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Metafísica e matemática : a relação das ideias evidentes da intuição e o fundamento primeiro do conhecimento na filosofia cartesiana

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

Jéssica Kellen Rodrigues

Metafísica e matemática: A relação das ideias evidentes da intuição e o fundamento primeiro do conhecimento na filosofia cartesiana.

Campinas

2018

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Jéssica Kellen Rodrigues

Metafísica e matemática: A relação das ideias evidentes da intuição e o fundamento primeiro do conhecimento na filosofia cartesiana.

Dissertação apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do titulo de Mestra em Filosofia.

Supervisor/orientador: Enéias Júnior Forlin

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À

VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO

DEFENDIDA PELA ALUNA JÉSSICA KELLEN RODRIGUES, E ORIENTADA PELO PROF. DR. ENÉIAS JÚNIOR FORLIN.

Campinas 2018

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Dissertação de Mestrado, composta pelos professore doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 28 de setembro de 2018 considerou a candidata Jéssica Kellen Rodrigues aprovada.

Prof. (a) Dr.(a) Márcio Augusto Damin Custódio

Prof. (a) Dr.(a) João Geraldo Martins da Cunha

Prof.(a) Dr.(a)Monique Hulshof

A Ata de Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertações/Teses e na Secretaria do Programa de Pós-Graduação em Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

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À Vilma, guerreira, amiga e amada mãe, dedico mais esta conquista. Sem seu amor, carinho, força e luta constante não chegaria onde cheguei!

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AGRADECIMENTOS

À minha família amada: Vilma, Eduardo, Gerson, Jefferson, Giovana, Erci, Janete, Péricles, Fabiana e Rebeca pelo amor, cuidado, apoio incondicional, por entenderem minha ausência e sempre aguardarem meu retorno com abraços fortes e acolhedores.

Ao meu amado companheiro de vida: Thiago, pelo apoio de sempre e pela companhia e carinho mais que essenciais nos momentos mais difíceis. Por tornar os momentos mais leves e felizes.

Aos amados amigos: Mariana, Bárbara, Leandro, Leonardo, Caio, João Renato, Diana, Juliana, Fernando, Mirna, Beatriz, Laissa, Lays e Rosana pelo carinho e pela presença essencial em vários momentos da minha vida.

Ao professor doutor Enéias Júnior Forlin, por ter aceito me orientar nesta pesquisa, pelas orientações e o carinho com que me recebeu e se dispôs a me ajudar em vários momentos dessa etapa.

Aos professores doutores: João Geraldo Martins da Cunha, Monique Hulshof, Yara Adario Frateschi e Márcio Augusto Damin Custódio pela leitura e pelas considerações feitas à minha pesquisa durante seu desenvolvimento.

Aos queridos amigos do Grupo de Pesquisa Gêneses e Desdobramentos da Modernidade (GDM), pela companhia tão essencial, pelos debates e parceria indescritível nesta etapa. E, a entidade de fomento CAPES pelo financiamento desta pesquisa,

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“Quanto à utilidade que os outros colheriam da comunicação de meus pensamentos, não poderia também ser muito grande, tanto mais que ainda não os levei tão longe que não seja necessário juntar-lhes muitas coisas antes de aplicá-los ao uso. E, penso poder afirmar, sem vaidade, que, se há alguém que seja capaz disso, hei de ser mais do que outro qualquer: não que não possam existir no mundo muitos espíritos incomparavelmente melhores que o meu; mas por que não se poderia conceber tão bem uma coisa, e torná-la sua, quando se apreende de outrem, como quando a gente mesmo a inventa”. René Descartes.

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Resumo

A defesa e a busca pela verdade primeira que possa fundamentar o conhecimento marcam, de forma incisiva, a filosofia cartesiana. Este fundamento primeiro deve, segundo Descartes, cumprir duas exigências, a saber: uma é ser claro, evidente e superar toda dúvida possível; e a outra é que dele deve depender toda cadeia do conhecimento. Essas exigências correspondem àquilo que Descartes concebe como intuição, sendo essa, o fundamento primeiro da filosofia cartesiana. No entanto, em Descartes, é possível considerar duas situações em que há intuição: na descoberta do cogito e nas matemáticas, mas, somente o cogito ocupa o lugar de fundamento primeiro do conhecimento. Tendo em vista esse cenário geral, nossa investigação tem como objetivo problematizar esses dois conceitos (o cogito e a matemática) na tentativa de compreender o que faz do cogito essa verdade primeira. Uma hipótese poderia ser a seguinte: a diferenciação dos graus da intuição, talvez nos permita mostrar que, o que faz de uma intuição primeira frente à outra, na investigação matemática e no processo de descoberta do cogito, é o fato de que no cogito teríamos uma identificação entre conteúdo e operação, isto é, a intuição no cogito é absolutamente auto-evidente.

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Abstract

The defense and the search for the first truth that can ground the knowledge mark, incisively, the Cartesian philosophy. According to Descartes, this foundation must first fulfill two requirements: one is to be clear, evident and to overcome any possible doubt; and the other is that the entire chain of knowledge must depend upon it. These demands correspond to what Descartes conceives as intuition, and this is the first foundation of Cartesian philosophy. However, in Descartes, it is possible to consider two situations in which there is intuition: in the discovery of the cogito and in mathematics, but only the cogito occupies the first foundation of knowledge. In view of this general scenario, our investigation aims to problematize these two concepts (cogito and mathematics) in an attempt to understand what makes the cogito this first truth. A hypothesis could be as follows: the differentiation of the degrees of intuition may allow us to show that what makes one intuition first against the other in mathematical investigation and in the process of discovering cogito is the fact that in cogito we would have an identification between content and operation, that is, intuition in the cogito is absolutely self-evident.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...11

CAPÍTULO 1. A razão humana e os meios do conhecimento seguro...16

1.1- A unificação das ciências em um fundamento primeiro e a sabedoria humana nas Regras para direção do Espírito...16

1.2- Conhecimento certo e evidente...21

1.2.1- Intuição...26

1.2.2- Dedução...32

1.3- Mathesis Universalis...35

1.4- Razão humana e matemática...38

CAPÍTULO 2- A matemática e o Cogito...42

2.1- A busca pelo fundamento primeiro do conhecimento...42

2.2- Os graus da dúvida e busca pela certeza primeira...48

2.3- O Cogito: fundamento primeiro do conhecimento...57

CAPÍTULO 3- O Cogito e a matemática: as ideias intuídas e a evidência...65

3.1- A noção de ideia “como imagens” e a ideia como auto-percepção do sujeito que pensa...65

3.2- A existência do Deus veraz e a garantia (de fato) do conhecimento verdadeiro...72

CONSIDERAÇÕES FINAIS...77

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Introdução

Essa pesquisa versará sobre o modo como Descartes concebe o fundamento primeiro do conhecimento e o meio pelo qual esse fundamento é conhecido, tendo em vista que, a busca por um fundamento primeiro e indubitável para o conhecimento é um dos aspectos mais centrais das investigações cartesianas. A busca por esse fundamento primeiro tem seu maior desenvolvimento na obra Meditações Metafísicas (DESCARTES,1973),obra em que o autor apresenta de forma detalhada a argumentação que o teria levado à descoberta do cogito, descoberta essa que é o resultado de uma intuição na qual todo o conhecimento teria sua origem. Essa intuição, no entanto, não é explicada de maneira explícita nessa obra que, tem como estratégia somente demonstrar seu funcionamento. Mas, a explicação do conceito de intuição tem sua formulação em outra obra do autor, a saber, As regras para direção do espírito(DESCARTES, 1985).

Pressupondo, portanto, certa harmonia e correlação entre as obras cartesianas, podemos assumir como ponto de partida que, a argumentação presente nas Meditações Metafísicas, é cercada por diversas características que Descartes anuncia em outros lugares de suas obras. Como o caso da intuição que é explorado em As Regras para a direção do espírito em que autor apresenta a intuição como ato do entendimento que permite o conhecimento certo. Nesta obra, o autor afirma o que entende por intuição e como ela estaria necessariamente vinculada à descoberta dos princípios. E, se levarmos em conta, que é nas Meditações Metafísicas que esse fundamento é apresentado de maneira mais precisa, podemos assumir um tipo de comunhão argumentativa em torno das obras cartesianas. Pois, se, por um lado, temos nas Meditações Metafísicas a expressão precisa da intuição, nesta obra só encontramos seu exercício em marcha, ao passo que, nas Regras, apesar de termos um apontamento sobre o que seria essa intuição primeira, lá só vemos o fundamento indicado e, somente os conceitos de intuição e dedução são explorados mais precisamente. Em outras palavras, enquanto nas Meditações Metafísicas Descartes demonstra como o entendimento alcança o conhecimento do fundamento primeiro e suas características principais, sem explorar precisamente o ato que permite tal conhecimento, nas Regras ele não explora profundamente esse fundamento primeiro – limitando-se à apontá-lo – mas explicando de maneira mais precisa em que consiste esse ato.

Tendo isso em vista, é importante ressaltar a passagem das Regras que nos permite melhor desenhar nossa questão, a saber, podemos ler nesta obra que a intuição é “o conceito da mente pura e atenta tão fácil e distinto que nenhuma dúvida nos fica acerca do que

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compreendemos” (DESCARTES, 1985. p.7). E, além disso, na continuidade do texto, Descartes nos diz ainda que, “os primeiros princípios se conhecem somente por intuição” (idem). Resumidamente, podemos dizer que uma intuição é um ato do espírito que ―vê‖ de uma maneira direta seu objeto, não permitindo que nenhuma dúvida fique acerca do que é ―visto‖, porque é claro e distinto. Segundo esse texto, então, parece que devemos assumir que toda intuição é certa, pois, responde aos requisitos necessários para um conhecimento verdadeiro, não dependendo de qualquer mediação entre o entendimento e a representação de seu objeto e, sendo tão simples, não haveria sobre ela qualquer possibilidade de dúvida. A intuição parece ser o ato que nos permite chegar a um conhecimento certo que servirá de fundamento para o conhecimento. Ato que é nas Regras detalhado, mas parece ser utilizado de maneira plena por Descartes somente nas Meditações Metafísicas com a descoberta do cogito.

O outro ato do entendimento que permite o conhecimento, também presente nas Regras é a dedução. E apesar de não estar diretamente ligada ao tema central desta investigação, merece uma rápida menção uma vez que se trata do segundo modo pelo qual podemos ter conhecimento de alguma coisa. Nos limites de nossa proposta de pesquisa, podemos falar da dedução nos termos descritos por Descartes nas Regras, ou seja, considerando-a como um ato que permite que, a partir de uma verdade intuída, seja possível chegar ao conhecimento de outras verdades por meio de uma inferência do termo seguinte da cadeia. O papel da dedução no processo de cognição é importante para expansão do conhecimento, pois, se, por um lado, a intuição tem como ―objeto‖ as coisas simples, por outro, o entendimento deve ser capaz de conhecer todas as razões da cadeia do conhecimento e, para alcançar os ―objetos‖ mais complexos, o entendimento precisa da dedução. Dito de outro modo, a dedução é o que possibilita que o entendimento conheça as coisas complexas e que não são absolutamente evidentes, ou evidentes por si mesmas. A dedução permite então, que o conhecimento avance para além das primeiras verdades (dos princípios intuídos) e percorra toda a cadeia do conhecimento, prolongando a certeza obtida na intuição para todo o restante do conhecimento.

Como é notável, parece que temos em Descartes características bem demarcadas para o que ele entende por conhecimento certo e o meio pelo qual conhecemos os princípios e as demais verdades sobre eles. Essas afirmações sobre os atos do entendimento junto com a necessidade expressa de um fundamento primeiro do conhecimento em Descartes, permitem pensar na seguinte questão fundamental do projeto cartesiano: o que é o fundamento do

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conhecimento na filosofia cartesiana, ou qual seria esse princípio primeiro? A resposta a essa pergunta, como já indicado no início dessa introdução, nos é dada pelo próprio autor que, nas Meditações Metafísicas, apresenta o cogito como esse fundamento primeiro. O cogito como verdade primeira, parece responder às exigências estabelecidas por Descartes para aquilo que ele considera como fundamento, isto é, trata-se de uma verdade clara, evidente e indubitável (uma intuição) e dele dependeriam todas as outras verdades. O movimento argumentativo das Meditações Metafísicas nos permite atestar o estatuto intuitivo desta verdade.

Contudo, apesar de todo o movimento argumentativo em torno do fundamento do conhecimento que parece sustentar, sem grandes problemas, a argumentação cartesiana (movimento no qual o cogito possui o lugar de fundamento primeiro), uma ocorrência que parece passar despercebida por uma leitura menos atenta, é o fato de que Descartes reconhecer a presença de um outro conhecimento intuído, em outro contexto, e que parece atender igualmente às características necessárias a um fundamento primeiro. Trata-se do processo de conhecimento contido nas matemáticas.

Ora, podemos observar nas Regras uma argumentação que apresenta as matemáticas como modelo de certeza do conhecimento das coisas e, que apresenta resultados tão certos quanto possível ao entendimento humano. Não por acaso, Descartes vai buscar nas matemáticas o melhor exemplo para o conhecimento certo e que poderia servir de modelo para uma Mathesis Universalis. Nesta obra, Descartes afirma que as matemáticas carregam a certeza sobre seus objetos porque trata de coisas tão gerais e simples, de modo que, não restaria dúvida sobre suas verdades. Entretanto, essa certeza se encontra num campo muito restrito de objetos. Por isso sua proposta é a de expandir as características que permitem sua certeza para a totalidade das ciências, fazendo assim as ciências em geral se adequarem a um modelo que permita que elas possuam, assim como as matemáticas, certeza em suas razões. De todo modo, essa certeza vinculada às matemáticas parece ser apresentada também como resultado de uma intuição.

Ademais, não é somente nas Regras que a matemáticas aparece como uma forma de conhecimento explicitamente vinculada à intuição. Mesmo nas Meditações Metafísicas, encontramos a indicação do caráter intuitivo das matemáticas. Mais ainda, temos a indicação de que ela é o ponto final da dúvida natural e, desse modo, sobre ela não temos motivos naturais para duvidar, uma vez que seus objetos são tão simples que nenhum motivo (natural)

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nos resta para duvidar delas1. Ora, o que faz Descartes depois de esgotar a dúvida natural é dar um passo além, o autor caminha para um âmbito metafísico. Essas considerações permitem a seguinte problematização: qual seria a necessidade dessa razão não natural de se duvidar? Sendo que, na matemática, já teríamos encontrado alguma certeza intuída com as características de indubitabilidade e clareza necessárias para a certeza do fundamento primeiro do conhecimento.

Diante deste cenário, podemos apresentar a questão que será o fio condutor de nossa pesquisa, qual seja: qual a necessidade de se passar de uma intuição da matemática para uma intuição do cogito, de modo que este último apareça na argumentação cartesiana como fundamento primeiro e indubitável do conhecimento? Para melhor situarmos nossa questão, podemos dispô-la na tentativa de clarear o problema da seguinte maneira: a passagem para o estatuto metafísico da certeza se apresenta como um dos pontos cruciais da argumentação sobre o fundamento primeiro, mas, porque seria necessário esse passo a mais, se já podemos contar com uma certeza indubitável (e natural) nas matemáticas? Qual a necessidade dessa passagem para a verdade do cogito e o que faz dela primeira, frente à intuição da matemática na ordem das razões? De maneira geral, são essas as questões que pretendemos examinar nesta pesquisa, e que nos auxiliará na tentativa de responder a questão central dessa investigação no final do trabalho.

Todavia, é importante esboçar o caminho que percorreremos para analisara questão e tentar solucioná-la e, em nosso primeiro passo, buscaremos compreender como Descartes apresenta a possibilidade de um conhecimento certo e seguro no âmbito das Regras para direção do espírito, pois, trata-se de uma das primeiras obras em que o tema do conhecimento aparece e, é a obra no qual o autor propõe os meios para se chegar a um conhecimento certo, e a relação da matemática com a possibilidade desse conhecimento. Acreditamos que essa obra lança luz à argumentação presente nas Meditações Metafísicas, por nela estarem caracterizados conceitos que são utilizados implicitamente nesta última, e que nesta não são aprofundados, como já abordamos nesta introdução. Em nosso segundo passo, buscaremos articular a relação do conceito de intuição e as características apresentadas

1“Eis por que, talvez, daí nós não concluamos mal se dissermos que a Física, a Astronomia, a Medicina e todas as outras ciências dependentes da consideração das coisas compostas são muito duvidosas e incertas; mas que a Aritmética, a Geometria e as outras ciências desta natureza, que não tratam senão de coisas simples e muito gerais, sem cuidarem muito em se elas existem ou não na natureza, contêm alguma coisa de certo e indubitável. Pois, quer eu esteja acordado, quer eu esteja dormindo, dois mais três formarão sempre o número cinco e o quadrado nunca terá mais do que quatro lados; e não parece possível que verdades tão patentes possam ser suspeitas de alguma falsidade ou incerteza”.DESCARTES. R. Meditações Metafísicas. São Paulo: Abril

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pelo autor para o que consiste em um conhecimento certo. O terceiro passo é tentar mostrar a relação entre a matemática e o fundamento primeiro do conhecimento, articulada com a argumentação que resulta no cogito. No quarto e último passo tentaremos, por meio de uma análise sobre a noção de ideia, mostrar a diferença entre o que seria as ideias da matemática e a ideia do cogito. Esse movimento nos ajudará a fundamentar a hipótese de que a passagem da intuição da matemática para a intuição do cogito se sustenta na necessidade de uma verdade auto-evidente e independente de qualquer outra verdade que lhe seja anterior, sendo que o que permitirá a diferenciação é a noção de ideia que diferencia o cogito das matemáticas. Por fim, para garantir a objetividade da ideia do cogito como fundamento primeiro e garantir a possibilidade de um conhecimento certo analisaremos a necessidade da prova da existência de um Deus veraz que anule a possibilidade do engano.

Para cumprimento desta proposta, buscaremos compreender os conceitos fundamentais dos textos, por meio da análise e leitura estrutural dos textos do autor que, nos que permitirá melhor compreender o texto central da análise, e que permitirá uma tentativa de problematizar nossa questão, a saber:

No primeiro capítulo, começaremos a nossa análise a partir do texto as Regras para direção do espírito (1628) e, nesta obra pretendemos compreender como se dão os atos que são legitimados pelo autor como meios para o conhecimento seguro, a saber, as noções de Intuição e dedução. Também nesta obra, procuraremos compreender a relação entre matemática e a razão humana¸ e como já aqui nos é indicado o que seria o fundamento primeiro. Para tanto, examinaremos sobretudo as regras I, II e III, pois são nessas regras que o autor se detém mais diretamente as noções que nos são importantes.

No segundo capítulo, aparatados com as características fundamentais para compreender melhor o encadeamento da argumentação que leva ao conhecimento da verdade e de como conhecer o fundamento primeiro do conhecimento, o segundo passo consistirá em analisar a instauração do cogito como fundamento do conhecimento nas Meditações concernentes à primeira filosofia (1641). Esse passo consiste na tentativa de compreender o que faz do cogito a verdade primeira em relação à matemática nesta obra, dado os meios do conhecimento e as características necessárias para ocupar o lugar de fundamento primeiro do conhecimento. Outro aspecto que terá como base as Meditações Metafísicas é a análise sobre a noção de ideia e como podemos conceber uma diferença no que diz respeito ao cogito e as matemáticas

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No terceiro capítulo, ainda nas Meditações Metafísicas, analisaremos o movimento que garante a objetividade do cogito e a possibilidade do conhecimento verdadeiro com a garantia do Deus veraz. Para realização dessa parte da investigação, nos deteremos principalmente nas meditações 1, 2 e 3 em que, a argumentação gira em torno do cogito e da possibilidade de conhecimentos verdadeiros por meio dessa primeira verdade.

Capítulo 1 - A razão humana e os meios do conhecimento seguro

1.1.A unificação das ciências em um fundamento primeiro e a sabedoria

humana nas Regras para direção do Espírito.

Nesta primeira parte da investigação analisaremos as características presentes na obra “Regras para direção do espírito” (1628) que nos permitem melhor compreender os aspectos que envolvem a argumentação acerca do cogito nas Meditações Metafísicas (1641). Porém, antes de examinar essas características é necessário entender um pouco mais precisamente a relação entre as obras e o que permite afirmar que elas comungam de posições e interesses que justificam a hipótese de que as características apresentadas em uma dizem respeito às mesmas coisas na outra, tendo em vista que uma obra tem como interesse fundamental o método para as ciências e a outra a metafísica.

Outro aspecto importante a se considerar no que diz respeito à análise das Regras é que, para além da análise dos lugares que ocupa o cogito e a matemática no conhecimento das coisas, há também uma riqueza histórica que envolve uma obra póstuma. As Regras carregam em seu interior uma dificuldade interpretativa quando analisada junto com o todo da filosofia cartesiana, pois se trata de um texto que dá margem a interpretações diversas. Entretanto, acompanhando a leitura que Marion faz dessa obra, podemos concordar que essa dificuldade se dá, por serem as Regras a gênese do cartesianismo, isto é, uma obra que marca, portanto, o ponto de partida do pensamento de Descartes. Nas palavras de Marion: “As Regulae não encontram nenhuma genealogia no pensamento cartesiano porque, parece-nos, elas são a sua gênese” (MARION, 1997.p.24). É importante lembrar que essa foi uma obra silenciada pelo autor, que não chegou à publicá-la, mas, ainda assim, é possível reconhecer características centrais das obras posteriores de Descartes já presentes nas Regras, tais como: a certeza matemática como modelo para o conhecimento certo; a noção de um fundamento primeiro para as ciências; e a utilização de um método para o conhecimento da verdade.

Ao longo da tradição, vários comentadores tentaram traçar debates sobre as possíveis relações entre as duas obras, seja na tentativa de mostrar que as Regras estariam apresentando

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um método que será fundamentado mais tarde pela metafísica, como Guerolt (GUEROLT,1968.pp.33-34). Seja na tentativa de mostrar que o método das Regras estaria em exercício nas Meditações Metafísicas, como sugere Heidegger (HEIDEGGER, 1992) em que a universalidade desse método se imprimiria de maneira a formatar a Metafísica segundo o projeto matemático empreendido nas Regras2·. E, esse impasse, segundo Valentim, parece ter um caminho de dissolução se levarmos em consideração um aspecto que está presente em ambas as obras, a saber, a noção de evidência que, parece servir de ponte para um debate que prevê uma possível continuidade das obras em questão. Afirma Valentim:

Ao que nos parece, a solução envolve a questão acerca do estatuto da evidência, decisiva para a compreensão do que é a metafísica desenvolvida nas Meditações, precisamente porque problematiza de forma direta, temas fundamentais da epistemologia elaborada nas Regras. (VALENTIM, 2008.p.44).

A evidência - que nos permite creditar a indubitabilidade de uma razão que aparece clara e distinta – está presente nas duas obras que pretendemos analisar. Quer dizer, temos evidência nas matemáticas nas Regras e nas matemáticas e na metafísica das Meditações Metafísicas, embora, nesta última, a evidência das matemáticas é colocada em questão pelo Deus enganador, não sendo mais suficiente enquanto fundamento primeiro do conhecimento. A busca por atestar a evidência como critério de verdade nas Regras, apresenta as matemáticas como modelo de certeza, tendo em vista a simplicidade dos seus objetos. Da mesma maneira que nas Regras, nas Meditações Metafísicas a evidência continua sendo o critério de verdade. No entanto, com a necessidade de ser a própria evidência atestada pela dúvida, resultando em um questionamento da própria capacidade de conhecer, para só então atestar sua veracidade e funcionabilidade com a garantia do Deus veraz. Pois;

Isso nos mostra que a veracidade divina não vem somente ―garantir‖ a evidência clara e distinta como critério de verdade; antes, ela vem explicar a possibilidade de uma evidência. Do ponto de vista metafísico, o evidente ao espírito humano é de certo modo revelado ao espírito humano por Deus como ―autor‖ de toda concepção clara e distinta: ―sua presença funda todas as idéias, pois ―não se pode pensar uma coisa finita senão a partir do infinito‖ (Alquié, 2000, p.213, cf. também 250). O que permite reconhecer que, nas Meditações, a equivalência entre evidência e verdade, fundante da epistemologia das Regras, é resultado, antes que condição, do itinerário metafísico (VALENTIM, 2008.p.56)

2 Esse debate é explorado de maneira sistemática e aprofundado no artigo do professor Dr. Marco Antonio

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A questão sobre a verdade antecipada nas Regras tem, sobretudo, nas Meditações Metafísicas uma argumentação que, senão se trata de uma continuidade explícita, têm ao menos interesses comuns. O motivo disso consiste em que ambas buscam considerar a questão da verdade, seja no âmbito de um método que garanta a certeza nas ciências, seja no âmbito do fundamento primeiro dessas ciências. A própria presença da noção de evidência em ambas as obras, como critério de verdade, parece ser o suficiente para considerar as Regras uma obra incontornável quando o assunto é a verdade primeira que fundamenta as demais verdades. Ademais, o tema da evidência nos servirá para tentar solucionar nossa questão no fim de nossa investigação, o que faz ainda mais relevante à análise das Regras neste momento da investigação, pois, apesar da diferença na abordagem do tema, nas obras em questão, o fato é que a evidência é um tema que se mantém idêntico de uma obra para outra. Podemos observar que são inúmeras as questões comuns entre as obras, como o ato de intuir que parece ter sua problematização nas Regras, mas sua efetivação nas Meditações Metafísicas, ou como a certeza natural presente nas matemáticas.

Contudo, é importante ressaltar que, apesar dos temas semelhantes, muitas são as questões que não são comuns entre as obras, mas, isso parece ocorrer pelo fato de que uma está mais direcionada as questões metafísicas, enquanto a outra está mais direcionada ao método para as ciências. Portanto, apesar de cada obra guardar sua peculiaridade, vinculada às especificidades do seu objeto, não deixam de abordar questões comuns que são consequências da ligação necessária entre seus objetos, isto é, ligação necessária por ser a metafísica a raiz das ciências.

Por fim, é importante frisar que a questão sobre um método que permita o conhecimento da verdade, também ocupa um lugar de extrema importância para a filosofia cartesiana. Como consequência disso, grande parte de suas obras são dedicadas a problematizar e expor o uso do método que permite chegar ao conhecimento certo.

Nas Regras, Descartes demonstra o modo de se chegar ao conhecimento certo por meio de um método legítimo para esse fim. Descartes começa sua argumentação já apontando para o que, posteriormente, nas suas obras metafísicas3 será considerado o fundamento primeiro do conhecimento humano, mas sem problematizá-lo de maneira sistemática e, vincula o modelo de certeza exigido para o conhecimento verdadeiro às razões matemáticas. Dito de outro modo, nesta obra o autor vincula a busca da verdade às operações puramente

3Quarta parte do Discurso do Método (1637); Meditações Metafísicas(1641); primeira parte

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intelectuais de intuição e dedução e, conjuntamente, apresenta o conhecimento matemático como modelo de certeza para as ciências, mas, além disso, indica que há algo que antecederá a matemática como conhecimento certo e mais fundamental.

As Regras para a direção do Espírito, como indica o nome, constituem um conjunto de regras que o espírito forma para a obtenção de um conhecimento verdadeiro. Nesta obra, Descartes indica a necessidade de um método para o conhecimento, ele diz: “Ora, vale mais nunca pensar em procurar a verdade de alguma coisa que fazê-lo sem método”(DESCARTES, 1985.p.8). E, ao longo de todo o texto, o autor apresenta essas regras que são a resposta para a necessidade de um método para o conhecimento.

Podemos esboçar as linhas gerais do caminho que Descartes segue nas Regras por meio dos seguintes passos: em um primeiro momento, ele mostra que as ciências se unificam em um ponto comum e que este ponto comum é a razão humana; em segundo lugar, ele apresenta quais são as operações do entendimento puro e a Mathesis Universalis; e, por fim, ele apresenta a forma correta em que o espírito pode chegar à verdade: o método. A análise desses momentos argumentativos é importante para a compreensão de como Descartes concebe o conhecimento do fundamento que, por sua vez, responde à necessidade de unificação das ciências em um ponto comum. Grande parte da obra tem como finalidade descrever as características formais do método e a maneira correta de usar essas formas. Como nosso interesse não se alonga até o método estruturado para as ciências que são derivadas do fundamento do conhecimento, mas unicamente aquilo que nos permite conhecer esse fundamento, analisaremos mais precisamente, as regras que dizem respeito ao conhecimento em sentido geral e as regras que falam do fundamento do conhecimento.

Sobre a primeira regra é importante ressaltar que, as Regras guiam-se a partir do pressuposto de que as ciências nada mais são do que a sabedoria humana, que é una. Deste modo, as ciências são unidas por essa matriz. Marca-se aqui a necessidade de um fundamento primeiro e comum para o conhecimento. As ciências, por mais diversos que sejam os objetos de seu foco, se unificam por terem em comum o sujeito, identificado pela sabedoria humana.

Com efeito, visto que todas as ciências nada mais são do que a sabedoria humana, a qual permanece sempre una e idêntica, por muito diferentes que sejam os objetos a que se aplique, e não recebe deles mais distinções do que a luz do sol da variedade das coisas que ilumina, não há necessidade de impor aos espíritos quaisquer limites (DESCARTES, 1985.p.4).

Na passagem acima Descartes aponta para duas especificidades no processo de conhecimento, a saber, que todas as ciências, com a diversidade de objetos que se aplicam,

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nada mais são do que sabedoria humana produzida pela luz4 do intelecto. E, analogamente, a luz do sol que ilumina a diversidade de objetos da natureza, não se diversifica por que a luz é una e mesma sempre que produzida. Do mesmo modo, a diversidade de objetos da sabedoria humana não fragmenta a unidade da ciência, por ser ela assim como a luz do sol, a luz produzida pelo intelecto que é una. E que por essa unidade o espírito humano não precisa se limitar a aprender separadamente uma ciência de outra, como se fossem coisas radicalmente distintas, mas pode aprendê-las de forma unitária, pelo modo como são constituídas pela razão humana como tocadas pela mesma luz. Além disso, essa passagem marca o início da expressa necessidade de um ponto único para todo conhecimento, como afirma Battisti:

A Regra 1 apresenta a unidade originária da razão e afirma que as ciências, por serem atividade e produto do mesmo e idêntico espírito, não se distinguem enquanto tais e conservam essa unidade originária. A luz natural da razão é condição para o conhecimento das coisas; e, sendo única e sempre a mesma, não sofre a influência da diversidade dos objetos, por mais distintos e diferentes que sejam, não necessitando modificar-se em razão da diferença entre eles. Ao contrário, são eles que devem deixar-se homogeneizar pela unidade da razão: eles devem ser receptivos à sua luz (da mesma forma que as coisas recebem a luz solar) e, como tais, deixam de ser apenas coisas para tornarem-se coisas passíveis de serem iluminadas pela razão. (BATTISTI, 2010.p.577)

O que Battisti parece estar chamando de ―homogeneizar pela unidade da razão‖ diz respeito ao que seria a união de todo o conhecimento sob um único ponto, não precisando discriminar pontos de partidas diferentes para cada tipo de ciência, pois, no limite, todas partem de um mesmo ponto comum, a razão humana. E, neste sentido, a continuação da passagem sobre a razão humana de Descartes parece significativa, ela diz:

Sem dúvida, parece-me de espantar que a maior parte indague, com o maior empenho, os costumes dos homens, as propriedades das plantas, os movimentos dos astros, as transmutações dos metais e os objetos de semelhantes disciplinas e que, entretanto, quase ninguém pense no bom senso ou nesta Sabedoria universal, quando tudo o mais deve ser apreciado, não tanto por si mesmo quanto pelo contributo que a esta traz (DESCARTES, 1985.p.4).

Descartes aponta para o fato de todos se aplicarem a diversos conhecimentos, ou seja, aos múltiplos das ciências sem levantar, ou mesmo levar em consideração, aquilo que permite

4 A luz do sol nesta passagem é uma metáfora que permite o autor fazer uma analogia a ideia de unidade do

conhecimento, tendo em vista a unidade da luz do sol. O autor recorre a ideia de luz em vários textos, mas comumente usando o termo ―luz natural‖ para referir-se ao processo de cognição, ou mesmo da razão em exercício e, durante todo esse texto, a noção de ―Luz‖ sempre se refere ao ato de conhecer da razão.

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o conhecimento e, então, o acesso as inúmeras disciplinas das ciências que é a própria sabedoria universal, isto é, a ciência na sua raiz comum. Notemos então que, como já dito, parece que antes e como pressuposto para o conhecimento existe a sabedoria humana que me permite conhecer as coisas, fazendo delas objetos de conhecimento de uma razão que conhece. Essa construção argumentativa que, tenta mostrar a unificação das ciências em um único ponto que é a razão humana, parece compor o quadro das Meditações Metafísicas onde temos a busca e análise de um fundamento único e seguro para todo conhecimento, que resulta na coisa pensante. A diferença aqui, parece mais residir no fato de que nas Meditações Metafísicas o fundamento está sendo demonstrado e problematizado, enquanto que nas Regras ele é pressuposto.

Feitas as considerações sobre a sabedoria humana, o passo seguinte é considerar o que ele postula como conhecimento verdadeiro, ou seja, suas características. E, a primeira especificidade para qual nos alerta Descartes sobre o conhecimento é que: “toda ciência é um conhecimento certo e evidente”(DESCARTES, 1985.p.4), ou seja, todo o conhecimento verdadeiro ou ciência está relacionado diretamente com dois aspectos, certeza e evidência. Durante a construção da teoria do conhecimento cartesiana, algumas formulações se tornaram conhecidas pela repetição e sistematização nas várias obras do autor. Dentre elas, os conceitos de certo e evidente são recuperados inúmeras vezes nas obras de Descartes e, isso se dá pela importância que tais formulações carregam.

1.2.Conhecimento certo e evidente

O primeiro conceito vinculado à noção de verdade em Descartes é a certeza, ou seja, toda verdade é um conhecimento certe e, essa certeza é que prescreve que o conhecimento certo é aquele que supera toda e qualquer dúvida possível e, como consequência disso temos que, qualquer opinião que seja passível de qualquer grau de dúvida, por menor que seja, não pode ser considerado um conhecimento certo, ou uma verdade. A certeza é a absoluta superação da dúvida e a garantia da verdade de um conhecimento, pois, só se assume como conhecimento aquilo que for certo. Podemos confirmar tal afirmação na seguinte passagem das Regras: “rejeitamos todos os conhecimentos somente prováveis, e declaramos que se deve confiar apenas nas coisas perfeitamente conhecidas e das quais não se pode duvidar” (DESCARTES, 1985.p.5). A certeza passa a atuar de forma restritiva, selecionando como conhecimento aquilo que for absolutamente certo, retirando assim o conhecimento certo do campo do provável. De maneira geral, ao dizer que todo conhecimento verdadeiro deve ser

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―certo e evidente‖, diz respeito à uma certeza absoluta e, podemos dizer que evidente é um conhecimento que se apresente como indubitável. A evidência garante um acesso a uma certeza irreversível, colocando um ponto final no duelo entre o emaranhado de opiniões que cercam o conhecimento. Contudo, no que diz respeito ao processo de conhecimento, nem toda verdade é capaz de se apresentar evidentemente ao espírito e o conhecimento delas faz parte da empreitada humana de conhecer.

No que diz respeito à evidência vinculada a certeza, podemos dizer que a evidência é o critério que o espírito tem para saber quando uma ideia é certa. A relação presente aqui, diz respeito à ideia e à mente que porta essa ideia, isto é, quando em posse de uma ideia evidente, a mente produz dessa uma certeza. Isso porque é a razão que impõe o valor de certeza àquela ideia que se apresenta clara e distinta e, como veremos, o que garante a evidência de uma ideia é a clareza e a distinção com a qual essa ideia se apresenta ao espírito. O conceito de certeza pode ser considerado em alguma medida como sendo ―subjetivo‖, pois, diz respeito ao sujeito que conhece. Isso porque, ela diz respeito a um estado mental que é resultado da atividade de pensar oposto ao estado de dúvida, ou seja, a afirmação da certeza quando não tenho dúvida sobre algo5, como considera Forlin:

(...) o evidente é aquilo que não pode duvidar, e a razão não pode duvidar daquilo que não há razão de nenhuma de duvidar e, por conseguinte, é irrecusável do ponto de vista estritamente racional (FORLIN. 2005.p.216). Entretanto, é importante considerar que isso não significa que todo conteúdo de conhecimento que apareça certo não apresente nenhuma razão de duvidar, pois, há casos em que estamos certos de algo, porém, não se trata de uma certeza absolutamente inquestionável. Podemos exemplificar essa questão da seguinte maneira, a ideia de que haja um mundo exterior de corpos materiais - embora seja altamente provável - é passível de uma dúvida como aquela levantada pelo argumento do sonho. Neste caso, estou certo (isto é, não tenho dúvidas) a respeito de uma ideia que, todavia, não é verdadeiramente indubitável. Isso significa que a certeza tem um caráter ―psicológico‖ (relativo ao indivíduo, que se sente incapaz de duvidar) e um caráter lógico ou objetivo (relativo à ideia, cujo conteúdo não fornece nenhuma razão para se duvidar dela). Este segundo sentido é o que chamamos mais propriamente de evidência: evidente não é aquilo que um indivíduo em particular não pode duvidar, mas aquilo que é indubitável do ponto de vista da razão humana, e isto ocorre pura e

5 Falaremos melhor sobre a relação da dúvida e da evidência por meio da noção de necessidade no próximo

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simplesmente porque a ideia presente à mente não envolve nenhum tipo de dúvida logicamente possível.

Portanto, podemos concluir que nem todo conhecimento certo é necessariamente evidente (embora o inverso seja verdadeiro: todo o conhecimento evidente é necessariamente certo). Ao falar de um conhecimento certo e evidente, o autor parece usar a palavra ―evidente‖ como um reforço para indicar que não está falando de qualquer certeza: a palavra ―evidente‖ qualifica um tipo específico de certeza, uma certeza do tipo evidente. Em outras palavras, Descartes está indicando que se refere a um conhecimento cuja certeza não envolva qualquer grau, por mínimo que seja, de ―subjetivismo‖, ou seja, que não diz respeito pura e simplesmente ao que o sujeito considera certo, mas trata-se de uma certeza sobre a qual nenhum sujeito é capaz de duvidar, trata-se, deste modo de uma verdade que seja absolutamente objetiva, isto é, ancorada na total evidência de uma ideia que é evidente por não ser possível uma dúvida sobre ela.

Notemos que ―certeza e evidência‖ estão do lado do sujeito que duvida (e neste sentido podem ser ditas subjetivas), mas nem por isso precisam necessariamente ter um valor meramente subjetivo, isto é, estarem apoiadas no mero ponto de vista de um indivíduo e suas crenças. Pelo contrário, elas podem refletir o que seria uma impossibilidade da própria razão humana de duvidar de um certo conteúdo de ideia, e isto ocorre quando o conteúdo da ideia é imune a qualquer razão (motivo racionalmente justificado) de duvidar.

O passo seguinte de Descartes, após defender a certeza e a evidência como características do conhecimento, é a caracterização de pouca certeza das ciências que atuam unicamente com opinião, sustentando um único modelo de ciência que parece cumprir as exigências para o conhecimento certo, qual seja, as matemáticas. Ele diz:

E agora, por há pouco termos dito que, entre as disciplinas conhecidas pelos outros, só a Aritmética e a Geometria estavam isentas de todo o defeito de falsidade ou de incerteza, [...] observando que há uma dupla via que nos leva ao conhecimento das coisas, a saber, a [da] experiência ou a [da] dedução (DESCARTES, 1985. p. 5-6).

Neste recorte do trecho da regra II, Descartes está em debate com a tradição que tem sua origem no pensamento aristotélico – tanto que o autor chega a mencionar a escolástica e a lógica, o que corrobora a interpretação de Marion, quando esse intérprete aponta que essa obra consiste em um debate direto com Aristóteles –. Isto porque, Descartes nesta passagem, não deixa de citar aquelas características que são pioneiras no debate sobre a experiência e a

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dedução no que diz respeito ao conhecimento e, concordando com Marion que esta obra tem em vista um debate com essa tradição, talvez, essa passagem se torna extremamente pontual para fundamentar essa possibilidade6.O que temos aqui é o uso de dois conceitos longamente explorados pela história da filosofia no que diz respeito ao conhecimento. E, que também são explorados por Descartes na medida em que este pretende investigar o conhecimento, e esses conceitos são historicamente essenciais para este debate.

Tendo isso em vista, parece que a experiência e a dedução são os caminhos possíveis para o conhecimento das coisas nas Regras. É importante notar que essa experiência de que Descartes trata, neste primeiro momento, é a experiência sensível, isto é, a construção de opiniões a partir de dados sensíveis e, esta será criticada por Descartes como meio de conhecimento certo, assim como a dedução que jamais poderá ser mal feita pelo entendimento, mas pode ser levada ao erro quando a origem do objeto que servirá para o processo de dedução não for uma intuição, mas for de meios que não são considerados seguros. Nesse caso, o erro consiste no fato de que o primeiro objeto da dedução não seja certo, pois está fundada na experiência sensível. Esses dois caminhos podem levar ao erro, segundo o autor, e por isso não podem garantir um conhecimento seguro. Na continuidade dessa citação, o autor apresenta as possibilidades de erro desses dois meios de se chegar ao conhecimento:

(...) deve-se observar, ademais, que as experiências que versam sobre as coisas são amiúde enganosas ao passo que a dedução, ou a operação pura pela qual se infere uma coisa de outra, até pode ser omitida quando nós não a percebemos, mas jamais pode ser mal feita pelo entendimento, mesmo o menos razoável. (DESCARTES, 1985.p. 5-6).

Como podemos notar, a experiência segundo Descartes, tendo seu fundamento nos sentidos, que são enganosos, é também passível de engano. Deste modo, as experiências sensíveis sendo passíveis de engano, não são indubitáveis e não garantem um conhecimento certo. Dito de outra forma, os sentidos, e toda a experiência fundamentada nele se apresentam como falhos por serem dubitáveis e não podem, portanto, ser assumidos como meios seguros de se adquirir conhecimento certo.

6Não entraremos aqui, sobre se há ou não nas Regras um debate com a tradição, (para esse tema, sugerimos o

texto Ontologia cinzenta de Descartes de Marion. Porém, não há como falar dessa regra sem considerar (de maneira geral) que os termos dedução eexperiência aqui presentes são, frequentemente usados pela tradição filosófica como meios para o conhecimento. Várias correntes se apropriam e buscam compreender em que consiste esses conceitos. Seja no sentido de reafirmar suas funções essenciais para o conhecimento, seja no sentido de uma crítica à essas funções, inúmeras correntes racionalistas e empiristas voltam suas atenções à esses conceitos.

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O outro meio que auxilia no processo de conhecimento é a dedução7e, apesar de não poder ser “mal feita pelo entendimento”, pode levar ao erro quando mal conduzida pelo espírito. A dedução mesma não leva ao erro, o que causa o erro na dedução é aquilo sobre a qual ela é executada, se for uma fonte duvidosa, apesar de bem conduzida, poderá produzir resultados incertos. Neste sentido, a dedução, quando bem conduzida tal como nas matemáticas, conduz ao conhecimento certo. Essas falhas são apontadas por Descartes como aquilo que produz o erro no conhecimento, a saber, as “experiências pouco compreendidas” e “juízos [feitos] de modo temerário e sem fundamento”, ou seja, o erro acontece a partir da experiência que nos engana e de um juízo produzido pelo mau uso da dedução.

Apresentados esses caminhos, no decorrer dessa citação, Descartes defenderá os modos de raciocinar dos matemáticos, mais precisamente dos geômetras, como meio certo de se chegar ao conhecimento e, isso se dá por conta de uma característica primordial: a simplicidade de seus objetos. Ele afirma:

[...] a Aritmética e a Geometria são muito mais certas que as outras disciplinas: são efetivamente as únicas que lidam com um objeto tão puro e simples que não têm de fazer suposição alguma que a experiência torne incerta, e consistem inteiramente em consequências a deduzir racionalmente. São, pois, as mais fáceis e claras de todas, e têm um objeto tal como o exigimos já que, exceto por inadvertência, parece difícil nelas um homem enganar-se (DESCARTES, 1985.p.7).

Parece que o processo matemático possibilita a demonstração necessária para o conhecimento e, segundo Marion, essa demonstração se dá pelo fato de que as matemáticas possuem um alto nível de abstração dos acidentes e, trabalham unicamente com as formas. A matéria é abstraída e se produz a reflexão com as coisas mais simples e gerais, eliminando da investigação as variáveis que possibilitam resultados contingentes e pouco certos8. O que resta agora é determinar o que possibilita uma experiência tão certa quanto àquela da matemática, para que possa ser aplicada às demais ciências. É exatamente para esse caminho que Descartes aponta no fim da regra II:

E a conclusão de tudo ao que parece não é, certamente, que se deva apreender apenas a Aritmética e a Geometria, mas unicamente que, na busca do caminho reto da verdade, não se deve ocupar-se com nenhum objeto

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Ainda neste capitulo, acompanhando a ordem de exposição dos argumentosno texto analisado, voltaremos a analisar a dedução de maneira mais detida.

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sobre o qual não se possa ter uma certeza tão grande quanto aquela das demonstrações da Aritmética e da Geometria (DESCARTES, 1985.p. 5-6). Na citação acima, Descartes conclui que a procura da verdade deve-se ater a objetos que proporcionem a mesma certeza das matemáticas, é preciso, deste modo, que todo conhecimento certo se dê, em primeiro momento, em objetos tão simples como os da matemática, pois, ao que parece, é na análise dos objetos mais simples que se encontra a certeza necessária para, posteriormente, alongar essa certeza às questões mais complexas, tal como ocorre nas matemáticas. O papel das matemáticas se torna primordial, pois, ela se torna o modelo de certeza exigido para as ciências.

Uma vez apresentadas as características do que se configura como um conhecimento legítimo, o próximo passo consistirá em analisar como o nosso entendimento trabalha para alcançar esse conhecimento, isso levando em consideração as características necessárias para um conhecimento certo e evidente. Em outras palavras, o próximo passo é examinar os atos de funcionamento do entendimento e o que, no entendimento, possibilita que alcancemos um conhecimento tão certo quanto o das matemáticas.

Nas Regras, Descartes nos apresenta dois atos que permitem chegar ao conhecimento das coisas, sendo eles: a intuição e a dedução, como expresso na seguinte passagem:

vamos aqui passar em revista todos os atos do nosso entendimento que nos permitem chegar ao conhecimento das coisas, sem nenhum receio de engano; admitem-se apenas dois, a saber, a intuição e a dedução (DESCARTES, 1985.p.7).

Nessa passagem Descartes afirma que fará uma inspeção do entendimento para localizar aquilo que permite chegar ao conhecimento das coisas e, nesta inspeção, assume a existência de dois atos do entendimento: a intuição e a dedução. Vejamos como Descartes os compreende.

1.2.1. Intuição

Antes de tudo, vale ressaltar que Descartes afirma não fazer uso do termo intuição segundo a tradição, mas que utilizará esse, e demais termos, segundo o modo como ele compreende, pois, de acordo com o autor, transferir o termo com sua significação histórico-filosófica não exprimiria, na sua obra, o que ele realmente pretende dizer. Para melhor

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compreensão desta observação, vejamos a passagem das Regras onde tal afirmação se apresenta:

Quanto ao mais, faço aqui uma advertência geral não vá alguém talvez surpreender-se com o novo uso da palavra intuição e de outras que igualmente serei forçado a desviar da sua significação vulgar: não penso sequer no modo como cada expressão foi, nestes últimos tempos, usada nas escolas, porque seria dificílimo servir-me dos mesmos termos e exprimir ideias totalmente diversas; mas vou ater-me unicamente à significação de cada palavra em latim para que, à falta de termos próprios, transfira para a minha ideia, os que me parecem mais adequados (DESCARTES, 1985.p.7). O termo traduzido aqui por intuição é o termo latino intuitus que, por sua vez, deriva do verbo intueri, que podemos traduzir por: olhar, ver e ―contemplar‖ e, está sendo usado nesta obra para exemplificar um ato mental, o ―olhar‖ da mente. Por intuição, podemos entender a visão imediata da verdade das coisas, intuir é ver imediatamente a verdade das coisas. Esse ―ver‖ é um ato intelectual, não havendo nenhuma mediação entre a verdade da coisa e a reflexão, ou seja, somente com um ato do entendimento é possível ―ver‖ a verdade da coisa sem que nenhuma outra faculdade, a não ser o próprio entendimento, interfira no conhecimento da coisa. Podemos conferir este caráter imediato da intuição na passagem seguinte em que, Descartes expõe que a intuição não pode ser mediada:

Por intuição entendo não a convicção flutuante dos sentidos ou o juízo falacioso de uma imaginação mal composta, mas o conceito da mente pura e atenta, tão fácil e distinto, de modo que não reste absolutamente nenhuma dúvida, ou, o que é a mesma coisa, o conceito indubitável da mente pura e atenta, nascido unicamente da luz da razão, e que é mais certo do que a própria dedução, por conta de sua maior simplicidade, embora mesmo esta última não possa ser mal feita pelo homem, como observamos mais acima (DESCARTES, 1985.p.7).

Como é possível notar, Descartes começa a definição do termo de forma negativa, isto é, dizendo o que a intuição não é. Nessa primeira parte da citação, podemos perceber dois aspectos importantes que devem ser descartados como forma de se chegar ao conhecimento certo para Descartes. O primeiro são os sentidos, isto é, podemos ver nesta passagem uma desconsideração dos sentidos como fonte de conhecimento certo. Como é sabido, os sentidos, para Descartes, são fonte de engano e, já nas Regras, essa concepção se encontra presente. Se os sentidos são fonte de dúvida e o conhecimento só admite a certeza, os sentidos não dizem respeito à intuição.

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O segundo aspecto desconsiderado como fonte de conhecimento seguro é a imaginação e, por imaginação, ele entende a composição de imagens de coisas, porém, a intuição não diz respeito à concepção por imagens, mas ao puro conceito. Ademais, a imaginação, por fazer essa composição, torna a coisa mais complexa e, sendo a intuição algo simples, não há nela espaço para conteúdos compostos de partes como é oferecido pela imaginação. Essa faculdade pode dificultar o processo de conhecimento (e até mesmo levá-lo ao erro), por não ser ela o próprio entendimento, mas sim uma faculdade mediadora e, neste sentido, não permitindo a experiência imediata exigida para o conhecimento verdadeiro da intuição. Nas palavras de Marion:

(...) a imaginação desqualifica-se por si mesma, [...] continua a ser uma faculdade, à margem e a mais, do entendimento [...], dado que seu papel mediador, contradiz, nisso mesmo, a imediatidade de uma experiência certa (MARION, 1975.p.66).

E, na regra XII, Descartes nos apresenta como se dá a formação da imaginação, que ajuda a compreender em que consiste essa faculdade. Ela é apresentada como a organizadora das sensações recebidas pelos sentidos, funcionando como mediadora entre os objetos dos sentidos e as ideias. A regra XII descreve a imaginação da seguinte maneira:

(...) é preciso conceber que, visto o sentido externo ser posto em movimento pelo objeto, a figura que ele recebe é transposta para outra parte do corpo, chamada sentido comum, instantaneamente e sem passagem real de ser algum de um sítio para outro. [...] o sentido comum desempenha também o papel de um selo para formar na fantasia ou imaginação, tal como na cera, as mesmas figuras ou ideias que vêm dos sentidos externos, puras e incorporais; e que esta fantasia é uma verdadeira parte do corpo, cuja grandeza é tal que as suas diversas porções podem revestir várias figuras distintas umas das outras e as costumam conservar por bastante tempo (DESCARTES, 1985.p.7).

Descartes trata nesta passagem, sobre o sentido comum que, em suma, é a faculdade que permite a construção da imagem dos objetos extensos e, portanto, corpóreos, que afetam o sujeito do conhecimento. O sentido comum oferece a matéria para a imaginação e a fantasia poderem construir imagens do que afeta o sujeito exteriormente, através dos sentidos externos. Ou seja, ao se relacionar com o real, o sujeito do conhecimento é afetado por diversas coisas que não são ele e, que agitam seus sentidos externos, essas afecções são levadas até a imaginação através do sentido comum que irá transformá-las em imagens. O

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sentido comum tem o papel de condutor das coisas corpóreas que afetam o sentido externo para imaginação. Dadas essas características, Descarte afirma:

Conclui-se assim com certeza que, se o entendimento se ocupa do que nada tem de corporal ou de semelhante ao corporal, não pode ser ajudado por essas faculdades; mas, pelo contrário, para que nelas não encontre obstáculo algum, é preciso afastar os sentidos e despojar, tanto quanto possível, a imaginação de toda impressão distinta(DESCARTES,1985.p.24).

A imaginação não possibilita, segundo o autor, a “experientia certa” e, neste sentido, não pode participar do processo de intuição que visa unicamente essa “experientia certa”. Obteve-se assim, o mesmo resultado, quando analisamos a imaginação daquilo que extraímos da análise dos sentidos. Os motivos para a desconsideração dessas faculdades enquanto fonte para um conhecimento certo, isto é, no que diz respeito à intuição, são os mesmos, a saber, ambas as faculdades descritas têm vinculação direta com as coisas complexas e, tendo em vista o objeto eleito para responder a um conhecimento imediatamente certo, os objetos dos sentidos e da imaginação não poderiam então possibilitar um conhecimento imediato, isso porque, o objeto da qual um conhecimento seguro é possível de uma maneira imediata é de natureza extremamente simples.

As coisas corpóreas, por seu turno, devem ser divididas e levadas a partículas mais simples da sua composição para que seja possível conhecê-las de maneira certa, como prescreve o método por ele eleito e que, como veremos, tem sua base na própria matemática. Tendo em vista que os sentidos não podem ser fonte de conhecimento certo, levando em consideração o objeto pelo qual ocupa, tanto a imaginação como o próprio sentido não convêm para o processo do conhecimento imediato, não servindo como meio para intuição.

Depois da caracterização negativa, Descartes define positivamente a intuição, como podemos observar na passagem das regras em que o autor afirma que intuição é:

(...) o conceito da mente pura e atenta tão fácil e distinto que nenhuma dúvida nos fica acerca do que compreendemos; ou então, o que é a mesma coisa, o conceito da mente pura e atenta, sem dúvida possível, que nasce apenas da luz da razão e que, por ser mais simples, é ainda mais certo do que a dedução (DESCARTES, 1985.p.7).

O que podemos observar sobre a intuição é a relação direta da coisa com o entendimento, isto é, a intuição é a experiência intelectual em que é vista a verdade da coisa clara e distintamente. Essa percepção intelectual só é possível por ser essa coisa tão simples

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que não se apresenta nenhum motivo de dúvida. A intuição se torna o operador de certeza exigida pelo conhecimento, pois ela é a “experientia certa”, na medida em que é esse ―olhar‖ que ―vê‖ a verdade clara (porque tão simples que não é possível duvidar e, então, certa), sem mediação, pois nasce unicamente da luz da razão. Essa intuição é o ato do espírito que ―vê‖ a coisa diretamente na sua totalidade e na sua essência. Toda intuição é certa, pois responde a todos os requisitos necessários para um conhecimento verdadeiro, não possuindo mediação entre o entendimento e a representação e seu objeto e, tão simples que não há possibilidade de dúvida.

É possível notar que, o que permite considerar algo como verdadeiro é o modo como ele se apresenta, ou seja, a intuição acontece por que a coisa a ser conhecida se apresenta ao espírito de um modo muito preciso e, no caso de Descartes, o modo como o objeto é contemplado pelo espírito que permite intuí-lo é a clareza e a distinção. E, como bem sumaria Forlin: ―Em suma, percepção clara e distinta é aquela que o espírito faz de conteúdos (coisa, relações) que lhes são apresentados diretamente (intuição intelectual)‖ (FORLIN, 2005.p.215). Isto é, para que uma verdade seja intuída ela deve aparecer clara e distinta ao espírito, sendo que a clareza e a distinção é o que permite o critério de verdade, qual seja, o critério de verdade proposto por Descartes é a evidência e, essa evidência só é possível na medida que tenho uma ideia clara e distinta da coisa a ser conhecida, pois, quando claro e distinto, então indubitável, evidente e certo9 e, é exatamente isso que caracteriza uma intuição. Como completa Forlin: ―Claro e distinto, então, é aquilo que é manifesto pela luz natural e, portanto, evidente para a razão‖ (FORLIN, 2005.p.216).

Se acompanharmos a citação de Descartes, conjuntamente com o comentário de Forlin, podemos compreender melhor o funcionamento da intuição, isto é, de que modo podemos considerar a intuição como modo do conhecimento absolutamente certo. E, como podemos notar, a intuição garante uma certeza absoluta na medida em que, uma intuição é tão clara e distinta que não resta nenhuma dúvida possível, e se não resta nenhuma dúvida, sua certeza é necessária10, de maneira que, a intuição permite o grau de certeza necessário para o conhecimento.

Outra passagem importante, que fortalece a posição da intuição como provedora do conhecimento certo e como ato do entendimento, está em uma correspondência de Descartes à

9

Veremos melhor a atuação da intuição no analise das Meditações Metafísicas. No que diz respeito à questão sobre o critério da verdade em Descartes temos belíssimos trabalhos de referências, entre eles os dos professores Enéias Forlin e Raul Ladim Filho “A Teoria Cartesiana da Verdade” e “Evidência e verdade no sistema

cartesiano”sucessivamente. 10

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Mersenne em que o autor defende a intuição como um ato natural e/ou instintivo do homem, ao lado do próprio ―instinto de sobrevivência‖. Portanto, sem mediação ou artifício, é nela que devemos confiar, por ser ela a própria razão ou luz natural em exercício, ele diz:

Quanto a mim, distingo dois tipos de instintos: um está em nós enquanto homens e é puramente intelectual; é a luz natural ou intuitus mentis, na qual apenas estimo confiar; a outra está em nós assim como nos animais e trata-se de algum impulso da natureza que temos para a conservação do nosso corpo (DESCARTES, 1630. cf. 1953.p.1060).

Nessa passagem, como na das Regras, Descartes associa esse ato como sendo natural e espontâneo a todo indivíduo e, mais uma vez, associando esse ato à luz natural que, no autor, trata-se da razão humana. Ora, ao analisar as passagens, podemos afirmar, mais uma vez que a intuição é o ato da razão que alcança a verdade sem mediações e, o modo pelo qual conhecemos as coisas imediatamente deste exercício.

Outro aspecto importante a ser considerado é a descrição do ―objeto‖ pelo qual temos acesso a sua certeza pela intuição e, sobre este, na citação Descartes aponta que se trata primeiro de algo “tão fácil e distinto” e em seguida de “mais simples”. Essas duas considerações fazem referência a natureza do objeto intuído que são tão simples que sua divisão torna-se impossível, podemos confirmar isso se nos reportamos a regra XII, em que nos diz Descartes: ―chamamos simples só àquelas cujo conhecimento é tão claro e distinto que o entendimento não as pode dividir em várias outras conhecidas mais distintamente: tais é a figura, a extensão, o movimento, e etc.‖ (DESCARTES, 1985.p.24). As naturezas simples são aquelas que o entendimento é capaz de intuir pela simplicidade garantida pela sua indivisibilidade. Podemos, a partir da passagem, retomar aquilo que garantem as certezas nas matemáticas e que são almejadas as outras ciências, qual seja, a simplicidade com que se ocupa as matemáticas e que garante a certeza de suas razões.

Ainda sobre a percepção clara e distinta, é preciso retomar o seu vínculo com a ideia e, portanto, com o sujeito que conhece. Isso porque, tal como alertamos sobre a evidência, no que diz respeito ao caráter subjetivo da percepção clara e distinta, assim como a evidência (pois, evidente é aquilo que é claro e distinto), aqui se trata de uma clareza e distinção que é clara e distinta em seu uso no sentido universal e, não sobre um sujeito específico. Isso quer dizer que, não se trata de um ou outro sujeito por traz da percepção clara e distinta, mas é uma percepção em que todo e qualquer sujeito tem acesso pelo simples fato de ser dotado de bom senso. Como nos diz Forlin;

Referências

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