere nas práticas escolares, e Maria Eulina Carvalho (2014) que o situa como uma aprendizagem que se inicia desde a Educação Infantil. Entendo que são perspectivas distintas e meu objetivo não é fundi-las em uma síntese, mas destacar como gênero atravessa as práticas sociais e no conhecimento científico.

Gênero é uma construção relacional produzida nos processos culturais, sociais, educacionais, políticos e econômicos. Tais construções têm base no binarismo, que considera a existência apenas de dois polos – macho e fêmea – e na dicotomia, que determina características e papéis únicos e exclusivos de masculinidade atribuídos culturalmente ao homem, e de feminilidade às mulheres (BOURDIEU, 2002; CARVALHO, COSTA E MELO, 2008a).

De acordo com Bourdieu (2002), gênero é um princípio de visão e divisão sexual, sendo a visão os sentidos que se atribuem às coisas e corpos que, de tão afirmados, parecem naturais. Essa atribuição se dá, tradicionalmente, de forma polarizada (homem X mulher) e relacional segundo o princípio de divisão, desde a antiga divisão sexual do trabalho (mulheres no âmbito da reprodução e homens no âmbito da produção) e dos espaços público e privado (mulheres em casa e homens na rua). Isso ocorre por meio de um trabalho psicossomático e mimético em que os fatores sociais, psicológicos e comportamentais são inscritos no corpo para adequar-se ao ambiente.

Para o autor, o gênero também se constitui por meio do habitus, que é “um trabalho coletivo de socialização, difusa, contínua e arbitrária” (BOURDIEU, 2002, p. 31) de identidades distintas, tendo o princípio de divisão androcêntrico como dominante, no qual os corpos se inscrevem dentro de uma forma de masculinidade, inclusive a construção do feminino serve para apontar o que não é do masculino. O habitus constitui-se, de forma arbitrária, em modos de ser, pensar e agir com base em um padrão dominante, no caso de gênero, o masculino.

Na perspectiva histórica, Scott (1995, p. 86) define gênero em dois pontos: “(1) o gênero é um elemento constitutivo das relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos”, ou seja, gênero faz parte das relações sociais e estas não podem ser concebidas sem o gênero. Segundo a autora, essas relações podem ser pensadas a partir de quatro aspectos:

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 dos “símbolos”, que representam culturalmente o masculino e o feminino, sobretudo o que o masculino não pode ser;

 dos “conceitos normativos que expressam interpretação do significado dos símbolos” e se impõem de forma binária e fixa pelas diversas instituições, determinando características para cada gênero;

 das instituições e da organização social nas análises das relações de gênero, ao não considerar apenas o parentesco (a vida familiar nuclear heterossexual) na construção de gênero, mas ampliar para as demais instituições: educação, política e trabalho;

 e da “identidade subjetiva” ao investigar como são construídas as identidades de gênero, e relacioná-las às atividades e organizações históricas e cultuais, individuais e coletivas.

O segundo ponto de definição da autora é: “(2) o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder” (p. 86), e sua construção deve ser analisada de forma relacional, que atribui características próprias ao masculino e feminino, em razão do sexo biológico. Essa construção ocorre por meio de práticas socioculturais em que um gênero não é concebido sem o outro, porém o masculino é mais valorizado socialmente que o feminino. Sendo as relações sociais permeadas pelas relações de poder, a autora afirma, ainda, que a “representação do poder” pode ser modificada, o que modificaria também as relações.

No campo da Psicologia, os estudos de gênero foram introduzidos com a perspectiva de “psicologia das mulheres”, focando apenas as experiências delas. Atualmente adota-se a denominação de “psicologia do gênero”, que enfoca as relações e interações entre masculino e feminino, segundo Cala Carrillo e Barberá Heredia (2009). Estas autoras também destacam que os conceitos de sexo e gênero têm sido abordados de forma pouco esclarecedora, causando confusão entre as concepções. As definições de sexo e gênero para elas são:

O sexo refere-se às características biológicas específicas de homens ou de mulheres, e a pesquisa empírica o operacionaliza como uma variável dicotômica e excludente. O gênero, por sua vez, se interpreta como um conjunto de fatores culturais e psicossociais (características, papéis, gostos, habilidades) que se atribuem, de

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formas diferentes, a uns e a outras. (CALA CARRILLO, BARBERÁ HEREDIA, 2009, p. 92).1

Como se observa, o sexo (aspecto biológico que produz o binarismo) é o argumento para as definições de gênero (aspecto cultural que ratifica a diferença binária). Cala Carrillo e Barberá Heredia (2009, p. 93), apontam três linhas teóricas que definiram ao longo da história o sistema sexo/gênero na psicologia: “SER: o sistema sexo/gênero como propriedade interna; ACREDITAR: o sistema sexo e gênero como construção psicossocial; FAZER: o sistema sexo/gênero como atividade interativa” (CALA CARRILLO, BARBERÁ HEREDIA, 2009, p. 93).2

A primeira linha teórica, mais antiga, Ser, define o sistema sexo/gênero como “uma característica inerente à pessoa e que determina sua forma de comportamento” (p. 93)3

, ou seja, o sexo é fator determinante para o gênero do sujeito por ser inerente a ele. Nessa linha as diferenças são embasadas numa perspectiva comparativa entre os gêneros a partir das variáveis cognição e capacidades físicas.

Na segunda linha, Acreditar, “a ideia central é que o sistema sexo/gênero constitui uma categoria que perpassa qualquer contexto cultural e social” (CALA CARRILLO, BARBERÁ HEREDIA, 2009, p. 95).4 Gênero é aprendido culturalmente com a realidade social, por meio de estruturas já estabelecidas mentalmente por quem acredita que as características são determinadas e diferentes para o masculino e o feminino.

A terceira linha, Fazer, é a mais atual na qual o sistema sexo/gênero “é concebido como algo que as pessoas fazem, e não como algo que possuem, é daí sua categorização como ação verbal, e não como sujeito nominal” (CALA CARRILLO, BARBERÁ HEREDIA, 2009, p. 96)5. Nessa perspectiva, gênero é uma

1

El sexo alude a las características biológicas específicas de hombres o de mujeres y la investigación empírica lo operativiza como una variable dicotómica y excluyente. El género por el contrario, se interpreta como un conjunto de factores culturales y psicosociales (rasgos, roles, aficiones, habilidades) que se les atribuyen, de manera diferenciada, a unos y a otras. (CALA CARRILLO, BARBERÁ HEREDIA, 2009, p. 92).

2 “SER: el sistema sexo/género como propriedad interna; CREER: el sistema sexo/género como

construcción psicosocial; HACER: el sistema sexo/género como actividad interactiva” (CALA CARRILLO, BARBERÁ HEREDIA, 2009, p. 93)

3 “una característica inherente a la persona que determina la forma en que se comporta” (p. 93) 4 “la idea central es que el sistema sexo/género constituye una categoria saliente en cualquier

contexto cultural y social” (CALA CARRILLO, BARBERÁ HEREDIA, 2009, p. 95).

5 “se concibe como algo que las personas hacen en lugar de como una propiedad que poseen los

individuos, de ahí su categorización como acción verbal y no como sujeto nominal” (CALA CARRILLO, BARBERÁ HEREDIA, 2009, p. 96)

(31)

ação, construção e atuação social performática, ocorrendo nos níveis sociocultural, interativo e individual:

No nível sociocultural o gênero se desenvolve através de uma ideologia que se estende mediante os estereótipos presentes nos meios de comunicação, assim como na família e no trabalho.

No nível interativo, as chaves de gênero orientam comportamentos diferenciados nas interações sociais com homens ou com mulheres, processo que nem sempre ocorre de forma consciente.

Por último, no nível individual, mulheres e homens aceitam as diferenças de gênero como parte do autoconceito e adotam atitudes e comportamentos adequados a seu sexo segundo as normas estabelecidas em cada cultura (CALA CARRILLO, BARBERÁ HEREDIA, 2009, p. 96).6

Essa terceira linha enfatiza que o fazer é a mola propulsora das construções de gênero, que pode dar-se nos diversos locais e abrange os aspectos cognitivos, afetivos, biológicos e culturais dos sujeitos, portanto, é contextualizado, o que leva à ressignificação do gênero conforme os sujeitos se situem no tempo e espaço. Ainda segundo as autoras, os estudos de gênero na psicologia buscam explicar o comportamento humano em toda sua diversidade, considerando os fatores biológicos e socioculturais, e destacam que o gênero é um marcador base das diferenciações.

No campo da Educação, aponto as contribuições de Louro (2014), que a partir de um breve apanhado histórico sobre o movimento feminista, apresenta as transformações do conceito de gênero como: construção ligada aos aspectos biológicos; uma categoria de análise relacional baseada nas relações de poder; um processo constante, múltiplo e plural ligado a outras categorias. Situando-o no campo da Educação, propõe pensar gênero a partir do campo social, onde as desigualdades são produzidas, assim, ele se constitui nas e pelas diferentes instituições, incluindo a escola.

6

A nivel sociocultural el género se desarrolla a través de una ideología que se extiende mediante los estereotipos presentes en los medios de comunicación, así como en las estructuras familiares y laborales.

A nivel interactivo, las claves de género orientan comportamientos diferenciados en las interacciones sociales con hombres o con mujeres, proceso que no siempre actúa de forma consciente.

Por último, a nivel individual, mujeres y hombres aceptan la distinción de género como parte del autoconcepto y adoptan actitudes y comportamientos adecuados a su sexo según las normas establecidas en cada cultura. (CALA CARRILLO, BARBERÁ HEREDIA, 2009, p. 96)

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Louro (2014, p. 45) afirma que “os gêneros se produzem, portanto, nas e pelas relações de poder”, com base nos estudos foucaultianos que o consideram descentralizado, ou seja, exercido em diferentes modos e espaços, por diferentes agentes, produzindo sujeitos e corpos. Outro conceito importante que ela destaca é o de diferença, ligado às relações de poder, que apontam o “diferente” como ponto de referência para demarcar posições, lugares, papéis e características. Assim, poder e diferença são fundamentais na perspectiva da autora para pensar as relações de gênero aprendidas, reproduzidas e/ou reconfiguradas no espaço escolar.

Segundo Louro (2014, p. 61) “a construção escolar das diferenças”, perpassa todo o processo pedagógico e desde seu início a escola promove a separação de sexo, de classe e de idade. Essa separação também é curricular e metodológica, podendo ser observada na linguagem que distingue os sujeitos e anunciam o que é ou não permitido fazer em razão das atribuições de gênero; nos materiais didáticos onde são expressas as identidades desejáveis e aceitáveis; e no incentivo diferenciado à participação e dedicação em determinadas disciplinas.

Louro (2014) afirma que nas escolas também ocorrem situações, planejadas ou não, em que essas diferenciações e separações são superadas por práticas que possibilitam o cruzamento das fronteiras de gênero binárias e dicotômicas. Nesse sentido, ela aponta proposições para fortalecer essas práticas, como, por exemplo, a pedagogia feminista, que traz como proposta um ensino em que todos/as aprendem juntos/as, a partir de uma prática dialógica que considera e valoriza todas as vozes e experiências, com base num trabalho de cooperação (em que todos/as agem para o bem comum) ao invés da competição.

Na perspectiva da Educação Infantil, assumida nesta tese, Carvalho (2014) afirma que gênero “funciona como um princípio de organização da ordem social e continua sendo usado como um princípio organizador do sistema, da instituição, das práticas curriculares e pedagógicas da Educação Infantil” (p. 436). Assim, gênero é um processo aprendido, que se inicia nos primeiros anos de vida e tem continuidade nas instituições educacionais.

A autora define gênero como “um dos elementos estruturantes da organização social, da divisão do trabalho, das relações sociais e das identidades individuais e sociais” (CARVALHO, 2014, p. 428), bem como “um processo de corporificação” (431). Portanto, a construção das identidades de gênero ocorre

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tradicionalmente em todas as relações: homem/homem/mulher/mulher, adulto/adulto/criança/criança; e em todas as instituições: política, econômica, educacional, religiosa, cultural etc., tendo como referência o corpo biológico em que são inscritas características de masculinidade e feminilidade culturalmente construídas. O trabalho com o corpo é central na Educação Infantil, sendo os cuidados explícitos, porém o gendramento ainda implícito.

Como observado, o conceito de gênero vem sendo debatido e reconfigurado ao longo do tempo, nos diversos campos de conhecimento, enfatizando sua característica transversal. Gênero é a primeira forma de divisão social e de relação de poder. Construído tradicionalmente de forma naturalizada e invisível nos diversos espaços sociais, e sendo aprendido, portanto, suas tradicionais relações de desigualdades e identidades binárias e dicotômicas podem ser transformadas.

Assim, é preciso investir em práticas que desconstruam as relações desiguais de gênero, o sexismo e as identidades fixas, baseadas em estereótipos. Ampliando as experiências e vivências infantis. Entendo que meninos/homens e meninas/mulheres podem e devem aprender sobre suas múltiplas capacidades físicas, intelectuais e emocionais, a dividir responsabilidades sociais, a assumir o cuidado cotidiano consigo, com os outros e com o planeta, e a trabalhar em conjunto pela garantia do bem estar de todos e todas.

2.3. Infância

Apresento algumas considerações sobre infância na perspectiva histórica com base em Philippe Ariès (1981), com a ideia do sentimento de infância; na psicológica, com Lev Vygotsky (1991), em sua abordagem sobre o desenvolvimento no enfoque histórico-cultural; e na sociológica, com William Corsaro (2011), que define crianças como sujeitos que constroem suas identidades. Destaco essas perspectivas para apontar os diferentes conceitos de infância, mas meu foco teórico é o campo dos Estudos Culturais da Educação. Assim, aponto como a infância pode ser problematizada nesse campo com Bianca Guizzo (2005), a partir da constituição infantil pela mídia; Maria Bujes (2005), com os discursos que constituem as infâncias; e Jane Felipe (2009), abordando as metodologias de pesquisa com crianças.

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