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O tribunal penal internacional e as jurisdições nacionais: estruturas jurídicas complementares e convergentes

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UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

DAIARA VIRGINIA STEIERNAGEL

O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL E AS JURISDIÇÕES NACIONAIS: ESTRUTURAS JURÍDICAS COMPLEMENTARES E CONVERGENTES

Ijuí (RS) 2017

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DAIARA VIRGINIA STEIERNAGEL

O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL E AS JURISDIÇÕES NACIONAIS: ESTRUTURAS JURÍDICAS COMPLEMENTARES E CONVERGENTES

Primeiro capítulo da monografia final do Curso de Graduação em Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI, como requisito para a aprovação no componente curricular Metodologia da Pesquisa Jurídica.

Departamento de Estudos Jurídicos.

Orientador: Dr. Gilmar Antônio Bedin

Ijuí (RS) 2017

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À minha família e amigos, que desempenharam papel fundamental nesta jornada, me incentivando e apoiando sempre que necessário.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, primeiramente, que não mediram esforços em me apoiar e estar sempre ao meu lado, nas vitórias e, principalmente, nas derrotas. Sem eles, nada disso estaria acontecendo.

Ao restante dos meus familiares, em especial minhas irmãs, meus cunhados e minhas sobrinhas, que tornaram essa caminhada mais fácil e fizeram o possível para me apoiar em todos os momentos.

Ao meu orientador, que se mostrou disponível em todos os momentos, dedicando-se e colaborando decisivamente no desfecho deste trabalho. Foi um privilégio ser sua orientanda.

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“O direito é um poder passivo ou pacificado pelo Estado e é sinônimo de poder, pois sem esta participação e legitimação democrática, só resta a violência, a descrença e a barbárie.” Hannah Arendt

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RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso busca analisar os aspectos históricos que levaram à criação do Tribunal Penal Internacional, abordando desde o surgimento dos Tribunais Ad Hoc até a formação de uma Corte penal Internacional permanente. Faz uma breve análise dos crimes que competem à Corte julgar. As teorias monista e dualista também são abordadas no presente estudo, uma vez que buscam explicar como se dá a relação entre o direito interno e a ordem internacional. Finaliza-se o trabalho com uma análise acerca de como o Tribunal Penal Internacional auxilia e complementa as jurisdições nacionais, discorrendo acerca dos princípios da primazia e da complementaridade.

Palavras-Chave: Tribunais Ad Hoc. Teoria Monista. Teoria Dualista. Jurisdições Nacionais. Ordem Internacional.

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ABSTRACT

The present work of course completion seeks to analyze the historical aspects that led to the creation of the International Criminal Court, ranging from the emergence of the Ad Hoc Courts to the formation of a permanent International Criminal Court. Make a brief analysis of the crimes that the Court has to judge. The monistic and dualist theories are also addressed in the present study, since they seek to explain how the relation between domestic law and the international order takes place. The paper ends with an analysis of how the International Criminal Court assists and complements national jurisdictions, discussing the principles of primacy and complementarity.

Keywords: Ad Hoc Courts. Monist Theory. Dualist Theory. National Jurisdictions. International order.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9

1 A JUSTIÇA PENAL INTERNACIONAL E O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL ... 11

1.1 O Direito Penal Internacional antes da Segunda Guerra Mundial ... 11

1.2 Os Tribunais Ad Hoc ... 13

1.3 O Direito Penal Internacional pós Segunda Guerra ... 18

1.4 O Estatuto de Roma e o Tribunal Penal Internacional ... 20

2. A RELAÇÃO ENTRE O DIREITO INTERNACIONAL E O DIREITO NACIONAL 25 2.1 O dualismo jurídico ... 26

2.2 A Teoria Monista ... 29

2.2.1 O monismo internacionalista ... 29

2.2.2 O monismo nacionalista ... 31

2.3 A teoria adotada pelo Brasil acerca da relação entre o Direito Interno e o Direito Internacional ... 33

3 O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL E AS JURISDIÇÕES NACIONAIS ... 35

3.1 O Princípio da Primazia ... 36

3.2 O Princípio da Complementaridade ... 37

3.3 O princípio da reciprocidade internacional e a cooperação penal internacional ... 40

3.4 O Tribunal Penal Internacional e os Estados soberanos ... 41

CONCLUSÃO ... 43

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9 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo analisar desde a origem do Direito Penal Internacional, abordando, em especial, o surgimento dos Tribunais Ad Hoc, até a criação de uma Corte Penal Internacional permanente. Finaliza-se com uma análise sobre como o Tribunal Penal Internacional auxilia e complementa as jurisdições nacionais.

Neste ponto, destaca-se que a necessidade de criação de um Tribunal Penal Internacional se deu, principalmente, após a 2ª Guerra Mundial, um dos períodos mais marcantes e chocantes da história da humanidade. Após o surgimento de diversos tribunais Ad Hoc, como os de Nuremberg, Tóquio, Ruanda e da ex Iugoslávia, finalmente houve a criação de uma Corte Penal Internacional permanente, que passou a ser competente para julgar os crimes contra a humanidade, nos casos em que o Estado não assim procedesse. Esta parte histórica será abordada no primeiro capítulo do presente estudo.

Já no segundo capítulo serão abordadas as teorias Monista e Dualista, que norteiam as relações entre o Direito Internacional e o Direito Interno, e têm entendimentos divergentes. No caso da primeira, entende-se que os ordenamentos internacional e nacional fazem parte de uma unidade jurídica, enquanto que a segunda preceitua que ambos são distintos e independentes.

No terceiro e último capítulo serão debatidos os princípios basilares da Corte Penal Internacional e dos Tribunais Ad Hoc para a Antiga Iugoslava (TPII) e para Ruanda (TPIR). Nesse sentido, cabe referir que com a criação do Tribunal Penal

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10 Internacional houve o questionamento se a Corte estaria retirando o poder do Estado de processar e julgar crimes cometidos em seu território.

Sobre o tema, o Princípio da Complementaridade tem especial relevância, pois rege o funcionamento do TPI, dispondo que o Tribunal tem atuação complementar e subsidiária às jurisdições nacionais. Já o Princípio da Primazia, relacionado aos Tribunais Ad Hoc, preceitua que tais Tribunais têm preponderância sobre as jurisdições internas em determinados casos.

Tais assuntos serão abordados no último capítulo, pois a partir deles será adentrado no tema do presente estudo, onde será debatida a relação entre o Tribunal Penal Internacional e as jurisdições nacionais.

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1 A JUSTIÇA PENAL INTERNACIONAL E O TRIBUNAL PENAL

INTERNACIONAL

A necessidade de criação de uma Corte Penal Internacional, com a finalidade de proteger os Direitos Humanos, deu-se, principalmente, após os acontecimentos da 2ª Guerra Mundial, período marcado por barbáries nunca antes vistas.

Com o fim da 2ª Grande Guerra, mostrou-se necessário julgar e punir os envolvidos nos atos desumanos cometidos durante aquele período, o que levou à criação de Tribunais Ad Hoc, como os de Nuremberg e de Tóquio. Com o passar do tempo, as discussões acerca da criação de uma Corte Penal Internacional permanente foram ganhando força, resultando no surgimento do Tribunal Penal Internacional no ano de 2002, o qual possui a função de julgar e punir os autores de crimes onde há clara afronta aos Direitos Humanos.

Feitas estas considerações, o presente capítulo tem a finalidade de analisar os aspectos históricos do tema, abordando as primeiras ideias e o caminho percorrido até a origem do Tribunal Penal Internacional, em especial no tocante aos Tribunais Ad Hoc e ao Estatuto de Roma, responsável pela criação da Corte.

1.1 O Direito Penal Internacional antes da Segunda Guerra Mundial

Desde a antiguidade é possível observar manifestações relacionadas ao direito penal internacional. Possivelmente, a primeira delas ocorreu através do Tratado de Paz promovido entre Ramsés II, do Egito, e o rei dos Hititas, Hatussilli, no ano de 1280 a.C. Tal documento foi criado em razão da necessidade de cooperação internacional, com o fim de assegurar a efetiva aplicação do direito penal interno (JAPIASSÚ, 2009).

No entanto, foi através de Gustave Moynier, um dos fundadores do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, após as atrocidades cometidas no período da Guerra Franco-Prussiana de 1870, que se falou pela primeira vez na criação de uma jurisdição penal internacional permanente, com o propósito de punir os responsáveis pelas barbáries cometidas durante o conflito e evitar o rompimento dos acordos

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12 firmados através da Convenção de Genebra. A proposta, contudo, não teve apoio dos líderes da época, razão pela qual não prosperou.

Gustave Moynier propôs a instituição de um tribunal permanente, numa época em que quase todos os processos por infrações contra o direito humanitário estavam a cargo, não de tribunais ordinários ou de um tribunal penal internacional, mas sim de tribunais ad hoc constituídos por um dos beligerantes, geralmente o vencedor. Ao que parece o primeiro tribunal penal internacional ad hoc foi o de juízes da cidade de Alsácia, Áustria, Alemanha e Suíça, que se constituiu, em 1474, para julgar a Peter de Hagenbach por homicídio, violação, perjúrio e outros delitos contrários às leis de Deus e dos homens, durante a ocupação da cidade de Breisach (FERNANDES, 2006, p. 126, grifo do autor).

Na realidade, até o século XIX, não havia muitos instrumentos de cooperação penal internacional, sendo a extradição, até então, a maior manifestação de colaboração entre as Nações em matéria penal. Após a criação dos Códigos Penais da França e da Alemanha, outros instrumentos para internacionalizar o direito penal foram desenvolvidos (JAPIASSÚ, 2009).

Com o fim da Primeira Guerra Mundial, houve um desenvolvimento concreto do Direito Penal Internacional através do Tratado de Versalhes, o qual determinou que o Kaiser Guilherme II teria de ser processado criminalmente, em razão de ter violado as leis de guerra. Assim, foi estabelecido um tribunal internacional para o julgamento dos criminosos de guerra alemães.

Esta é a primeira alusão à existência de uma norma de natureza universal, sem limites de fronteiras e à soberania. Este rascunho de uma jurisdição internacional foi em decorrência do raciocínio dos vencedores, não amparados, ainda, em uma consciência coletiva. Assim, em decorrência do tratado foi estabelecida a Comission of the Authors of War and on Enforcement of Penalties1, responsável pela investigação e pelo relato das ações sob responsabilidade daqueles que haviam iniciado a guerra. A aludida Comissão realizou diversas investigações (FERNANDES, 2006, p. 137, grifo do autor).

Uma lista contendo 895 pessoas responsáveis por crimes de guerra, por atentarem contra as leis da humanidade, foi finalizada, todavia apenas 45 criminosos

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13 foram efetivamente a julgamento. O Kaiser Guilherme II, imperador alemão, jamais foi julgado, em razão da preocupação com a paz Europeia (FERNANDES, 2006).

Apesar de não ter sido possível um efetivo julgamento daqueles que pretensamente seriam os responsáveis pela prática de tão bárbaras infrações, tais fatos incentivaram os juristas a perseguirem a elaboração de um direito penal internacional específico [...]. Tanto assim, que em 1924, foi fundada, na Universidade de Paris, La Sorbonne, a Associação Internacional de Direito Penal (AIDP) e um de seus objetivos era o estabelecimento de um Tribunal Penal Internacional permanente. Em 1926, no I Congresso Internacional de Direito Penal, organizado pela AIDP em Bruxelas, discutiu-se o tema e, como consequência, foi proposto à Liga das Nações a criação de uma Câmara Criminal na Corte Internacional de Justiça. Procurava-se, então, o estabelecimento dos princípios de direito penal internacional e, principalmente, da responsabilidade penal internacional do indivíduo (JAPIASSÚ, 2009, p. 68).

Após os eventos da Primeira Grande Guerra, houve muitos esforços dos juristas para tornar possível a formação de uma jurisdição penal internacional, inclusive elaborando projetos de prevenção e repressão ao terrorismo e de criação de um Tribunal Penal Internacional capaz de julgar os autores destes crimes. Contudo, não havia como acreditar que tal empenho promovesse algum resultado, especialmente porque neste período o mundo já vivia o início de um novo capítulo trágico na sua história, acontecimentos estes que originariam, adiante, a Segunda Guerra Mundial.

1.2 Os Tribunais Ad Hoc

Se os eventos ocorridos durante a Primeira Guerra Mundial já haviam causado horror pela clara afronta aos Direitos Humanos mais básicos, os fatos que sucederam a Segunda Grande Guerra foram ainda mais graves e brutais, em especial no tocante ao extermínio dos judeus pelos nazistas e as barbáries cometidas pelos japoneses na China, acontecimentos determinantes para a fundação dos tribunais internacionais de Nuremberg e de Tóquio.

Com o final da Guerra e com a derrocada do nazismo, e após muita discussão sobre a necessidade, a extensão e a forma do julgamento, em 8 de agosto de 1945, durante a Conferência de Londres, as quatro potências vencedoras – os Estados Unidos, o Reino Unido, a União Soviética e a França -, celebraram acordo destinado a

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14 estabelecer as regras que deveriam orientar o processo e julgamento dos grandes criminosos de guerra das potências europeias do Eixo. Este acordo ficou conhecido como a Carta do Tribunal Internacional Militar, que acabou por ser conhecido como o ‘Tribunal de Nuremberg’ (JAPIASSÚ, 2009, p. 71).

Os depoimentos dos sobreviventes dos campos de concentração, aliado ao testemunho dos militares que realizaram a libertação dos judeus e aos documentos apreendidos após o fim da Guerra, demonstraram que os crimes cometidos durante o conflito ultrapassaram qualquer barbárie antes vista (BAZELAIRE; CRETIN, 2004).

A implantação do Tribunal Militar Internacional de Nuremberg já havia sido programada muito antes do fim da Guerra. Os países que formavam os Aliados e os representantes de governos Europeus se reuniram antes do fim do conflito para traçar o destino dos líderes nazistas. Todavia, a ideia de submetê-los à justiça não foi imediatamente perceptível. Apenas nas Conferências de Moscou e Teerã, no ano de 1943, e de Yalta e Potsdam, já em 1945, que as grandes potências do grupo dos Aliados - Estados Unidos, União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e Grã-Bretanha -, estabeleceram um acordo, para fins de julgar e punir àqueles que cometeram crimes de guerra (BAZELAIRE; CRETIN, 2004).

Logo após foi criado o Tribunal Militar Internacional, através dos acordos de Londres, no ano de 1945. Este tribunal era composto por quatro membros, onde cada país aliado enviava um titular e um suplente, para fins de assegurar um julgamento e uma punição dos principais criminosos de guerra nazistas com justiça e celeridade (BAZELAIRE; CRETIN, 2004).

O Tribunal de Nuremberg realizou uma série de treze julgamentos, ocorridos entre os anos de 1945 e 1949. Sobre o tema, esclarece Fernandes (2006, p. 39):

Nesses julgamentos, os chefes da Alemanha nazista foram acusados de provocarem deliberadamente a Segunda Guerra Mundial e empreender guerras agressivas de conquista. Quase todos foram acusados de assassinato, escravização, pilhagem e outras atrocidades cometidas contra soldados e civis de países ocupados. Alguns foram também acusados de serem responsáveis pela perseguição aos judeus e outros grupos raciais e nacionais.

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15 Ao final dos julgamentos, os condenados a penas privativas de liberdade foram levados à prisão de Berlim-Spandau, que era destinada apenas aos criminosos de guerra e que passou a ser comandada pelos países vencedores do conflito. Já aqueles que receberam penas capitais foram enforcados nas dependências da prisão de Nuremberg, sendo os corpos levados para a cidade de Munique para cremação.

Por outro lado, a necessidade de criação de um Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente se deu em função das brutalidades cometidas pelos japoneses em território chinês, sendo através da Conferência do Cairo, onde havia representantes de países como China, Inglaterra e Estados Unidos, que foi firmada a declaração, cuja finalidade era levar a julgamento os criminosos de guerra japoneses.

Após a rendição do Japão, no ano de 1945, foi definido, na Conferência de Moscou, que a sede do Tribunal seria a cidade de Tóquio, tendo o julgamento ocorrido no prédio que abrigava o Ministério da Guerra Japonês. Ao contrário do que ocorreu nos julgamentos de Nuremberg, em Tóquio apenas foram julgadas pessoas físicas, e não jurídicas. No total, foram acusados 9 civis e 19 militares, sendo-lhes aplicadas penas de morte, de prisão perpétua e privativas de liberdade por tempo definido (JAPIASSÚ, 2009).

A Carta do TMI para o Extremo Oriente conta com 17 artigos contra 30 do Estatuto do Tribunal de Nuremberg. Mas, de qualquer forma, a substância e a forma são na realidade muito parecidas. Assim, o art. 5º confia como de sua competência material os crimes contra a paz, os crimes contra as convenções de guerra e os crimes contra a humanidade, todas as infrações cujas definições são quase idênticas (quase com as mesmas palavras) às do Estatuto de Nuremberg. Ainda assim são colocadas todas as regras relativas à organização de processos legais (art. 9º), concedendo ao acusado os direitos mais fundamentais [...]. O recurso não é previsto exceto se for considerado audaciosamente que o poder de atenuar ou de modificar a sentença (sem agravá-la) confiado ao comandante-chefe supremo para as potências aliadas é uma via de recurso (BAZELAIRE; CRETIN, 2004, p. 29).

Nesse sentido, importa salientar que tanto o Tribunal de Nuremberg como o de Tóquio sofreram inúmeras críticas, em razão de não julgarem os crimes

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16 cometidos pelos países aliados, vencedores da guerra. Além disso, os julgamentos tiveram forte influência dos Estados Unidos, e não observaram princípios básicos do direito penal.

Assim dispõe Japiassú (2009, p. 79):

Os Tribunais de Nuremberg e de Tóquio foram, sem sombra de dúvida, cortes de vencedores sobre vencidos, o que não é, por certo o modelo ideal. Mais que isso, violaram alguns preceitos fundamentais ao direito penal, em particular, o da reserva legal. Também, deixaram de examinar os crimes que, por ventura, tenham sido praticados pelas potências aliadas. Talvez o caso mais grave tenha sido o do lançamento das bombas atômicas sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, deixando um número elevadíssimo de vítimas e que jamais foi objeto de qualquer análise por um Tribunal.

Após os julgamentos de Nuremberg e Tóquio, os Aliados criaram outros tribunais internacionais para crimes de guerra na Alemanha, os quais julgaram aproximadamente 20.000 pessoas, restando 960 condenadas à morte (JAPIASSÚ, 2009).

Além dos tribunais instalados na Europa, outros dois julgamentos de criminosos de guerra ocorreram em Israel. Um deles foi o julgamento de Demjan-juk, apontado como guarda de um campo de concentração nazista, e que foi extraditado para o país muçulmano, onde “[...] foi condenado por ter funcionado como carrasco no campo de concentração de Treblinka, mas foi beneficiado pela dúvida quanto à sua identidade pela justiça de Israel” (ROBERGE apud FERNANDES, 2006, p. 66).

Ainda em Israel, ocorreu o julgamento de Adolf Eichmann, subsecretário do Estado Nazista, o qual foi sequestrado em Buenos Aires e levado ao Tribunal Distrital de Jerusalém. Isso somente foi possível, pois no país havia uma lei referente ao castigo dos criminosos de guerra nazistas e de seus colaboradores.

Nos diversos julgamentos posteriores a Nuremberg, verificam-se semelhanças no sentido de que houve a criação de tribunais para julgar fatos pretéritos, mediante os quais o vencedor julga o vencido. Isto fica mais evidente no caso Eichmann, quando foi promulgada uma lei, em 1951, para tratar de crimes cometidos no período da

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17 Segunda Guerra Mundial, sem haver consideração de que o réu não foi extraditado, mas sim seqüestrado para ser levado a julgamento (sic) (FERNANDES, 2006, p. 67).

Além dos tribunais instalados para julgar especificamente os responsáveis por crimes cometidos no período da Segunda Guerra Mundial, outros dois foram de suma importância no caminho até se chegar à criação de uma Corte Penal Internacional permanente, pois representaram uma grande reformulação no cenário da época, acelerando consideravelmente a formação e estabelecimento do Tribunal Penal Internacional. Tratam-se dos Tribunais Penais Internacionais para a antiga Iugoslávia e para Ruanda.

Os conflitos ocorridos durante a década de 90 na região que hoje corresponde à antiga Iugoslávia foram marcados por constantes violações aos Direitos Humanos e ao Direito Penal Internacional, havendo a prática reiterada de crimes de genocídio e demais delitos condenados pela comunidade internacional, relacionados a questões étnicas. Tais fatos foram severamente reprovados pela Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações unidas, culminando na criação do Tribunal Internacional para a antiga Iugoslávia.

De acordo com Jean-Paul Bazelaire e Thierry Cretin, o Tribunal surgiu como “[...] uma resposta simbólica dos membros do Conselho de Segurança diante de sua impotência em pôr um fim aos massacres da Bósnia” (2004, p. 53), sendo o primeiro Tribunal Internacional desde Nuremberg. A Corte detinha competência para julgar “[...] violações graves às Convenções de Genebra de 1949, violações às leis e aos costumes da guerra, genocídio e crimes contra a humanidade, que tenham sido cometidos no território da antiga Iugoslávia, a partir de 1991” (JAPIASSÚ, 2009, p. 95).

Já o Tribunal Penal Internacional para Ruanda foi criado após uma série de conflitos ocorridos no país no ano de 1994, que levou ao massacre de mais de 500.000 pessoas, entre civis e militares. Por estes fatos, o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, contrariando a Frente Patriótica de Ruanda (FPR) e a Organização da Unidade Africana, enviou ao território 2.500 soldados franceses, em razão do caráter sistemático do genocídio. Assim, em 4 de julho de

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18 1994, a Frente Patriótica de Ruanda apoderou-se da capital do país, e, posteriormente, em 17 de julho, tomou a última cidade que estava nas mãos das tropas governamentais, estabelecendo um governo de união nacional (JAPIASSÚ, 2009). Com o fim da Guerra, o Tribunal foi oficialmente instalado.

O TPIR é encarregado de julgar qualquer pessoa considerada responsável por atos de genocídio e outras violações graves do direito internacional humanitário cometidos no território de Ruanda, e os cidadãos ruandenses considerados responsáveis pelos mesmos atos e violações cometidos no território de Estados vizinhos entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de 1994. A competência desse novo Tribunal Penal Internacional é certamente restringida ao mínimo simultaneamente no tempo, no espaço e até mesmo em matéria de nacionalidade. O TPIR é ainda mais ad hoc que o da ex-Iugoslávia (BAZELAIRE; CRETIN, 2004, p. 58, grifo do autor).

Além dos Tribunais Ad Hoc supramencionados, ao final da década de 90, surgiram os chamados Tribunais Mistos, tais como as Cortes Especiais de Camboja, Serra Leoa e Timor Leste, também responsáveis pelo julgamento dos crimes internacionais. Estes Tribunais eram formados tanto por pessoas internacionais como nacionais, “[...] além de terem sido constituídos a partir de acordos bilaterais entre os Estados e as Nações Unidas. São diversos dos tribunais ad hoc, que são organismos no seio da ONU” (JAPIASSÚ, 2009, p. 98, grifo do autor).

Como se percebe, apesar dos inúmeros conflitos existentes em todas as épocas, antes de se constatar a necessidade de criação de uma Corte Penal Internacional permanente, houve a formação de diversos Tribunais temporários, com a competência para julgar acontecimentos específicos.

1.3 O Direito Penal Internacional pós Segunda Guerra

Com o fim da Segunda Grande Guerra, iniciou-se um movimento na Organização das Nações Unidas, para fins de estabelecer bases mais sólidas para o direito penal internacional, definindo uma jurisdição internacional em matéria penal permanente. No ano de 1947, ocorreu a VII Conferência para a Unificação do Direito Penal, onde, pela primeira vez, foram definidos os crimes contra a humanidade, afirmando que a repressão a estes delitos apenas seria possível a partir de uma justiça penal internacional.

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19 Neste mesmo ano, foi criado o Comitê para a Codificação do Direito Internacional pela Assembleia Geral das Nações Unidas, que mais tarde se tornaria a Comissão de Direito Internacional (CDI), que era responsável pela formulação dos “[...] princípios de direito internacional reconhecidos na Carta e no julgamento do Tribunal de Nuremberg, e preparar um anteprojeto de um ‘Código das Ofensas contra a Paz e a Segurança da Humanidade” (JAPIASSÚ, 2009, p. 83). A Comissão, ainda, deveria formular e apresentar um Estatuto de uma Corte Penal Internacional. No entanto, a ideia não teve seguimento, tendo em vista as divergências políticas entre as grandes Nações mundiais.

Em 1948, na França, a Convenção das Nações Unidas sobre genocídio foi aprovada, sendo que seu artigo 6° reconheceu a jurisdição de uma Corte Criminal Internacional, porém sem exigir a sua criação.

Apesar das divergências políticas entre as grandes potências mundiais quanto ao Estatuto de uma Corte Penal Internacional, a Comissão de Direito Internacional, no ano de 1951, desenvolveu um projeto de Estatuto, texto que foi revisado em 1953. A revisão foi necessária, uma vez que o primeiro projeto era mais otimista, com a intenção de criar uma Corte mais bem estruturada possível. Após a revisão, o projeto se tornou mais compatível com as dificuldades da época, oferecendo maior poder aos Estados e reduzindo a atuação do Tribunal (JAPIASSÚ, 2009).

O anteprojeto revisado em 1953 estabelecia que a Corte deveria ser composta por 15 juízes, os quais teriam um mandado eletivo de nove anos, sendo possível a reeleição. Também determinava que o Tribunal possuía competência apenas para julgar pessoas físicas, e não jurídicas.

O anteprojeto revisado foi submetido à Assembleia Geral, que decidiu aguardar até que o anteprojeto de código de ofensas estivesse pronto, o que ocorreu em 1954. No entanto, determinou-se que o trabalho deveria ser suspenso até que houvesse uma definição consensual do crime de agressão, o que levou vinte anos para acontecer (JAPIASSÚ, 2009, p. 86).

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20 Assim, apenas no ano de 1978 o tema voltou à pauta da Assembleia Geral, em razão da pressão exercida por alguns governos e entidades não governamentais, sendo determinado à Comissão de Direito Internacional, já em 1980, que retomasse as discussões sobre o assunto. “Então, um novo relator foi designado, tendo de se recomeçar o trabalho, cuja conclusão somente ocorreu em 1991, tendo sido revisado e adotado em 1996” (JAPIASSÚ, 2009, p. 86).

Nesse sentido, nota-se que a evolução das jurisdições penais internacionais se deu de forma extremamente lenta, principalmente pela instabilidade mundial da época, tendo em vista o risco constante de eclosão de novos conflitos armados. Portanto, após os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial, num período aproximado de 50 anos, apesar de haverem esforços para consolidar uma jurisdição penal internacional, em razão da instabilidade mundial, poucas ações tiveram seguimento.

1.4 O Estatuto de Roma e o Tribunal Penal Internacional

No dia 15 de julho de 1998 teve início, na cidade de Roma, a conferência diplomática com a finalidade de aprovar um tratado para a constituição de um Tribunal Penal Internacional permanente, com o propósito de acabar com a carência do direito internacional humanitário (FERNANDES, 2006).

A necessidade de criação de um órgão permanente em matéria penal internacional mostrava-se impositiva já há muitos anos, em especial em atenção às Grandes Guerras do século XX, períodos históricos onde as violações aos direitos individuais foram constantes, sem, contudo, resultar em punições efetivas aos seus autores.

Mesmo sob a pressão pública, nas diversas oportunidades em que existiram violações aos direitos humanos, poucos foram as atitudes práticas para sanar tal situação, mediante julgamento estabelecido durante conflitos internacionais ou em conflitos internos. Alem do que, em casos como os de Nuremberg e Tóquio, houve ingerência política na instalação e nas comissões de investigações ali estabelecidas, tornando-se inviáveis apurações e julgamentos isentos e, em conseqüência, eficazes, o que levou ao mau funcionamento daqueles tribunais. Nestes tribunais havia uma lacuna

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21 entre a etapa investigativa e o processo judicial, ficando a etapa de execução a cargo de um administrador político cuja decisão não estava em consonância com o justo. Além disso, o corpo jurídico era dissolvido após a pronúncia das sentenças (sic) (FERNANDES, 2006, p. 136).

Em 17 de julho de 1998 foi aprovado o Estatuto do Tribunal Penal Internacional, com mais de 160 Estados reunidos, tendo 120 votos favoráveis, 7 contrários – Estados Unidos, Filipinas, China, Israel, Índia, Siri Lanka e Turquia -, e 21 abstenções. No dia 02 de fevereiro de 1999, Senegal passou a ser o primeiro país a ratificar o Estatuto de Roma (FERNANDES, 2006).

As experiências vividas através dos Tribunais Ad Hoc, instituídos em determinados momentos históricos, exerceram grande influência no Estatuto de Roma, principalmente quanto às críticas sofridas pela parcialidade dos julgamentos. Assim, a Corte Penal Internacional pode aprender com erros cometidos no passado para não repeti-los, a fim de realizar um trabalho de caráter universal.

O Estatuto de Roma é instrumento legal que rege a competência e o funcionamento do Tribunal Penal Internacional (Artigo 1º). Possui natureza jurídica de tratado internacional. É composto por 128 artigos, divididos em XIII Capítulos ou Partes, os quais dispõe sobre a criação do Tribunal; competência, admissibilidade e direito aplicável; princípios gerais de direito penal; composição e administração do Tribunal; inquérito e procedimento criminal; julgamento; penas; recurso e revisão; cooperação internacional e auxílio judiciário; execução da pena; assembléia dos estados partes; financiamento e cláusulas finais (JAPIASSÚ, 2009, p. 107).

Apesar das incompatibilidades entre a Constituição Federal Brasileira e o Estatuto de Roma, o Brasil assinou o tratado no ano de 2000, tornando-se o 69º Estado a fazê-lo.

O Estatuto de Roma, em seu preâmbulo, manifestou a preocupação dos Estados-Parte em fortalecer a ideia de unidade, destacando os laços comuns entre os povos ao redor do planeta, em busca de um convívio social pacífico, mesmo havendo singularidades características de cada nação. O Estatuto, ainda, em atenção às barbáries cometidas ao longo da história, reconheceu que crimes tão

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22 graves representam uma ameaça à paz, à segurança e ao bem-estar da humanidade e, sendo assim, não devem ficar impunes (JAPIASSÚ, 2009).

Também no preâmbulo do Estatuto, há a referência de que a Corte possui caráter permanente e independente, tendo competência para julgar os crimes mais graves e que abalem toda a comunidade internacional, agindo de forma complementar às jurisdições nacionais.

Em relação ao funcionamento do Tribunal, leciona David Augusto Fernandes (200, p. 206):

O Tribunal Penal Internacional tem como órgão reitor e soberano a Assembléia de Estados-Partes. Neste órgão democrático tomam-se as decisões fundamentais concernentes ao funcionamento do TPI, como é a aprovação das regras de procedimento e provas, os elementos do crime, as reformas e emendas do Estatuto da Corte etc. Assim mesmo, é a Assembléia que seleciona as pessoas para assumir os cargos mais importantes da Corte: os magistrados, os procuradores e procuradores adjuntos, secretário e secretário adjuntos, entre outros (sic).

A estrutura administrativa da Corte Penal Internacional é composta pela Secretaria do Tribunal e pela Unidade de atenção às vítimas. Já a estrutura judicial compreende a Presidência e as Câmaras de Julgamentos Preliminares, de Primeira Instância e de Apelações. Além das estruturas administrativa e judicial, o Tribunal também possui uma Promotoria independente. Devido ao caráter permanente e independente da Corte, seus funcionários devem realizar suas funções de maneira contínua e exclusiva, na sede do Tribunal, em Haia (FERNANDES, 2006).

A Assembléia dos Estados-Partes se institui segundo o artigo 112 do Estatuto de Roma. Este órgão deliberativo está composto por todos os Estados que tenham ratificado o Estatuto, mas os países signatários do Estatuto poderão funcionar como observadores. Contudo, estes últimos não têm direito a voto, que só poderá ser exercido pelos representantes dos países que o tenham ratificado. A Assembléia se reunirá uma vez por ano e, quando necessário, poderá periodicamente celebrar sessões extraordinárias, convocadas pela mesa diretora da Assembléia ou por um terço dos Estados-Partes (sic) (FERNANDES, 2006, p. 208).

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23 A Presidência do Tribunal, além do presidente, é composta de dois vice-presidentes, tendo como função administrar a Corte, com exceção da Procuradoria, que possui caráter independente. Ainda, incumbe à Presidência a decisão quanto ao tempo que os demais magistrados deverão desempenhar seus cargos de forma exclusiva, bem como propor a redução ou diminuição do número de juízes, visando um melhor funcionamento do Tribunal.

Quanto às Câmaras de Julgamento, elas se dividem em três: Câmara de Julgamento Preliminar, Câmara de Primeira Instância e Câmara de Recurso.

A Câmara de Julgamento Preliminar, onde as vítimas são ouvidas, tem a função de autorizar o início de uma investigação, bem ainda examinar, revisar e confirmar a decisão de um Procurador, no sentido de dar ou não seguimento a ela. Quanto às investigações, a Câmara deve ditar os seus trâmites gerais, autorizando o Procurador a angariar, reunir ou examinar provas, interrogar pessoas, solicitar a ajuda de um Estado, e, em não havendo cooperação, autorizar a investigação de um Estado-Parte. Ainda, é esta Câmara que decidirá se o Tribunal possui competência para julgar determinada causa.

Cabe, também, a esta Câmara adotar as medidas necessárias para velar pela eficiência e integridade das atuações e proteger os direitos de defesa no processo (artigo 56). Por exemplo, deve ditar medidas de detenção e/ou comparecimento de pessoas e velar pela proteção da vítima ou da testemunha, assim como assegurar a proteção e intimidade de todos eles. Também deverá tomar medidas para a preservação de provas e proteção de informações que afetem a segurança nacional de um Estado. Uma vez que o acusado compareça ante a Corte, a Câmara assegurará que os crimes lhe sejam imputados, assim como realizar uma audiência para confirmação dos crimes. Finalmente, incumbirá a Câmara de Questões Preliminares de enviar todo o caso à Presidência, para designar uma Câmara de Primeira Instância, a fim de proceder o juízo (FERNANDES, 2006, p. 213).

A Câmara de Primeira Instância, por outro lado, tem como função principal garantir um julgamento justo aos acusados, possibilitando a ampla defesa. Ao mesmo tempo, tem a incumbência de proteger as vítimas e testemunhas, como também receber, proteger e ordenar a produção de provas. O Estatuto de Roma, em seu artigo 64, enumera algumas das suas funções, são elas: ordenar o

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24 comparecimento e a oitiva de testemunhas, bem como a apresentação de documentos e outras provas; tomar providências a fim de proteger o acusado, as vítimas e as testemunhas; além de determinar quais as diligências que deverão ser realizadas de portas fechadas, a fim de garantir proteção aos envolvidos. Outra função importante desta Câmara é sentenciar, absolvendo ou condenando o réu.

Já a Câmara de Recursos tem como funções principais as seguintes:

[...] resolver os recursos de apelação de resoluções sobre questões preliminares ditadas pela Seção de Questões Preliminares (artigo 18); resolver apelações de resoluções sobre competência e admissibilidade ditadas pela Câmara de Questões Preliminares ou a Câmara de Primeira Instância (artigo 19); dirimir questões relativas a reacusação do Procurador ou Procurador Adjunto (artigo 42); resolver os recursos de apelação e revisão de resoluções da Câmara de Questões Preliminares e Câmara da Primeira Instância (artigo 81 e seguintes) (FERNANDES, 2006, p. 216).

Já a Procuradoria do Tribunal Penal Internacional é um órgão de caráter independente, sendo separado do restante da Corte. Possui o encargo de receber remissões e informações sobre crimes, que façam parte do rol de competência do Tribunal, a fim de examiná-las. Em caso de procedência, lhe incumbe realizar a investigação e promover a ação penal perante o Tribunal.

De acordo com o que dispõe o Estatuto de Roma, o Tribunal poderá iniciar o processo e o julgamento de um crime através de denúncia de um Estado-Parte, da remessa de um caso pelo Conselho de Segurança, bem como por iniciativa da Procuradoria, respaldada por informações confiáveis.

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25 2. A RELAÇÃO ENTRE O DIREITO INTERNACIONAL E O DIREITO NACIONAL

Superada a questão histórica, faz-se necessário entender como ocorre a relação entre o Direito Internacional e o Direito Interno, discussão essencial para o melhor entendimento do tema principal do presente trabalho (o Tribunal Penal Internacional no âmbito das jurisdições nacionais).

Tanto o direito nacional como o internacional tem natureza coercitiva, uma vez que em ambos os casos há um conjunto de normas com a finalidade de reprimir práticas delituosas. Todavia, apesar de haverem semelhanças entre as duas ordens jurídicas, elas se diferem em diversos aspectos. Enquanto que as sanções existentes no direito nacional são a pena e a execução civil, as penalidades principais no âmbito do direito internacional são as represálias e as guerras.

Sobre o assunto, esclarece o jurista Hans Kelsen (2010, p. 491-492):

A diferença existente entre pena e execução civil constitui a diferença que existe entre Direito Penal e Civil no Direito Nacional; a diferença entre represálias e guerra não justifica, contudo, uma divisão de Direito Internacional, em dois campos análogos. O Direito Internacional – ao menos no que se refere à grande maioria de suas normas – não apresenta essa estrutura dualista tão característica do Direito Nacional. A pena e a execução civil não deixam de existir, no entanto, no Direito Internacional. Neste sentido, há normas de Direito Internacional geral, principalmente normas de Direito Internacional privado, que preveem como sanção pena e execução civil, de modo que a diferença entre as duas ordens jurídicas é apenas relativa, e não absoluta em relação às sanções que dispõem. Em estreita relação com essa diferença está o fato de que em Direito Internacional prevalece a responsabilidade coletiva, ao passo que em Direito Nacional predomina a responsabilidade individual, bem como o fato de que responsabilidade coletiva constituída pelas sanções específicas de Direito Internacional – represálias e guerra – é, no que tange aos indivíduos responsáveis, responsabilidade absoluta, ao passo que a responsabilidade constituída pelas sanções específicas do Direito Nacional – pena e execução civil – é, via de regra, responsabilidade baseada em delitos.

Outra diferença importante entre o ordenamento jurídico nacional e o internacional é no que diz respeito às esferas de validade do direito internacional, que, a princípio, são ilimitadas. Por outro lado, no âmbito do direito nacional, as

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26 esferas de validade, como direito do Estado, são limitadas a um território e a determinado tempo (KELSEN, 2010).

No entanto, a diferença mais marcante está no fato de que o Direito Internacional é uma ordem coercitiva relativamente descentralizada, enquanto que o Direito Nacional é bastante centralizado. Isso porque, enquanto que os costumes e os tratados, principais fontes de Direito Internacional, são meios descentralizados de criação do Direito, a legislação, fonte basilar do Direito Nacional, é uma forma substancialmente centralizada (KELSEN, 2010).

Feitas essas considerações, há de se referir que o ponto crucial para entender a relação entre os direitos nacional e internacional consiste em saber qual norma prevalece em caso de conflito entre a ordem jurídica internacional e a ordem interna. Nesse sentido, duas grandes teorias doutrinárias acerca da questão foram concebidas: as Teorias Monista e Dualista.

Desde a longínqua década de vinte há controvérsias entre as escolas doutrinárias monista e dualista, sendo que ambas buscam explicar a relação entre o direito internacional e o direito interno. Segundo ensinamentos de Charles Rousseau, “[...] ou os dois ordenamentos jurídicos são independentes, distintos, separados e impenetráveis (dualismo), ou um deriva do outro, o que implica uma concepção unitarista do direito” (apud BINENBOJM, 2000, p. 182).

2.1 O dualismo jurídico

Segundo a teoria dualista, não há colidência entre o ordenamento jurídico internacional e o ordenamento interno, uma vez que o Direito Internacional rege a relação entre os Estados, entre si e para com os demais organismos internacionais, ao passo que o Direito Nacional disciplina as relações intra-estatais (BINENBOJM, 2000).

Foi Alfred von Verdross quem, em 1914, cunhou a expressão “dualismo”, aceita por Triepel, em 1923. Para os adeptos dessa corrente, o direito interno de cada Estado e o internacional são dois sistemas independentes e distintos, embora igualmente válidos. Por

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27 regularem tais sistemas matérias diferentes, entre eles não poderia haver conflito, ou seja, um tratado internacional não poderia, em nenhuma hipótese, regular uma questão interna sem antes ter sido incorporado a este ordenamento por um procedimento receptivo que o transforme em lei nacional. Para os dualistas, os tratados internacionais representam apenas compromissos exteriores do Estado, assumidos por Governos na sua representação, sem que isso possa influir no ordenamento interno desse Estado. Em um caso, trata-se de relações entre Estados, enquanto em outro as regras visam à regulamentação das relações entre indivíduos. Por isso é que esses compromissos exteriores, para os dualistas, não têm o condão de gerar efeitos automáticos na ordem jurídica interna do país, se todo o pactuado não se materializar na forma de diploma normativo típico do direito interno: uma lei, um decreto, uma lei complementar, uma norma constitucional etc (MAZZUOLI, 2000, p. 86).

Assim sendo, para os autores dualistas o direito internacional e o direito interno são distintos e independentes, de forma que a validade da norma interna de cada Estado não se sujeita aos preceitos do ordenamento internacional.

Em relação à recepção de uma norma internacional no ordenamento jurídico interno, segundo a teoria dualista, leciona João Grandino Rodas:

É corolário da teoria dualista a necessidade de, através de alguma formalidade, transportar o conteúdo normativo dos tratados para o Direito interno, para que estes, embora já existentes no plano internacional, possam ter validade e executoriedade no território nacional. Consoante o monismo, não será necessária a realização de qualquer ato pertinente ao Direito interno após a ratificação. Grande parte dos Estados, seguindo a concepção dualista nesse pormenor, prescreve sejam os tratados já ratificados incorporados à legislação interna através da promulgação ou simples publicação (apud BINENBOJM, 2000, p. 185).

Nesse sentido, há de se referir que dentro da corrente dualista está o chamado dualismo moderado, o qual entende não ser necessário que as normas internacionais sejam firmadas em um projeto de lei interna, devendo, apenas, os tratados internacionais serem ratificados, através de um procedimento específico, que deve incluir a aprovação preliminar do parlamento, com a posterior ratificação pelo Chefe de Estado.

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28 Assim sendo, ao contrário do dualismo radical, que preceitua que os tratados internacionais devem ser internalizados por meio de lei, o dualismo moderado estabelece um procedimento menos formal para a recepção das normas internacionais pelo ordenamento interno – por exemplo, por meio de um decreto ou de um regulamento.

Segundo Roberto Luiz Silva, em sua obra Direito Internacional Público, a teoria dualista estaria ultrapassada, uma vez que a norma internacional somente seria aplicada depois de internalizada pelo Estado, isto é, se transformaria em direito interno e obedeceria ao procedimento adotado por cada país, no que diz respeito à legislação que valida um tratado internacional (apud DELLOVA, 2017, p. 2).

As críticas que o mencionado autor se refere, diz respeito à impossibilidade de inserção de outros sujeitos de Direito Internacional, além disso, a teoria não é suficiente para explicar a obrigatoriedade dos costumes internacionais, entre outras críticas de igual importância.

Destaca-se a concepção de ultrapassada na medida em que somos acolhidos pela globalização, haja vista a abertura ao mundo de vários setores do Brasil em relação aos sujeitos de direito internacional. Ocorre que, a evolução da sociedade requer o amadurecimento de seu sistema Judiciário, assim, como as mudanças são rápidas, existe um perceptível atraso na criação de normas que sejam coerentes com a realidade. E isto não acontece só em relação às normas, mas os próprios aplicadores do direito revestidos do ponto de vista conservador (DELLOVA, 2010, p.2).

Portanto, considerando que vivemos em um mundo globalizado, onde as relações entre sujeitos e Estados são cada vez mais estreitas, e tendo em vista que o sistema jurídico deve acompanhar a evolução da sociedade, não é plausível um procedimento tão formal, tal qual estabelece a teoria dualista radical, para recepcionar normas internacionais no ordenamento interno de cada país.

Em síntese, segundo a teoria dualista, a norma internacional tem validade apenas no âmbito do ordenamento jurídico internacional, enquanto que as normas nacionais produzem efeitos somente no ordenamento interno, sendo obrigação do Estado pactuante internalizar as normas de direito internacional, sob pena de ser responsabilizado internacionalmente (VILHENA, 2011).

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29 2.2 A Teoria Monista

Para os adeptos da teoria monista “[...] o direito interno e o direito internacional fazem parte de um todo jurídico onde um encontra seu fundamento no outro, e se complementam em vários aspectos e situações” (VILHENA, 2011, p. 15).

Apesar de haver um consenso em relação à ideia basilar da Teoria Monista, há uma divisão entre aqueles que defendem que em caso de conflitos entre normas de direito internacional e interno deve predominar o direito nacional (tese com raízes em Hegel); e aqueles que acreditam que a prevalência deve ser dada ao direito internacional (defendida por Kelsen).

Assim, mostra-se necessário estudar as duas vertentes da Teoria Monista, para a melhor compreensão dos assuntos que serão tratados adiante.

2.2.1 O monismo internacionalista

A teoria monista internacionalista foi desenvolvida primordialmente pela Escola de Viena e ganhou força após a Segunda Guerra Mundial, sendo aceita majoritariamente pelos doutrinadores ao redor do mundo. Segundo esta corrente, concebida por Hans Kelsen, o direito constitui um sistema único, do qual fazem parte o direito internacional e o direito interno, havendo a necessidade de criação de normas para solucionar eventuais conflitos que possam advir dessa relação.

[...] fora desenvolvido pela Escola de Viena cujos principais representantes são Kelsen, Verdross e Kunz. Mas, é Kelsen quem se destaca ao formular a Teoria Pura do Direito, na qual estabeleceu a conhecida pirâmide de normas. Pode-se resumir a lógica da pirâmide dizendo que uma norma tem a sua origem e tira a sua obrigatoriedade da norma que lhe é imediatamente superior; e, a norma primeira é denominada de Grundnorm. Essa concepção fora denominada, na sua primeira fase, de Teoria da Livre Escolha. Ulteriormente, por influência de Verdross, Kelsen sai do seu indiferentismo e passa a considerar a Grundnorm como sendo uma norma de Direito Internacional, ou seja, a norma consuetudinária pacta sunt servanda (ARIOSI, 2004, p. 13, grifo do autor).

O entendimento de Hans Kelsen é no sentido de que “[...] a validade do direito interno decorre do reconhecimento do direito internacional” (BINENBOJM, 2000, p.

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30 182), de forma que seria desnecessário criar mecanismos para internalizar as normas internacionais, pois elas são hierarquicamente superiores.

Se afirmarmos que uma norma internacional é hierarquicamente superior às normas internas do Estado, temos que levar em consideração que toda legislação interna que contradisser os preceitos internacionais será deixada de lado em prol do direito internacional, inclusive a Constituição deste Estado. Assim defende o monismo internacionalista que tem Kelsen como seu maior representante, sob a justificativa de que o direito internacional encontra o seu fundamento no princípio da pacta sunt servanda, que é a norma mais elevada da ordem jurídica mundial e da qual todas as demais derivam, representando o dever dos estados em cumprirem as suas obrigações (VILHENA, 2011, p. 15, grifo do autor).

Tal posição é adotada pela Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, que em seu artigo 27 refere que o Estado “[...] não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado”.

Um dos principais argumentos utilizados pelos seguidores desta teoria é no sentido de que é juridicamente impossível uma parte conhecer os detalhes do ordenamento interno do outro Estado, com o qual quer celebrar um acordo, tendo em vista a diversidade de leis internas que cada Estado possui. Portanto, mostra-se necessário que as relações inter-estatais sejam reguladas por uma norma geral.

Assim sendo, se o tratado for celebrado de forma correta, sendo ratificado pelo Chefe do Estado, este não pode alegar que o procedimento interno não foi observado, pois a norma internacional é hierarquicamente superior. Sobre o assunto, ensina Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros (1983, p. 250-251):

[...] um Estado, ao negociar um tratado com outro, não pode se preocupar com o processo interno de formação da vontade deste, mas somente com o órgão competente para declarar a sua vontade no plano internacional, que é o Chefe do Estado, segundo regra universalmente aceita. Dessa forma, os tratados ratificados ou confirmados pelo Chefe do Estado, a quem o Direito Internacional confere a faculdade de agir pelo Estado em suas relações exteriores, devem ser tidos como válidos e obrigatórios, mesmo quando os trâmites constitucionais relativos à celebração de tratados não forem observados.

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31 Outro argumento trazido à baila é o de que os Estados-contratantes não podem ser prejudicados em razão de uma das partes não ter obedecido às limitações estabelecidas pela constituição do seu país. Caso assim não o fosse, seria o mesmo que dizer que o direito constitucional tem influência no âmbito externo, o que equivaleria a negar a autonomia do Direito Internacional (MAZZUOLI, 2004).

Por fim, um argumento muito forte que milita nesta corrente é o da boa-fé dos Estados partes. Em Direito Internacional, a boa-fé que devem ter as partes quando contratam é algo que tem um patamar elevadíssimo, razão pela qual deve ser levada em conta. Por isso admitir que um Estado alegue sua própria torpeza, na medida em que não seguiu um trâmite obrigatório, seria equivalente a desprezar a noção de boa-fé. Veja porquê. Se o contratante não cumpriu determinada formalidade, ele justifica dizendo que ele não conhecia as regras internas para aquele caso, ou que, muito embora as conhecesse, não as seguiu. Destas duas assertivas, podemos tirar duas conclusões, a saber: a uma, se ele próprio não conhecia as regras internas para celebração dos tratados, como exigir que um outro país as conhecesse? Trata-se de questão que ofende princípios de lógica. Por outro lado, admitir que o Estado conhece sim suas regras internas, mas que não as cumpriu, e depois alegou erro na execução da celebração do contrato, induz sobremaneira à ideia de que este Estado fez isso de má-fé, ofendendo, portanto, o princípio da boa-fé internacional. Tanto um como outro entendimento são suficientes para se dizer que não é possível alegar descumprimento de preceito nacional para eximir-se do cumprimento das obrigações advindas do tratado (PILONI, 2004, p. 68).

A exceção a este entendimento está nos casos em que haja previsão no texto do tratado de que o acordo firmado apenas produzirá os seus efeitos após serem cumpridos os procedimentos internos do Estado, de forma que a eficácia do tratado está subordinada à observância dos mecanismos constitucionais.

2.2.2 O monismo nacionalista

A teoria monista nacionalista fundamenta-se na concepção filosófica hegeliana acerca do Estado (ente que possui soberania absoluta), tendo surgido com a Revolução Francesa. Tem como premissa a primazia do direito interno, de forma que, em caso de conflito entre normas nacionais e internacionais, caberia ao direito interno de cada Estado decidir qual deveria ser seguida.

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32 Como observa Celso de Albuquerque Mello, o monismo com primazia do Direito interno tem suas raízes no hegelianismo, que considera o Estado como tendo uma soberania absoluta. Segundo esta concepção, o Estado não pode estar sujeito a nenhum sistema jurídico que não tenha emanado de sua própria vontade; pois, o fundamento do Direito Internacional, segundo Jellinek, é a autolimitação do Estado já que o DI tira sua obrigatoriedade do Direito interno. Nesse marco, o Direito Internacional traduz-se em um direito estatal externo, seria um tipo de Direito interno que os Estados aplicam em âmbito internacional (MELLO apud ARIOSI, 2004, p. 12-13, grifo do autor).

Assim sendo, segundo esta corrente, o Estado não seria obrigado a cumprir tratados internacionais firmados, pois tem soberania absoluta, não estando subordinado à sistema jurídico que não tenha advindo de sua própria vontade. Assim, o “[...] Direito Internacional não passaria de um Direito Estatal Externo, partindo da suposição de que regula as relações do Estado com o “exterior”, as suas relações com outros Estados” (SILVA apud DELLOVA, 2017, p. 2).

Assim, segundo este pensamento, a soberania do Estado, que é absoluta, restaria violada em caso de imposição da norma internacional em detrimento da Constituição do país, o que abalaria a sua autonomia e a sua soberania, características inerentes ao conceito de Estado.

Portanto, os seguidores desta corrente defendem que todos os tratados internacionais firmados, para serem válidos, devem obedecer aos procedimentos de celebração e adesão dispostos na Constituição de cada país, sob pena de nulidade, sendo que, mesmo após a integração da norma internacional ao direito interno, aquela não é hierarquicamente superior a esta.

Neste ponto, em relação à corrente monista nacionalista e a Convenção de Viena sobre o direito dos tratados, esclarece o autor Mirtô Fraga (apud PILONI, 2004, p. 66, grifo do autor):

Se a Convenção de Viena prevê a nulidade do tratado concluído pelo Estado com violação de uma disposição de seu Direito Constitucional sobre a competência para concluir tratados, é porque, na verdade, em tal hipótese, o tratado não chegou a ser concluído, e, portanto, na terminologia usual, é inexistente em relação a tal Estado. Se a violação diz respeito à matéria e se o Estado expressou sua vontade

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33 pelos Poderes competentes, ele se obrigou, formalmente, embora, materialmente, isto é, em determinado assunto, não pudesse fazê-lo em razão de sua Constituição. Para o Direito Internacional, o compromisso será válido. A Convenção de Viena não permite, como regra geral, que o Estado invoque seu direito interno, para eximir-se das responsabilidades decorrentes do compromisso assumido (art. 27). Para essa norma ampla, prevê, entretanto, uma exceção: se o consentimento em obrigar-se foi expresso em violação de uma disposição interna sobre a competência para concluir tratado, e desde que a violação seja manifesta e se refira a uma regra de seu direito interno de importância fundamental, o Estado pode eximir-se de cumprir o pactuado (art. 46). A expressão regra e seu direito interno de importância fundamental deve ser interpretada em sentido restritivo: fundamental é a Constituição do Estado, o Direito Constitucional vivo e efetivo, tal qual aplicado e entendido.; A competência, entretanto, pode se referir: ao Poder (ou órgão, se for o caso) ao qual ela é atribuída, para a conclusão do tratado, ou à própria matéria objeto do pacto. (sic)

O doutrinador Roberto Luiz Silva, em sua obra Direito Internacional Público (apud DELLOVA, 2017), tece críticas em relação a este pensamento, uma vez que qualquer alteração na vontade do ente estatal, inclusive em casos de golpe de Estado, provocaria a ruptura dos tratados internacionais firmados anteriormente, o que estaria em desacordo com a prática internacional atual, além de não observar a autonomia e a independência do direito internacional.

2.3 A teoria adotada pelo Brasil acerca da relação entre o Direito Interno e o Direito Internacional

A Constituição brasileira não estabelece uma teoria a ser utilizada nos casos de conflito entre o direito interno e a ordem internacional. Todavia, o Supremo Tribunal Federal, em julgado do ano de 1998, se manifestou favorável à teoria dualista moderada. Assim, o Tratado Internacional é recebido com força de Lei Ordinária, excetuados os casos em que se trata de Direito Humanos, tendo em vista que o artigo 5º, §2º, da Constituição Federal atribui a estes eficácia de norma supralegal.

Isso se dá porque há, em primeiro lugar, um procedimento especifico de internalização das regras de direito internacional ao ordenamento jurídico brasileiro, sendo que esse procedimento se faz necessário porque as regras estão em planos diversos e separados. Em segundo lugar, pode ocorrer de uma regra estabelecida em um

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34 tratado internacional incorporado ao direito brasileiro ser revogada por lei ordinária posterior no ordenamento jurídico interno e, mesmo assim, o Brasil continuar sendo parte desse tratado na seara internacional, respondendo por seus atos perante a comunidade internacional (BARBOSA JUNIOR, 2012, p. 01).

No tocante às normas derivadas de fontes consuetudinárias (que têm como base os costumes), a Suprema Corte do nosso país adotou entendimento no sentido de que tais leis se incorporariam de forma imediata à ordem interna.

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35 3 O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL E AS JURISDIÇÕES NACIONAIS

A atuação do direito internacional evoluiu com o desenvolvimento do conceito de soberania estatal, que atribui ao Estado a competência para discutir questões relacionadas a pessoas que se encontram em seu território. Em razão de esta competência ser limitada, mostra-se imprescindível a criação de mecanismos para solucionar questões jurídicas que extrapolam o exercício da soberania (MAZZUTTI, 2015). Nestes casos, recorre-se à justiça penal internacional.

O Direito Internacional, em sua forma clássica, como método de delimitação de competências, sujeito ao princípio da soberania, por meio da determinação dos respectivos limites e da identificação das várias unidades de jurisdição, vem sofrendo alterações significativas nas últimas décadas. Nesse contexto, a criação do Tribunal Penal Internacional, prevista no Estatuto de Roma de 1998, não significa apenas o estabelecimento de uma nova instituição internacional dotada de competências específicas, mas insere-se na evolução do Direito Internacional como sistema de coexistência e cooperação entre os Estados. Em outras palavras, a análise de diversas questões colocadas pela criação deste Tribunal traz consigo a discussão acerca dos contornos e dos limites da soberania na sociedade internacional contemporânea. O fator complicador reside na própria matéria regulada, a justiça penal, que, como sabemos, guarda relação intrínseca com os interesses essenciais dos diversos Estados nacionais e, portanto, com o exercício de suas soberanias (PERRONE MOISÉS, 2000).

Neste contexto, quando são criadas jurisdições penais internacionais para julgar crimes cometidos no território de um ou de diversos Estados, faz-se necessário definir se a justiça penal internacional tem a primazia sobre a justiça nacional, ou se é apenas complementar/subsidiária a esta (BAZELAIRE; CRETIN, 2004).

Em primeiro lugar, é necessário atentar para o fato de que, sendo a jurisdição uma das prerrogativas soberanas do Estado, a jurisdição internacional do Tribunal Penal Internacional não deve ser entendida da mesma forma que uma jurisdição estatal. Disposta entre os artigos 11 e 16 do Estatuto de Roma, a jurisdição do Tribunal significa um conjunto de parâmetros legais que limitam a atuação daquele órgão em razão do assunto, do período, do território, e da nacionalidade do indivíduo (SCHABBAS apud RESENDE MIRANDA, 2011, p. 102).

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36 O Estatuto de Roma criou mecanismos para os casos em que haja intervenção da Corte Penal Internacional, salientando a autonomia e a independência do Tribunal, como também a necessidade de adequação entre as jurisdições internacionais e as nacionais (MAZZUTTI, 2015). Dentre tais mecanismos, está os princípios da primazia e da complementaridade ou subsidiariedade.

3.1 O Princípio da Primazia

O princípio da primazia se refere especialmente aos Tribunais ad hoc, tais como o para a Antiga Iugoslava (TPII) e para Ruanda (TPIR), que foram criados pelo Conselho de Segurança, e atuam conforme o capítulo VII da Carta da ONU. Os Estatutos de ambos os Tribunais estabelecem que eles são concorrentemente competentes com as jurisdições nacionais, para julgar pessoas acusadas de crimes que violam os direitos humanos. Todavia, complementam que “[...] o Tribunal Internacional tem primazia sobre as jurisdições nacionais” (BAZELAIRE; CRETIN, 2004, p. 96).

Portanto, conforme os Estatutos, os Tribunais não possuem exclusividade, mas podem determinar que as instituições judiciárias nacionais renunciem ao julgamento em casos excepcionais, além de submeter as jurisdições internas à sua competência.

Isso ocorre porque tais Tribunais são criados para julgar eventos específicos, que aconteceram no território de determinado Estado, de forma que não haveria coerência se eles fossem subsidiários às jurisdições nacionais e dependessem destas para cumprir a sua finalidade. Além disso, o princípio da primazia mostrou-se um meio de assegurar a imparcialidade do julgamento.

A primazia parece melhor adaptada para garantir a imparcialidade, que é uma condição indissociável da ideia de justiça. Deixando os protagonistas de um conflito resolverem sozinhos e dentro do(s) país(es) envolvido(s) o desfecho do conflito, garantimos a continuidade das lutas por processos judiciários interpostos. E nessa hipótese, a vingança toma o lugar da justiça. No caso Dusko Tadic, o TPII resolveu essa questão.

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37 Dusko Tadic foi primeiro processado, mas não foi julgado pelas autoridades alemãs que transmitiram o caso para o TPII. Dusko Tadic não se opôs a essa transferência provavelmente por causa das acusações mais graves que pesavam sobre ele na Alemanha. Assim que chegou a Haia, ele se dedicou a contestar a competência do Tribunal, alegando que a primazia da jurisdição internacional sobre as jurisdições nacionais violava a soberania dos Estados. Essa pretensão foi rejeitada tanto pela Câmara de Primeira Instância quanto pela Câmara de Recursos. Essa última destacou em especial, na sua exposição de motivos, que a natureza humana sendo como é, a primazia deve ser aplicada exceto quando para reduzir os crimes internacionais a crimes ordinários (BAZELAIRE; CRETIN, 2004, p. 96).

Para melhor compreensão do caso, Dusko Tadic foi um agente da polícia sérvia bósnia, tendo sido condenado a vinte anos de detenção, em razão de ter matado e violentado muçulmanos em diversos campos da região noroeste da Bósnia.

Por terem sido criados pelo Conselho de Segurança da ONU, os Tribunais têm como principal função auxiliar na garantia da paz e da segurança, cuja manutenção é a missão principal da Organização das Nações Unidas – ONU. Por essa razão, as Cortes possuem força coercitiva igual a qualquer decisão do Conselho de Segurança (BAZELAIRE; CRETIN, 2004).

Em que pese tais prerrogativas, os Tribunais Penais Internacionais nem sempre conseguem executar suas decisões, uma vez que enfrentam resistência dos Estados. Nesses casos, o único recurso cabível ao Tribunal que emanou a decisão é recorrer ao Conselho de Segurança, a fim de que este use uma de suas prerrogativas políticas para convencer ou coagir os países a cumprirem o que foi decidido (BAZELAIRE; CRETIN, 2004).

3.2 O Princípio da Complementaridade

Durante a Conferência que elaborou o Estatuto de Roma, houve negociações sobre o princípio da complementaridade, as quais foram marcadas pela eminente preocupação com a proteção dos direitos humanos e a preservação da soberania dos Estados. O princípio da complementaridade foi formulado com a finalidade de

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