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Bases históricas da instabilidade da economia soviética: um retorno aos anos trinta

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bases históricas da

instabilidade da economia

soviética: um retorno aos

anos trinta*

Victor Meyer

U n i v e r s i d a d e Estadual de Feira de Santana e U n i v e r s i d a d e Católica de Salvador

Apresentação

Passados mais de dez anos desde a queda do M u r o de Berlim, a c o n -tecimentos tão i m p o r t a n t e s c o m o o colapso do socialismo do Leste E u r o p e u e, especialmente, a derrocada da U n i ã o Soviética, não foram ainda suficientemente estudados. N ã o se q u e r reduzir aqui a i m p o r t â n -cia das discussões já desenvolvidas e das obras publicadas desde então, mas apenas assinalar q u e n e m todos os ângulos da questão figuram c o m a ênfase necessária nas abordagens mais difundidas.

As considerações presentes neste trabalho justificam-se nesse contexto, ainda que estejam limitadas a um escopo bastante específico: o de discutir,

na sua fase formativa, na confluência das décadas de 1920 e 30, sobretudo

nos anos trinta — p o r t a n t o , já naquele m o m e n t o primordial de sua gênese — a fragilidade do sistema soviético, e a sua d e p e n d ê n c i a face a um sistema e x t r a - e c o n ô m i c o de coação.

Pretende-se a r g u m e n t a r que, durante aquele p e r í o d o crítico, já se configuraram as bases mantidas pelo sistema ao l o n g o de toda sua exis-tência. Isto se deu q u a n d o a dinâmica da planificação socialista emergia sob a ação de forças hostis originárias do resto do m u n d o , e de dentro d o p r ó p r i o m u n d o s o v i é t i c o , c a r a c t e r i z a n d o u m a i n c i d ê n c i a simultaneamente geral de relações preexistentes, q u e mal p e r m i t e m a visualização das bases econômicas originais e especificamente vinculadas

* O p r e s e n t e t r a b a l h o é u m a adaptação de p a r t e de um dos capítulos da dissertação

de m e s t r a d o do A u t o r , Determinações Históricas da Crise da Economia Soviética, publicada c o m o livro e m 1 9 9 5 pela E d i t o r a d a U n i v e r s i d a d e F e d e r a l d a Bahia.

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à U R S S . E t a m b é m que, naquelas condições, a e c o n o m i a soviética já se projetava c o m o um Socialismo de Estado, incapaz de se m o v i m e n t a r sem ser sustentado p o r u m a malha coercitiva onipresente, cercando todos os níveis da p r o d u ç ã o e c o n ô m i c a .

Um debate preliminar

A configuração das bases da e c o n o m i a soviética, consolidadas nos primeiros planos qüinqüenais, na culminância imediata das lutas de classes travadas durante a N E P ,1 foi antecipada p o r um tenso debate teórico.

I n t e r n a ao Partido B o l c h e v i q u e , a polêmica teórica t o r n o u - s e m u i t o enfática desde as vésperas da N E P , g a n h o u espaços na segunda m e t a d e da década de 1920 e refluiu depois, silenciando c o m a posterior as-censão do stalinismo. I n t r o d u t o r i a m e n t e , vale a pena fazer aqui u m a breve apresentação das questões então debatidas.

Finda a Guerra Civil, e c o m ela a experiência do Comunismo de

Guerra, c o u b e a Lenin (1948) sistematizar os principais a r g u m e n t o s

para u m a revisão das disposições econômicas e sociais instituídas pelo Estado Soviético. A d v e r t i n d o q u e o Comunismo de Guerra vinculara-se a excepcionalidades de natureza militar, e q u e o caos e c o n ô m i c o m o s -trara dramaticamente a inviabilidade de um socialismo implantado p o r decreto, Lenin defendia u m a prioridade imediata para a recuperação da capacidade produtiva da e c o n o m i a em seu conjunto, e cujo p r i m e i r o passo seria o a u m e n t o da força produtiva da e c o n o m i a camponesa. A passagem para o socialismo haveria de ser um processo, cujos primeiros passos estariam associados ao r e c o n h e c i m e n t o dos diferentes tipos de e c o n o m i a social existentes na U R S S , em decorrência da sua história anterior. No campo, cabia estimular o desenvolvimento das formas e c o -nômicas nas quais os camponeses já demonstravam destreza, a d m i t i n d o o direito ao a r r e n d a m e n t o das terras, e m b o r a estabelecendo limites, sobretudo para a utilização da m ã o - d e - o b r a assalariada pelos camponeses mais ricos. Na cidade, cabia estimular o capitalismo de Estado — isto é, u m a trustificação da indústria sob a vigilância do p o d e r soviético.

N o s quadros dessa nova economia, e diante das evidências q u a n t o às forças sociais que ela desencadeava, o debate prosseguiu em t e r m o s crescentemente acirrados. Após a m o r t e de Lenin, em 1924, a c o n -trovérsia manteve-se em variadas matizes que, no entanto, t e n d i a m

N E P : N o v a Política E c o n ô m i c a .

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a polarizar-se em t o r n o de duas concepções opostas, cujos principais formuladores teóricos foram, respectivamente, Preobrajenski e B u k h a r i n . Para Preobrajenski (1979), um conflito fundamental lavrava na base da sociedade soviética: o conflito entre operários e camponeses. Os camponeses seriam os agentes do desenvolvimento da p r o d u ç ã o m e r -cantil, a qual forçosamente os conduziria a u m a diferenciação entre ricos e pobres. Os camponeses ricos (os kulaks), e n r i q u e c e r i a m cada vez mais rapidamente c o m a N E P e exigiriam crescentes concessões ao p o d e r soviético. T a m b é m o p e q u e n o comerciante agiria dessa forma e entraria em conflito c o m o Estado revolucionário. O capital estrangeiro, inicialmente sob controle, caminharia no sentido do a ç a m b a r c a m e n t o da grande indústria e logo seria um aliado das forças burguesas assim renascentes na U R S S . Este sentido geral do d e s e n v o l v i m e n t o era previsível, segundo Preobrajenski, p o r q u e tal havia sido e continuava sendo a lógica (já conhecida) da expansão do capital. Nesse c o n t e x t o , entendia ele que conviviam na U R S S duas realidades antagônicas: u m a

ilha socialista, subordinada à lei da planificação, e um mar de relações

capitalistas, subordinado à lei do valor. Para q u e a ilha socialista pudesse assegurar seus espaços e expandir-se, teria q u e fazê-lo a expensas das forças tradicionais; seria necessária u m a progressiva expropriação dos camponeses, b e m c o m o dos arrendatários capitalistas instalados na indústria e no comércio, mediante taxações sistemáticas que alimentariam

o fundo de acumulação socialista. Em linhas gerais, este seria, s e g u n d o ele,

o processo da " a c u m u l a ç ã o socialista primitiva".

B u k h a r i n ( 1 9 8 7 ) , p o r seu lado,partia de outras premissas e chegava a conclusões opostas. Em p r i m e i r o lugar, não admitia q u e a p e q u e n a e x -ploração camponesa, s e m o e m p r e g o do trabalho assalariado, fosse considerada capitalista; seria u m a e c o n o m i a privada, mas não capitalista. A nacionalização da terra, já decretada p o r ato do p o d e r soviético, impediria o seu desenvolvimento r u m o ao capitalismo. Vendo o Estado em condições de sobrepor-se à lógica expansiva das forças potencialmen-te contra-revolucionárias, B u k h a r i n concluía q u e a p e q u e n a exploração camponesa deveria crescer livremente e, de acordo c o m essa convicção, defendia a consigna "Enriquecei!", a ser lançada no campo, para preservar a aliança operário-camponesa. Haveria um desenvolvimento equilibrado das economias rural e urbana, e o ônus desse c a m i n h o seria um avanço l e n t o da e c o n o m i a socialista. Por isso, seus opositores taxariam essa alternativa de "socialismo em passo de lesma" (Sachs, 1988).

C o n t u d o , e n q u a n t o prosseguia o debate, a dinâmica das lutas sociais criava novos fatos consumados. R e l e m b r e - s e que, na U R S S da década

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de 1920, a velha c o m u n a camponesa ainda sobrevivia, i m p o n d o p e -riódicas redivisões de terra entre as famílias envolvidas, o p o n d o - s e às aspirações bolcheviques no sentido da constituição de grandes unidades produtivas. Outrora, a chamada "reação de Stolipyn", em pleno czarismo, já tentara golpear essa c o m u n a , mas apenas conseguira, no m á x i m o , desencadear lentos m o v i m e n t o s de ruptura p o r parte dos camponeses mais dinâmicos, que se retiravam das velhas comunidades para fundar pólos alternativos i n d e p e n d e n t e s . Esse processo, iniciado, portanto, b e m antes da R e v o l u ç ã o , mantinha-se em marcha lenta inclusive ao l o n g o dos anos vinte.

C o m a R e v o l u ç ã o , a expectativa dos bolcheviques, l o n g a m e n t e maturada nos seus d o c u m e n t o s programáticos anteriores, alimentava u m a esperada participação dos camponeses n u m processo revolucionário o p e r a d o de baixo para cima. Efetivamente, até certo p o n t o as mudanças c o r r e s p o n d e r a m a tais expectativas, pois os p r ó p r i o s camponeses e n -carregaram-se de "desenraizar" o feudalismo, controlado, em grandes propriedades, pela velha nobreza russa. No entanto, eles resistiam ao prosseguimento das transformações — que se dirigiam r u m o à r e c o n centração das propriedades sob a nova forma coletivizada. Se é v e r -dade q u e a ação revolucionária dos camponeses derrubou as cercas dos latifúndios, é igualmente certo q u e ela se recusou a prosseguir, d e r r u -b a n d o as cercas q u e p r o t e g i a m as velhas propriedades comunais. Os camponeses detiveram-se diante das suas pequenas propriedades (as velhas e as novas, recém-conquistadas), recusando a lógica coletivista apresentada pelo p o d e r bolchevique.

A l é m disso, o camponês rico, em suas ambições de e n r i q u e c i m e n t o sempre maior, partiu para a formação de estoques especulativos, c o m -p r o m e t e n d o o abastecimento u r b a n o e, c o m isso, afetando d u r a m e n t e as condições de vida dos operários. Assim, progressivamente, no d e -correr dos anos vinte, abriu-se um fosso entre forças sociais que estiveram unidas na derrubada da velha o r d e m . O m o v i m e n t o revolucionário que venceu em 1917 dividia-se abertamente em suas bases de sustentação: crescia um foco de antagonismo no seio de u m a aliança que abrigava, simultaneamente, expectativas coletivistas e privatistas (ver Carr & Davies,

1980a). Isto se manteve até que, em 1929,adveio a coletivização forçada, e n c e r r a n d o a N E P e os dilemas p o r ela colocados, e i n a u g u r a n d o a era das transformações radicais na base econômica da U R S S .

R e t o r n e m o s , p o r é m , ao debate teórico dos tempos da N E P para ressaltar o seguinte: a tese da acumulação socialista primitiva, desenvolvida p o r Preobrajenski desde a primeira m e t a d e da década de 1920,

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tui um t e s t e m u n h o de que, em datas tão distantes, já se manifestava em certas alas do partido dirigente u m a n o ç ã o q u a n t o à inevitabilidade do recurso à coação extra-econômica na construção das bases do socialismo, d e n t r o das condições particulares vividas pela U R S S . Aos olhos de Preobrajenski, o recurso à coação decorria do atraso e c o n ô m i c o da U R S S , cuja indústria tendia a ser facilmente esmagada pelas forças maiores da p r o d u ç ã o capitalista no plano mundial. P o r essa razão, a U R S S precisava defender-se da concorrência, deixando de e n f r e n t á - l a em c a m p o aberto, e assumindo a necessidade de alguma forma de m u r o protecionista.

Ainda sob esta ótica, c o m o já foi l e m b r a d o acima, a e c o n o m i a c o letivizada defrontavase c o m um obstáculo i n t e r n o , a p r o d u ç ã o c a m -ponesa privada, q u e pressionava de dentro pela expansão das velhas relações de produção, e limitava os diversos ensaios de planificação da e c o n o m i a . A ulterior evolução dos fatos mostraria, p o r é m , q u e u m a outra fonte alimentadora da coação e x t r a e c o n ô m i c a provinha das r e -lações entre o Estado e a classe operária, ou, mais a m p l a m e n t e , entre o Estado e os trabalhadores urbanos, fato que se constituiria n u m paradoxo se confrontado c o m as teorizações sobre o socialismo até então pensadas n o c a m p o d o marxismo.

Pressões de "fora para dentro":

o mercado mundial capitalista

D u r a n t e os anos vinte, mais especificamente a partir de 1925, a cúpula bolchevique legislou sobre o p r o b l e m a das suas relações econômicas c o m o m u n d o capitalista, fixando objetivos situados em direções opostas. P o r um lado, impôs c o m o meta a redução das importações p o r m e i o da p r o d u ç ã o interna de similares, m e s m o considerando o alto ônus acar-retado pela renúncia aos produtos mais baratos e de m e l h o r qualidade ofertados pelo mercado mundial; pelo outro, tentou elevar as importações de insumos industriais, em função do q u e passou a estimular a a c u m u -lação de divisas via exportações.

Este ú l t i m o aspecto da política oficial não p o d e r i a ir l o n g e , em decorrência da queda dos preços dos produtos de exportação da U R S S , nos últimos anos da década de 1920 — u m a circunstância p o s t e r i o r m e n -te agravada pela depressão mundial. N o t e - s e que o c o m p o r t a m e n t o bastante específico do mercado mundial no período, sobretudo durante a G r a n d e Depressão dos anos trinta, teve o efeito (não esperado) de r e -duzir as pressões das forças econômicas do capitalismo sobre a p r o d u ç ã o

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soviética, e m b o r a i m p l i c a n d o n u m relativo fracasso da estratégia de i m -p o r t a ç ã o de tecnologia avançada.

No entanto, nas fronteiras iria configurar-se simultaneamente um o u t r o tipo de tensão. O c e n á r i o de assédio e c o n ô m i c o foi substituí-do p o r um cenário de ameaças militares, já antecipasubstituí-do em 1927, pela iniciativa da Grã-Bretanha em r o m p e r relações c o m a U R S S — u m a situação agravada c o m a ascensão dos fascismos na Europa. O colapso das democracias burguesas européias e o crescimento das tensões entre os p r ó p r i o s países capitalistas prenunciavam a guerra, de m o d o que, sob um ou o u t r o tipo de cerco — primeiro, o cerco exercido p o r um sis-tema e c o n ô m i c o superior, depois, um cerco militar latente (logo t o r n a d o real), exercido p o r potências em posição superior t a m b é m neste t e r r e n o — a U R S S fosse levada a apelar para mecanismos políticos, ou político-militares, de defesa.

Sob qualquer aspecto a partir do qual se e n f o q u e m as relações entre o n o v o sistema e o resto do m u n d o , depreende-se que se i m p u n h a a criação de um m u r o . O sistema soviético não conseguiria sobreviver aos diversos tipos de assédio e x t e r n o senão através de recursos extra-e c o n ô m i c o s , compextra-ensatórios dextra-e u m a infextra-erioridadextra-e produtiva básica, bastante evidente.

Em conseqüência, cresciam os gastos militares. Comparadas c o m as destinações orçamentárias para e c o n o m i a nacional, as destinações para a defesa representavam apenas 8% daquela rubrica em 1 9 3 1 , passando v i r t u a l m e n t e a igualá-la (98%) em 1940. Esse avanço relativo dos gastos militares t o r n o u - s e m a i o r a partir do S e g u n d o Plano Q ü i n q ü e n a l , c o m o ano de 1934 aparecendo c o m o divisor de águas (cálculos a partir de Baykov, 1 9 4 8 : 4 0 6 ) .2 Esta viragem coincide, grosso m o d o , c o m o a u

-m e n t o das tensões -mundiais e-m conseqüência da ascensão do nazis-mo na Alemanha. (Observe-se que o crescimento relativo dos gastos militares implicava, imediatamente, na redução do fundo destinado à e c o n o m i a nacional).

N ã o fosse a crise mundial do capitalismo e a c o n c o m i t a n t e depressão do c o m é r c i o internacional, associada à ascensão dos fascismos, a U R S S e v e n t u a l m e n t e poderia ter se livrado das ameaças militares, para no e n -tanto recair n u m " c e r c o " e c o n ô m i c o proveniente d e u m circundante

2 Várias vezes citada n o p r e s e n t e trabalho, c o n q u a n t o n ã o seja a q u i t o m a d a c o m o

referencial t e ó r i c o , essa o b r a d e B a y k o v c o n t é m i m p o r t a n t e d o c u m e n t a ç ã o sobre o p e r í o d o em análise. O m e s m o se deve d i z e r da m o n u m e n t a l História da Rússia

Soviética, d e E . H . C a r r .

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capitalismo bastante superior no que se refere aos padrões tecnológicos praticados na p r o d u ç ã o e c o n ô m i c a . A época dos p r i m e i r o s planos qüinqüenais, a inferioridade dos produtos da indústria soviética c o n -tinuava bastante visível. A publicação Planovoe Kozyaistvo ( E c o n o m i a Planificada), afirmava que:

... 1 9 2 9 - 3 0 , c o m p a r a d o c o m o p r i m e i r o ano do Plano e c o m o ano precedente, mostra u m a baixa na qualidade dos p r o d u t o s , nos ramos básicos da indústria. ... Esta piora, particularmente nos ramos chave (carvão, metais, construção de máquinas, têxteis, etc) c o n d u z , devido aos laços internos e à i n t e r d e p e n d ê n c i a , à d i m i n u i ç ã o da qualidade e à desorganização do trabalho em outros ramos da indústria.

(apud Baykov, 1 9 4 8 : 1 6 9 ) .

Em 2 de d e z e m b r o de 1 9 3 1 , t e s t e m u n h o semelhante aparecia no p e r i ó d i c o Za Industrializatsiu:

Informes recolhidos p o r brigadas do Vesenkha 3 que inspecionaram

certo n ú m e r o de empresas nas indústrias de carvão, de c o q u e e m e -talúrgica, revelam que, q u a n t o à qualidade, a situação não era satis-fatória nessas indústrias. [...] A p r o d u ç ã o de metal em padrões abaixo da n o r m a e q u e não se ajusta à prova analítica estabelecida, a u m e n t a ano a ano, mês a mês. (apud Baykov, 1948: 171).

Apesar da corrida frenética iniciada pelo primeiro Plano Q ü i n q ü e n a l , cujos resultados maiores foram a consolidação e expansão do setor de bens de produção, a indústria soviética continuava pagando tributos ao baixo nível das suas bases iniciais. Anos antes da implantação do p r i m e i r o plano Qüinqüenal,Trotski havia publicado um estudo comparativo entre as condições de p r o d u ç ã o na Rússia e no exterior. Essa pesquisa m o s -trara que a produtividade do trabalho russo representava apenas um d é c i m o da produtividade n o r t e - a m e r i c a n a (Deutscher, 1 9 8 4 : 2 2 7 - 2 2 8 ) .

Os sucessivos êxitos obtidos no transcurso da década de 1930 p r o -m o v e r a -m avanços consideráveis, especial-mente através da for-mação e especialização da m ã o - d e - o b r a . Mas, o atraso tecnológico relativo, ao iniciar-se a industrialização forçada, ampliou-se diante das dificuldades de i m p o r t a r tecnologia dos países mais desenvolvidos. As circunstâncias

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especiais da década de 1930, o abalo da produção capitalista sob a depressão m u n d i a l e os preparativos de guerra, apenas adiaram para datas p o s -teriores a confrontação entre a indústria soviética e a indústria capitalista, marcadas respectivamente p o r diferentes relações entre a utilização de máquinas e a utilização da força de trabalho (na terminologia marxista: diferentes composições orgânicas do capital).Enquanto isso, o sistema soviético vinculava a sua sobrevivência ao crescimento da sua força militar.

Preobrajenski estudou este aspecto do desenvolvimento da sociedade soviética e apresentou suas conclusões c o m o habitual rigor t e ó r i c o da sua obra. Para ele, no seu p e r í o d o inicial, a forma socialista não p o d e r i a desenvolver todas as vantagens inerentes ao sistema que representa, de m o d o a t o r n á - l o efetivamente superior ao capitalismo. A inferioridade inicial do socialismo deviase à ausência das premissas materiais n e -cessárias para a estruturação da sua base técnica, e t a m b é m à ausência das premissas necessárias à e d u c a ç ã o socialista dos t r a b a l h a d o r e s (Preobrajenski, 1 9 7 9 : 1 4 4 ) . Por causa disso,

Para a economia estatal do proletariado seria um suicídio completo (e dos mais estúpidos) tentar vencer o capitalismo na arena da livre c o n c o r r ê n c i a a partir do estado atual do desenvolvimento da e c o n o -mia socialista. Esta seria desintegrada e, finalmente, vencida. É preciso não esquecer q u e toda nossa e c o n o m i a estatal, sendo todas as coisas iguais, é mais fraca do q u e a e c o n o m i a capitalista, e u m a empresa estatal igualmente mais fraca do q u e u m a empresa capitalista... C o m relação à indústria capitalista estrangeira, isto se revela no fato de q u e ps produtos industriais soviéticos são, em sua maioria, mais caros e piores do q u e os produtos estrangeiros, e n ã o poderia ser de o u t r o m o d o . (A técnica da nossa indústria têxtil, p o r exemplo, estava, d e -pois da revolução, 15 anos atrasada c o m à relação técnica inglesa).

(Preobrajenski, 1979: 144-145).

N o t e - s e que esta abordagem não p o d e ser generalizada, não se p r o p õ e c o m o u m a teoria geral, sendo mais precisamente um estudo sobre a construção do socialismo na U R S S , consideradas as suas particularidades históricas. Dessas mesmas considerações, Preobrajenski concluía q u e as formas socialistas iniciais não p o d e r i a m c o n c o r r e r em c a m p o aberto c o m u m capitalismo francamente superior.

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Pressões de "baixo para cima":

o mercado dos camponeses

A sobrevivência do sistema, no entanto, jogava-se em mais de u m a frente. I n t e r n a m e n t e , as tendências coletivistas e p r ó - p l a n o , seguindo os impulsos iniciais da R e v o l u ç ã o de O u t u b r o e prosseguindo sob o m o -v i m e n t o de concentração do capital dos anos -vinte, choca-vam-se c o m a resistência de um campesinato hostil à coletivização. O m o v i m e n t o da e c o n o m i a em direção ao Plano, revolucionário em sua o r i g e m e em suas potencialidades, passou p o r cima da resistência camponesa.

Este ato de força, protagonizado pelo Estado, não se limitaria ao p r ó p r i o m o m e n t o da coletivização: teria q u e ser c o n s t a n t e m e n t e r e -p r o d u z i d o mais tarde, através de um cerco -p e r m a n e n t e aos cam-poneses. Ao decidir atacar os camponeses em 1 9 2 9 3 0 , o Estado soviético n a t u -ralmente estava decidindo mantê-los sob ataque i n i n t e r r u p t o nos anos e nas décadas seguintes. Isaac D e u t s c h e r (1968:114) fala em um q u a r t o de século de resistência camponesa aos atos de força do p o d e r central ("sua matraca m o r t u á r i a continuaria soando aos ouvidos da Rússia p o r um quarto de século..."), e m b o r a hoje saibamos q u e os camponeses resistiram até a crise final do sistema, cinqüenta a sessenta anos depois da coletivização.

Na retórica oficial do Estado, o Kulak c o m o classe havia deixado de existir, razão pela qual a determinação inicial do p o d e r central se fazia no sentido de abolir t o d o o comércio privado. Na realidade, p o r é m , o Estado teve q u e admitir, em d e c r e t o de 6 de m a i o de 1932, u m a modalidade de m e r c a d o livre, o c o m é r c i o Kolkhoziano4 (Baykov, 1948:

245), r e c o n h e c e n d o veladamente a sobrevivência dos camponeses c o m o classe. O p r ó p r i o p r o d u t o r coletivizado transformava-se, em algum m o m e n t o da sua j o r n a d a , em produtor privado. Essa dupla personalidade social só podia existir nas aparências, para atender às exigências do dis-curso oficial.

Na prática, existiam os camponeses, c o m o sempre interessados na e c o n o m i a privada e dispostos a p r e s e r v á - l a , e m b o r a submetidos ao tacão do Estado — e somente sob estas condições convencidos a destinar parte das suas j o r n a d a s às práticas coletivistas. Logicamente, esta forma de coletivismo não encontrava meios de se reproduzir, a não ser sob a constante ação de u m a força coatora. Se a burocracia estatal continuava

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caracterizando as relações c i d a d e c a m p o c o m o u m a "aliança o p e r á r i o -c a m p o n e s a " , eis um detalhe q u e apenas ilustra o esvaziamento de t o d o o esquema interpretativo oficial.

O caráter c o m p u l s ó r i o da p r o d u ç ã o agrícola coletivizada aparecia na comercialização dos respectivos produtos. O Estado passou a selar contratos de c o m p r a de altos percentuais da p r o d u ç ã o agrícola, mas o t e r m o " c o n t r a t o de c o m p r a " apenas encobria o caráter da transação — na verdade, um i m p o s t o em produtos. Tratava-se de u m a apropriação forçada dos produtos agrícolas, não apenas p o r q u e os contratos de compra t i n h a m um caráter impositivo, mas t a m b é m p o r q u e os preços fixados pelo Estado situavam-se em geral b e m abaixo dos preços praticados nas vendas para o consumidor. Baykov m e n c i o n a o seguinte exemplo:

... Em 1932, o orgão estatal de c o m p r a de grãos pagava 6 rublos e 33 kopeks p o r c e m quilos de centeio, e cobrava pelo m e s m o centeio para fazer farinha um p r e ç o no atacado de 22 rublos e 20 kopeks. Para o trigo, os preços correspondentes eram de 8 rublos e 52 kopeks, e 27 rublos e 75 kopeks respectivamente. (Baykov, 1948: 244). D u r a n t e os anos 1 9 3 4 - 3 5 , freqüentes atos de sabotagem e r o u b o de bens kolkhozianos levaram ao recrudescimento das medidas de vigilância e coerção dos camponeses. Formaram-se seções especiais nas Estações

de Máquinas e Tratores, c o m a participação de milhares de bolcheviques

enviados das cidades para c u m p r i r funções que permitiam, indiretamente, fiscalizar e controlar a p r o d u ç ã o camponesa. A l é m disso as disposições da lei de defesa da propriedade pública, de 7 de agosto de 1932,instaura-v a m pesadas penas para coibir a sabotagem.

É verdade que a consolidação do sistema p r o v o c o u l e n t a m e n t e u m a adaptação relativa dos camponeses, que passaram a disputar possibilidades de m e l h o r a das suas condições de vida dentro da nova o r d e m . Isaac D e u t s c h e r referese ao f e n ô m e n o que, no entanto, não deixaria de r e -presentar u m a forma de "submissão a contragosto":

O instinto de p r o p r i e d a d e era freqüentemente tão forte entre os mais pobres q u a n t o nos mais ricos, e esse instinto e o b o m senso se chocavam e revoltavam c o m a arbitrariedade e desumanidade da coletivização. N ã o obstante, esses sentimentos foram perturbados e enfraquecidos pela fria reflexão dos camponeses, segundo a qual eles p o d e r i a m , afinal de contas, beneficiar-se c o m as desapropriações dos ricos e a fusão das fazendas. E q u a n d o já não havia dúvida sobre

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q u e m venceria, muitos acorreram para o lado do v e n c e d o r [...] A s -sim, os impulsos e influências q u e d e t e r m i n a r a m o c o m p o r t a m e n t o do c a m p o n ê s e r a m complicados e c o n t r a d i t ó r i o s . . . a l i m e n t a n d o seu ressentimento n u m a submissão a contragosto. (Deutscher, 1968: 125).

O fim do racionamento, em meados da década de 1930, m a r c o u a consolidação do sistema inaugurado c o m a coletivização forçada em 1 9 2 9 / 3 0 . A maior fatia da p r o d u ç ã o ficou nas mãos do Estado, c a b e n d o um baixo percentual para ser repartido entre os muitos trabalhadores da fazenda coletiva. Por isso m e s m o , a sobrevivência dos camponeses passou a depender, virtualmente, das suas atividades privadas, nos respectivos lotes. Este sistema l e v o u Alec N o v e a caracterizar os c a m p o n e s e s coletivizados c o m o "legatários residuais" (Nove, 1 9 6 3 : 1 6 6 ) , no sentido de q u e o rateio entre eles da renda do Kolkhoz se fazia sobre o q u e sobrava — depois q u e o Estado ficava c o m sua parte.

As "vendas" dos produtos coletivizados ao Estado na verdade reduziam a renda dos Kolkhozes, c o m o iria posteriormente revelar Nikita Kruschev, n u m a de suas rumorosas intervenções, na reunião do C o m i t ê C e n t r a l do Partido, em novembro de 1958, portanto já depois do desaparecimen-to de Stalin. Kruschev ilustrou a situação vivida pelos camponeses até então e durante as duas décadas precedentes, relatando o e x e m p l o da venda das batatas Kolkhozianas, pelas quais a fazenda coletiva recebia " m e n o s q u e nada".

R e l a t o semelhante foi feito p o r Tatiana Zaslavskaia, r e m e m o r a n d o um relatório anual geral da região da Quirguízia, o n d e se lia q u e o c a m -ponês coletivizado recebia p o r ano o equivalente a não mais que um quilo de cereais. C o n q u a n t o o episódio relatado (Zaslavakaia, 1989:24) esteja datado de 1 9 5 1 , a A u t o r a o m e n c i o n a no c o n t e x t o de u m a ca-racterização geral do p e r í o d o stalinista. Observe-se que a situação dos camponeses demonstrava certas semelhanças formais c o m o r e g i m e de servidão, não apenas p o r q u e estavam sujeitos a receber apenas os "legados residuais" acima referidos, mas t a m b é m p o r q u e estavam proibidos de abandonar seus respectivos Kolkhozes e de se transferir p o r vontade própria.

U m a situação desse tipo obviamente exigia o e m p r e g o de meios extra-econômicos. N ã o apenas para assegurar a obrigatoriedade das atividades nas fazendas coletivas, c o m o t a m b é m para evitar que as ati-vidades privadas ultrapassassem os limites p e r m i t i d o s . Em 1939, foi adaptada u m a legislação punitiva visando i m p e d i r que os camponeses

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esvaziassem o kolkhoz, em troca das atividades de subsistência. A nova legislação obrigava o granjeiro coletivizado a dedicar um certo m í n i -mo de dias de trabalho ao kolkhoz. Na mesma linha, estabelecia que as tentativas de ampliação dos lotes individuais seriam passíveis de e n -q u a d r a m e n t o judicial. Ainda assim, u m a inspeção de lotes individuais, realizada em 1939, revelou q u e o excesso sobre os limites legais atingia nacionalmente u m a área equivalente a 2,5 milhões de hectares. Reformas posteriores, realizadas ainda antes da Segunda G u e r r a M u n d i a l , visaram aumentar os atrativos dos Kolkhozes de m o d o a assegurar a funcionalidade do sistema. Prevaleciam, p o r é m , os mecanismos de coação.

Pressões de "baixo para cima":

o mercado de trabalho industrial

A atitude dos camponeses, que, m e s m o antes da investida estatal de 1929, já se haviam declarado inimigos do coletivismo, foi um dos fa-tores originários do e m p r e g o da coação para assegurar a reprodução do sistema. A previsão desses antagonismos estava presente na consciência doutrinária dos bolcheviques, embora fosse interpretada segundo diversos enfoques.

O q u e , p o r é m , não encontrava respaldo na tradição era a necessidade do uso sistemático da coação contra os trabalhadores urbanos, q u e , em o u t u b r o de 1917, haviam atuado c o m o força hegemônica da R e v o l u ç ã o . O seu uso eventual já integrava a experiência dos bolcheviques, espe-cialmente depois do levante de Kronstadt, nos primeiros anos da década de 1920. Mas, a experiência seguinte passaria a exibir o uso sistemático da coação contra trabalhadores urbanos, não p o r motivos m e r a m e n t e eventuais ou localizados, mas t a m b é m para viabilizar a reprodução do sistema produtivo.

A recuperação e c o n ô m i c a dos anos vinte (o ano de 1925 p o d e ser t o m a d o c o m o marco, ao recuperar os níveis do p r o d u t o b r u t o alcançado em 1 9 1 3 , às vésperas da Primeira G u e r r a Mundial) c u l m i n o u n u m a situação de pleno e m p r e g o e fez emergir um típico j o g o de forças do m e r c a d o de trabalho. U m a elevada rotatividade voluntária, n u m contexto de escassez de mão-de-obra especializada e o crescimento do absenteísmo m i n a v a m as condições básicas para a expansão industrial sob a p l a n i -ficação. As teorias precedentes jamais haviam suposto qualquer restrição para a mobilidade dos trabalhadores durante a construção do socialismo, e m b o r a seja certo que aquelas teorias não haviam considerado a hipótese de q u e o referido processo viesse a o c o r r e r em m e i o à escassez de r e

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cursos básicos e n u m baixo nível de civilização das forças produtivas — m u i t o m e n o s n u m a m b i e n t e marcado pela ruptura entre os objetivos do Estado e a consciência prática dos trabalhadores. C h e g o u - s e a u m a situação totalmente imprevista: os trabalhadores se faziam agentes das forças mercantis, em vez de controlá-las, ou ao m e n o s esboçar passos nesse sentido.

M u d a n ç a s diversas, inclusive na composição social dos trabalhadores urbanos, davam seqüência às transformações vividas pelo proletariado no c o m e ç o dos anos vinte. De acordo c o m C a r r e Davies (1980a: 493), em 1929, era a seguinte a fisionomia dos trabalhadores urbanos: 6 1 , 6 % dos mineiros, 4 0 % dos metalúrgicos e 3 6 , 1 % dos operários têxteis eram de o r i g e m camponesa. Era t a m b é m crescente o n ú m e r o de trabalhadores industriais que, ao m e s m o t e m p o , m a n t i n h a m - s e c o m o proprietários de terras: entre os q u e ingressaram entre 1926 e 1929 nas minas de

Donbass, 37,4% conservavam terras de sua propriedade. Nessa mesma

época, entre os r e c é m - r e c r u t a d o s para trabalhar c o m o metalúrgicos em M o s c o u e na Ucrânia, 2 8 , 4 % e 2 7 , 3 % , respectivamente, t a m b é m m a n t i -n h a m terras. Os m e s m o s autores citam o periódico Puti I-ndustrializatsii, n ú m e r o 7 , 1 9 2 9 (Carr e Davies, 1980a: 494) segundo o qual,na empresa d o Yuogostal, u m observador registrara que u m autêntico m e m b r o d o proletariado industrial trabalhava ao lado de um patrão rural, transferido do c a m p o para a cidade.

Baykov ( 1 9 4 8 : 2 2 3 ) m e n c i o n a os seguintes dados: no censo operário de 1929, constatou-se q u e somente a metade dos trabalhadores ocupados na indústria havia t i d o experiência industrial antes da R e v o l u ç ã o . No censo de 1930, esta faixa já havia caído para 42%. Em certas regiões industriais, esses operários perfaziam apenas 19,6% do total. P o r o u t r o lado, as levas oriundas do c a m p o continuavam afluindo: a expansão industrial operada sob os primeiros planos qüinqüenais fez c o m q u e o n ú m e r o de operários triplicasse no decorrer da década de 1930.

A mudança na composição social dos trabalhadores urbanos, nesses anos, contribuiu para levar a extremos os processos iniciados durante o C o m u n i s m o de G u e r r a , tendentes à desagregação do proletariado en q u a n t o classe. A burocratização do Estado ganhava novos espaços e cria-va mecanismos de perpetuação, na m e d i d a em que se demarcacria-va u m a r u p t u r a entre a nova classe operária e aquela que fizera a R e v o l u ç ã o . Isaac D e u t s c h e r fez o seguinte c o m e n t á r i o sobre este f e n ô m e n o , cujos desdobramentos e conseqüências marcariam profundamente a sociedade soviética:

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Em sua fragmentação, confusão e falta de identidade política, a nova classe operária assemelhava-se, em parte, ao proletariado do início da era capitalista, q u e M a r x descreveu c o m o u m a "classe em si", mas não " p o r si". [...] Os marxistas s u p õ e m tacitamente, que u m a vez conseguida pela classe operária a integração social e a c o n s -ciência política q u e fazem dela u m a "classe p o r si", manter-se-ia indefinidamente em tal posição e não voltaria à imaturidade. Em lugar disso, a classe operária da Rússia, t e n d o d e r r u b a d o o czar, os d o n o s de terra e os capitalistas, recaiu na condição inferior de u m a classe inconsciente do seu interesse e sem capacidade de expressar-se. (Deutscher, 1968: 124).

Esses novos trabalhadores iriam agir inicialmente c o m o figuras es-tranhas nos respectivos lugares de trabalho, alheios às tradições industriais e avessos à disciplina. A cúpula b o l c h e v i q u e enfrentou o problema da capacitação profissional dos novos trabalhadores fomentando a ampliação de escolas e universidades. M a s , o grande n ú m e r o de escolas fundadas esteve longe de atender à d e m a n d a potencial criada c o m o crescimento do e m p r e g o . D u r a n t e a vigência do p r i m e i r o Plano Q ü i n q ü e n a l , essas escolas prepararam 450 mil trabalhadores qualificados, mas o n ú m e r o total de trabalhadores, s o m e n t e na indústria em grande escala, subiu de 2.691 mil em 1928, para 5.153 mil em 1932 (Baykov, 1948: 223).

No plano político, p o r é m , n e n h u m progresso foi alcançado, haja vista a decadência das organizações operárias: sovietes, sindicatos e conselhos de empresa, todas mantidas apenas c o m o fachadas destituídas de vida própria. E, no entanto, apesar dos esforços centrados no d e s e n -v o l -v i m e n t o técnico-profissional dos no-vos trabalhadores, as dificuldades enfrentadas ao nível da p r o d u ç ã o se fizeram críticas.

A imprensa especializada em temas e c o n ô m i c o s trazia, a essa época, notícias do tipo:

De muitas fábricas e empresas c h e g a m notícias de que a disciplina do trabalho piora. Os casos de operários que saem cedo do trabalho, que chegam bêbados ao trabalho, que não r e n d e m a produção n o r m a l ou q u e se c o m p o r t a m c o m grosseria frente ao pessoal técnico, são cada vez mais freqüentes. (Baykov, 1 9 4 8 : 1 5 9 ) .

O p e r i ó d i c o Za Industrializatsiu,de 12 de setembro de 1930 (Baykov, 1948: 220), comentava:

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A circulação da m ã o - d e - o b r a a u m e n t a sem cessar... As empresas, especialmente as obras de construção, são c o m o lugares de trânsito o n d e se contratam diariamente centenas de novos trabalhadores e outros tantos, se não mais, se d e m i t e m .

O m e s m o p e r i ó d i c o , em 1.° de j u n h o de 1930, afirmava:

O pior é q u e não é possível conseguir suficiente m ã o - d e - o b r a para as novas plantas que c o m e ç a m a produzir neste ano e no p r ó x i m o . De u m a maneira ou outra chegar-se-ia ao n ú m e r o de trabalhadores necessário, mas suas condições de habilidade não c o r r e s p o n d e r i a m às necessidades da produção. [...] Além das perdas naturais, enfrentamos u m a diminuição de operários qualificados devido às p r o m o ç õ e s e transferências ao trabalho em áreas rurais, (apud Baykov, 1948: 2 2 2 -2 -2 3 ) .

As forças do m e r c a d o de trabalho, nas condições de p l e n o e m p r e g o e de baixa qualificação profissional dos trabalhadores — e, dada c o m o p a n o de fundo, a ruptura da consciência de classe do proletariado — atuavam em sentido contrário ao Plano. Para controlálas, o P o d e r C e n -tral d e t e r m i n o u u m a legislação coercitiva rígida. A partir de 1930, u m a nova legislação ampliava o conceito de c r i m e político, considerando passíveis de j u l g a m e n t o em tribunais os seguintes atos: demanda excessiva de força de trabalho pelas empresas, contratação de operários acima dos níveis estabelecidos pelo Plano, fracasso na tarefa de qualificar tecnica-m e n t e os operários, violação das n o r tecnica-m a s salariais, etc. (Coleção das

Principais Disposições Relativas ao Trabalho: Baykov, 1948:222). P o r o u t r o

lado, o trabalhador não podia ser admitido em u m a empresa sem a p r e -sentar certificado emitido pelo seu e m p r e g o anterior, explicando as causas da demissão.

A legislação punitiva iria i n c o r p o r a r novos dispositivos de coerção em 1 9 3 1 , em 1932 e anos posteriores. Em 28 de dezembro de 1938, o

Sovnarkom5 da U n i ã o tornava mais precisas as punições para os casos de

atraso na chegada ao trabalho, prolongamentos dos intervalos das refeições ou saídas do trabalho antes do h o r á r i o estabelecido. Os operários q u e se demitissem sem autorização perdiam a u t o m a t i c a m e n t e as vantagens acumuladas em v i r t u d e do t e m p o de serviço, tanto no q u e se refere ao

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salário q u a n t o em relação às vantagens sociais do tipo habitação e outras. Em j u l h o de 1940, a legislação se tornaria ainda mais severa, se b e m q u e já em conseqüência do c e n á r i o de guerra: o a b a n d o n o de um e m p r e g o s e m autorização p o d e r i a ser p u n i d o c o m penas de dois a quatro meses de reclusão, e o absenteísmo poderia resultar em penas de trabalhos forçados durante um p e r í o d o que p o d e r i a chegar a seis meses, nos quais o salário ficaria reduzido em 2 5 % . Em todos esses casos, os gerentes se obrigavam a esclarecer sua atuação no enfrentamento da indisciplina, p o d e n d o eles t a m b é m i n c o r r e r em prisões.

A intervenção do Estado no mercado de trabalho já vinha envolvendo t a m b é m medidas restritivas para o aproveitamento dos técnicos q u a lificados. D e s d e 1933, e mais ainda a partir de 1938, os estudantes g r a -duados em Universidades obrigavam-se a trabalhar durante cinco anos em lugares de trabalho fixados pelo respectivo Comissariado do Povo. Q u a l q u e r recusa ao c u m p r i m e n t o da d e t e r m i n a ç ã o do Poder Central implicaria e m j u l g a m e n t o e m tribunais. D e u m m o d o geral, o s C o m i s -sariados do Povo d i s p u n h a m , desde 1938, do "registro pessoal de todos especialistas c o m instrução superior... [de m o d o a controlar] qualquer translado desses especialistas a o u t r o e m p r e g o " (apud Baykov, 1948, p. 3 5 9 ) .

Principais Conclusões

O controle do m e r c a d o de trabalho c o m base em medidas coercitivas completava, assim, um cenário no qual todos os aspectos básicos do sistema produtivo passaram a d e p e n d e r da coerção para manter-se e reproduzir-se. L e m b r a n d o q u e no capitalismo as conexões entre os Departamentos I e II desencadeiam o autodesenvolvimento da economia, sob a ação corretiva do mercado, cabendo às legislações coercitivas um papel m e r a m e n t e disciplinador e auxiliar, e n c o n t r a m o - n o s aqui face a u m a nova situação. D e i x a n d o para discussões posteriores o problema das semelhanças formais c o m os mecanismos de reprodução existentes nas formações pré-capitalistas, ou c o m o processo de acumulação capi-talista primitiva, interessa nesta altura nos fixarmos na discussão sobre a função precípua q u e a violência ocupava na reprodução do sistema soviético.

Em todos os níveis do sistema, desde as relações internas entre o Estado e o campesinato, ou entre o Estado e os trabalhadores urbanos, às relações entre o sistema em seu c o n j u n t o e o resto do m u n d o , a coação parecia estar t e n t a n d o conter o avanço de relações sociais d o

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minadas pela R e v o l u ç ã o , mas portadoras de potencialidades relativas superiores, naquele c o n t e x t o histórico específico.

Ao conter a superioridade tecnológica das mercadorias colocadas no mercado mundial pelos países capitalistas mais avançados, assim c o m o ao conter os camponeses, ao evitar q u e os agricultores coletivizados ampliassem as p e q u e n a s faixas de terras reservadas à p r o d u ç ã o privada, ou ainda ao reprimir os impulsos do m e r c a d o de trabalho u r b a n o , em todas estas situações o uso da força tacitamente reconhecia a s u p e r i o -ridade das pressões capitalistas advindas de todos os lados: de fora para dentro, via pressões do mercado m u n d i a l , ou de baixo para cima, a par-tir das forças mercantis ou mercantis-capitalistas em ação ao nível das bases produtivas da U R S S . T ã o fortes e r a m essas pressões econômicas e sociais (e, obviamente, políticas) que u m a eventual desmobilização do sistema coator faria a economia soviética provavelmente submergir frente ao avanço, geral e simultâneo, de fora para d e n t r o e de cima para baixo, do " m a r " de relações capitalistas.

Essa contínua pressão de forças e c o n ô m i c a s superiores poderia soar c o m o u m a sentença de morte, i n d i c a n d o a inviabilidade objetiva do socialismo, sempre q u e cercado ( c o m o na U R S S ) nos limites de um pais atrasado. No e n t a n t o , u m a análise mais exaustiva desses mesmos f e n ô m e n o s até aqui descritos, p e r m i t e - n o s observar que, pelo m e n o s em um dos seus p o n t o s de ataque, o sistema coator não enfrentava pres-sões inevitavelmente originadas do atraso da sociedade, m u i t o m e n o s do cerco sob o qual tinha que viver. O referido p o n t o de exceção esta-va no mercado de trabalho, que m e r e c e ser mais u m a vez reaesta-valiado, agora considerando-se outras determinações.

Estamos nos referindo, em particular, ao mercado de trabalho urbano. O q u e ocorreria se o proletariado recuperasse sua consciência de classe e retomasse,na linha dos acontecimentos de o u t u b r o de 1917, o controle direto do Estado? Logicamente essa m u d a n ç a não provocaria, p o r si mesma, o levantamento das pressões do m e r c a d o mundial sobre a U R S S , n e m o levantamento das pressões internas exercidas pelo m e r c a d o dos camponeses. Mas, o m e r c a d o de trabalho u r b a n o necessariamente as-sumiria u m a tendência ao definhamento, já q u e suas forças centrífugas, suas tendências individualistas, estariam sobredeterminadas pelo a u t o -controle exercido pelos próprios trabalhadores.

A sobredeterminação das forças do m e r c a d o pelo controle consciente apareceria ao nível da história c o m o u m a tendência, mas u m a tendência gerando efeitos concretos. Seria a expressão básica, primordial, da pla-nificação, pois significaria a planificação pelos trabalhadores do seu

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p r ó p r i o p a p e l n a p r o d u ç ã o . Esse g ê n e r o d e planificação, t a m b é m tendencialmente, não dependeria da violência e x t r a - e c o n ô m i c a para reproduzir-se, e nesta m e d i d a indicaria a possibilidade do seu avanço em todas as áreas da sociedade, viabilizando u m a planificação em seu c o n j u n t o desligada do aparelho de repressão.

Levantamos essa hipótese, não tanto c o m o exercício de cenários alternativos, mas para demonstrar, p o r oposição ou p o r contraste, as conseqüências econômicas da ruptura da consciência de classe do p r o -letariado. Isto p o r q u e , c o m os trabalhadores transformados em agentes de forças mercantis e alvo da coerção, fechava-se absolutamente a única via possível para que o sistema pudesse indicar, ao m e n o s c o m o u m a tendência, u m a via de autodesenvolvimento sem o recurso à violência extra-econômica. Assim sendo, consolidou-se um sistema umbilicalm e n t e d e p e n d e n t e da coerção estatal, seumbilicalm a qual e umbilicalm e r g i r i a umbilicalm i umbilicalm e d i a -tamente e de forma geral as relações capitalistas. Estamos discorrendo aqui sobre as determinações do "socialismo de E s t a d o " .

A dependência do sistema soviético face aos mecanismos estatais de vigilância e repressão trouxe u m a outra implicação. Todos os processos e todas as tendências econômicas em marcha levavam a um reforço do papel do Estado, sem cuja presença o sistema não p o d e r i a sobreviver. O socialismo soviético não poderia, p o r isso, realizar o processo tendencial de extinção do Estado, previsto pelo marxismo clássico para o socialismo em geral. Tendencialmente, o que se verificava era exatamente a expansão e a hipertrofia do Estado.

A essa altura, o esforço interpretativo sobre o sistema soviético p a -rece avançar sob a pressão de aparências enganadoras, u m a vez que o e n r i j e c i m e n t o da superestrutura coatora, c o n q u a n t o sugira no plano das aparências um fortalecimento do sistema, estava de fato demostrando a sobrevivência apenas " p o r um fio" das novas relações de produção. E, o n d e a superestrutura repressiva aparecia mais sistemática, mais densa, precisamente nesses p o n t o s as relações mercantis e mercantil-capitalistas estavam na verdade m u i t o próximas da superfície. Ao estender o cerco da c o e r ç ã o aos trabalhadores urbanos, c r i a n d o para o p e n s a m e n t o conceituai u m a situação eivada de paradoxos, o sistema demostrava de fato, in extremis, dificuldades generalizadas para seguir reproduzindo-se.

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