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Caminhos da gestão : o nome social como ferramenta para a identidade de gênero dos discentes transexuais na Educação Profissional e Tecnológica do Ifes – campus Colatina a partir do Decreto 8.727/2016

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Texto

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O MENINO QUE NASCEU

AOS QUINZE ANOS

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Copyright © 2019 Maria do Carmo Conopca

Octavio Cavalari Junior

Produção Editorial, Projeto Gráfico e Diagramação Gustavo Binda

Xilografia de Capa Cadu Souza

www.instagram.com/xilogravurasdobenedito

IMPRESSO NO BRASIL | PRINTED IN BRAZIL |2019| Todos os direitos desta edição reservados à Editora Cousa

Editora Cousa | Rua Gama Rosa, 236 Centro Histórico de Vitória-ES | CEP 29015-100 www.cousa.com.br | facebook.com/editoracousa

C753m Conopca, Maria do Carmo.

O menino que nasceu aos quinze anos / Maria do Carmo Conopca, Octavio Cavalari Junior.- Vitória, ES: Editora Cousa, 2019.

58 p. ; 13x21cm. ISBN 978-85-9578-086-6

1. Educação. 2. Gênero. 3. Sexualidade. 4. Inclusão. 5. Diversidade. 6. Gestão. I. Cavalari Junior, Octavio. II. Título.

CDU 305:869.0(81)-91 Dados Internacionais de Catalogação na publicação (CIP)

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O MENINO QUE NASCEU

AOS QUINZE ANOS

MARIA DO CARMO CONOPCA

OCTAVIO CAVALARI JUNIOR

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APRESENTAÇÃO

Este cordel surgiu com um objetivo principal: é o produto educacional gerado a partir de minha pesquisa como aluna do Mestrado Profissional em Educação

Profissional e Tecnológica do Instituto Federal do Espírito Santo – Ifes, Campus Vitória.

A pesquisa, desenvolvida sob orientação do Prof. Dr.

Octavio Cavalari Junior, abordou a importância do uso

do nome social como ferramenta para a identidade de gênero dos alunos e alunas transexuais na Educação Profissional e Tecnológica do Ifes, a partir da publicação do Decreto nº 8.727/2016.

A ideia do cordel surgiu pelo título: O menino que nasceu aos 15 anos. Tornou-se desde então uma idéia fixa e imperiosa durante o curso do mestrado, mesmo que eu não tivesse experiência alguma com a escritura de um cordel. Esse foi o meu maior desafio.

A inexperiência justifica a estrutura adotada, em oitavas, que não é muito corrente entre os cordelistas tradicionais, e ainda alguma outra inadequação de forma que possa ser percebida. Devo também esclarecer que os versos destacados em itálico são de outros autores e autoras, por vezes com pequenas adaptações. Assim proponho ao leitor o desafio de tentar identificar a quem na verdade pertencem tais versos.

INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

Autarquia criada pela Lei n° 11.892 de 29 de Dezembro de 2008

PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA

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Para que o produto tomasse forma, fomos ouvir os(as) alunos(as) transexuais ou que se identificam como LGBTQI, bem como servidores(as) que atuam em contato direto com o corpo discente e ainda gestores(as) do

Campus Colatina, local de nosso estudo de caso.

Também embasaram a redação deste cordel as autoras e autores que abordam a temática do gênero. Do mesmo modo, as histórias e os depoimentos de pessoas transexuais que pesquisamos nas mais diversas fontes durante estes dois anos de trabalho estão representados ao longo das estrofes.

Não se trata, portanto, de contar uma única história. O resultado desta escrita é fruto de uma fusão de memórias, de relatos, de tantas trajetórias e vidas de alunos e alunas que perpassaram e perpassam os caminhos da Educação Profissional e Tecnológica no Ifes.

A intenção do cordel é provocar a empatia e despertar a sensibilidade dos leitores e leitoras sobre a importância das políticas de inclusão e acolhimento das pessoas transexuais/LGBTQI, a fim de que possam desfrutar de condições de igualdade e dignidade para concluírem com sucesso suas trajetórias na Educação Profissional e Tecnológica dos Institutos Federais.

A minuta de regulamentação do Núcleo de Estudos de Gênero e Sexualidade (Negex) do Campus Colatina, apresentada após o texto do cordel, constitui outro produto educacional desenvolvido como parte da mesma pesquisa.

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Gestão do Campus Colatina na reunião de 19 fevereiro de 2019. Após apreciação o Conselho deliberou por constituir uma comissão para encaminhar a discussão do texto por meio de consulta pública junto à comunidade. A comissão foi designada pela Portaria do Diretor-Geral do Campus Colatina nº 134, de 3 de abril de 2019.

A minuta apresentada teve como base a Resolução nº 37, de 20 de junho de 2017, do Conselho Superior do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, a qual regulamenta os Núcleos de Estudos e Pesquisas em Gênero e Sexualidade (NEPGSs) daquela instituição.

Almejamos, com a proposta deste produto educacional, que o possível funcionamento do Negex no

Campus Colatina torne-se um modelo embrionário a ser

replicado nos demais campi do Ifes.

Os Negex que vierem a ser constituídos atuarão visando à discussão de políticas de inclusão direcionadas aos alunos e alunas LGBTQI, por meio da temática da educação para a diversidade de gênero e sexualidade.

Agradeço ao meu orientador pela parceria e por ter acreditado nesde trabalho desde o início. Agradeço igualmente a todas as pessoas que me inspiraram, me incentivaram e colaboraram para que este trabalho se realizasse.

Maria do Carmo Conopca

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O MENINO QUE NASCEU

AOS QUINZE ANOS

Maria do Carmo Conopca

Octavio Cavalari Junior

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Ninguém nasce feito, é experimentando-nos no mundo

que nós nos fazemos.

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Aviso de início a todos os leitores desta obra que a história é ficção, fruto da imaginação. Ou será realidade?

Ninguém sabe, na verdade, se a arte é que imita a vida,

se a vida é que imita a arte.

Por isso peço licença ao leitor interessado, e à musa engenho e arte para escrever parte a parte as palavras destes versos com clareza e sem ofensas espalhando meu recado do respeito às diferenças. Se esse tema te chateia ou te deixa arreliado, reveja seus preconceitos, não deixe o cordel de lado!

É melhor cair das nuvens que de cima de um telhado,

já disse o velho Machado, o de Assis, grande letrado.

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Este cordel que apresento é um cordel diferente, pois não nasce dessa gente acostumada ao repente que é a gente nordestina: é um cordel capixaba.

Traz a história de um menino, tem começo e não acaba... Não acaba porque a vida se tece no dia-a-dia, cada um vai construindo sua história, seu caminho de acordo com os princípios e ideais com que se alinha. E o nosso personagem já nasceu com sua sina. Já se mudou de cidade foi até para outro estado em busca de seu diploma pra se tornar graduado e seguir na educação o caminho começado num curso profissional do instituto federal.

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Foi numa cidade quente situada bem ao norte, onde o sol brilha mais forte que as chamas de uma fornalha. Na cidade de Colina

que nasceu essa menina, que ainda pequenina notou uma coisa errada. Ela notou que seu corpo, seu corpinho de criança, naquela mais tenra infância decerto não pertencia a tudo que ela sabia que ela queria ser.

Mesmo sem ter muito tino, sentia que era um menino. No começo, teve medo, não revelava pra mãe e muito menos pro pai, receando o que viria.

Quando lhe punham vestido lacinhos e sapatinhos o seu coração doía

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Como que pode um menino ter um corpo de menina? Que brincadeira era aquela? Quando é que se acabava? A criança escondia

no coração sua angústia, e utilizando de astúcia, fingia que se aceitava. E assim se passou o tempo. Essa menina crescia,

já frequentava a escola. As amigas do primário conviviam sem problemas com aquela garotinha, igual a todas as outras, mas fechada como ostra. Em seu coração pequeno forjava um entendimento, a razão de seu sofrer. Às vezes sentia culpa por esconder seu segredo. Se alguém lhe apontasse o dedo, mesmo sem ter um motivo, sempre morria de medo.

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No entanto, ela sofria, seu peito era uma cratera. Escondia sua dor

por ter que viver fingindo ser aquilo que não era. Por dentro havia uma fera rugindo por liberdade, buscando uma identidade. Depois de mudar de escola bem na pré-adolescência, foi tomando consciência de qual era o seu mundo. A situação foi tal

que quis desistir do estudo logo na segunda etapa do ensino fundamental. À medida que crescia mudava a situação. Foi ficando mais difícil e às vezes complicado enganar quem está do lado do seu próprio coração. Ao tempo que o pai não via, sua mãe já percebia.

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Luzmarina (esse era o nome da menina que apresento), passou a buscar na alma uma maneira bem calma de relatar seu tormento à mãe que tanto lhe amava. Esperava que entendesse tudo por que ela passava. Queria que a mãe soubesse, tivesse esclarecimento de todo seu sentimento de completa solidão.

Não tinha amigos na escola, aguentava zombaria

por demonstrar que queria com os meninos jogar bola. Lhe botavam apelidos, as meninas se afastavam, os meninos, nem se diga. Professor despreparado e sem nenhuma empatia, sem entender a questão, mandava à diretoria ou para a coordenação.

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E lá ia Luzmarina

ouvir o sermão de sempre: que o seu comportamento já não tinha cabimento. Que mesmo com notas boas, jamais se toleraria

uma aluna como ela provocando rebeldia. O sermão da diretora se baseava em intrigas. Ela jamais perguntava na verdade, o que havia. Não dava oportunidade da menina se expressar, de mostrar suas feridas, de expor sua verdade. Era melhor reprimir. Era melhor não saber. Escola mal preparada para tratar o aluno como um ser social, um indívíduo total com direito de aprender e ser o que quiser ser.

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A mãe ouvia calada a voz da sua pequena. As duas dentro do quarto, a mãe com a voz serena, disse à filha que chorava após fazer seu relato:

como dois e dois são quatro, sei que a vida vale a pena.

E começou com um abraço entre a mãe e Luzmarina, uma nova parceria

bem mais forte do que um laço. A mãe não compreendia

o que sua filha queria, mas iria a qualquer preço defender sua menina. Isso estava decidido. Enfrentaria o pai dela, o prefeito, a diretora, podia vir quem viesse:

ninguém mais se interpusesse no caminho de sua filha, buscando a felicidade por meio da identidade.

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Tentou falar com o pai sobre a sua condição, mas como já esperava fechou-se o seu coração e sua alma ferina.

Bateu forte sobre a mesa e disse que Luzmarina podia ter a certeza

que em seu coração de pai sua pequena menina seria sempre princesa. Não viesse com conversa de gênero e coisas tais. Não queria ouvir mais nada, nem grito, nem sussurrado: o caso estava encerrado. Mesmo antevendo o desfecho daquela conversa dura, Luzmarina ficou triste com o seu pai que negava que a sua princesinha descobria adolescente que era bem diferente de tudo que ele sonhara.

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A filha já soube então que o melhor dos caminhos pra definir seu destino foi abrir seu coração. A mãe estava com ela.

Mesmo com sol encoberto, Todos sabem quando é dia.

Iam lutar essa guerra. Luzmarina expôs à mãe as suas inseguranças. Em seu corpo de menina sentia algumas mudanças, mas inda não entendia que a sexualidade cada dia que aflorava mais dúvidas lhe trazia. Sabia porém por certo que se sentia atração, nunca era por meninos, não lhe chamavam atenção. Gostava mais das meninas, do seu jeito delicado, ora meigo, ora açodado, do seu andar com gingado.

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Nelas seu olhar parava, seu coração se agitava. E explicou para a mãe, que lhe perguntava então, que esse fato se tratava de sua orientação. Se gostava de uma igual, era homossexual.

Portanto ela já sabia e já podia ensinar. E também já foi falando de um jeito bem informal que no caso a sua mãe era heterossexual,

pois por prazer e por gosto buscava o sexo oposto. E prosseguiu ensinando: que a orientação

representa a atração por quem a pessoa sente. Se sente atração por homem e por mulher, tudo igual então estamos falando de alguém bissexual.

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O sexo biológico é fácil compreender é aquele que ao nascer logo se vê no nascido: se é feminino é menina, se é masculino é menino. O que se nota está visto, e assim se dá seu registro. Há porém outro formato que foge à regra já dita, quando ocorre a formação de sexo feminino

e sexo masculino, numa mistura total. Dito outrora hermafrodita, hoje é intersexual.

Também há pessoas CIS, sendo a grande maioria. Cisgênero é o nome certo. É a pessoa que tem o gênero igual ao sexo, o sexo igual ao gênero, menino que é menino, menina que é menina.

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O CIS quando é menino tem orgulho do seu pênis, do seu corpo masculino. A CIS quando é menina vai se tornar uma moça com seus peitos e vagina, viverá com plenitude sua condição feminina. Pra não ter que explicar mais, CIS são chamados “normais”. E lhe digo, minha mãe,

que inda há muito que aprender. A sigla LGBT

traz um universo inteiro bem dinâmico e diverso de questões sexuais. Por fim, abordou o tema que expunha o seu segredo que estava mais bem guardado. Pediu à mãe que sentasse, que ouvisse com atenção todas as suas palavras. Elucidava o mistério à medida que falava.

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Contou que entendia agora que seu corpo de menina torneado, com voz fina era como uma prisão. Sendo menina por fora, era menino por dentro, menino no coração

e masculino em seu gênero. Gênero é o que eu sinto ele é o que sei que sou. É o gênero masculino

que traduz a minha essência. Minha mãe, escute bem e tente manter a calma: o gênero não é corpo, o gênero está na alma. Pela minha condição eu sou transexual. Não é difícil entender, não é difícil aceitar. Só para simplificar

de um jeito bem informal: o trans é aquela pessoa que vem no corpo trocado.

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É o homem aprisionado em um corpo de mulher, ou a mulher sufocada em um corpo masculino, que é tudo que ela não quer. O corpo é um tormento, pois ele não representa o que a pessoa é no íntimo. O problema é que tem gente, uma grande maioria,

que não aceita que os gays, as lésbicas e os trans são cidadãos, como todos e têm direitos iguais. O preconceito é que cria a homo-lesbo-transfobia. A transfobia acontece por falta de humanidade, por se julgar que a pessoa por seu gênero, seu sexo e sua orientação

não faz juz à equidade, pois não pertence ao padrão da cisnormatividade.

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A mãe que ouvia o discurso já um tanto atordoada, entendeu que sua filha estava bem informada, estava bem decidida, ciente de seu destino. Sob qualquer condição, sempre lhe daria a mão. E a mãe foi na parceria. Luzmarina lhe ensinava as questões sexuais, tudo que ia aprendendo com as pesquisas em sites, livros, redes sociais,

já que buscar na escola não trazia nada mais. A partir dessa conversa Luzmarina fez-se forte para enfrentar na escola todo tipo de agonia. E como qualquer pessoa curtia ficar na sua,

fases de andar escondida, fases de ir para a rua.

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O tempo passou depressa passou e deixou memória:

assim como o Dante disse, o céu não vale uma história.

Vencida a etapa final do ensino fundamental, Luzmarina ia ingressar numa escola federal. Agora uma nova etapa a ela descortinava. Aquele percurso novo que ora se apresentava encheu de expectativa seu coração, sua mente, sendo no meio de tantos só mais uma adolescente. Podia ser quem queria naquele novo ambiente. Ali ninguém conhecia a sua história de vida, apesar da pouca idade já um bocado sofrida. Queria seguir em frente, Não se sentir diferente.

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Sentia orgulho de estar num lugar especial, escola de qualidade num curso profissional. Curso técnico integrado junto com o ensino médio, tendo sido aprovada na seleção, por seu mérito. Isso lhe fortalecia

dava orgulho, dava honra. Uma nova formação, um caminho que se abria, pois tudo que ela queria era estudar de verdade, fazer novas amizades e conquistar seu diploma. Por isso a ansiedade diante da nova escola, dos professores, colegas, de todos que trabalhavam em cada setor ou sala. Será que a aceitariam como a pessoa que era? Que será que lhe esperava?

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Seu coração apertado diante da incerteza bolou uma estratégia, um esquema de defesa. Em vez de se assumir trans diria que era lésbica, pelo menos por um tempo. Essa foi a sua técnica pra lidar com o preconceito de uma forma mais amena. Antes de se dizer trans, o que tantos desconhecem, diria aos que perguntassem que gostava de meninas, que era homossexual, o que é mais usual. A estratégia funcionou. Luzmarina logo viu que naquela nova escola havia muitos iguais. Tinha amigos de verdade dentro da comunidade. Comunidade é dizer povo LGBT.

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Assim eles se tratavam, pois falar comunidade era a codificação

de um grupo minoritário, auto-identificação dentro da diversidade que compunha o alunado daquela instituição. Luzmarina percebeu já no início das aulas que se havia tolerância, respeito e inclusão por parte de professores, colegas e servidores, era uma grata surpresa, porém não era um padrão. Também recebia olhares que eram de reprovação. Também ouvia piadas que eram ditas sussuradas ao passar nos corredores, e ao ir lanchar na cantina com a sua namorada, que também era menina.

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Sabia que o preconceito que teve desde a infância seria pra vida toda, fruto da ignorância de uma sociedade que não vê a diferença como oportunidade para melhor convivência. Sabia que o caminho pra conseguir a mudança passa pela empatia, pelo conhecer o outro, por entender sua história, sua identificação.

É preciso então lutar pela conscientização. Decidiu que era hora De tomar uma decisão. Precisava de um aval pra definir a questão. Buscou junto à pedagoga, foi até a psicóloga,

à diretora de ensino, e ao diretor-geral.

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Queria se assumir como transexual, sair de sua prisão e na documentação alterar pelo princípio o seu nome de registro, exercendo o seu direito de ter nome social. E um nome masculino,

pois por dentro era um menino. Menino, não: um rapaz.

Seu gênero já sabia que não era o feminino, desde muito pequenino. Agora que abria as asas não ia voltar atrás. O fato foi que o moço provocou grande alvoroço que não acabava mais. Diante da divergência, professores exigiram que a equipe da escola convocasse os seus pais em regime de urgência.

(35)

Foi um zum-zum-zum danado diante da novidade,

pois ninguém foi preparado praquela realidade.

Numa escola centenária do governo federal, não se conhecia um jeito de dar nome social. Foi o primeiro pedido em tantos anos de história. Sem regulamentação, sem preceder a questão nenhum fato semelhante que se tivesse memória. Era um grande desafio, um teste para a gestão. Houve gente questionando se era papel da escola se imiscuir em questão particular do educando. Houve quem viu essa causa com mais sensibilidade, procurando compreender, aprender com a situação.

(36)

Aos poucos a novidade

foi se espalhando no campus. Primeiro virou fuxico,

conversa de pé do ouvido. Mas como é que será isso? Será que é mesmo verdade? Essa menina endoidou? Que é transexualidade? Pra contornar o problema e evitar confusão,

o diretor convocou uma grande reunião

onde o assunto foi pautado. Professores, servidores, pessoal terceirizado, todos foram convocados. A questão foi colocada pra todos compreenderem que agora havia um aluno que era transexual.

Achassem certo ou errado, cada um, no seu conceito, mas ele tinha direito a inclusão e respeito.

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A equipe explicou

que é dever da educação que se diz de qualidade garantir aos seus alunos condições de equidade, de acesso e permanência, para concluir seu curso dentro da instituição. Proporcionar que o aluno, cada qual, seja quem for, não seja discriminado. Que se sinta acolhido, se sinta igual, respeitado. Que seja sempre a inclusão um príncípio educativo, ideal da educação. Após isso a reunião com os pais de Luzmarina foi marcada na escola de forma bem repentina. A mãe e o pai presentes, o diretor, a aluna

e alguns membos da equipe que eram mais conscientes.

(38)

A conversa foi direta. Foi Luz que falou primeiro sobre sua condição, seu gênero verdadeiro. A mãe já acompanhava e apoiava sua filha, mas o pai não aceitava um trans em sua família. Repetiu suas palavras que já tinha dito em casa. Sua filha, uma princesa não podia ter certeza das besteiras que falava. No seu coração de pai, nada lhe doía mais,

nada mais lhe machucava. Por sua só decisão

não dava autorização. Não queria saber mais do tal nome social, e saiu da reunião. Mas a mãe ali ficou, deu um abraço na filha e conversou com a gestão.

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Como havia um decreto que pregava esse direito, Luzmarina teve apoio e soube que era correto todo o seu requerimento. Como a mãe autorizou ratificando o pedido, a escola o aceitou. Tudo foi um desafio. Tudo foi convencimento. Alteração nos sistemas, nas pautas, no regimento. Mas o principal de tudo: mudar o comportamento e convencer que a aluna tinha o seu discernimento. Luzmarina respirou

um bocado aliviada quando foi ao protocolo formalizar o pedido de seu nome social. Percebeu que a servidora que lhe atendeu no guichê foi bastante cordial.

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Aos poucos o seu processo foi tramitando na escola, com avanços, retrocessos. Mas houve um grande esforço pra resolver os problemas que foram aparecendo, pra que tudo desse certo e terminasse a contento. Luzmarina dava adeus ao seu nome de menina. No ano em que debutava, usar o seu nome novo era o que ela mais queria. Esse era o seu plano: debutaria menino,

nasceria aos quinze anos. Até que chegou o dia. Após ajustes na pauta, nas provas, na carteirinha, toda a documentação que era de Luzmarina foi enfim atualizada. Luz recebeu a notícia que era tão esperada.

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Entrou na sala de aula, o olhar com novo brilho. Então, de cabeça erguida, olhou para a turma e disse: - Meu nome agora é Ulisses! Parte da turma sorriu, parte não compreendeu e outra parte aplaudiu. O professor, por seu lado, um tanto encabulado, deu a mão à palmatória. Pediu ao aluno Ulisses que explicasse para ele e para a turma em geral como é que era essa história de ser transexual.

Ulisses, com a palavra, explicou com segurança: ninguém escolhe ser trans, ninguém escolhe sofrer. Ninguém escolhe viver sendo vilipendiado, enfrentando preconceito, com seus direitos negados.

(42)

É preciso entender:

ser trans não é uma escolha, mas sim uma condição que é inerente à pessoa. Também não é uma doença, não existe tratamento, nem cura, conjuramento. Ser trans é pra vida toda. Por isso a sociedade tem de ter a consciência de que o transexual é uma pessoa igual, um cidadão com direito à vida e dignidade, ao convívio, ao respeito pela sua identidade. Tá na Constituição, nossa lei mais soberana, a nossa lei principal: direito fundamental da dignidade humana, independente de sexo, de gênero, raça ou crença, ou de origem social.

(43)

A turma compreendeu, pediu mais explicação. Ulisses foi ensinando

o que aprendeu nesses anos de sua transformação. Numa inversão de valor, nesse dia o aluno é que foi o professor. Explicou que o Brasil é campeão mundial de uma categoria

de que ninguém sente orgulho: nosso país é, no mundo,

aquele que mais maltrata, mais assassina, mais mata quem é transexual.

E já na aula seguinte,

quando foi feita a chamada, a professora olhou,

viu Luzmarina sentada sem responder a presença. Antes que ela repetisse, bem alto a turma lhe disse: - O nome dele é Ulisses!

(44)

Assim foi acontecendo. Toda aula, a cada dia era mais um que aprendia e se esforçava bastante pra aceitar a novidade. Ulisses já se sentia um cara reconhecido na sua diversidade. Até se tornou goleiro. E nos jogos interclasses foi escalado primeiro no meio de outros rapazes. Se tornou o pioneiro, o primeiro trans goleiro, mas não ficou nesse posto pois era muito frangueiro.

Mas de tudo fica um pouco,

Como dizia o poeta. Até hoje inda tem gente que não encontrou motivo para entender que o mundo tem pessoas que não são pertencentes ao binômio masculino/feminino.

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Que essa classificação binária, dura, padrão, não traduz a realidade das sexualidades

que não têm conformação. São pura diversidade, fogem à definição,

sem fronteira que as separe. Isso também justifica

um problema corriqueiro que atormentava Ulisses: era o uso do banheiro. Para fazer um xixi vivia sempre um dilema, no restaurante ou barzinho, na escola, no cinema. Essa questão que parece ser um problema pequeno ganha proporção enorme para o transexual.

Fazer uso do banheiro pode acabar em conflito ou em intimidação e violência verbal.

(46)

A escolha de Ulisses quando estava na escola era usar o masculino. Porém, só ia ao banheiro que estava mais afastado. Pra evitar disse-me-disse, só entrava no recinto quando ele estava vazio. O fato é que a vida passa com a dor de cada dia.

Nem sempre os que estão mais perto fazem melhor companhia.

E Ulisses foi seguindo estudando, dando duro cursando o ensino técnico projetando seu futuro. Usou como aprendizado as agruras que sofreu, os perrengues que passou, e ficou agradecido

a quem o tinha ajudado. Da mesma forma entendia quem não o reconhecia após ter se assumido.

(47)

E chegou a formatura, momento mais esperado. No meio da cerimônia teve seu nome chamado na hora de colar grau. Ulisses, com muito orgulho recebeu o seu canudo com seu nome social. E assim termina a história, ou, talvez, nunca termine. Como disse no início desses versos amadores, tudo tem seu recomeço: vida, vitórias, amores. Ulisses seguiu em frente foi pra um lugar diferente. O menino, na verdade por pura dedicação, estudo, concentração, foi pra universidade pública e de qualidade: passou numa federal. Com certeza será sempre um aluno especial,

(48)

engajado, atuante, defendendo a sua causa, combatendo o preconceito, mostrando que é direito viver a diversidade, porque na realidade todo mundo é diferente, cada um tem o seu jeito. Dedico este cordel a cada pessoa trans que luta por seu lugar na escola, na família, no mercado de trabalho, matando um leão por dia em uma sociedade que o invisibiliza. Por final, eu agradeço cada uma das pessoas que prestou o seu relato, que fez seu depoimento, deu sua visão dos fatos. Sua contribuição

é parte desta jornada. De coração, obrigada!

(49)

Quem gostou que bata palmas. Quem não gostou eu lamento seu tempo que foi tomado, mas mando mais um recado: vamos mudar a cabeça, aplicar ao ser humano um princípio valioso: o respeito é para todos. Toda discriminação é uma forma atentatória aos grupos minoritários, é racismo social.

Nós somos seres humanos, todo mundo é seu igual. Cada um tem sua história, todas o mesmo final.

(50)

Versos tomados por empréstimo

A arte imita a vida.

Aristóteles

A vida imita a arte.

Oscar Wilde

É melhor cair das nuvens que de de um tereceiro andar.

Machado de Assis

Como dois e dois são quatro, sei que a vida vale a pena.

Ferreira Gullar

Mesmo com sol encoberto, Todos sabem quando é dia.

(51)

(...)

fases de andar escondida, fases de ir para a rua.

Cecília Meireles (...)

assim como o Dante disse, o céu não vale uma história.

Paulo Leminski

Mas de tudo fica um pouco.

Carlos Drummond de Andrade

Nem sempre os que estão mais perto fazem melhor companhia.

(52)

MINUTA

REGULAMENTO DO NÚCLEO DE ESTUDOS DE GÊNERO E SEXUALIDADE DO IFES – CAMPUS COLATINA

Estabelece a criação e a regulamentação do Núcleo de Estudos de Gênero e Sexualidade (Negex) do Campus Colatina do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (Ifes).

CAPÍTULO I

DA NATUREZA E DA FINALIDADE

Art. 1º O Núcleo de Estudos de Gênero e Sexualidade

(Negex) do Campus Colatina do Ifes, a ser instituído por Portaria instituída pelo Diretor-Geral campus, é uma instância propositiva e consultiva que estimula e promove ações de Ensino, Pesquisa e Extensão orientadas à temática da educação para a diversidade de gênero e sexualidade.

Art. 2º O Negex tem por finalidades, entre outras que

venham a ser estabelecidas:

I - implementar políticas de educação para a diversidade de gênero e sexualidade no âmbito do Campus Colatina, com vistas à promoção do direito à diferença, à equidade, à igualdade e ao empoderamento dos sujeitos;

II - subsidiar a discussão acerca das temáticas de corpo, gênero e sexualidade e seus atravessamentos no campo da educação;

(53)

III - atuar na difusão e promoção de estudos e pesquisas relacionadas às temáticas nas quais o Núcleo se propõe em diversas áreas e concepções teóricas do conhecimento;

IV - problematizar as temáticas referentes a gênero e sexualidade e como elas têm sido abordadas em diferentes espaços, em especial, no âmbito institucional;

V - atuar na prevenção e no combate às diferentes formas de violências de gênero e sexual;

VI – trabalhar colaborativamente com os setores responsáveis pela articulação com a rede de proteção na prevenção e encaminhamento de situações de violências de gênero e sexual;

VII - promover parcerias com os movimentos sociais na luta em prol de políticas públicas para a promoção da equidade de gênero;

VIII – propor momentos de capacitação para os/ as servidores/servidoras do campus conforme demanda, por meio de articulação com outros setores;

IX - apoiar as atividades propostas pelos/pelas servidores/servidoras e pela comunidade no que se refere às finalidades do Núcleo.

CAPÍTULO II

DA VINCULAÇÃO, DA COMPOSIÇÃO, DA COORDENAÇÃO, DA ELEIÇÃO E DO MANDATO

Art. 3º O Negex está vinculado à Diretoria de Ensino do

Campus Colatina.

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servidoras do Campus, estudantes e seus familiares, estagiários/estagiárias e representantes da comunidade externa.

Art. 5º A coordenação do Negex deverá estar sob a

responsabilidade de um(a) servidor(a) efetivo(a) e de um membro na condição de secretário(a), com os(as) respectivos(as) suplentes.

Parágrafo único. A carga horária do(a) coordenador(a) e dos(as) demais membros a ser atribuída para a atuação no Negex será definida pelo Diretor-Geral na portaria de nomeação do Núcleo.

Art. 6º O(a) coordenador(a) do Negex deve ser eleito(a)

pelos seus pares.

Parágrafo único. O período de mandato na coordenação será de 2 (dois) anos, podendo haver recondução por mais um mandato de igual período.

Art. 7º A escolha do(a) coordenador(a) e do(a)

secretário(a) deverá ser feita na reunião de instalação do Negex por meio de eleição direta entre seus(suas) membros.

Parágrafo único. Os(as) segundos(as) colocados(as) da eleição serão considerados(as) suplentes de cada cargo.

Art. 8º Em caso de vacância ou ausência, os(as)

suplentes substituem os(as) respectivos(as) titulares. Parágrafo único. Em caso de renúncia ou de afastamento do(a) coordenador(a) ou do(a) secretário(a) por prazo

(55)

superior a 6 (seis) meses, deve ser realizada nova eleição para o período de vacância dos respectivos cargos.

Art. 9º O(a) coordenador(a) e/ou secretário(a) do Negex

perde o mandato se:

I. contrariar as disposições legais, regulamentares e regimentais e/ou faltar sem justificativa por 3 (três) reuniões consecutivas ou 5 (cinco) alternadas; II - afastar-se do campus por período igual ou superior a 6 (seis) meses.

CAPÍTULO III

DAS COMPETÊNCIAS E DAS ATRIBUIÇÕES

Art. 10. O Negex terá como atribuições, além de outras

que venham a ser definidas pelo Campus Colatina em concordância com os membros do Núcleo:

I - desenvolver ações de Ensino, Pesquisa e Extensão voltadas às temáticas de gênero, sexualidade e educação, fomentando a participação dos diversos segmentos da instituição;

II - atuar na articulação de pesquisadores(as), representantes de movimentos sociais e comunidade interna e externa para constituir grupos de estudos e desenvolver estratégias de ação no âmbito institucional;

III - atuar como instância consultiva nos processos de elaboração e implementação de políticas de ações afirmativas nas temáticas de gênero e sexualidade.

Art. 11. São atribuições do(a) coordenador(a) do Negex:

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planejamento e da implementação das ações; II - divulgar e promover a visibilidade das ações desenvolvidas pelo Núcleo;

III - articular com os membros do Núcleo a elaboração de calendário de reuniões ordinárias; IV - coordenar as reuniões;

V - representar o Núcleo nos diferentes espaços da Instituição;

VI - estimular a participação dos membros do Núcleo em seminários, simpósios e afins.

Art. 12. São atribuições do(a) secretário(a) do Negex:

I - subsidiar a coordenação em suas atividades, bem como sugerir e apresentar demandas e propostas;

II - organizar os expedientes e avisos, dando conhecimento a todos os membros;

III - organizar a pauta das reuniões;

IV - manter registro de frequência nas reuniões e justificativa em caso de ausências;

V - requisitar o material necessário ao funcionamento do Núcleo;

VI - redigir as atas;

VII - manter atualizado o acervo do Núcleo.

Art. 13. São atribuições dos demais membros do Negex:

I - subsidiar a coordenação, apresentar demandas, sugestões e propostas de ações de Ensino, Pesquisa e Extensão que venham a contribuir com o Núcleo; II - participar das reuniões e auxiliar no planejamento, na execução e na avaliação do Núcleo;

III - divulgar as atividades do Núcleo à comunidade e auxiliar nas demais atividades;

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IV - participar e estimular a participação da comunidade escolar nas ações desenvolvidas pelo Núcleo e em parceria com outras instituições.

CAPÍTULO IV DAS REUNIÕES

Art. 14. As reuniões ordinárias devem ocorrer 1 (uma) vez

por mês, exceto nos meses de férias escolares, e podem ser abertas à comunidade.

Parágrafo único. As reuniões extraordinárias podem ocorrer por iniciativa e convocação do(a) coordenador/ (a), por demanda da Gestão ou por solicitação da maioria simples dos membros do Negex.

CAPÍTULO V DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 15. O Negex deve dispor de suporte administrativo

e apoio da Direção do Campus para o pleno desenvolvimento de suas atividades.

Art. 16. Os casos omissos neste regulamento devem

ser encaminhados por meio da Direção de Ensino para consulta junto ao Conselho de Gestão do Campus Colatina.

Art. 17. Este regulamento entra em vigor após sua

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Referências

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