ISSN: 0103-0582
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Sociedade de Pediatria de São Paulo Brasil
Alves de Carvalho Ribeiro, Fabiane; Ribeiro de Moraes, Micaele Kedma; de Morais Caixeta, Joyce Cristina; Nadja da Silva, Jullieth; Sanches Lima, Amanda; Santana
Parreira, Samara Lamounier; Lemos Silva Fernandes, Viviane
Percepção dos pais a respeito do tabagismo passivo na saúde de seus filhos: um estudo etnográfico
Revista Paulista de Pediatria, vol. 33, núm. 4, diciembre, 2015, pp. 394-399 Sociedade de Pediatria de São Paulo
São Paulo, Brasil
Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=406042818005
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REVISTA
PAULISTA
DE
PEDIATRIA
ARTIGO
ORIGINAL
Percepc
¸ão
dos
pais
a
respeito
do
tabagismo
passivo
na
saúde
de
seus
filhos:
um
estudo
etnográfico
Fabiane
Alves
de
Carvalho
Ribeiro
∗,
Micaele
Kedma
Ribeiro
de
Moraes,
Joyce
Cristina
de
Morais
Caixeta,
Jullieth
Nadja
da
Silva,
Amanda
Sanches
Lima,
Samara
Lamounier
Santana
Parreira
e
Viviane
Lemos
Silva
Fernandes
CentroUniversitáriodeAnápolis(UniEvangélica),Anápolis,GO,Brasil
Recebidoem21deoutubrode2014;aceitoem10defevereirode2015 DisponívelnaInternetem2deagostode2015
PALAVRAS-CHAVE Poluic¸ãoporfumac¸a detabaco;
Pais; Crianc¸a
Resumo
Objetivo: Analisarapercepc¸ãodospaisarespeitodotabagismopassivonasaúdedeseusfilhos.
Métodos: Estudoqualiquantitativodecaráteretnográfico.Buscou-seopontodevistaeo conhe-cimento dos pais fumantes ativosquanto àpoluic¸ão tabagística ambiental e ao tabagismo passivo. Foramincluídos mães e paisfumantesativosque conviviamdiariamente comseus filhosemseteescolaspúblicasdacidadedeAnápolis(GO)noprimeirosemestrede2014.Os paisforamentrevistadosemumasalareservadanasescolas.Procedeu-seàanálisedescritiva equalitativapormeiodaetnografia.
Resultados: A amostrafoide58pais,otempomédiodetabagismode15,3anosea quanti-dademédiadecigarrosfumadospordiade20,1.Grandeparte(59%)dospaisnãosabiaoque erapoluic¸ãotabagísticaambientale60%disseramsaberoqueeraumfumantepassivo. Con-tudo,quandoperguntadosarespeitodeconsideraremseusfilhosfumantespassivos,52%nãoos consideravam.Observou-sequealgunspaistêmconhecimentosobreainfluênciadotabagismo passivonasaúdedeseusfilhos.Contudo,amaioria(52%)delesacreditaqueseusfilhospodem nãosofrerprejuízorespiratórioounãosabemquaisprejuízosãoesses.
Conclusões: Ascrianc¸asanalisadasficavamexpostasàpoluic¸ãotabagísticaambientalno domi-cilio,oqueficouevidentepormeiodosdados,dotempodetabagismoedamédiadecigarros fumadospordia. Entretanto,percebeu-secarêncianoconhecimento dospaisarespeito da poluic¸ãotabagísticaambiental,dotabagismopassivoedosmalesqueocigarropodecausarna saúdedosfilhos.
© 2015Sociedadede Pediatriade S˜ao Paulo. Publicado porElsevier Editora Ltda.Todosos direitosreservados.
∗Autorparacorrespondência.
E-mail:fabi.acarvalho@globo.com(F.A.C.Ribeiro). http://dx.doi.org/10.1016/j.rpped.2015.02.003
Percepc¸ãodospaisarespeitodotabagismopassivonasaúdedeseusfilhos 395 KEYWORDS
Pollutionfortobacco smoke;
Parents; Child
Perceptionofparentsaboutsecondhandsmokeonthehealthoftheirchildren:an ethnographicstudy
Abstract
Objective:Toanalyzetheperceptionofparentsaboutsecondhandsmokingintheirchildren’s health.
Methods:Ethnographic qualitativeandquantitativestudy.Wesought thepoint ofview and understandingoftheparentsthatwereactivesmokersinrelationtoenvironmentaltobacco smoke(ETS)andsecondhandsmoking.Mothersandfatherswhoareactivesmokersandthatlive withtheirchildrenfromsevendifferentpublicschoolsinthecityofAnápolis,MidwestBrazil, wereinterviewedinthefirstsemesterofinareservedroomintheschools.Adescriptiveand qualitativeanalysiswascarriedoutthroughtheethnography.
Results:58parentswithanaveragetimeofsmokingof15.3yearsandanaveragequantityof cigarettessmokedperdayof2wereinterviewed.Amongthem,59%didn’tknowwhatETSwas, and60%statedknowingwhatasecondhandsmokerwas.However,whenquestionedabouttheir childrenassecondhandsmokers,52%didn’tconsiderthemtobe.Someparentsknewsomeof theeffectsofsecondhandsmokinginthehealthoftheirchildren.However,themajority(52%) ofthemdidnotbelievethattheirchildrenwouldsufferanyrespiratoryimpairmentordidnot knowabouttheseimpairments.
Conclusions: ChildrenwereexposedtoEnvironmentalTobaccoPollutionintheirresidenceif oneconsidersparentaldurationofsmokingandaverageofcigarettessmokedperday.Therewas alackofknowledgeoftheparentsaboutETS,secondhandsmokingandtheevilsthatcigarettes couldcauseinthehealthoftheirchildren.
©2015 Sociedadede Pediatria deS˜ao Paulo. Publishedby Elsevier Editora Ltda. All rights reserved.
Introduc
¸ão
Otabagismopassivoédefinidocomoainalac¸ãodafumac¸a de derivadosdotabacopor indivíduos nãofumantes,mas que convivam com fumantes em ambientes fechados. É a terceira causa de morte evitável no mundo, posterior-mente ao tabagismo ativo e ao consumo imoderado de álcool. A fumac¸a dos derivados do tabaco em ambien-tesfechadosédenominadapoluic¸ãotabagísticaambiental (PTA), composta por mais de quatro mil componentes, mais de 40 cancerígenos. De acordo com a Organizac¸ão Mundial de Saúde (OMS), a PTA torna-se mais prejudicial em ambientes fechados, pois o ar poluído comporta até três vezes mais nicotina e monóxido de carbono e até 50 vezes mais substâncias cancerígenas do que a fumac¸a que passa pelo filtro do cigarro, inalada pelo fumante ativo.1-3
Dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca) de 2011 apontam que o Sistema Único de Saúde (SUS) e a Previ-dênciaSocial gastamanualmentecercade R$ 37 milhões com doenc¸ase mortescausadaspelo tabagismo passivo e queonúmerodeóbitosédecercadetrêsmilnão fuman-tesporano.AindadeacordocomoInca,aOMSafirmaque anualmente cinco milhões depessoas evoluempara óbito devidoàsdoenc¸asrelacionadasaotabacoequeotabagismo é a principalcausa evitávelde morbidade e mortalidade. Estima-se que 1.100 pessoas por dia falec¸am devido ao hábitodefumar.Estudosapontamexistircercade1,2bilhão defumantesnomundo,24,6milhõesdelessomenteno Bra-sil.AsestimativasdaOMSdeclaramque40%dascrianc¸asem todoomundosãoexpostasàfumac¸adotabaco.4-6
Otabagismoprejudicafumantesativosepassivose,em longoprazo, produzefeitos deletériossobreo organismo, como aumento do risco de câncer do trato respiratório, digestórioeurinário,dopâncreas,docolodoútero,risco dedoenc¸ascoronarianaseacidentesvascularescerebrais.A exposic¸ãoàPTAencontra-seassociadaadiversasdoenc¸as. Na crianc¸a são mais frequentes as infecc¸ões do ouvido médio,areduc¸ãodafunc¸ãopulmonareoriscodedoenc¸as respiratóriascomopneumonia,bronquiteeexacerbac¸ãoda asma. Bebês expostos à PTA têm risco cinco vezes maior deapresentarsíndrome damorte súbitainfantil,alémdo riscodedoenc¸aspulmonaresnoprimeiroanodeidade.1,7-12 A absorc¸ão da fumac¸a do cigarropor crianc¸as que convi-vemcompaisfumantesemambientesfechadospodediferir em sua concentrac¸ão, de acordo com o número de taba-gistas no domicílio e a quantidade de cigarros fumados a que a crianc¸a é exposta. A OMS relata que os riscos que o tabagismo passivo traz para a saúde são signifi-cativos e encontram-se bem constituídos e passíveis de prevenc¸ão.1,13
Estudos relatamoconhecimentodospaisarespeito do tabagismo passivo.Entretanto,sua falta aindaé evidente entre as classes socioeconômicas mais baixas. Contudo, mesmo entre aqueles que conhecem os efeitos da PTA, aindaencontram-se paisqueexpõe seusfilhosaosefeitos deletériosdotabagismointradomiciliar.13,14 Ospaisdevem compreender que qualquer exposic¸ão ao tabaco deveser consideradaumfatorderiscoparaváriasdoenc¸as.Medidas decontroleaotabagismoquepromovamamanutenc¸ãode umestilodevidalivredefumoentreascrianc¸asdetodasas idadesdevemserimplantadaseincentivadas.Dessaforma,
este estudo teve como objetivo analisar a percepc¸ão dos paisarespeitodotabagismopassivonasaúdedeseusfilhos.
Método
Estetrabalhoapresentaumcaráterqualiquantitativo.Para o desenvolvimentodoestudo, foisolicitada aautorizac¸ão dasescolasenvolvidas.ApesquisafoiaprovadapeloComitê deÉticaePesquisa(protocolo:161.431)doCentro Univer-sitáriodeAnápolis efoi feitaem sete escolaspúblicas de Anápolis(GO).Ocontatocomospaisfoifeitoemreuniões escolares, quando foram identificados os fumantes ativos pormeiodeumdiálogoprévio;dessaforma,osparticipantes foraminformadossobreapesquisa econvidadosa partici-par. Dentreos 356 pais e mães identificadosem todasas escolas,96declararam-sefumantese60(63%)concordaram emparticipareassinaramoTermodeConsentimentoLivre Esclarecido(TCLE).Considerou-se apenasumfumanteem cadadomicílioouambos.Apósaassinaturaospais respon-deramàsperguntasdaentrevistaproposta.Foramincluídos napesquisasomentepaisoumãesfumantesativos,que con-viviam diariamente com seus filhosentre seis a 12 anos, e caracterizaram-se58 paisfumantes.Osdoisoutros pais foramexcluídospornãoresponderematodasasperguntas daentrevista.Otamanhodaamostrasedeupelocritériode saturac¸ãodosdados.
Asentrevistasocorrerammedianteumroteirocomposto pordados referentesa sexo,idade, tempodetabagismo, tempodeexposic¸ãodacrianc¸aàPTA,rendafamiliaregrau deescolaridade.Asquestõesnorteadorasforamdelineadas paraesta pesquisa e compostapelas seguintesperguntas: ‘‘Vocêsabeoqueéumfumantepassivo?’’‘‘Vocêconsidera seufilhoumfumantepassivo?’’‘‘Vocêachaqueoseufilho, estando nomesmo ambiente que você,quando vocêestá fumando,podeteralgum prejuízoem suasaúde?’’‘‘Sabe relatar qual tipode prejuízo é esse?’’ ‘‘Você tem conhe-cimentosobrea influênciadotabagismo passivona saúde respiratória(nospulmões)doseufilho?’’‘‘Oquevocêacha quepodeacontecer?’’‘‘Você sabeo queé poluic¸ão taba-gísticaambiental?’’ ‘‘Emalgum momentojáfoiorientado arespeitodainfluênciadotabagismopassivona saúdede seusfilhos?’’
As entrevistas foram feitas no primeiro semestre de 2014, em umasala reservada, cedidapela escola, inicia-dasegravadasapenasquandoosparticipantessesentiam confortáveisparatal.Aofimdaentrevista,ospaisforam ori-entadosemrelac¸ãoaotema,afimdeesclarecerdúvidasde formaaalertá-losquantoaosdiversosefeitosemalefícios daPTAedotabagismopassivonasaúdedeseusfilhos.
Para transformar asentrevistas em texto, foi usada a transcric¸ão.Nessaetapa,ouviu-seatentamenteoconteúdo gravado,foireproduzida,demodofiel,arespostadecada paiemãeetransformou-sealinguagemoralemescrita,sob aformadenarrativa.
Osdadosqualitativosforamanalisadospormeioda lei-turacuidadosa,embuscadecaptarosaspectossignificativos dasnarrativasecentrando-senaspalavrasounossentidos. Extraindoascategoriasdeanálisedofenômenoestudado, foramentãoselecionadasasfrasesmaismarcantese seme-lhantesentresi para formulac¸ãode categoriasdeanálise dosresultadosdecaráteretnográfico.DeacordocomRosa,
Lucena e Crossetti, a etnografia vem sendo usada atu-almente como método importante para aprimorar fatos relacionados aestilosdevidade indivíduos,considerando osaspectosfísicos,culturais,sociaiseambientaiseaforma comoessesfatoresinfluenciamemsuascondic¸õesdevida,a partirdosprópriosinformantes.15,16Aoseempregara etno-grafia,foipossíveldelinearocaminhoparacompreendere interpretar a experiência deindivíduos fumantesativos e suapercepc¸ão arespeitodosefeitosdotabagismopassivo nasaúdedeseusfilhos.
A respeito das variáveis, sexo, idade, tempo de taba-gismo, números de cigarros fumados por dia, tempo de exposic¸ãodascrianc¸asàPTA,rendafamiliarenívelde esco-laridade dos pais,foifeitaaanálise descritivadosdados, sobformademédia,desviopadrãoefrequênciarelativae absoluta.
Resultados
Aamostradoestudofoicompostapor58indivíduos,66%do sexo feminino e 34%do masculino,todos fumantes ativos com média de 30 anos. Os 58 adultos conviviam com 95 crianc¸as,aidademédiafoide9,2±1,7anose56%eramdo sexofeminino.
Quandoperguntadootempodetabagismo,ospais apre-sentaramumamédiade15,3anos.Emrelac¸ãoàquantidade de cigarrosfumadospor diae ao tempodeexposic¸ãodas crianc¸asàfumac¸adocigarro,amédiafoide20,1cigarros eaoredorde2,8horasdeexposic¸ãoàPTApordia.Quando verificadooconhecimentodessespaisarespeitodaPTA,59% disseramnãoterconhecimentosobreoassunto;porém,60% desses paisrelataram sabero que é umfumantepassivo, enquanto52%disseramnãoconsiderarseufilhoumfumante passivo.Arendafamiliarmédiadospaisgirouemtornode R$1.389,emrelac¸ãoaograudeescolaridade,45%disseram terfrequentadoaescolaatéoensinofundamental,seguidos de40%comensinomédiocompleto,8%comnívelsuperior e7%analfabetos.
Osdadosgeradoscom basenasnarrativas edescric¸ões constituíram-senoconteúdodeanálise.Aleituraminuciosa das respostas tevecomofinalidade captar apresenc¸a dos aspectossignificativoscontidosnasfalasdosparticipantes. Foram escolhidasasfrases maismarcantese semelhantes entreospais,emcadapergunta.
Quandoperguntados‘‘Você sabeo queé fumante pas-sivo?’’, a maioria dos pais,60%, dissesaber; porém, pela análisedasrespostas,foipossívelobservarumnívelpobre deconhecimentoentreospais,fatoevidenciadopelasfalas: ‘‘Sim.Quandoeuestoufumandoevocêestásentindoo cheiro.’’
‘‘Sim,quandoestoufumandoeumapessoaestápertode mim.’’
‘‘Sim,quemfumasemfiltrodeprotec¸ão.’’
‘‘Sim,pessoasqueestãopertodequemestáfumando.’’ ‘‘Sim, é aquele que está no mesmo ambiente do fumante.’’
Quando perguntado ‘‘Você considera seu filho um fumantepassivo?’’,amaioriadospais,52%,afirmouquenão
Percepc¸ãodospaisarespeitodotabagismopassivonasaúdedeseusfilhos 397 considerava.Apenasdoispaisjustificaramomotivocomas
seguintesrespostas:
‘‘Não,poisnãofumopertodeles.’’ ‘‘Não,porquefumolongedeles.’’
Observou-se na análise descritiva das respostas à seguintepergunta‘‘Vocêtemconhecimentosobrea influên-ciadotabagismopassivonasaúderespiratória(nospulmões) do seufilho? O que vocêacha que podeacontecer?’’ que alguns paistêmconhecimentosobrea influênciado taba-gismo passivo na saúde respiratória de seus filhos, fato evidenciadopelasfalas:
‘‘Sim,achoquepodecausarbronquite,nãosei,prejudica dealgumaformaopulmão’’.
‘‘Sim,podedesenvolverváriostiposdedoenc¸asno pul-mão’’.
‘‘Vaipropulmãoné,efuturamentecausaumproblema pulmonar’’.
‘‘Sim,prejuízodemaneirageral,podelevaradoenc¸as respiratórias’’.
‘‘Sim,podeterproblemasnospulmões’’.
‘‘Acho que tem, mas não sei exatamente o que pode acontecernão’’.
Porém,observou-se,naanálisedescritiva,queamaioria dos pais,59%,relatou nãosabero queé PTAe, pormeio daanálisedasrespostasdamesmaperguntaacima,foi pos-sívelconfirmarafaltadeinformac¸ãoemrelac¸ãoaotema. Amaioria apresentourespostassemelhantes,nãoacredita queseusfilhospoderiamsofreralgumprejuízorespiratório, fatoconstadonosdepoimentosabaixo:
‘‘Não,elesquasenãoficampertodemimequandoeu fumoficolonge’’.
‘‘Euemeumaridotentamosnãofumarpertodos meni-nos,entãoeuachoqueelesnãovãoterprejuízo’’. ‘‘Nos pulmões euacho que não pode acontecer nada. Achoquepodeteroutrosproblemas,masnopulmãoeu achoquenão’’.
‘‘Nos pulmõesdeleseuacho quenão,porque éo meu pulmãoquesofre’’.
‘‘Não,euachoquesóquemvai teralgumprejuízosão euemeumarido’’.
‘‘Não,euvejosónascaixinhasdecigarro,masagente nãopensaquepodeacontecer’’.
Quandoperguntados se em algum momento já tinham sidoorientadosarespeitodainfluênciadotabagismo pas-sivonasaúdedeseusfilhos,amaioriadospaisdissenunca terrecebidoqualquertipodeorientac¸ão,comasseguintes respostassemelhantes:
‘‘Não,eununcatinhaouvidofalarnesseassunto’’. ‘‘Não,ninguémnuncamefalounada’’.
‘‘Não,eununcatinhaouvidofalardofumopassivo’’. ‘‘Não.Primeiravezqueescutofalardisso’’.
Discussão
O tabagismo passivo consiste na exposic¸ão secundária à fumac¸adecigarroououtrosderivadosdotabacopor indi-víduos não fumantes, que convivem com fumantes em ambientes fechados. A preocupac¸ãodo tabagismo passivo
emcrianc¸astemefeitoemmaiorescalapelofatode esta-remdesenvolvendoseussistemascorporais,principalmente osistemarespiratórioimaturo,quepodesermaissensívela essaexposic¸ão.1,17-19
O ambiente dacrianc¸a,assim como o convívio com as pessoasadultas,podeexercerinfluênciaemseu desenvolvi-mento.Aoanalisarosresultadosdesteestudo,emrelac¸ão aotempodetabagismodospais,encontrou-seumamédiade 15,3anos.Similarmente,umapesquisaqueavalioua preva-lênciadesintomasrespiratóriosemcrianc¸aseadolescentes, com174pais,apontouque,emrelac¸ãoaotempode taba-gismo,46,5%dasmãese57,9%dospaisfumavamhavia14 anosoumais.Foidemonstradatambémforteassociac¸ãoda exposic¸ãodotabagismointradomiciliarcomofatorderisco parao desenvolvimentoe aumentodagravidade daasma emcrianc¸as.18-20
Quanto àquantidadedecigarros fumadosdiariamente, nesteestudoospaisfumavamumamédiade20,1 cigarros pordia.Umestudolongitudinalqueavaliouoaumentoda incidênciadeasmaemcrianc¸asdemãesfumantesmostrou que crianc¸ascujas mãesfumavam maisde meiomac¸o de cigarrospordia,principalmentenosprimeirosdoisanosde vida,tiveramcercadeduasvezesmaischancede desenvol-verasma.Essefatopodeestarassociadoaomaiorcontato damãecomacrianc¸anessafasedainfância.21Nopresente estudo,amédiadetempodeexposic¸ãodascrianc¸asaofumo passivofoide2,83horaspordia.Vennersetal.avaliaram 1.718 crianc¸as e adolescentese referiram haveruma dis-cretarelac¸ãoentreotabagismopaternocomodeclíniona func¸ãopulmonardecrianc¸astabagistaspassivas.22
Aexposic¸ãoàPTAestáassociadaàelevadamorbidadee mortalidadeemcrianc¸asdebaixaidade.Asaúdedacrianc¸a é especialmente vulnerável ao risco dessa exposic¸ão, incluindo infecc¸ões respiratórias superiores e inferiores. Umapesquisaqueavaliouaexposic¸ãodacrianc¸aàfumac¸a dotabaco e sua relac¸ãocom o desenvolvimentoda asma apontou que o equilíbrio oxidativo/antioxidativo pendeu fortementeparaoladooxidativoempré-escolares fuman-tes passivos, com o desenvolvimentode infecc¸õesagudas e crônicas de ouvido, exacerbac¸ão da asma, alterac¸ões no neurodesenvolvimento, problemas comportamentais e diminuic¸ãonorendimentoescolar.Osradicaislivres origi-nados da fumac¸a de cigarro são considerados uma causa importantedeaterosclerosee câncere têmacapacidade deinduzirdiretaeindiretamenteoestresseoxidativo.19,23
Estudofeitocomcrianc¸ascomsintomasdeasma apon-taram que 60% dos pais tinham menos de cinco anos de escolaridade. Pesquisa que analisou as diferenc¸as na prevalência de fumantes entre estratos socioeconômicos constatouqueentrehomensanalfabetosoucommenosde quatro anosdeestudo formalaprevalênciadetabagismo atingiu48,6%.Outrosestudostambémconstataramquenos domicíliosondeospaistinhammenorescolaridadeeramaior aocorrênciadetabagismo.24-28
Quando avaliada a renda familiar, o presente estudo apresentou uma médiade aproximadamente dois salários mínimos. Estudos que consideraram a estratificac¸ão da populac¸ãopor faixasderenda eocupac¸ãorevelaram con-sumo mais elevado de cigarros, de duas a três vezes, em grupos com piores condic¸ões sociais e econômicas. É importante questionar por que os pais com menor nível socioeconômicosãoosquemaisfumam.Otabagismopode
representar uma resposta ao estresse e às dificuldades associadas com a vida em um ambiente economicamente desprovido.29
Quando perguntado aos pais se eles tinham conheci-mento sobre a influência do tabagismo passivo na saúde respiratóriadosseusfilhos,amaioriarelatouacreditarque seusfilhos nãopoderiam teralgum prejuízo, nemmesmo nasaúderespiratória.Outrospaisrelataramacreditarque poderãoterapenasproblemasrespiratórios.Issomostraque ospaisapresentamumacarênciadeinformac¸ãoarespeito dasconsequênciasqueafumac¸a docigarro podegerarna saúdedascrianc¸as,frequentementevitimadaspela ignorân-ciaenegligênciadeadultosfumantes.Estudoscomprovam que a fumac¸a do tabaco gera impactos diretos e indire-tos sobre a saúde geral da crianc¸a. Algumas delas, filhas de pais fumantes, apresentam fatores associados a difi-culdades de aprendizagem e linguagem e problemas de comportamento.30 No presente estudo alguns pais relata-ram que nãotiveraminformac¸ãoa respeito dotabagismo passivo. Se as informac¸ões não chegam às camadas mais pobresemenosinformadasdeumasociedade,ascrianc¸as combaixopadrãosocioeconômicoestarãomaisvulneráveis aosefeitosdeletériosdaPTA.Comisso,essascrianc¸astêm mais chance de se tornar fumantes ativas e de adquirir doenc¸asrespiratóriase dar continuidade aociclo familiar tabagista.31
Os esforc¸os para evitar morbidade e mortalidade pre-maturadependemdeprogramasdeprevenc¸ão,políticasde protec¸ãocontrao tabaco,contraaexposic¸ãoaotabacoe eficazesprogramasdecessac¸ão.Acessac¸ãocontribuipara reduziracargadedoenc¸asprovocadaspelotabagismo,por causa dos benefícios imediatos para a saúde do fumante e das pessoas que convivemcom o fumante. No entanto, paramuitosfumantes,acessac¸ãopermaneceumameta dis-tante.Amudanc¸adecomportamentopoderáocorrerquando amotivac¸ãoparaacessac¸ãoforalterada,poisháuma igno-rânciacomumsobreamagnitudedosdanosdotabaco,em combinac¸ãocomatendênciadosfumantesasubestimarem seuriscopessoal.Aestratégiadeabordagemdospaissendo apromoc¸ãodasaúdedosfilhosexpostosàfumac¸adotabaco, em vez do risco pessoal, pode ser particularmenteeficaz quando o fumanteconsideraque a saúde dacrianc¸a terá váriosbenefícios.32,33
Pais e os professores são modelos de comportamento duranteainfância.Paisfumantessãofortesexemplospara que seusfilhos fumem,o que, alémde torná-los tabagis-tas passivos, pode influenciá-los a um envolvimento com o tabagismo ativo ainda na menor idade e acarretar-lhes sérios problemas de saúde. É importante o desenvolvi-mentodeac¸õesquelevemafamíliae aescolaaproduzir ac¸õespreventivasrelacionadasaoconsumodederivadosdo tabaco.
Valeressaltaradificuldadederecrutarpaisquese volun-tariassemaparticipar dapesquisa ouquecomparecessem às reuniões escolares, da mesma forma que houve uma limitac¸ãoimportantedeoutrasescolasqueabrissemas por-tasparaessetipo deabordagem,oque acaboulimitando o número da amostra. Uma fragilidade importante deste estudo é o fato de representar umapopulac¸ão específica e limitada a umaregião geográfica (sete escolas públicas de Anápolis, GO), cujos resultados não necessariamente seaplicam aoutrasregiõesdo país.Apontam, contudo,a
necessidade demaispesquisasque explorem a percepc¸ão dospais,umavezqueseobservouescassezdepublicac¸ões arespeitodotema.
Conclui-sequeháexposic¸ãodascrianc¸asàpoluic¸ão taba-gísticaambientalnodomicílio,oqueficouevidentepormeio dosdados,dotempodetabagismo edamédiadecigarros fumadospordia.Entretanto,percebeu-seumacarênciano conhecimento dos pais a respeito dapoluic¸ão tabagística ambiental,dotabagismopassivoedosmalesqueocigarro podecausarnasaúdedosfilhos.
Financiamento
Fundac¸ão NacionaldeDesenvolvimentodoEnsinoSuperior Particular(Funadesp),n◦ 3500655---IC13.01.13.
Conflitos
de
interesse
Osautoresdeclaramnãohaverconflitosdeinteresse.
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