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Título: O jogo de capoeira: padrões de ocupação do MST baiano nos governos Jaques Wagner ( )

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Academic year: 2021

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Título:

O jogo de capoeira: padrões de ocupação do MST baiano nos governos Jaques Wagner (2006-2014)

ST10 - Movimentos Sociais, Protestos Políticos e Ativismos: abordagens analíticas e estudos empíricos

Marina Ferreira de Araujo Fernandes (IPOL-UnB)

IV Encontro Internacional Participação, Democracia e Políticas Públicas; 10 a 13/09/2019, UFRGS, Porto Alegre (RS)

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RESUMO:

Debruça-se este artigo sobre os padrões de interação entre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra na Bahia e os Governos de Jaques Wagner (2006-2014). A indicação de Valmir Assunção, principal líder sem-terra da região, à direção da Secretaria de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza do governo petista recém eleito é fato inédito na política brasileira, na medida em que revela não apenas a singularidade do MST baiano, em comparação com a ética conflitiva da organização a nível nacional, quanto a disposição do Governo Wagner em incluir os sem-terra no alto escalão de seu Governo. Analisa-se, a partir disso, como se manifesta o principal repertório de ação do MST, as ocupações, nesse contexto de intimidade institucional. Os repertórios sem-terra durante o Governo Wagner apresentam uma relevante contribuição para a teoria democrática, ao romper a dicotomia entre consenso e conflito na relação entre ação coletiva e Estado.

Palavras-Chave: Movimento Social; MST; Participação Institucional; Repertório de Ocupação

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INTRODUÇÃO

Este artigo pretende analisar os repertórios de ocupação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra baiano nos Governos Jaques Wagner (2006-2014). O MST desde a sua fundação no extremo-sul baiano, em 1987, ergue-se em defesa de um projeto político de vinculação institucional. Se por um lado a ética conflitiva dos sem-terra a nível nacional revela uma atitude misantropa em relação à disputa da arena estatal, por outro a singularidade baiana reside justamente na ideia de que cabia ao campesinato, também, ocupar o Estado. O MST baiano nasce envolto a ocupações disruptivas de terra, mas amplia sua visão da vida política e aventura-se rumo à institucionalidade.

Em 2006 este projeto atinge seu êxtase quando Valmir Assunção, principal líder sem-terra da região, é convidado pelo recém-eleito Governador da Bahia, Jaques Wagner, a chefiar a Secretaria de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza (SEDES). Trata-se, este também, de um feito inédito da política brasileira. Ainda que em outras regiões do país tenha havido articulações entre MST e Governo, a exemplo do Rio Grande do Sul de Olívio Dutra, a singularidade de Wagner reside no fato de que nunca antes na história desse país um sem-terra fora convidado a compor o alto comando do Governo estadual. A fronteira havia sido ultrapassada.

A permeabilidade entre o MST baiano e os Governos Wagner estimula a reconfiguração da própria maneira como comportam-se a ação coletiva e o Estado. Será preciso analisar como atua o MST em um contexto de extrema vinculação institucional. O foco crucial deste artigo, portanto, reside em identificar e analisar como o principal repertório de ação campesino, as ocupações, se manifestam em um contexto de intimidade com a arena institucional: este é, portanto, um trabalho voltado à ação coletiva e seus repertórios.

O texto aborda duas ocupações promovidas pelo MST baiano: a ocupação da Secretaria de Agricultura do Governo da Bahia em 2011 e a ocupação da Secretaria de Segurança Pública em 2013. Estas ocupações foram tratadas como ideais- típicas, na medida em que condensam e revelam a própria dinâmica de interação entre a ação coletiva e o Estado.

O argumento central deste artigo reside na ideia de que não é possível classificar de forma essencialista os repertórios de ação: um mesmo repertório apresenta múltiplos

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e contingentes significados. O repertório de ocupação baiano questiona a ideia de que, necessariamente, ações diretas como passeatas, barricadas, piquetes, ocupações de terras e imóveis ociosos, ocupações em edifícios públicos, dentre outras, possuem uma diferença importante em relação à atuação por dentro das instituições: seu caráter disruptivo (TRINDADE, 2015). O consenso e o conflito coexistem em um mesmo repertório.

Esse padrão de interação coloca em xeque as abordagens teóricas que posicionam, de um lado o movimento social desafiante, e de outro, o Estado desafiado. Há uma rede de articulações contingentes que permite a crítica do modelo teórico que separa radicalmente a sociedade civil da sociedade política, construindo uma dicotomia simbólica (DAGNINO, OLVERA e PANFICH, 2002). Não se trata, portanto, de abordar a participação política institucional como reino do consenso – tratado por parte da literatura como consenso participativo- nem tampouco arguir que os repertórios considerados disruptivos necessariamente expressam e revelam conflitos. A contribuição do MST baiano reside justamente no questionamento à dicotomia entre consenso e conflito erguida pelo campo de estudos sobre ação coletiva e Estado.

Este artigo ilustra a relação entre MST baiano e Governo Jaques Wagner através de sua comparação metafórica com um jogo de capoeira. As ocupações da SEAGRI e da SSP agem com malícia, como uma roda de capoeira. A retidão e inflexibilidade das formas de luta tradicionais é substituída pela ginga, pelo movimento que se faz com os pés, cabeça e tronco, não mais tão somente com as mãos. Não há na capoeira, nem no repertório de ação do MST baiano frente ao governo Wagner, a rígida dualidade que cinde o mundo entre consenso ou conflito: é, portanto, dança e luta em um só movimento.

Tratam-se de performances coletivas cujo equilíbrio instável é desenhado entre a tradição e o improviso, através da interpretação de papéis em um cenário montado. As ocupações da SEAGRI e da SSP sondam o adversário, e na movimentação arguta com golpes rasteiros e inesperados, o atinge. No jogo de capoeira, a indefinição das intenções e das ações é uma qualidade cultivada, progressivamente refinada e enriquecida de novos artifícios (ZONZON, 2014) A capoeira e o repertório de ocupação dissimulam, jogam com malícia, compreendida como arte do disfarce ou “faz de conta”, que situa o conjunto do jogo da capoeira em um universo caracterizado pela

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ambiguidade (ZONZON, 2014), que permite ao jogador defender-se das perseguições usando da capoeira, ora para ficar despercebido, ora como técnica de combate.

A análise dessas ocupações exigiu a execução de uma metodologia multiforme. Foi necessário voltar-se ao ponto de vista dos principais atores envolvidos nesta interação, através da realização de entrevistas semi-estruturadas. Valmir Assunção, líder do MST, Jaques Wagner, à época Governador do Estado e Cézar Lisboa, Secretário de Relações Institucionais do Governo da Bahia entre 2007 e 2014, foram os três entrevistados-chave deste trabalho. Estas entrevistas foram realizadas entre abril e novembro de 2018.

As entrevistas realizadas esbarraram na própria singularidade do MST baiano em sua relação com o Governo Wagner. A ocupação da SEAGRI revela de tal forma a rede de colaboração entre ação coletiva e Estado que em nenhuma das entrevistas realizadas foi possível destrinchar com mais acuidade essa ocupação. Trata-se quase de uma „não questão‟ para os atores envolvidos.

Assim, foi necessário realizar uma análise de conteúdo das principais matérias do Jornal A Tarde sobre as jornadas de lutas do MST baiano em abril de 2011 (ocupação da SEAGRI) e setembro de 2013 (ocupação da SSP). A base de dados em abril de 2011 contém 36 reportagens que em sua maioria aborda a referida ocupação, e a de setembro de 2013 contém 12 matérias. Foram escolhidas para análise as matérias que se destacam por apresentar detalhadamente a dinâmica da ocupação, as reinvindicações do MST, as posições dos sujeitos do movimento social e do Governo envolvidos na situação.A escolha do jornal A Tarde ocorre, em primeira instância, por se tratar do periódico diário de maior circulação da Bahia.

Esse artigo está organizado em três partes. Em um primeiro momento argumenta-se sobre a singularidade do MST baiano em relação á ética conflitiva da organização a nível nacional. Esse processo culmina com a escolha de Valmir Assunção para chefiar a SEDES em 2006 e assim, no segundo momento, será preciso analisar o repertório de ocupação do MST baiano neste período, através da análise das ocupações da SEAGRI em 2011 e da SSP em 2013. Por fim, será debatida a contribuição destas ocupações para o campo dos estudos sobre a interação entre ação coletiva e Estado.

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ÉTICA CONFLITIVA E SINGULARIDADE BAIANA

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra não é o primeiro movimento de luta pela terra (COMPARATO, 2001), mas é o primeiro a consolidar-se nacionalmente e que persiste nas lutas agrárias há mais de 30 anos: o MST é fruto do processo histórico de resistência do campesinato1 brasileiro. É, portanto, parte e continuação da história da luta pela terra (FERNANDES, 2000). Trata-se o MST do movimento social mais forte do país (BRINGEL,2006).

O processo de gestação do MST remonta ás ocupações de terra no norte do Rio Grande do Sul, entre 1979 e 1985. A ocupação das glebas Macali e Brilhante, após intensos conflitos com o governador do Estado inaugura a gênese do MST no sul do país. Ao reprimir a luta pela terra e não realizar a reforma agrária, os governos militares tentaram restringir o avanço do movimento camponês2 (FERNANDES, 2000). No entanto, por causa da repressão política e da expropriação resultante do modelo econômico, nasceu um novo movimento camponês na história da formação camponesa no Brasil. (FERNANDES, 2000).

O acampamento da Encruzilhada Natalino, erguido no noroeste do Rio Grande do Sul em dezembro de 1980, é marco central da trajetória de conformação do MST. Esse confronto tem um caráter histórico, em que a encruzilhada se tornaria o espaço político onde se encontram os sem-terra e os governos estadual e federal (FERNANDES, 2000), momento no qual o sujeito sem-terra, ao questionar e resistir à ordem latifundista no Brasil, articula-se para desenhar formas de ação coletivas sólidas de luta pela terra.

De 1979 a 1984 aconteceu o processo de gestação do MST (FERNANDES, 2000), filho legítimo das ocupações de terra no sul do país. Em 1984, na cidade de Cascavel no Paraná, funda-se oficialmente o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e no seu primeiro Congresso Nacional, realizado em 1985, manifesta-se o vínculo intrínseco entre o MST e a construção democrática no Brasil, através não somente da defesa de que “sem reforma agrária não há democracia”, mas sobretudo pela

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Para alguns autores (WOORTMAAN, 1991; WANDERLEY, 2005), não seria necessariamente a condição material definidora do camponês, mas sim uma ética, um sistema de valores, subjacente à sua forma de se perceber no mundo. Assim, assume-se o conceito de campesinato a partir da compreensão de uma ética camponesa que apresenta terra, trabalho e família como valores morais e categorias intimamente relacionadas entre si e tem como princípios norteadores a honra, a hierarquia e a reciprocidade.(CARDEL, L. e OLIVEIRA, R., 2013)

2 O campesinato brasileiro é um campesinato que quer entrar na terra, que, ao ser expulso, com frequência à terra retorna, mesmo que seja terra distante de onde saiu (MARTINS, p.16, 1981, apud FERNANDES, p. 44, 2000)

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interpretação formal de que “ocupação é a única solução”, conforme revelam seus documentos oficiais.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra nasce sob três pilares: a luta pela terra, a luta pela reforma agrária e em defesa de transformações sociais e políticas no país. A defesa de uma reforma agrária clássica, baseada na distribuição da propriedade da terra e da democratização da estrutura fundiária era eixo basilar de sua intersubjetividade compartilhada.

Destarte, os repertórios de interação entre os movimentos sociais rurais e a arena estatal no Brasil tem apresentado uma tradição histórica guiada sob a lógica da política do confronto não institucional. As identidades e solidariedades compartilhadas e tipologias de protesto privilegiadas pelo MST, permitem não somente que se coloque em causa a ordem latifundista, como instituem as ações disruptivas como principal escolha do repertório de ação.

A ética conflitiva do MST se manifesta não apenas pela crítica à concentração de terras, como também pela compreensão de que repertórios de ação extrainstitucionais, como a ocupação, esculpem e fortalecem a ordem democrática. A ocupação é o que deu vida pela terra. Sem ocupação, o MST não nasceria e sem ela morre (FERNANDES e STÉDILE, 1999). O MST quem mais promoveu ocupações de terra no período pós-regime militar, respondendo por 3.844 ações (45% do total), o que demonstra a sua importância para a popularização e disseminação deste repertório (ARAUJO, 2015)

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), desde sua gênese, tem sido a principal organização no desenvolvimento dessa forma de luta. É impossível compreender a sua formação sem entender a ocupação de terra. O MST nasceu da ocupação de terra e a reprod uz nos processos de espacialização e territorialização da luta pela terra. Em cada estado onde iniciou a sua organização, o fato que registrou o seu princípio foi a ocupação. (FERNANDES, p. 8, 2000)

O padrão de interação entre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e o Estado, é guiado por uma lógica explicitamente contenciosa. O privilégio das ocupações de terra, enquanto a maior parte dos movimentos sociais no Brasil experimenta a democracia através de espaços institucionalizados, faz do MST um movimento social inovador, pois privilegia arenas de conflito para além da arquitetura

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institucional participativa. As ocupações de terra compõem a trajetória do universo camponês.

A ocupação de terra constitui-se como principal repertório de ação do campesinato brasileiro: há uma íntima relação entre ocupação e identidade sem-terra. Trata-se de um repertório campesino por excelência.3 A ocupação, como forma de luta, não é algo novo no cenário da luta pela terra no Brasil e é empregada desde, pelo menos, os anos de 1960 (ARAUJO, 2015)4. É o tipo ideal de repertório mobilizado pelo campesinato brasileiro, e apresenta múltiplas configurações no decurso do tempo e dos diferentes contextos. Trata-se de um repertório polissêmico.A ocupação é, portanto, uma forma de recriação e reafirmação das identidades campesinas, descortina situações e revela conflitos. A ocupação é uma performance que imputa ao Estado o papel do “outro” a ser desafiado.

Essa lógica conflitiva encontra na Bahia um contexto singular. Se por um lado, o MST ergueu-se nacionalmente ao valorizar o conflito explícito e o privilégio de repertórios extrainstitucionais durante a Nova República, por outro, a situação baiana apresenta uma proximidade de vínculos entre o sistema político e o MST. Na Bahia o Movimento reinterpreta o padrão de interação com a arena do Estado, propondo-se, desde os seus primeiros momentos de vida, na década de 1980, à possibilidade de ultrapassar a fronteira rumo à esfera estatal.

O MST na Bahia, primeiro a desenvolver-se no nordeste brasileiro, nasce em 1987, a partir da ocupação da Fazenda 4045 no município de Alcobaça, extremo-sul baiano. Trata-se de um ciclo de confrontos com os latinfundiários vinculados ao eucalipto e que, pouco a pouco, esculpe a formação do movimento na região. Importante destacar que já em 1988 o MST opta por lançar a candidatura de Rubneuza Leandro, membro do movimento, à prefeitura de Itamaraju. Trata-se de um fato inédito no contexto geral do MST brasileiro.

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A ocupação é uma realidade determinadora, é espaço-tempo que estabelece uma cisão entre latifúndio e assentamento e entre o passado e o futuro. Nesse sentido, para os sem terra, a ocupação, como espaço de luta e resistência, representa a fronteira entre o sonho e a realidade, que é construída no enfrentamento com os latifundiários e o Estado (FERNANDES, p. 17, 2000)

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As Ligas Camponesas, organização fundada em 1945 no nordeste brasileiro e aniquilada a partir do golpe militar de 1964 é exemplo clássico da prevalência das ocupações de terra como principal repertório mobilizado pelo campesinato brasileiro. A atuação das Ligas era definida na luta ela reforma agrária radical, para acabar com o monopólio de classe sobre a terra. Em suas ações, os camponeses resistiam na terra e passaram a realizar ocupações. (FERNANDES, p.30, 2000)

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Vale destacar que inda que tenha surgido de um ciclo de confrontos intimamente vinculado a práticas disruptivas no extremo-sul baiano, a ocupação adquiriu novos contornos no contexto estadual da Bahia. Já em sua fundação era vista com desconfiança por parte dos sem-terra baianos, considerada “sulista” e “autoritária”, conforme aponta Reis (2014). Há, com isso, uma reinterpretação baiana do caráter da performance coletiva.

O período de conformação inicial do Movimento dos Trabalhadores Rurais na Bahia, entre 1987 e 1996, apresenta ao mesmo tempo a explosão e a promoção das ocupações de terra e o germe da construção de um caminho rumo à participação institucional. A candidatura de Rubneuza Leandro à prefeitura de Itamaraju, já em 1988, demonstra não apenas o desejo de apresentar o MST à sociedade baiana, como também revela a compreensão de que a arena do Estado poderia ser o lócus de defesa do sem-terra diante de um cenário em que reina o conflito.

Se por um lado cresciam as ocupações de terra e consolidava-se o movimento, por outro, o contexto cada vez mais delineava-se inóspito ao sujeito sem- terra baiano, organizado em torno do MST.O contexto de repressão5 ao sujeito sem-terra do extremo-sul baiano contribuiu para a conformação da singular interpretação que o MST da região construiu sobre a inserção do movimento social na dinâmica institucional. A reação baiana diante do conflito explícito é distinta daquela erguida no sul do país: a aproximação institucional é interpretada criativamente como uma forma de proteção do sujeito sem-terra. Sobre esta questão, afirma Valmir Assunção em entrevista concedida em 23 de abril de 2018:

Primeiro eu participei da primeira ocupação que nós fizemos na Bahia que foi dia 7 de setembro de 1987 em Alcobaça. Somos os fundadores do Movimento Sem Terra na Bahia. Mas ao mesmo tempo, aqui na Bahia a dificuldade sempre foi a perseguição por parte da polícia e muitas vezes por parte do poder judiciário, com relação às ocupaç ões de terra. Porque pra um juiz dar reintegração de posses muitas vezes não precisava nem uma notícia formalizada pra poder dar a reintegração de posse contra o sem-terra. Então nós tivemos ao longo da nossa história um enfrentamento muito grande e foi justamente

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O despejo da ocupação da Fazenda Bela Vista em Itamaraju, 1988, é descrito por Fabya Reis (2012) como um dos maios violentos à época, no nordeste brasileiro.

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enfrentando o Estado brasileiro e ao mesmo tempo a polícia e parte do poder judiciário, nós chegamos à conclusão de que era preciso nós ter uma participação na institucionalidade. E me lembro que quando o primeiro debate que nós fizemos no movimen to, o movimento não tinha...é...uma compreensão de que era importante ter deputado estadual, ter vereador, prefeito, nós sempre acreditamos que a luta do movimento social, ou seja, a luta pela reforma agrária através das ocupações, das caminhadas por si só não resolvia as questões. Nós chegamos num período que identificamos que num dava também pra gente caminhar, ocupar e depois deixar a nossa base, os nossos militantes, dirigentes, votarem em quem quer que seja (Entrevista, 23 de abril de 2018).

O incentivo à participação institucional nasce desde a fundação no MST baiano. Trata-se de uma experiência singular na medida em que, ironicamente, a necessidade de ultrapassar a fronteira e ocupar o Estado surge justamente de uma tentativa inicial de proteger o sem-terra dos perigos e perseguições das milícias e dos agentes do Estado, recorrendo então ao próprio Estado. A participação institucional é interpretada, conforme nota-se no trecho da entrevista de Valmir Assunção, como um mecanismo de salvaguarda diante de um contexto inóspito ao camponês baiano. O Estado é, ao mesmo tempo, visto como aquele que reprime e que oferece canais de proteção.

O MST manifesta, com isso, a sua interpretação de que a luta pela reforma agrária exigia um repertório multiforme, que transcenda as ocupações de terra, através da amálgama entre práticas extra e intra- institucionais. Se por um lado, a tradição do MST do sul do país nasce da desconfiança com a arena do Estado, por outro, na Bahia, o processo parece ter sido o inverso: o MST baiano suspeita do Estado e justamente por isso decide ocupa-lo. A participação institucional é evocada tendo em vista três elementos: a proteção por dentro do Estado contra os perigos do próprio Estado, a garantia do andamento de suas demandas através da construção de um repertório multiforme e a construção de uma legitimidade social na Bahia.

O MST baiano constrói-se, portanto, na contramão da lógica conflitiva extrainstitucional erguida a nível nacional. Não se trata de um tropeço ao acaso no sistema político, mas uma intersubjetividade compartilhada consolidada do ponto de vista programático: a participação institucional é um paradigma norteador do MST

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baiano desde a sua fundação. Conforme Fabya Reis (2014) a experiência do MST na Bahia é um lócus adequado para a realização da reflexão acerca da construção da representação política no posto que, desde o início, o MST nesse estado conjugou ações diretas e participação no campo político institucionalizado.

A participação institucional como observado anteriormente, não é uma exclusividade do MST da Bahia com a criação de vínculos relevantes em determinadas regiões do país, a exemplo do Rio Grande do Sul e de Sergipe6. A distância em relação ás experiências gaúcha e sergipana no entanto, reside na interpretação programática da participação na “trincheira do Estado”, como costumam se referir à arena institucional membros do MST baiano, como elemento central e norteador de sua ética desde a sua fundação.

Há, no entanto, uma singularidade ética do MST baiano. Ainda que em diversos municípios e mesmo na esfera estadual das variadas regiões do país, militantes do MST tenham optado por concorrer a cargos eletivos, o MST da Bahia distingue-se pelo princípio de que ocupar o Estado é fundamental para o seu projeto político. A candidatura, já em 1988, de Rubneuza Leandro à prefeitura de Itamaraju é um forte sintoma dessa forma de atuação.

A marca do MST baiano reside na sua singularidade ética: a conformação da ação emerge da amálgama entre tradicionalismo e criatividade. Se por um lado qualquer manifestação de comportamento conjunto, seja recém- formado ou há muito existente, surge de um alicerce proporcionado pelas ações anteriores (BLUMER, 1969), por outro, novos significados e tipos de ação tendem a emergir do dinâmico processo social. O

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É importante mencionar ainda que, se a decisão de participar da organização partidária e disputar cargos eletivos orientada por uma estratégia da direção estadual do MST-Ba se constitui uma particularidade, contudo, a participação de lideranças oriundas do MST na política partidária e nos processos ele itorais não é uma prática recente, nem particular da Bahia. O estado do Rio Grande do Sul já havia saído na frente, quando elegeu um militante do MST da comunidade de Annoni ao cargo de prefeito do Município de Pontão em 1996, o qual foi reeleito em 2000. Do mesmo modo, naquele estado já havia um representante na Câmara Federal – o deputado federal Adão Pretto, reeleito por quatro mandatos. O estado de Sergipe também indicou seu membro nas eleições de 2010 a deputado estadual, o militante João Daniel – que foi por 10 anos da direção nacional –, sendo o mais votado do PT em Sergipe. Assim, a particularidade se revela apenas em método de decisão e a afirmação da decisão da direção do MST -Ba como elemento estratégico. (REIS, p. 145, 2012)

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MST baiano inaugura, com isso, um padrão de interação diferenciado com a arena estatal.

O MST nacional, conhecido pela valorização do conflito explícito é surpreendido por uma tradição baiana pautada na colaboração. Conforme afirma Valmir Assunção, em entrevista concedida em 23 de abril de 2018, “e, outro aspecto, nós somos um movimento de muito diálogo, entre outras organizações, que tem muito estado que é muito fechado, e nós temos muito diálogo com outras organizações da sociedade”. O diálogo é a categoria preferida do MST baiano.

ENTRE A DANÇA E A LUTA: REPERTÓRIOS DE OCUPAÇÃO DO MST BAIANO NOS GOVERNOS JAQUES WAGNER (2006-2014)

A caminhada rumo à arena institucional construída pelo MST baiano desde a sua fundação e aprofundada entre os anos de 1990 e início dos anos 2000, chega ao seu ápice quando Valmir Assunção, dirigente histórico do MST na região, é convidado por Jaques Wagner a coordenar a Secretaria de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza (SEDES) de seu governo.

O ano de 2006 é marco significativo da caminhada rumo à arena institucional construída pelo MST baiano. Quando o movimento é convidado a dirigir a Secretaria de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza do Governo Jaques Wagner, através do seu principal dirigente, Valmir Assunção. A fronteira havia sido definitivamente ultrapassada.

Trata-se de um fato inédito na política brasileira. Ainda que militantes dos movimentos sociais já tenham sido convidados a compor a arena do Estado, sobretudo a partir da chegada do Partido dos Trabalhadores ao Governo Federal em 2002, conforme demonstram Abers e Von Bulow (2011), e mesmo em contextos estaduais anteriores, a exemplo do governo de Olívio Dutra no Rio Grande do Sul (1999-2002)7, a experiência do Governo Wagner é ímpar na medida em que o principal líder sem-terra da Bahia assume um dos postos de comando mais altos da máquina institucional do governo estadual.

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Frei Sergio Gorgen e Antônio Maragon foram coordenadores do Departamento de Desenvolvimento Rural e Reforma Agrária- órgão vinculado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento, dirigida por José Hermeto Hoffmann, um funcionário de carreira da SAA, assessor parlamentar da b ancada do PT na Assembleia Legislativa membro do PT no Rio Grande do Sul de Olívio Dutra.

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Valmir Assunção permanece como secretário da SEDES de 2007 a 2010, ano em que decide candidatar-se ao cargo de deputado federal. Em 2010, foi eleito a deputado federal na quarta posição dos eleitos do PT na Bahia, consolidando uma longa trajetória de participação de construção pela representação do MST nos espaços políticos (REIS, 2014). Vera Lucia Barbosa, a “Lucinha do MST”, dirigente da organização na Bahia, assume a direção da Secretaria de Política para Mulheres do Governo da Bahia em 2011.

A saída de Valmir Assunção da SEDES para concorrer à deputado federal, portanto, não significou a retirada do MST do alto comando do governo. Ao contrário: a sua entrada no Governo da Bahia inaugurou um padrão de interação que incorpora os membros do MST no arranjo institucional.8 Vera Lúcia foi a primeira mulher do Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra a assumir um cargo de primeiro escalão no governo baiano (REIS, 2014). Sua participação na esfera estatal é interpretada pelo MST como uma continuação da presença campesina neste espaço, ou seja, Vera Lucia não apenas reforça o caráter simbólico desta presença institucional, mas revela que tanto o MST como Wagner desejavam cristalizar esta interação institucional.

Há um encaixe entre o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra baiano e os Governos petistas na Bahia: se por um lado inaugura Wagner um padrão de interação que estimula a vinculação dos movimentos sociais com a arena estatal, por outro, o MST desde a sua fundação na região constrói um projeto político de participação institucional. Os dois atores encontram-se na valorização da categoria „diálogo‟.

Faz-se fundamental, com isso, compreender o que significou para o MST essa vinculação institucional composição do alto comando do Governo da Bahia. Analisar a dinâmica do movimento social durante a sua participação na gestão do governo significa voltar-se à sua atuação prática e assim interpretar o seu mais tradicional repertório de ação. Vale questionar: de que forma apresentou-se o principal repertório campesino, a ocupação, neste período? Ou seja: o que significou protestar em contextos que o “outro” desafiado é altamente imiscuído do “eu” desafiante?

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O governo Rui Costa (PT), sucessor de Wagner no governo estadual mantém essa tradição: em 2015 a própria Lucinha assume a Secretaria de Promoção da Igualdade Rac ial (SEPROMI), e é substituída no ano seguinte pela doutora em ciências sociais e militante do MST baiano, Fabya Reis.

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Destarte, será preciso traçar tipos ideais de ocupação no período Wagner. Em um primeiro momento será analisada a ocupação da Secretaria de Agricultura, em 2011. Essa ocupação manifesta um consenso tal entre MST e governo que seu próprio funcionamento é assegurado pelo Estado, através da doação de grande quantidade de carnes, instalação de banheiros químicos e estrutura necessária para que a ocupação ocorresse. Um repertório absolutamente disruptivo é envolvido no véu da colaboração estatal.

Em um segundo momento, deverá ser interpretada a ocupação da Secretaria de Segurança Pública, em 2013. Essa ocupação, ao contrário da primeira, revela uma disritmia tal entre MST e Governo Wagner que, ao tentar realizar a ocupação, os sem-terra são recebidos a tiro pelo subsecretario do órgão. O conflito é explícito e se dá literalmente dentro do Estado, na própria sede da secretaria. Tratam-se, portanto, de duas ocupações absolutamente distintas, mas que revelam a tênue linha entre consenso e conflito da dinâmica política baiana.

Repertórios de ocupação em 2011

A ocupação da Secretaria de Agricultura do Governo do Estado está inserida na jornada de lutas do Abril Vermelho, período em que os sem-terra no Brasil intensificam as suas ações em todo o território nacional. Ao passo que na Bahia há uma série de ocupações de terra por todo o estado, por outro, sua principal ocupação é a sede da SEAGRI. Segue matéria do Jornal A Tarde do dia 12 de abril de 2011.

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A matéria, datada de 12 de abril de 2011, é a primeira da série de reportagens que abordam a ocupação da SEAGRI, por cerca de 3.000 sem-terra. Inserida na seção “Política”, a reportagem atribui um valor negativo e condenável à interação entre o MST e o Governo do Estado, que reagiu não apenas de forma não-violenta, mas contribuiu para o andamento da ocupação, através da doação de carnes e instalação de banheiros químicos. A ausência do “conflito” como categoria central de análise é um fato inédito.

As narrativas e reivindicações do MST nesta ocupação, inserida no Abril Vermelho, situam-se no campo da consolidação dos assentamentos existentes. Demandas referentes à “agilidade no processo de reforma agrária”, “crítica à burocracia da regularização de terras para pequenos agricultores”, “instalações de escolas nos assentamentos” e “estradas” dão o tom dos compromissos coletivos firmados pelo MST. Nota-se que essas reivindicações acompanham o contexto de defesa da “reforma agrária ampla” - marcada pela coexistência de formas de democratização e desapropriação de terras públicas, fortalecimento dos programas de crédito e aprimoramento da regularização fundiária e titulação quilombola.

Se por um lado, a reportagem aponta a realização das 36 ocupações de fazendas, localizadas em sua maioria no Extremo-Sul baiano, por outro, não há dúvida de que “a estada na capital baiana”, é a principal ação do Abril Vermelho deste ano, e a que mais recebe atenção midiática. O enquadramento acontece onde há relação explícita de intimidade entre o Governo e o MST.

Em entrevista concedida em 23 de novembro de 2018, Cezar Lisboa, à época secretário da SERIN do Governo Wagner afirma que “todas as vezes que o movimento veio a gente criou condições para que eles pudessem ficar aqui. Não só eles, mas os outros movimentos, uma condição minimamente digna, não deixar o pessoal numa situação difícil”. Ou seja, a violência dá lugar à colaboração.

O MST ultrapassa a fronteira rumo à arena estatal e com isso, reconfigura a própria relação entre o “outro” desafiado e o “eu” desafiante. O sem-terra não é mais o inimigo do Estado por excelência, mas um parceiro que deve ser tratado como tal. A postura do governo baiano, por sua vez, é um convite à colaboração.

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O império do consenso expresso na ocupação da SEAGRI em 2011, contudo, eclipsa as doses de conflito presentes no Abril Vermelho. Ao passo que a ocupação da SEAGRI revela a profunda colaboração entre as arenas, a performance do MST neste ano é repleta de eventos absolutamente contenciosos.

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O MST ginga com o governo, em um movimento que envolve uma isca de colaboração e um vasto leque de ocupações contenciosas. A partir disso, a onda de ocupações portaria-se como um convite dos sem-terra ao enfrentamento. Importante destacar que das 100 ocupações previstas em todo o país, 50 delas seriam organizadas em território baiano. A Bahia, portanto, era o palco principal do conflito fundiário em 2011. Além de ocupar a SEAGRI, o MST volta-se á órgãos federais, tal qual a CHESF,9, fazendas de posse de pessoas físicas, terras consideradas improdutivas e áreas ligadas ao agronegócio. Trata-se de um repertório absolutamente polissêmico.

Ainda que a ocupação da SEAGRI revele a intimidade e o consenso estabelecido entre o MST baiano e o governo Wagner, fato inédito da política brasileira, há uma pulsão conflitiva que permeia todo o Abril Vermelho de 2011. Um mesmo fenômeno possui em seu âmago bases de colaboração e conflito, assim colocando em questão qualquer sorte de análise que distancie rigidamente o consenso da contenda. MST e Wagner alternam momentos de extrema concórdia com lações de conflito: trata-se, portanto, de um padrão de interação cooperativo-conflituoso.

Repertórios de ocupação em 2013

A ocupação da sede da Secretaria de Segurança Pública do Governo do Estado da Bahia é episódio sintomático do conflito pulsante nas relações entre a ação coletiva baiana e a arena do Estado. A SSP assiste à contenda em sua forma mais visceral: o conflito entre MST e Governo Wagner se dá literalmente dentro do Estado.

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A Companhia Hidrelétrica do São Francisco é uma sociedade anônima de capital aberto que atua na geração e transmissão de energia em alta tensão, explorando a bacia hidrográfica do rio São Francisco.

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Fonte: Jornal A Tarde, dia 11 de setembro de 2013

A matéria do dia 11 de setembro de 2013, intitulada “MST invade SSP-BA e é contido à bala” aborda a „invasão‟ do movimento à sede da Secretaria de Segurança Pública do Governo da Bahia. Trata-se do ciclo de protestos construído pelo MST baiano para cobrar resultados das investigações do assassinato do líder sem-terra no município de Iguaí, Fabio Santos.

Importante destacar que a própria reinvindicação da ocupação está inserida na crítica ao excesso de conflito, perseguição e assassinatos aos camponeses baianos. Fabio Santos, um dos dirigentes do MST baiano é brutalmente assassinado mesmo em um contexto político que aparentemente é pincelado em torno de um consenso. Sua morte, portanto, é questionada através da exaltação de práticas contenciosas com a arena institucional. O conflito parece ter transbordado o pacto colaborativo e demonstra que é um elemento sempre presente quando se trata do sujeito sem-terra baiano.

A matéria do dia 11 de setembro de 2013 dá destaque à categoria “conflito”, assim trazendo à tona o padrão de relação do MST com os governos estaduais que precederam Jaques Wagner. Este parece ser o padrão esperado pelo Jornal A Tarde entre os dois atores. Há, portanto, uma distinção bastante nítida entre o “outro” desafiado e o “eu” desafiante. As fronteiras se enrijecem, e cada um posiciona-se de lados opostos da arena.

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A posição do Governador Jaques Wagner reforça a distância entre desafiantes e desafiados e nesse momento evoca o limite da relação: a permeabilidade entre as arenas não pressupõe a diluição de um ator pelo outro. Em entrevista concedida no dia 31 de outubro de 2018, ele afirma:

Então quando eles tentaram fazer aquela ocupação, não fui eu que dei a ordem...na Secretaria de Segurança Pública, era um absurdo. Não tinha nada a ver com uma ocupação de terra, não tinha nada a ver com uma ocupação do movimento deles. Se tivesse na SEAGRI...eles queriam subir e sentar na mesa do secretário de segurança. Aí é...na minha opinião foi falta de maturidade deles. Por sorte, o cara deu aquele tiro pra cima e aí todo mundo veio falar comigo: „já mandou embora?‟. Eu digo: „não vou mandar embora‟. „porque não vai mandar?, „ porque pruma situação excepcional, uma atitude excepcional‟. Cê imagina se ele cala a boca e os cara senta, e a foto...tava desmoralizado. Aí ia passar o contrário, o MST manda no governo. Nem eu mando neles, nem eles podem mandar no meu governo.” (Entrevista, dia 31 de outubro de 2018)

A relação entre Wagner e o MST é de tal sorte singular que há a preocupação da arena institucional em não ser tomada de assalto pela ação coletiva. O peso dos sem-terra é tão grande que Wagner é obrigado a evocar as fronteiras que demarcam a distância em relação ao MST afim de garantir integridade do Governo. É o Estado que resiste à força aglutinadora da ação coletiva. A arena institucional reconhece a influência recíproca ao mesmo tempo que aponta o limite da atuação da ação coletiva.

Assim, a tensão era elemento presente na relação do Governo Wagner com o MST, ainda que este movimento social estivesse presente na gestão do governo baiano. A ocupação da SSP, considerada absolutamente disruptiva, encontra na reação de Ari Pereira uma resposta também radical. Redes de colaboração e conflito andam juntas nesta experiência baiana. Sobre a ocupação, em 12 de setembro de 2013, afirmava Valmir Assunção:

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Fonte: Jornal A Tarde, 12 de setembro de 2013.

A boa relação entre MST e Wagner é, portanto, surpreendida tanto pela atitude radical do MST quanto pela própria reação violenta da SSP. Este é ponto central da posição de Valmir. Ainda que reconheça o caráter altamente conflitivo e violento do tiro emitido por Ari Pereira, ele faz questão de dissociar a figura de Wagner deste ato contencioso. Ao afirmar que „ele determina uma coisa e os secretários fazem outra‟, Assunção salvaguarda a figura do Governador. Mesmo que Wagner não tenha autorizado o tiro, o fato do principal líder sem-terra ter a preocupação em, no calor das emoções, evitar que o tiro também respingue em Wagner revela, ainda que discretamente, a relação de colaboração entre o MST e o Governo da Bahia.

Vale reforçar que, mesmo que afirme que o tiro foi uma decisão do próprio Ari Pereira, Jaques Wagner reafirma enfaticamente a sua posição de enfrentamento à postura do MST na ocupação da SSP: para ele o tiro foi uma reação excepcional necessária. Ou seja, ao passo que o Governador convida o MST á contenda, Valmir

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Assunção prefere apontar a violência do tiro única e exclusivamente ao subsecretário, e assim preservar Wagner. É como se não fosse responsabilidade do Governador, já não partiu dele o disparo, nem ao menos a autorização. Sua fala na matéria do dia 12 de setembro apresenta um ponto de colaboração num turbilhão de conflito. Neste ponto revela-se o consenso entre o MST e arena do Estado na Era Wagner.

Ocupações absolutamente disruptivas, como a ocupação da SSP em 2013, cujo conflito se dá no seio da arena estatal, apresentam em seu âmago pitadas de colaboração. O conflito, ele também, gesta em si doses de consenso. Se por um lado a ocupação da SEAGRI em 2011 revela momentos de conflito dentro do consenso, por outro a SSP em 2013 apresenta o contrário, doses de consenso em um redemoinho contencioso. Assim, não se trata de isolar os momentos de consenso dos atos de conflito e aborda-los em uma sequência puramente cronológica: é possível notar que consenso e conflito estão entrelaçados, mutuamente constituídos. A SEAGRI revela um padrão de interação de colaboração- conflituosa e a SSP padrões de conflito- colaborativo. Um não existe sem o outro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As ocupações da SEAGRI em 2011 e da SSP em 2013 expiram três questões basilares. A primeira remonta ao debate sobre a relação entre a natureza dos repertórios. A segunda, diretamente envolvida na construção relacional da ação coletiva, recoloca em cena a necessidade de reflexão sobre as fronteiras entre movimento social e Estado. Por fim, a emergência de padrões de interação que envolvem a co-presença do consenso e do conflito na vida social e política inspira o debate sobre o próprio arranjo democrático baiano.

Advoga-se aqui que este novo padrão de interação é como um jogo de capoeira em que os atores, MST e Governo Wagner, dançam e lutam, abraçam-se e arranham-se, com ginga e malícia, orquestrados pelo ritmo dos repertórios. Como um berimbau, em que uma corda só emana uma multiplicidade de sonoridades, a ocupação na Bahia é absolutamente polissêmica. E assim, esse jogo de mútua interpenetracão ocorre em uma arena desenhada, a própria roda de capoeira.

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O primeiro aspecto que emana dos repertórios de ocupação promovidos durante os Governos Wagner está diretamente vinculado ao caráter destas ocupações. O repertório de ocupação da Secretaria de Agricultura em 2011 questiona a ideia de que ações diretas como passeatas, barricadas, piquetes, ocupações de terras e imóveis ociosos, ocupações em edifícios públicos, dentre outras, possuem uma diferença importante em relação à atuação por dentro das instituições: seu caráter disruptivo (TRINDADE, 2015).

Há uma tênue linha que separa a face contenciosa da ocupação e o papel colaborativo que o MST baiano a ela atribui em 2011: se por um lado as ocupações acionam conflitos de ordem política, econômica e cultural que são fundamentais na dissolução de consensos em relação a forma de atuação dos movimentos sociais (TRINDADE, 2017), a ocupação da SEAGRI, por sua vez, expõe justamente o consenso do Governo com o movimento social. Cabe indagar: ações contenciosas necessariamente convidam o Estado ao enfrentamento? O que torna exatamente um repertório disruptivo ou colaborativo?

Estes são questionamentos já presentes, ainda que timidamente, em Tilly e Tarrow. Os autores afirmam que não só com o passar do tempo criam-se novos repertórios de ação, como um mesmo repertório pode adquirir novos significados. Há, portanto, inovação e ressiginificação constante em um mesmo repertório. "They are constantly innovating, furthermore, they generally innovate at the perimeter of the existing repertoire rather than by breaking entirely with old ways" (TILLY, 1995).

Tarrow (1998) analisa os repertórios mobilizados pelos vinicultores do sul da França. Ainda que violentos e disruptivos, trata-se de uma performance absolutamente ritualizada, cujo potencial contencioso é diluído em seu uso rotineiro e institucionalizado. A experiência de Gandhi na Índia, ao contrário, apresenta-se imperiosamente conflitiva, ainda que pacífica.

Não se trata, portanto, de classificar os repertórios como intrinsecamente eficientes, disruptivos ou colaborativos. O significado de cada repertório não emana de seu signo, mas de sua experiência viva. A circunstância e as interações em que está inserido pincelam o seu significado. Sobre isso, Tilly afirma:

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We should resist the temptation to label one of the two repertoires as more efficient, more political, or more "revolutionary" than the other. Nor does it help to call one repertoire "traditional" and the other "modern:' any more than one can say that contemporary English is superior to that of Shakespeare, as if one were clearly more efficient or sophisticated than the other. (…)Backward/forward, pre-political/political, and similar distinctions classify not the tools, but particular circumstances for using them. The tools serve more than one end, and their relative efficacy depends on the match among tools, tasks, and users. Neither the new tasks nor the new forms of interaction were intrinsically revolutionary (TILLY,p. 46- 47, 1995)

O significado, portanto, não é intrínseco ao signo e o caráter do repertório não é inerente à sua forma. Trata-se, portanto, de afirmar que sentidos são inseparáveis de práticas (ALONSO, 2012). Há a possibilidade de reinterpretação permanente, in actu, do caráter do repertório e seu contorno, dessa forma, é pincelado em plena interação com o contexto envolvente. É preciso retomar o argumento de que a experiência se dá na prática, na interação rítmica entre atores e contextos.

A vinculação entre organismo e entorno sob a chave da interpenetração construída por Dewey (1934) permite a superação da dicotomia entre a forma do repertório e seu conteúdo. As relações de idas e vindas relacionais envolvidas em uma situação desenham a forma, e assim sua distinção da substância torna-se obsoleta: há uma integração íntima entre ambas. O contexto pincela o caráter do repertório e o conteúdo da interação desenha a forma pela qual a ocupação se apresentará.

A forma do repertório, portanto, não é o mero contorno da substância, mas compõe o espírito mesmo do objeto, é a funcionalidade vital que está conectada com os ritmos fundamentais da relação do ente vivo em sua interação constante e definidora com o seu entorno (DEWEY, 1934). Distinguir forma e conteúdo em última instância implica separar o organismo vivo do meio em que vive, eliminar sua interação vital, visto que a causa última da união forma e substância na experiência é a relação íntima do fazer e padecer, na integração da criatura com o mundo (DEWEY, 1934). Assim, o consenso entre MST e Governo Wagner instiga a ocupação a manifestar-se sob outra faceta da mesma moldura.

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Os significados não pertencem ás ocupações, mas à experiência, interativa e dinâmica: não há significado intrínseco a forma. É preciso, com isso, eliminar o caráter mecânico e universal do processo de significação e devolve-lo à experiência dinâmica e pulsante. O repertório, envolvido e produzido na experiência, hospeda o significado, assim entrelaçando-se e moldando-se com ele e seu significado é assim produzido a partir da interação humana (BLUMER, 1969). Os padrões de interação com os Governos Wagner, portanto, ressignificam e remodelam as ocupações.

É absolutamente possível que os processos interativos produzam significados distintos para as um mesmo repertório. Os significados não possuem um sentido fixo e enrijecido, mas são consolidados através das interações da ação coletiva com a arena do Estado. Os significados que levam os participantes a agirem tem seus próprios contextos em um processo localizado de interação social- significados formados, sustentados, enfraquecidos, fortalecidos ou transformados através do processo definido socialmente (BLUMER, s/n)

Trata-se, portanto, de superar a falácia intelectualista10 na análise das relações entre movimentos sociais e Estado: o intelectualismo retira da experiência a vida que pulsa, imperiosamente interativa, dinâmica, contingente, situacional e polissêmica. É preciso desalojar o significado como algo inerente ao repertório e reposiciona-lo na situação envolvente, construída interativamente. Entrelaçar o significado do repertório ao contexto pulsante é uma das principais contribuições do MST baiano para a dinâmica social.

O segundo aspecto evocado dos padrões de interação entre o MST baiano e os Governo Wagner está relacionado ao reposicionamento das fronteiras entre movimentos sociais e Estado. O “nós”, desafiante está, nesta relação absolutamente imiscuído do “outro”, o “eles” desafiado. A presença de atores vinculados aos movimentos sociais não ocorre somente a partir do momento que Valmir Assunção e Vera Lucia ultrapassam a fronteira e assumem a gestão do governo baiano: o alto comando do governo também se apresenta dessa forma.

10 O pragmatismo de Dewey edifica-se sob a crítica atroz à falácia intelectualista que retira o ator, no curso de sua ação, de seu entorno envolvente, que considera a criatura viva separada do mundo em que vive, sabendo que toda vida se desenvolve pela interação mediante uma série de atos e experiências relacionais (DEWEY, 1934).

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O Governador e o Secretário de Relações Institucionais se colocam como atores da sociedade civil organizada dentro do Estado. A trajetória de Wagner e Cezar Lisboa está intimamente vinculada aos movimentos sociais, seja o movimento estudantil e sindical, sejam os movimentos sociais de luta pela terra, e dessa forma há uma flexibilidade ainda maior das fronteiras que separam essas duas esferas. Sugere-se, portanto, que esses exemplos colocam em xeque tanto o pressuposto de que o Estado é irrelevante como o pressuposto de que os atores estatais são necessariamente externos aos movimentos sociais (ABERS e BULOW, 2011).

Essas relações envolvem a construção de redes que cruzam as fronteiras entre Estado e Sociedade (ABERS e BULOW, 2011). Wagner e Lisboa fazem parte do mundo dos movimentos sociais e ultrapassam a fronteira rumo ao Estado, o que segundo o próprio governador produz um comportamento absolutamente distinto de alguém cuja trajetória é distante da ação coletiva. Lisboa e Wagner compõem, portanto, os dois universos.O Estado, portanto, não é estranho à sociedade civil. Ao contrário: ambas constituem-se reciprocamente. A fronteira entre ambos na Era Wagner é absolutamente contingente e assim a interação entre o MST e o Governo revela uma aproximação entre o “nós” e o “eles”, uma interpenetração mútua.

O terceiro aspecto está vinculado à relação entre o consenso e o conflito na Era Wagner. A manifestação de padrões de interação de colaboração- conflitiva e do conflito-colaborativo sugerem que a construção da vida social é necessariamente permeada de momento de tensão e consenso. A dinâmica política não é nem o reino da concórdia absoluta nem o império da disrupção.

Trata-se, portanto, de evitar análises dicotômicas que posicionam em lados opostos o consenso e o conflito. Mais do que isso: os padrões de cooperação conflituosa e conflito cooperativo expressos pelo MST baiano na Era Wagner apontam que um mesmo ato gesta em si doses de colaboração e contenda. Não há um momento de consenso e, em seguida, doses de tensão, ambas ocorrem simultaneamente em um redemoinho relacional. O exame das interações socioestatais se estrutura a partir da crítica a uma visão dicotômica da relação sociedade civil e Estado e busca demonstrar que essa relação se dá de maneira multifacetada e complexa, em termos de cooperação, conflito e autonomia (CARLOS, 2017).

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O horizonte político de Wagner, ao sugerir que o MST ultrapassasse a fronteira rumo à institucionalidade revela, portanto, a construção de um consenso mínimo entre as duas esferas. A interação conflitiva devia dar lugar a processos em que os dois atores atuassem em conjunto na gestão do Estado: Wagner abraça e dança com o MST. Conforme Guigni e Passy (1998) e Goldstone (2003), os movimentos sociais podem não somente desafiar os detentores de poder, mas também estabelecer uma relação cooperativa com autoridades políticas e agências do Estado (CARLOS, 2017).

Assim, a interação dos movimentos sociais com o Estado abarca padrões de cooperação e colaboração. O MST baiano rompe com a relação dicotômica entre ação coletiva e Estado, aproximando o “nós” do “eles”: o caráter de antagonismo é suavizado neste processo. A distância e a violência dão lugar à aproximação, ao diálogo e à criação de redes de parceria. Compreende-se a colaboração como a relação entre duas partes baseada na concordância quanto aos fins de uma dada ação, que envolve uma colaboração ativa com o objetivo de atingir cada finalidade (GIUGNI e PASSY, p. 84, 1998, apud CARLOS, p.337, 2017). O consenso, com isso, é bem-vindo nos Governos Wagner.

O conflito, por sua vez, é encarado tanto pelo MST na Bahia quanto pelo Governo Wagner como elemento fundamental nesta relação. A contenda não é vista como uma espécie de anomia, ao contrário, ela chega a ser estimulada pelo próprio governo estadual. Sobre essa questão, Wagner argumenta:

Vou dizer o que digo pra eles. É bom ter um governo parceiro, que tem sensibilidade pra sua causa, porque cê conversa melhor. Mas o governo parceiro não substitui o movimento. Até porque é uma burrice...é uma burrice porque se não tiver ninguém à minha esquerda puxando, eu não tenho como fazer a média. Eu nunca pedi pra eles pararem de reclamar, então fazia a marcha, eu ia lá embaixo, tinha a pauta,era tratada...tinha cacete! Mesmo com isso, tinha cacete, tin ha briga, eu brigava com eles!(Entrevista, dia 31 de outubro de 2018).

Assim, Wagner positiva o conflito. Diante da disputa de interesses dos diversos segmentos da sociedade- inclusive de setores do agronegócio- em torno do Estado, a

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melhor saída que os sem-terra poderiam apresentar ao governo é pressiona-lo. A tensão é encarada como uma forma de garantir e aprofundar o olhar do Governo para suas demandas. A pressão e a tensão ajudam os sem-terra e são bem-vindas por Wagner. O MST baiano encontra-se com Wagner na categoria „conflito‟.

A pressão é interpretada pelo MST baiano como uma forma de colaborar com o Governo Wagner. As ocupações agridem ao passo que também contribuem para que o governador possa encaminhar as demandas sem-terra. Como afirma o próprio chefe do executivo baiano, em entrevista do dia 31 e outubro de 2018: “A relação não é patrimonial, um não é dono do outro. Uma relação de amigo que até com os amigos a gente briga”. Trata-se de um conflito que coopera.

A relação entre Wagner e MST, dessa forma, é marcada pela interpenetração entre consenso e conflito: tratam-se de padrões de interação que assumem a concórdia e o dissenso em seu âmago. A dicotomia construída entre consenso e conflito é, portanto, uma armadilha a ser evitada.Trata-se de um movimento ambivalente, de forma que apresentam-se os repertórios do MST na Bahia tanto pelo prisma do consenso conflituoso, quanto do conflito colaborativo. Não se trata de pensar momentos de concórdia e, em seguida, doses de conflitos: elas ocorrem simultaneamente.

O MST convida o Governo à dança, em ritmos que mesclam momentos de consenso e tensão. Wagner, por sua vez, se permite entrelaçar à cadência proposta pelos sem-terra e ginga com o corpo, abraçando e arranhando também o outro jogador. Os dois atores permitem-se à colaboração e à tensão, interpenetrando-se neste jogo de ajuste recíproco que mistura dança e luta.

Wagner e MST agem, ambos, com malícia. O MST sonda o adversário, e na movimentação arguta com golpes rasteiros e inesperados, o atinge.A malícia, enquanto postura (i) moral regendo interações de companheirismo conjugado à desconfiança (ZONZON, 2014), rompe com a dicotomia que posiciona em lados antagônicos da roda, a contenda e a concórdia. Ao contrário: ensina aos atores modos de relação ambígua, entrelaçando cooperação e confronto (ZONZON, 2014). Diante dos perigos potenciais inerentes à roda, é preciso que o jogador tenha mandinga, isto é, “saber dançar na briga” (ZONZON, 2014).

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Wagner, por sua vez, ao passo que cumprimenta o adversário e o convida à dança, ao pé do berimbau, nomeando Valmir e Vera Lucia em seu governo, atinge e agride os sem-terra com golpes de capoeira. Wagner ginga, encena, e por fim golpeia: é um jogo de capoeira absolutamente bem jogado. Em outras palavras, a malícia consistiria em um jogo com as aparências, como o disfarce das intenções e das ações, comumente chamado de “faz de conta” (ZONZON, 2014). É, portanto, dança e luta em um só movimento. Ambos se encontraram na categoria „diálogo‟ para saber a hora, com destreza, de evocarem a categoria „conflito‟.

A beleza do berimbau e dos repertórios de ocupação do MST baiano reside justamente na multiplicidade de sonoridades, ritmos e cadências emitidos por um único arame condutor. O movimento na Bahia, ainda que mobilize um amplo leque de repertórios, inova ao atribuir múltiplos significados a um único repertório basilar, a ocupação. A ocupação é um repertório que tem como base uma tensão entre ritmos, chamada de poliritmo, criada pelas sonoridades simultâneas de dois ou mais ritmos diferentes (ZONZON, 2014). Conforme Zonzon (2014), é justamente essa multiplicidade de sonoridades que dão o tom do jogo.

O MST baiano e Wagner reforçam a concepção conflitual-consensual da dinâmica entre ação coletiva e Estado. Ambos aceitam as regas do jogo para lidar com os conflitos inerentes à relação: Wagner chama a contenda para dentro do perímetro do seu gabinete. O “nós” e „eles” é dinâmico e contingente, e ao mesmo tempo bem delimitado. Não se tratam de inimigos, mas de adversários que, como bons capoeiristas, sabem a hora da dança e a hora da luta. O berimbau dá o ritmo a esta interação absolutamente polissêmica, que funde num só tom a concórdia e a contenda. Conforme Cezar Lisboa,

Porque quando cê pensar em termos de negociação, você tem que pensar em alguma capacidade de força, algum gesto de força e alg um passo de negociação, esses dois elementos tem que estar articulados. Essa dialética aí é absolutamente necessária...não pode ser nem só colaboração nem só conflito (...). Se quiser ser democrático cê tem que pegar consenso e conflito. E o conflito pode ter soluções negociais (Entrevista concedida em 23 de novembro de 2018).

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Os padrões de interação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra com os Governos Wagner reafirmam que não há lugar para análises dicotômicas da vida social: ela é imperiosamente relacional e faz do consenso e do conflito os regentes da vida democrática.

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