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2. CONSTRUÇÕES DAS IDENTIDADES DE GÊNERO NA INFÂNCIA

4.2. Confraternizações

4.2.4. Festa do dia das crianças

Esta festa é um momento esperado e planejado pela coordenação do CREI ao longo de todo o ano letivo, e acontece durante uma semana. Para garantir sua realização e os presentes para as crianças, a instituição investiu em rifas, pediu doações da comunidade, usou os recursos pessoais da equipe escolar, e teve parcerias de empresas e entidades não comercias. Durante a semana, o CREI ou parceiros realizavam atividades com as crianças: lanche oferecido por grupos da

comunidade, por exemplo, a USF, que desenvolve trabalho com o CREI; tardes de brincadeiras com os grupos de pesquisa que lá atuavam; entrega de presentes por empresas; e finalizando com a festa da própria instituição em que foram distribuídos os presentes arrecadados e as crianças dançaram e brincaram no pátio.

A separação dos presentes no CREI foi feita por sexo, e uma empresa em 2018 distribuiu bonecas para as meninas e carros e bolas para os meninos. A decoração foi sempre colorida, e as duas festas tiveram como tema o palhaço. Na Foto 19, a instituição decorou o pátio com uma mesa, um painel temático e alguns presentes para as crianças. A Foto 20 apresenta o mesmo cartaz do ano anterior, com alguns ajustes, dois meninos e duas meninas, um menino negro e um branco, duas meninas brancas, sendo uma com deficiência, destacando a diversidade de crianças que o CREI recebe.

Foto 19: Festa das crianças 2017 (pátio)

Fonte: Pesquisadora. Outubro de 2017.

Foto 20: Festa das crianças 2018 (entrada)

Destaco dois fatos que ocorreram na festa das crianças de 2017: a brincadeira de faz de conta no cenário de uma casa; e a distribuição das bonecas e bonecos pela prefeitura.

A Foto 21 refere-se ao ambiente de uma casa, e os móveis foram construídos de papelão pela gestora para celebrar o dia das crianças de 2017. Todas as turmas foram levadas ao cenário para brincarem de faz de conta, e a professora da turma de Pré-escolar I (4 anos) relatou durante a entrevista que orientou meninas e meninos a brincarem juntos: as meninas seriam as mães e os meninos seriam os pais, e todos tinham que cuidar da casa. A Foto 21 e o discurso docente apontam que papéis de gênero a instituição inscreve nos corpos, ações e significados das crianças.

Foto 21: Cenário da casa

Fonte: Pesquisadora. Outubro de 2017.

Apesar da professora anunciar às crianças que todas deveriam cuidar da casa, incluindo os meninos, ela também determinou que papel cada um/uma deveria assumir naquele ambiente, estabelecendo poderes, relações, e divisão do trabalho social e sexual (BOURDIEU, 2002).

Também para celebrar o dia das crianças de 2017, a Secretaria de Educação do município distribuiu bonecas negras e brancas e bonecos negros e brancos para o uso das crianças no CREI (Foto 22, p. 97).

Foto 22: Bonecas e bonecos e suas embalagens

Fonte: Pesquisadora. Outubro de 2017.

As bonecas e bonecos se diferenciam inicialmente pelas roupas, boneco de macacão e boneca de vestido, ambos com cores diversas. Os cabelos se diferenciam a partir da raça/etnia: as/os brancas/os com cabelos loiros e lisos, e as/os negras/os com cabelos pretos e cacheados. As embalagens também demarcavam o gênero – na cor da caixa e na linguagem – caixa branca e rosa inscrita menina branca/negra, e caixa branca e azul inscrita menino branco/negro. O desenho das bonecas e bonecos é o mesmo, a marcação primária é o sexo por meio das vestes, em seguida a cor. Ambos têm as genitálias masculina e feminina (Foto 23).

Foto 23: Genitálias do/a boneco/a

Nos momentos em que estive no CREI não observei as crianças usando as/os bonecas/os. Mas durante as entrevistas as professoras relataram sobre a brincadeira com as/os bonecas/os, e será abordado no próximo capítulo.

Não foi formalmente determinado pela secretaria de educação que as bonecas deveriam ser distribuídas às meninas e os bonecos aos meninos. Contudo a instituição, de forma implícita e explícita distribui os/as bonecas/os conforme o sexo das crianças. O que garante que meninas e meninos de 2 a 5 anos escolham as/os bonecas/os conforme seu sexo? É possível que isso não ocorra, como é possível também que ocorra vigilância durante as brincadeiras para conformar as crianças às identidades de gênero binárias, cerceando-se os meninos a brincarem só bonecos e as meninas a brincarem só com bonecas.

Se as roupas das/os bonecas/os forem trocadas, e as crianças e docentes não verificarem as genitálias, meninos e meninas romperão com a prescrição de gênero binária durante suas brincadeiras sem se darem conta. Ainda assim, as aprendizagens de gênero binárias estarão expressas nos sentidos que são atribuídos aos símbolos (vestidos para meninas e calças para meninos), confirmando que as construções de gênero são culturais e pedagógicas, ou seja, que têm uma finalidade que é a construção de identidades binárias e dicotômicas.

As festas com as crianças apontam como a instituição prescreve essas identidades com base no binarismo, separando os presentes para meninos e meninas, e na dicotomia indicando que papéis cada um/uma deveria assumir na brincadeira no cenário da casa, por exemplo, e reforçando características culturalmente atribuídas às mulheres nas danças apresentadas pelas meninas de 5 anos.

Como afirmam Carvalho, Melo e Ismael (2008a, p. 2), “significados, papéis, identidades, aptidões, habilidades, posturas e sentimentos associados a noções de masculinidade e feminilidade são ensinados e aprendidos na vida e na escola”, neste caso através da pedagogia organizacional e visual ilustrada na decoração e nas festas realizadas no CREI. Na instituição pesquisada essas aprendizagens foram direcionadas não só às crianças, mas também às famílias por meio das mensagens visuais e discursivas que indicavam características e papéis que pais e mães deveriam assumir. As famílias, por sua vez, pareciam concordar com tais mensagens.

5. ―JÁ VEM DE CASA!‖

AS CATEGORIAS DE ANÁLISE

Foto 24: DESFILE CÍVICO 2017

Este capítulo apresenta a análise de conteúdo dos dados obtidos nas entrevistas com professoras, monitoras, gestora, supervisora, no questionário com as famílias, na atividade realizada na primeira reunião de “pais”, e nas observações, organizados em categorias (BARDIN, 2011): Concepções de gênero; Orientação das atividades; Brincadeiras; Banhos; e Relações escola-família. Destaca as respostas à questão aberta do questionário sobre o que as famílias esperam para seus filhos e filhas. E finaliza com a entrevista com a mãe sobre suas percepções da relação escola-família.

Retomo a problematização que levou à construção desta tese. Na pesquisa de mestrado identifiquei a postura da escola em responsabilizar unicamente as famílias pelas construções das identidades de gênero, na ordem binária, afirmando que “elas [crianças] já vêm de casa assim”. Essa fala também esteve presente nas entrevistas de todas as professoras e monitoras, participante desta pesquisa, como exemplifica a fala tomada como título deste capítulo, proferida por uma das professoras: ―muitas vezes entra a questão familiar, que já vem de casa!”.

De fato as identidades de gênero começam a ser construídas no espaço familiar (PAECHTER, 2009), mas na Educação Infantil essa construção também ocorre e não pode ser desconsiderada. Neste capítulo aponto como essas duas instituições interagem na construção das identidades de gênero das crianças.

Para nomear o corpo docente, adotei códigos indicando função e turma: P-MI = Professora Maternal I; P-MII = Professora Maternal II; P-PI = Professora Pré-escolar I; P-PII = Professora Pré-Pré-escolar II; S = Supervisora pedagógica; e G = Gestora. Para as famílias, informei o membro que estava respondendo e numerei os questionários de 1 a 18, exemplo Mãe 1, Pai 2 etc. Minha identificação é através da letra P = Pesquisadora. Na ocasião das observações em que registrei falas das crianças, usei nomes fictícios para identificá-las no texto. Nas transcrições criei símbolos para organizar as falas conforme a legenda:

‗—‘ (travessão entre aspas simples) = fala de terceiros emitida por pesquisadora ou entrevistada;

-- (dois traços curtos) = pausa na fala; ... (reticências) = frase não concluída;

:: (dois pontos duplos) = fala interrompida por uma das partes para inserir outra informação ou pergunta;

[ ] (chaves) = supressão de texto, comentários ou palavras complementares para a fala que não foram expressas.

Traço o perfil dos/as sujeitos de acordo com as datas das entrevistas (outubro e novembro de 2017). Nas seções seguintes apresento as categorias. Posteriormente, aponto as perspectivas das famílias para seus filhos/as, e finalizo com a entrevista da mãe que se dispôs a participar.

As professoras e monitoras do CREI tinham a faixa etária de 21 a 52 anos. A formação das docentes e de uma monitora é em Magistério e/ou Pedagogia, com exceção da professora P-MI que só tem Ensino Médio, e da monitora M-MII que tem Ensino Fundamental incompleto. Ressalvo que a professora P-MI era uma monitora que assumiu essa função durante todo o ano letivo de 2017 por falta de professora. Todas são prestadoras de serviço, o que pode ser um fator para a não exigência da formação mínima para a prática docente. O tempo de experiência das docentes varia de 2 a 20 anos, e de trabalho no CREI de 1 a 6 anos, visto que o CREI é relativamente novo (7 anos). Com exceção da professora P-PI, as demais entraram na gestão atual que se iniciou há dois anos.

A supervisora tinha 37 anos, com graduação em Pedagogia, especialização em Supervisão, Orientação Educacional e Educação Infantil. Está há 10 anos na profissão e há 4 anos na Educação Infantil e no CREI. A gestora tinha 64 anos, formada em Pedagogia, com especialização em Gerontologia, está há 10 anos como gestora, tem 28 anos de experiência como educadora social com crianças à idosos, e está há 2 anos no CREI.

Os perfis sinalizam docentes com formação mínima ou nenhuma específica para assumir as funções, e gestora e supervisora com formação equivalente e larga experiência de trabalho.

Os/as dezoito familiares respondentes do questionário tinham o seguinte perfil: quinze mães e três pais; mães com faixa etária de 21 a 43 anos e pais 32 a 52 anos. Quanto às mães, a maioria se declarou parda, com níveis de escolaridade do Ensino Médio incompleto à graduação completa; as ocupações informadas foram: diaristas, estudantes, donas de casa, técnica em enfermagem, autônoma, faxineira, secretária escolar e atendente. Quanto aos pais, um se declarou pardo, um moreno e um branco, com níveis de escolaridade de Ensino Médio completo e graduação completa; suas ocupações são: representante comercial, cozinheiro e secretário.

A renda das famílias, somando todos os membros foi de menos de um a três salários mínimos. A maioria das crianças mora com pai, mãe e irmãos/ãs; as demais moram com avós/os, tios/as, primos, irmãos/ãs e mães; uma mora apenas com a mãe; e uma com pai e mãe. Sobre religião de dez participantes, a metade se declarou cristãos evangélicos, três católicos, e duas sem religião.

Ressalto que a quantidade de familiares que participaram das reuniões “de pais” e aceitaram responder o questionário não representava 50% do número de crianças matriculadas no CREI, por isso não é possível traçar um perfil geral das famílias usuárias da instituição. O perfil acima, portanto, retrata as famílias que estavam presentes, ainda que minimamente, na vida escolar das crianças, visto que nas reuniões o número de participantes variava entre 15 e 25, e basicamente eram as mesmas pessoas que frequentavam.