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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO CAMPUS BAIXADA SANTISTA CURSO DE PSICOLOGIA MAYSA DIAS TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

CAMPUS BAIXADA SANTISTA

CURSO DE PSICOLOGIA

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MAYSA DIAS

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

MULHERES PRATICANTES DE ESPORTE DE LUTA

Orientador: Prof. Dr. Ricardo da Costa Padovani

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

CAMPUS BAIXADA SANTISTA

CURSO DE PSICOLOGIA

_____________________________________________________________________________

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

MULHERES PRATICANTES DE ESPORTE DE LUTA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Federal de São Paulo- Campus Baixada Santista, curso de Psicologia.

Maysa Dias Orientador: Prof. Dr. Ricardo da Costa Padovani

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SUMÁRIO Resumo 3 Introdução 4 1.1.Questão Norteadora 10 1.2.Hipótese 10 1.3.Objetivo 11 2.Metodologia 11 2.1. Participantes 11 2.2. Instrumento 11 2.3. Procedimento 12 2.3. Análise de dados 12 3. Resultados e discussão 12

3.1. Tabela de descrição da amostragem 12

3.2 Descrição da Tabela 14

4. Núcleos temáticos 14

4.1 Significados: formação de identidade da esportista 14

4.2 Competição 16

4.3 Influências: modelo da iniciação esportiva 17

4.4 Machismo 20

4.5 Disciplina 23

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4.7 Feminilidade 26 4.8 Saúde 27 4.9 Igualdade 29 4.10 Sacrifício 31 5. Discussão 33 6. Considerações Finais 37 Referências Apêndice 40 44 Anexos 45

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3 RESUMO

As mulheres apresentam uma difícil jornada de ascensão ao esporte, marcada por uma série de obstáculos, como os estereótipos de gênero que mantiveram as mulheres afastadas dos esportes, principalmente no que se refere às modalidades de luta. Os esportes de luta têm sido historicamente considerados um esporte do gênero masculino, o que explica o número reduzido de estudos que tem como participantes mulheres. O objetivo do presente estudo foi compreender a escolha dos esportes de luta entre mulheres. Neste processo de investigação, buscou-se levantar as influências sociais e culturais e principais impactos de sua prática na qualidade de vida das praticantes. Trata-se de um estudo transversal de natureza qualitativa. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNIFESP (CAAE-07939219.9.0000.5505). Participaram do estudo 10 mulheres, acima de 18 anos de idade, praticantes de esporte de luta. A assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido formalizou a participação no estudo. A coleta de dados se deu a partir da aplicação de um roteiro de entrevista semiestruturado que teve como questões norteadoras: O que levam mulheres a escolherem esportes de luta? Qual o significado da referida prática para elas? Quais as principais mudanças observadas após o início da prática? As entrevistas foram realizadas individualmente, gravadas e transcritas. A análise dos dados foi realizada a partir da análise do conteúdo emergidos a partir das categorias apriorísticas elencadas nas questões norteadoras do roteiro de entrevista. Os relatos das mulheres trouxeram dez núcleos temáticos: “Significados, Competição, Influências, Machismo, Disciplina, Corpo, Feminilidade, Saúde, Igualdade e Sacrifício”, os quais foram discutidos, e indicaram que os significados dados aos esportes possuem grande carga afetiva pelas participantes, com um sentido amplo fazendo com que o esporte tenha um grande impacto na formação pessoal e mental além da formação física. O apoio de familiares e amigos tem grande influência na aderência e permanência no esporte de luta, sendo que todas as participantes receberam algum tipo de incentivo no início e no presente de suas carreiras. Entre as 10 participantes 6 delas relataram diretamente sofrer algum tipo de estigma/preconceito de gênero, entretanto todas as mulheres trouxeram em seu discurso o enfrentamento do machismo afirmando suas feminilidades plurais que existem e resistem no ambiente do esporte de luta. A maioria das participantes não percebeu grandes mudanças ao aderir ao esporte por ter começado muito jovem, e as que perceberam relataram uma melhor qualidade de vida, sendo as que se identificam como atletas afirmaram que a carreira trouxe como ônus lesões e machucados no corpo. Esse estudo concluiu seus objetivos, ressaltando que a área do esporte de luta está em ascensão por conta do crescimento do MMA, e pesquisas sobre mulheres em esportes principalmente de luta ainda são escassas, havendo assim a necessidade de mais estudos sobre a temática. Acredita-se que os resultados provenientes deste estudo possam dar início a investigações que tenham mulheres e esportes de luta como questão central, e que traga representatividade das mulheres no esporte de luta, evidenciando sua existência e resistência.

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4 1. Introdução

As mulheres apresentam uma difícil jornada de ascensão ao esporte, marcada por uma série de obstáculos, como os estereótipos de gênero que mantiveram as mulheres afastadas dos esportes, principalmente no que se refere às modalidades de luta, sendo estereótipos definidos por Azevedo e Silva (2017) como “ideia ou expressão que veicula ideia preconcebida” e essa ideia se generaliza sem uma comprovação empírica que circula na sociedade e torna-se uma verdade inquestionável. No Brasil o decreto-lei n°3.199 de abril de 1941 declarava no artigo 54 que “Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país” (Decreto-lei n°3.199, 1941). Nas olimpíadas, durante vários anos as mulheres participaram de forma limitada. Enfrentaram oposição na participação de esportes e o machismo da sociedade patriarcal que alegava a masculinização das mulheres que participassem dos jogos olímpicos (Pfister, 2000).

A mulher no século XIX no Brasil era vista como um ser que tinha como objetivo único a procriação, e o esporte era visto como uma agressão a essa representação feminina, entretanto se fosse bem dosado poderia trazer benefícios para a função reprodutora (Di Pierro, 2007). Pfister (2000) descreve, na história das mulheres nos jogos olímpicos, a resistência do Comitê Olímpico Internacional em permitir que estas participassem das competições. Não reconhecendo e marginalizando os esportes femininos, em especial os que envolvessem o uso de força física, contato físico ou exercícios visuais.

Souza e Mourão (2011) descrevem que o Decreto-lei nº3.199 proibia as mulheres de participarem de competições que envolvessem maior contato, e que um evento importante ocorrido em 1979 possa ter sido decisivo na legalização do judô feminino, que se trata da formação da primeira equipe de judô feminina do Brasil por Joaquim Mamede de Carvalho e Silva composta por quatro judocas que foram incentivadas pelos pais. O Brasil sendo o único país da América do Sul que não permitia a prática competitiva do judô feminino, nesse cenário

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5 Joaquim Mamede levou as atletas para competir o Campeonato Sul-americano em Montevidéu usando nomes masculinos, cujo desfecho foi a vitória do Brasil pelos pontos das mulheres, caso os pontos das mulheres não contassem o Brasil perderia o campeonato, somente os homens não ganhariam. Essa história reflete a importância do incentivo na carreira esportiva das mulheres nas lutas, e que a menos de 40 anos atrás foi necessário que atletas mulheres usassem nomes masculinos para conseguir competir pelo Brasil, o que se trata de um imenso atraso esportivo fundamentado no patriarcado. Foi a partir da década de 70 que a força e os músculos passaram a ser mais aceitos pela sociedade, porém os esportes de contato ainda eram associados a masculinidade e inaceitáveis pela prática feminina (Di Pierro, 2007).

Vasconcelos e Del Vecchio (2017) em uma pesquisa sobre Sanda (boxe chinês), um esporte de combate derivado do Wushu Kung Fu, afirmam que o cenário competitivo é desigual entre os gêneros, com menos modalidades olímpicas para mulheres, entretanto, atletas femininas estão ganhando espaço no esporte de combate e que estudos sobre esse público específico são necessários.

Segundo o Comitê Olímpico Brasileiro em todas as edições das olimpíadas houve apenas duas mulheres de 12 atletas brasileiros na modalidade de boxe; oito mulheres em 26 atletas brasileiros na modalidade de judô. O que se prolonga atualmente, na modalidade de Boxe no ano de 2016 de nove atletas que competiram, apenas duas eram mulheres (Comitê Olímpico Brasileiro, 2018).

Tais considerações deixam evidente que ainda nos dias de hoje se mantém a ideia de que esportes de luta são categorizados como esportes masculinos. Segundo Sousa e Altmann (1999), os esportes violentos, com maior competitividade e contato físico são vistos tradicionalmente como uma forma de transformar um menino em homem, aumentando sua virilidade e masculinidade. Sendo a socialização da mulher proposta de uma forma em que ela precisa apresentar delicadeza, elegância e obediência será difícil para que a mulher consiga aderir aos valores característicos do comportamento esportivo (Ferretti & Knijnik, 2017).

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6 Thomazini, Moraes e Almeida (2009) apresentam relatos de atletas homens sobre as mulheres que praticam Mixed Marcial Arts. Um dos participantes do estudo afirma achar ridículo e que mulheres não são eficazes na prática do MMA, carregando a ideia de que as mulheres não servem para esse esporte e que o preconceito de gênero dentro do esporte de combate é presente dentre os próprios atletas. Outro relato menciona que as mulheres gostam do lutador, do porte físico e é por esses motivos que as mulheres se atraem pelo MMA e essa ideia remete aos Jogos Olímpicos da Antiguidade na qual somente as mulheres jovens e solteiras tinham permissão para assistir aos jogos com o objetivo de escolher um marido e informar seu pai e irmãos sobre a escolha (Miragaya, 2002 apud Ferretti & Knijnik, 2017). Thomazini, Moraes e Almeida (2009) apontam que as mulheres nas artes marciais ainda são subestimadas e o quanto a presença feminina causa uma afronta a ordem simbólica do universo de lutas de combate.

Atualmente estudos sobre mulheres nos esportes apontam algumas características interessantes, como a investigação da adesão e permanência de mulheres no boxe, Silva, Cavichiolli, e Capraro (2015) constaram que a sua prática estava relacionada principalmente pelo alto gasto calórico (finalidades estéticas), o dinamismo e o controle do estresse o qual demonstra que o estereótipo da necessidade da mulher ser bela ainda é um dos maiores motivos da prática do esporte, que corrobora com a cultura da beleza feminina em nossa sociedade, que possui grande ênfase ao fitness e na demanda de um corpo firme e magro (Di Pierro, 2007), Silva (2012) faz uma comparação entre a atual cultura fitness que representa a beleza na forma de uma mulher alta, magra, bronzeada, sarada, jovem e ativa com a eugenia de Kehl a qual construía a beleza eugênica como uma beleza totalitária e discriminatória que desumaniza todos os outros corpos. Entretanto as mulheres praticantes do boxe sentem-se protagonistas do ambiente, o que contrapõe a ideia que tem sido discutida de que lutas são esportes masculinos (Silva, Cavichiolli, e Capraro, 2015).

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7 Fernandes, Mourão, Goellner e Grespan (2015) discorrem sobre a representação de masculinidade e feminilidade que são construídas perante uma relação de poder legitimada por comportamento baseado na anatomia dos corpos, para indicar o que mais apropriado para cada sujeito. Por meio de entrevistas com lutadoras de boxe e de MMA foi feita uma análise sobre performance de feminilidade, e a pluralidade dessas lutadoras e a maneira como cada uma delas enxerga o que é ser mulher e como o esporte de combate se relaciona com seus corpos e sua feminilidade e se vão contra ou a favor da normalidade estabelecida socialmente. O estudo conclui que as lutadoras no ringue ou octógono performam virilidade, força, coragem e raiva, entretanto fora do ambiente de combate, essas mulheres performam feminilidade utilizando maquiagem, roupas consideradas femininas e delicadeza. As lutadoras permeiam entre essas possibilidades performativas, permitindo e afirmando a pluralidade do ser feminino contrapondo o sistema binário que determina de forma inflexível o comportamento dos gêneros. Nessa mesma perspectiva, em um estudo qualitativo, Soares, Mourão e Monteiro (2017) buscaram compreender as experiências do gênero e a construção de feminilidade de atletas femininas do levantamento de peso. A prática esportiva do levantamento de peso acarreta “marcas corporais expressas em seus músculos volumosos e força elevada, que tensionam a representação de feminilidade normalizada, em que tais marcas seriam indesejáveis.” (Soares, Mourão e Monteiro, 2017, p.258). Esse estudo corrobora com Di Pierro, C (2007) o qual afirma utilizar o corpo como instrumento de poder para superar limites e não treinar apenas por uma finalidade estética. As atletas entrevistadas trazem relatos sobre o apoio recebido pela família, uma das entrevistadas apresenta a preocupação da mãe sobre o que as pessoas vão falar da atleta, e afirma também que o fato de sua treinadora ser uma mulher diminui a preocupação da mãe, esse relato enfatiza a necessidade de representatividade no ambiente esportivo para facilitar a aceitação e melhorar o sentimento de pertencimento das atletas em seus esportes (Soares, Mourão e Monteiro, 2017). Um aspecto que se evidencia é o de disputas simbólicas presentes no treinamento dos homens em relação às mulheres, na qual não permitem ficar atrás

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8 das mulheres na quantidade de peso erguido. Essa temática já foi apontada por Thomazini, Moraes e Almeida (2009) que mostram como as mulheres interferem na ordem simbólica do universo de lutas de combate. As atletas também indicam a presença de preconceito e resistência, passando por experiências na qual o gênero e a sexualidade são questionados frequentemente e enfrentam violências e falta de respeito em suas rotinas. Tais experiências trazem sofrimento, entretanto, são também motivadoras para a continuidade da trajetória esportiva (Soares, Mourão e Monteiro, 2017).

Moura, Bento, Santos, Lovisolo (2010) discutem sobre mulheres esportes e masculinidades a partir da lente do futebol e do MMA, por meio de entrevistas feitas as jovens atletas do clube Europa e uma lutadora de MMA. Foi trazido como um ponto importante e recorrente que: a habilidade dessas atletas funciona como passaporte de reconhecimento e inclusão, sendo que no caso dos meninos, há maior apoio e reforço do esforço que demandam as pretensões competitivas. Pode-se discutir a partir desse apontamento que as mulheres são mais cobradas e recebem menos incentivo para se construírem em esportes historicamente masculinos, e que apesar de dificuldades e representações negativas sobre a participação de mulheres nestes esportes, estas representações não são determinantes para o abandono da prática, e a partir disso pode-se concluir que as mulheres que permanecem nos esportes “masculinos” constituem uma forma de resistência e subversão de uma normatividade que ainda atualmente está estabelecida.

Adelman (2006) trata sobre a corporalidade e subjetividade das mulheres no esporte trazendo um recorte de classe, raça e gênero apresentando relatos e reflexões de mulheres atletas do vôlei e do hipismo (sendo as atletas do vôlei de origem social humilde, e algumas negras, já as atletas do hipismo predominantemente brancas de uma classe média alta ou da elite), possuindo um caráter de influências e opiniões bastante diferentes, na qual as jogadoras apresentam um discurso extremamente tradicional, enfatizando o casamento e a maternidade como metas a serem cumpridas, e de forma dissonante as amazonas (hipismo) que questionam

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9 a assimetria de gênero que as colocam em uma posição de escolha entre carreira esportiva e família. E para a maior parte das jogadoras entrevistadas era muito importante que o seu esporte (vôlei) fosse condizente a construção da feminilidade. O artigo apresenta diversos questionamentos e relatos acerca da temática de gênero, feminilidade e resistência tratada até então, que podem ser deslocadas para as práticas de esporte de lutas por serem esportes historicamente masculinos diferentemente do vôlei. Exaltando a questão da formação de subjetividade dessas atletas do esporte de luta, por possuírem contingências diferentes das atletas apresentadas no estudo.

Fernandes (2014) encontrou em seu estudo sobre trajetórias esportivas e a representação das mulheres atletas de luta que a as características mais significativas foram atitude, ousadia e coragem. Destacou também que família tende a reproduzir os discursos sobre a masculinização que o esporte de luta pode acarretar, porém quando as atletas possuem uma visibilidade devido as vitórias conquistadas tendem a ter esses preconceitos diluídos. Sinaliza ainda a importância do aumento de investigação para ampliar a literatura dando voz a essas mulheres.

Melo et al. (2018) analisam a opinião de estudantes de educação física (170 homens e 271 mulheres) sobre como consideram algumas modalidades esportivas baseados em gênero. Os resultados apontaram que atributos relacionados ao perigo, à força, à violência e à resistência foram classificados como masculinos. E dentre esses esportes, cinco foram classificados como mais masculinos, sendo dois deles boxe e luta olímpica, o que reforça a presença marcante das questões de gênero no esporte.

De Oliveira Camilo e Pereira (2018) ao refletirem sobre o lugar das mulheres no Mixed Martial Artis (MMA) apontam que algumas ring girls as quais são modelos jovens, que desfilam entre os rounds e chegam a ter uma remuneração maior do que as próprias lutadoras, e isso fortalece a ideia do papel social que as mulheres normativamente devem corresponder, exaltando um padrão de feminilidade e mantendo as desigualdades entre homens e mulheres no esporte. As autoras discorrem a respeito de como uma mulher pesquisadora causa um grande

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10 estranhamento como integrante em uma equipe de MMA, e que a todo tempo sofreu questionamentos a respeito de sua posição com falas e comportamentos sugestivos de terceiros insinuando que fosse uma prostituta, uma amante, uma namorada, ou ainda uma fã tentando se aproximar dos atletas.

Um estudo mais recente de natureza qualitativa sobre resiliência em atletas de MMA feito por Pires, Lima e Penna (2019), com 10 atletas (9 homens e 1 mulher) elencou algumas fontes de estresse desses atletas, sendo os estressores de ordem pessoal os menos observados nas entrevistas, entretanto, houve um destaque para a atleta do sexo feminino que mencionou ter recebido comentários pejorativos por parte de homens. Pode-se evidenciar a partir desse ocorrido, que mulheres atletas de MMA além dos estressores recorrentes do esporte, precisam lidar com um estressor adicional, pelo fato de serem mulheres e estarem transgredindo o ambiente historicamente masculino que são os esportes de luta.

Dado esses apontamentos, verifica-se a importância de um trabalho qualitativo, para aprofundar as diferentes questões relacionadas a trajetória das mulheres nos esportes de luta e para ampliar os estudos nessa modalidade.

1.1. Questão Norteadora

Diante do exposto, levantam-se as seguintes perguntas: O que levam mulheres a escolherem esportes de luta que tem sido historicamente associado a uma prática masculina? Qual o significado da referida prática para elas? Quais as principais mudanças observadas após o início da prática?

1.2. Hipótese

Acredita-se que a escolha do esporte de luta esteja associada a influência de pessoas significativas, e a busca em melhorar sua qualidade de vida e bem-estar psicológico.

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11 1.3. Objetivo

Compreender a escolha dos esportes de luta entre mulheres. Neste processo de investigação, buscar-se-á levantar as influências sociais e culturais e principais impactos de sua prática na qualidade de vida das praticantes.

2. Metodologia

Trata-se de um estudo transversal, de natureza qualitativa, de amostragem intencional. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da UNIFESP (CAAE - 07939219.9.0000.5505).

2.1. Participantes

Participaram do estudo 10 atletas adultas do gênero feminino das modalidades boxe (n=1), caratê (n=1), jiu-jitsu (n=1), judô (n=1), kickboxing (n=1), kickboxing e muay thai (n=1), mma - mixed martial arts (n=2), muay thai (n=1), taekwondo (n=1). O critério de inclusão foi praticar a modalidade no mínimo 12 meses. A idade mínima foi 19 anos de idade e a idade máxima foi de 46 anos de idade. Oito potenciais participantes foram convidadas a participar da entrevista, mas não compareceram. Nenhuma afirmou que não tinha disponibilidade de tempo para participar do estudo e uma foi excluída do estudo (por não preencher os critérios de inclusão), uma não pode comparecer devido a imprevistos e outras seis não responderam à tentativa de agendar a entrevista.

2.2. Instrumento

O presente estudo baseou-se em uma metodologia de natureza qualitativa. Foi empregada um roteiro de entrevista semiestruturada, elaborado pelos autores, que abordou as seguintes temáticas: motivo da escolha, objetivos, tempo de prática, manutenção e

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12 permanência, história, questões de gênero e de feminilidade, aspectos psicológicos, representatividade e percepção corporal de mulheres atletas de esportes de combate, que praticam o esporte a mais de 12 meses de forma amadora ou profissional.

2.3. Procedimento

A pesquisadora fez uma busca ativa de potenciais participantes do estudo. Foi esclarecido os propósitos e cuidados éticos do estudo. As interessadas em participar do estudo formalizaram sua participação assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A coleta de dados foi realizada individualmente, com duração média de 30 minutos em um local que garantiu os cuidados éticos na condução da pesquisa. Os dados foram analisados qualitativamente a partir da modalidade de análise de conteúdo.

2.4. Análise de dados

As entrevistas semiestruturadas foram analisadas através da técnica da análise de conteúdo (Minayo & Guerriero, 2014). As entrevistadas foram gravadas e transcritas, realizando na primeira etapa a leitura flutuante para apropriação do material coletado. Na segunda etapa, foi realizada a leitura exaustiva e exploração do material. Nessa etapa, foram realizados o levantamento e a organização das categorias temáticas, organização e análise do material. Na terceira etapa, foram definidos as categorias temáticas e análise do conteúdo de cada categoria a partir da literatura existente sobre a temática.

3. Resultados e discussão

A Tabela 1 abaixo apresenta a caracterização das participantes do estudo. 3.1. Tabela de descrição da amostragem

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Participante idade escolaridade Estado

civil

Esporte atual Anos de prática

Apoio familiar

Motivo de aderência

Lesão Estigma Patrocínio

P1 33

anos

Ensino superior completo

Solteira Taekwondo 21 anos Sim Família Sim Não Apoio

(dentista)

P2 29

anos

Ensino superior incompleto

Solteira Jiu-Jitsu 11 anos Pai não apoiava, Mãe apoiava

Família Sim Sim Não

P3 20

anos

Ensino superior incompleto

Solteira Kickboxing 3 anos Sim Família Sim Sim Não

P4 20

anos

Ensino superior incompleto

Solteira Muay Thai 4 anos Sim Família Não Sim Apoios

(fotos, calção, suplemento s) P5 31 anos Ensino superior completo

Solteira Kickboxing e Muay Thai

6 anos Sim Estética Sim Não Não

P6 46

anos

Ensino superior completo

Casada Caratê 37 anos Sim Família Sim Não Não

P7 19

anos

Ensino superior incompleto

Solteira Judô 12 anos Sim Família Sim Não Não

P8 28

anos

Ensino Médio completo Solteira MMA (Muay Thai, Wrestling e Jiu-Jitsu) 13 anos Muay Thai; 1 ano e meio Jiu-Jitsu

Sim Família Sim Sim Sim

P9 30

anos

Ensino superior completo

Solteira Boxe 17 anos Sim Técnico

(professor de boxe)

Não Sim Não (mas já recebeu bolsa atleta e patrocínio de marca no passado) P10 26 anos Ensino superior incompleto

Solteira Boxe chinês e atualmente MMA (Boxe profissional, Muay Thai ,

Jiu-Jitsu)

13 anos No início não, depois

de vitórias sim

Família Não Sim Não

(apenas apoios: protetor bucal, ajuda de custos)

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14 3.2 Descrição da tabela

A idade das participantes se encontra entre 19 e 46 anos de idade. Uma das participantes possui ensino médio completo, seis possuem ensino superior incompleto e três possuem superior completo. Todas as participantes tiveram algum apoio familiar, e a média em anos de prática foi de 13,7 (DP 9,41). Apenas uma das participantes era casada (P6), sendo as demais solteiras, mas três mencionaram estarem namorando. Quase metade das participantes (P7, P8, P9 e P10) começaram a competir aos 14 anos, apenas uma começou a competir na infância (aos sete anos) e apenas duas começaram a competir já sendo adultas (18 e 27 anos) sendo esses dados não encontrados na tabela, porém apontados nas entrevistas. Quase todas as participantes aderiram ao esporte de luta por influência da família (P1, P2, P3, P4, P6, P7, P8, P10). A maioria das participantes sofreu lesões esportivas com afastamento (P1, P2, P3, P5, P6, P7, P8). Mais da metade das participantes relataram ter sofrido algum tipo de estigma ou preconceito por serem mulheres que praticam esportes de luta (P2, P3, P4, P8, P9 e P10). No momento da entrevista apenas uma das entrevistadas possui um patrocínio assinado, visto que no relato 6 dessas mulheres apontaram a falta de apoio financeiro como algo bastante recorrente, existindo uma grande dificuldade para conseguir patrocínios no Brasil.

4. Núcleos temáticos

Os resultados das dez entrevistas realizadas com as mulheres são apresentados a partir da definição de dez núcleos temáticos que buscam responder ao objetivo proposto, a saber: Significados, Competição, Influências, Machismo, Disciplina, Corpo, Feminilidade, Saúde, Igualdade e Sacrifício.

4.1 Significados: formação de identidade da esportista

Ao relatarem sobre o significado dado ao esporte de luta, foram feitos alguns relatos com uma grande carga afetiva. Os relatos abaixo ilustram essa observação:

“[…] Amo conseguir trabalhar com o que eu posso que é o Taekwondo, então ele me trouxe tudo na minha vida, tudo. Eu não tenho… o que eu faço ou o que eu devo é o Taekwondo.” (P1).

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15 “É quase que a… o sentido da vida assim (risos) quase que o motivo de acordar da cama e ah, vou viver pra conseguir ir pro Jiu-Jitsu sabe? É quase que o sentido da vida assim.” (P2). “Ah para mim é como se fosse um estilo de vida. Porque eu levo a filosofia para fora da academia também.” (P3).

“Eu sou uma menina muito tímida. E quando eu to no ringue eu não sei eu sinto que as coisas não têm limites tipo, eu me sinto bem, fazendo o que eu gosto. É… sinto que as coisas fazem sentido, representa… eu não vou falar que tudo mas é onde as coisas fazem sentido sabe? É… é muito importante pra mim, é onde eu me encontro, é a minha paz é o meu refúgio. É isso que representa.” (P4).

“O que me identifica… acho que é mais assim… segurança, acho que é… felicidade! De fazer algo que eu gosto, é.” (P6).

“Pra mim eu gosto mais do Judô por causa da filosofia dele também, o que ele representa entendeu?” (P7).

“A minha vida né? Falo que o esporte ele não… é o que eu sou. Eu sou atleta eu vivo disso, eu amo o que eu faço, e apesar de todas as dificuldades, é minha grande bateria da vida né. Eu acordo todo dia motivada, e afim de crescer e desenvolver e buscar mais, pra conquistar as coisas que eu desejo.” (P8).

“Então foi, eu escolhi na verdade não… eu escolhi a técnica. Me apaixonei por essa ideia do boxe pra mim foi muito novo assim, muito desafiador sabe? Tudo. […]O combate em si pra mim foi segundo plano, mas aí como na terceira na quarta luta eu já me apaixonei [...]” (P9). “Eu acho assim, pra mim, hm… vai além do que o socar e bater sabe tipo socar é… socos e chutes. É… vai… te ajuda a desenvolver como eu posso falar… ah… mentalmente né, é… molda o seu caráter, é… faz você ser uma pessoa melhor, assim na sociedade, né. Então vai muito além do que você fazer um esporte pra emagrecimento, pra defesa pessoal. É isso.” (P10). Os relatos mostram que as participantes percebem o esporte de luta como sendo algo além do objetivo principal ser o enfrentamento físico direto com um adversário (Rufino &

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Darido, 2012), sendo que em diversos desses significados foram atrelados a formação de caráter, a identificação e o desenvolvimento pessoal.

4.2 Competição

Nessa categoria constata-se que os significados estão relacionados à superação e o crescimento pessoal.

“o Taekwondo ele tem dois lados, dois aspectos né? Ele tem o lado da formação de caráter como, é… ser humano todo em si, a filosofia da arte marcial. E tem o lado da competição, né? Que é o que mais me fascina, então é um pouco disso que me traz.” (P1)

Ao retornar a treinar após cinco anos parados, P2 ressalta:

“[…] Eu achava que eu já teria me aposentado que nunca mais eu ia voltar a lutar e aí agora tô de volta na atividade (risos) então eu me sinto meio orgulhosa assim de ter uma superação [...]” (P2)

“É... experiências novas eu acredito, e porque como eu pretendo dar aulas eu acho que é bom eu ter a vivência dentro da competição se eu tiver algum aluno que queira competir um dia eu vou ter uma base de falar olha eu já passei por isso, e vai lá que é normal.” (P3)

“[…] quando chega no ringue tipo parece que eu tô dentro de uma bolha assim, parece que eu to inalcançável que ninguém tá me vendo, porque sou só eu e a menina e tipo eu não consigo pensar em… eu não ligo pro público. Eu não me sinto tímida, eu consigo tirar onda no ringue, tipo me sinto em casa é muito estranho. Eu acho que pra mim, a questão principal foi essa. Vencer a timidez só que dentro do ringue, porque fora (risos).” (P4)

“[...]Eu gosto muito de lutar é pra sentir aquela adrenalina né, é… você nunca sabe é… como que o seu adversário vem, então você sempre tem que ta se… é… se preparando bem, pra qualquer tipo de situação né? Então essa questão assim… do… meio que do desconhecido do que você vai encontrar lá, eu acho gostoso sentir assim…” (P5)

“[…] só treinar pra saúde eu acho que não tem graça, eu tenho que ter um… uma motivação, alguma… algum motivo pra eu continuar treinando, e conseguir poder desafiar, eu acho que eu gosto disso sabe? Então… é… desafio, pra mim é bastante importante.” (P6)

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17 “Satisfação, felicidade. Você tipo ter treinado, e chegar ali e você sair e falar, por mais que não ganhou, falar “Pô, dei o meu melhor”. É bom.” (P7)

“Ah eu sou viciada né, sou extremamente viciada em competição eu amo aquela adrenalina, aquela emoção. […] essa sensação de o que será que vai acontecer? […] Você fica com raiva, você fica brava, você fica tensa?”, eu fico com vontade de chorar, normalmente eu entro no ringue já com umas lágrimas escorrendo porque o negócio me deixa muito emocionada. Eu eu amo muito assim, é tudo aquilo, todo aquele cenário.” (P8)

“Eu acho assim… a adrenalina que a gente sente na luta, pode ser mais pessoal né… É um medo, só que é o que você faz com esse medo. […]. Se você consegue, é… transformar isso em motivação, em alegria em ta superando esse medo, vira um vício, muito grande.” (P9) “Um sonho. É… como eu falei é de você… é como qualquer um tem um sonho de ter uma profissão né? Uns tem sonhos de serem médicos né, e ajudar vidas… uns policiais, o nosso né… de atleta, lutadora é estar entre as melhores. […] Sentimento… ah… não sei dizer. De superação, de… estar entre as melhores acho que é isso né?” (P10)

4.3 Influências: modelo da iniciação esportiva

As influências apareceram no discurso das participantes de diversas formas, a partir de pessoas próximas que faziam o esporte, familiares e até mesmo inspiração em atletas. O incentivo e o apoio apareceram em todos os discursos como forma de influência positiva a se manterem praticando:

“[…] meu mestre também me incentivou, e eu to até hoje. […] E a minha família sempre me apoiou, claro. Você ta praticando um esporte você perde um pouco de tempo ocioso. Né, então, sempre me apoiaram até hoje! […] E, mas já tive assim, de ser campeã brasileira, e você representar sua cidade até hoje são fatores que te levam sempre a tarem te motivando. (P1) “[…] influência assim do meu primo que fazia. [...], mas em compensação a minha mãe ela me acompanhava, assim nos campeonatos. Porque eu era de menor, e ela tinha, alguém tinha que viajar comigo. E aí minha mãe sempre ia, então minha mãe sempre fãzona assim. […]” (P2)

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18 “Eu sempre me identifiquei bastante, porque talvez pelo fato de eu ter vivido bastante tempo com meninos, e sem falar das brincadeiras e tal, piadas, sei lá acabava aquelas brincadeiras besta com eles, e por causa do meu pai, eu via muito ele fazer lutas com ninchaku [...]” (P3) “O meu treinador viu que eu tava me identificando bastante, que eu tava me dedicando, não faltava. Ele viu um diferencial em mim e sugeriu pra eu fazer um trabalho diferenciado pra competir e tal”. […] (P4)

A participante P4 também ressalta a influência do pai e primas, como se observa no relato abaixo:

“Então quando eu era criança meu pai, meu pai ele é lutador, ele era né. […] então quando eu era criancinha eu lutava Caratê. […] então eu sempre meio que gostei assim, por conta da minha família, meu irmão ele também, […]. A minha prima ela é também capoeirista, na verdade acho que todas as minhas primas tipo assim por parte da família do meu pai é, fizeram capoeira ou uma arte marcial. Então meio que tipo, é de família, ta na família, ta no sangue […] minha mãe me inspira muito eu sei que é clichê, mas, puta mulher batalhadora. (P4)

“ É… meu pai já sempre que dá ele vai, né, vai acompanhar. E meus irmãos também quando dá eles vão. E nas últimas lutas minha mãe acabou indo também, então ela… ela meio que já… já aceitou né. […] Olha da minha academia, eu sempre me inspirei bastante… é… numa outra menina que treina, né… que é a [nome atleta], que ela… sempre achei ela muito técnica, é… sempre que ela luta ela luta super bem sabe?” (P5)

“Foi através do meu pai mesmo, que no começo a gente começou meio que forçado né, mas aí depois a gente começou a ter mais amor, ao esporte sabe? Então desde os 7 anos eu comecei, e até hoje to. Foi através do meu pai.” (P6)

“Meu pai sempre gostou muito de jiu-jitsu, antes no início eu fazia balé, porque eu tenho um problema na coluna aí falam que é bom né. Aí depois de um tempo fazendo, aí eu lá toda ogra no meio das delicadinhas, aí minha mãe falou ‘não, eu vou colocar essa menina no judô’ porque minha mãe é professora de educação física. Aí então ela sempre teve também bastante contato, e acabou colocando. (P7)

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19 […] meu pai é um grande amante de artes marciais, é um grande amante de esporte. Meu pai já fez dois Iron mans, é… outros triatlos, maratonas aquáticas… e meu pai fazia Caratê. Então ele sempre me incentivou a praticar, e eu já tinha tentado outras coisas […] Mas… acho que eu desdobrei eles mesmo, foi com… 17 anos, eu dei o meu primeiro seminário feminino, e eu convidei minha mãe pra ir, é… parte teórica converso um pouquinho conto um pouquinho da minha história e depois é mesmo a parte prática. Ela foi só pra conhecer porque a minha mãe não faz Muay Thai. E aí aquele dia ela falou assim… ela ficou muito emocionada e ela disse que ela tinha muito orgulho de quem eu tinha me tornado. Que ela tava muito feliz, que ela não imaginava a mulher gigante que eu tinha me tornado, então lutar é apenas um detalhe, eu ganhei na transformação de ser humano mesmo, e esse dia eu nunca mais me esqueci.” (P8)

“Então no começo foi um susto pra todo mundo, ninguém queria. Aí depois, olha que legal, nessa luta que eu perdi uma das coisas que meu pai falou foi assim: ‘[nome da participante 9], é… eu não queria que você lutasse, mas agora que você lutou você vai… e você perdeu, você vai treinar, e só vai parar quando você ganhar.’ ele é bem assim sabe, e… minha mãe, minha mãe assim, minha mãe era aquela pessoa que tipo me apoiava em tudo sabe? Ela não queria, mas ela tava lá, torcia e tal. E aí depois disso, minha mãe acabou sendo presidente da… do boxe feminino. […] (P9)

“[…] meu pai começou a assistir luta de boxe, e aí eu comecei a acompanhar ele, e aí toda vez… aí eu comecei a me apaixonar pela luta, e aí eu falei ‘não, quero ser boxeadora’, isso eu tinha uns 12 anos, 13 anos. Não, quero lutar, quero lutar, então eu sempre fui acompanhando e fui me apaixonando pela… pela luta né. Só que aí eu conheci um amigo que fazia kung fu, e ele falava muito assim: “ah hoje o professor passou isso”, aí eu falei não, eu quero conhecer a sua arte né, me leva lá pra conhecer a academia, e ele me levou. […] Tenho o meu mestre, que ele é… ele começou lá de baixo, e hoje ele tá entre os melhores e a cada dia que passa ele… ele tem conquistado mais coisas assim, patrocinadores. […] E o que eu vejo, o pouco… assim o pouco tempo que eu to lá, eu vejo que ele cuida muito dos atletas, como se fosse filhos. Então ele ajuda muito, ele vê assim como uma família né, então além dele cuidar é… da carreira dele

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20 ele também busca cuidar dos atletas dele né, proporcionar o melhor. Então ele é uma inspiração pra mim, fora da academia a [nome atleta], que é a lutadora de Muay Thai né, é bicampeã mundial, ela sempre foi uma inspiração pra mim”. (P10)

4.4 Machismo

Temas relacionados machismo se apresentaram em diversas entrevistas, visto que o esporte de luta ainda é visto como um ambiente predominantemente masculino. Algumas participantes ao serem questionadas diretamente a respeito de preconceito de gênero negaram ter ocorrido, mas em meio a outras perguntas mencionaram um pouco da vivência do machismo nos ringues e tatames:

“meu próprio pai sempre foi meio machista assim, nesse ponto. E ele sempre falava que ah por eu ser mulher eu tinha que fazer alguma modalidade mais feminina, e logo esportes de combate não. Que ele sempre falava que eu ia ficar com o corpo de homem. […] Ah sim. É… pelo meu próprio pai né, desde criança quando eu, assim que eu fui escolher. Até por ser subestimada por aluno, de às vezes não me conhecer e chegar e, ‘ah, mas, a professora é uma mulher?!’ sabe? (risos) [...] ‘ah eu não posso perder pra uma mulher porque vai ficar feio’ aí fica feio pra ele porque aí eles fazem toda a força do mundo, perde a técnica, perde a linha e perde para uma mulher. (risos) […] é complicado porque eu sempre escutei assim, e: ‘ah, cê luta, cê luta igual homem’ sabe? E aí eu falei, eu sempre falei tá legal, luto igual homem, mas... o que é lutar igual homem? Sabe? Por que que uma mulher não pode lutar igual homem sabe? E o que é lutar igual homem? Fim né (risos). […] E aí… por que uma mulher não pode lutar bem né? Ou então, quando alguém ta dando “migué”: “ah tá lutando igual menininha!” Sabe? E aí… eu fico… aí por conta de escutar isso muito, eu, às vezes eu negava sabe? Aí às vezes eu falava: “Não sou menina então.” sabe? (risos).” (P2)

“[…] ‘ah, você é mulher você vai sair primeiro’, ‘você não vai aguentar’, ou essas coisas, vão olhar pra sua corda, você pode ser corda azul que na capoeira na corda azul você já é graduado, mais ou menos você tem que ter 6 anos de capoeira dentro da mesma academia, mas lá vai ter

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21 essa diferenciação porque você é mulher e já vão te olhar torto. […] aquelas brincadeirinhas ‘ah você faz luta então não vou mexer com você’, as pessoas brincam mas eu acho que não é porque eu sou mulher e que eu luto que as pessoas não deveriam mexer comigo, as pessoas não deveriam mexer comigo de nenhuma maneira. [...] ‘ah ela é mulher e é pequena, e é magra então não sabe lutar, ou não aguenta’. [...]é algo que incomoda bastante porque a gente tem que ter força para enfrentar o machismo que a gente encontra, porque o machismo não vai vir só dos homens, vai vir das mulheres também, porque às vezes elas falam ‘ah mas é coisa de homem’ e já te olham meio torto assim, então acho que isso é algo que incomoda e que não é porque incomoda que a gente tem que deixar de lado, acho que a gente tem que buscar batalhar e mostrar de frente […] eu acho que eu posso ser mulher dentro de um tatame, dentro de um ringue”.” (P3)

“Eu acho que, eu acho difícil, é… por conta do… tipo por exemplo, é... eu treinava numa equipe onde tinham 10 caras e só eu de mulher, aí pensa, aí tu vai correr na praia com os caras, aí um monte de mulher de biquíni, aí tu tem que ficar ouvindo os caras comentando das mulheres. Aí porque, sei lá, muito assunto de homem e que… de homem escroto, de homem babaca e a gente tem que ignorar, abstrair e fingir demência porque num num dá, pra você se estressar todos os dias. Tipo brigar, os caras tipo tentavam me respeitar e tal, tipo é… sempre tinha um ‘ó a menina aí, ó tu vai ficar falando essas babaquices aí’ e não sei o que lá, mas tipo direto tu ouve comentário machista, “ah porque tu vai ficar treinando que nem uma menininha, tu vai não sei o que lá” sabe essas coisas assim tipo? Incomoda, incomoda de verdade e… e é difícil você ouve muita gracinha assim, por mais que tipo você crie um afeto com a galera, se torna a sua família mas mesmo assim tipo, por ta em maioria homens, os homens tipo você acaba tendo que lidar com umas coisas desagradáveis.” (P4)

“[…] na época que eu comecei nenhuma mulher tinha ido pra Tailândia ainda, e eu fui uma das primeiras eu ouvia comentários de outros atletas até já renomados no esporte, falando: ‘ah vai levar mulher pra que? Pra Tailândia mulher não dá dinheiro, mulher não dá nada’ e…, mas

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22 nunca foi algo que eu questionei. Eu trabalhei e mostrei, então nem até pra minha própria família eu entendo que é difícil pras pessoas entenderem as vezes né, ainda mais naquela época 13 anos atrás era bem diferente. […] Apesar de eu ser uma pessoa muito respeitada, eu sei que, por exemplo, quando eu vou dar um seminário na cidade, numa academia que ninguém me conhece. Um seminário misto, eu sei que eu… as pessoas estão lá porque elas me admiram, mas… elas tão ‘Puts será que vai valer a pena mesmo? Puts investi tanto será que… porra… uma mulher’... então eu vou e mostro, eu sei que eu tenho que mostrar. Sei que eu tenho que ser, é… convincente porque as pessoas sempre indiretamente é algo já embutido ‘será que é tudo isso? É uma mulher’. Mas eu acho incrível desbravar, eu acho incrível conquistar o respeito das pessoas e eu mesma não tenho problema. Acho que eu sou… interajo tão bem com os meninos, que a maioria deles são meninos que eu treino que… hoje em dia eu não tenho mais problema não.” (P8)

“Justamente porque é sofrido, sabe? E nos próprios parceiros de treino, não é só fora. Fora existe bastante ‘Ah então você é…’ Sabe todo mundo fala assim ah você luta? Não é? Você deve passar por isso, ‘Você luta? Ai que medo’, ai como se você fosse né… É engraçado mas tem uma coisa por trás disso que não é tão legal. Tipo coloca como se você fosse um bichinho, fora do… da caixinha assim. Sofri, sofri bastante preconceito, até porque no começo eu usava bastante os uniformes dos meninos, a gente não tinha uniforme. […] Então… foi difícil, pra caramba, foi uma luta. No começo, é… a gente sofre bastante… todo mundo acha que a gente entra no esporte pra… por conta dos… dos homens que tão lá dentro, ou porque você é masculina. Você tem duas opções: ‘ah ela ta aqui porque ela quer pegar todo mundo’ ou ‘ela ta aqui porque ela é um homem’, entendeu? Então mudar essa… essa visão foi bem difícil assim pra mim.” (P9)

“O MMA você tem muito menos mulheres, e mais homens então você vê que às vezes você tá treinando aí tem caras que… que tem… que discriminam porque ‘ah, não quero fazer’, aí corre de você no treino, sabe? E tem outros não, tem outros ‘vou fazer, pra ajudar tal’ então às vezes

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23 acaba a gente… a gente acaba sofrendo isso, por ser mulher eles nos enxergar como sexo frágil, ah a gente não vai conseguir chegar ao nível deles, né. Então acho que é um pouco, é… dentro da do tatame, dentro da sala de aula a gente sofre um pouco com isso. É então acho que um pouco de preconceito, é… por a gente ser mulher, então sofre um pouco sim.” (P10)

4.5 Disciplina

A disciplina apareceu como um marcador das artes marciais, tanto em relação a competição, como em relação ao respeito entre colegas de treino. Seguem os relatos em que a disciplina foi um ponto de destaque:

“A gente a hora que tá treinando, competindo tem que se desligar, é outro mundo, e isso é muito difícil [...]” (P1)

“Eu acho que o sentimento maior assim, parece que é de superação assim. É uma coisa que é… parece que você, passa um filminho na sua cabeça assim e cê lembra tudo que você fez pra se preparar pra tá naquele momento e aí… é… e aí você olha e fala: puxa, é isso é, fiz tudo que eu podia e agora… agora eu só vou fazer, vou dar o meu melhor de mim aqui e agora.” (P2) “Porque eu acho que a disciplina, dentro da luta é o principal. Acho que qualquer luta que você encontrar, ela te passa uma disciplina bem diferente. […] Porque apesar da gente ser criado, ‘criado’ dentro do esporte você tem uma disciplina maior, acho que você aprende a ter um respeito maior com o próximo, dentro da luta. […] você aprende que você tem que respeitar todo mundo igual, apesar de ser faixa maior ou faixa menor você tem essa disciplina de como agir.” (P3)

“No começo assim era um lazer, mas depois que eu comecei a competir, aquilo se transformou num ofício. […] Tipo não é lazer, é ofício mesmo, se eu to num esporte se eu to naquilo é porque eu quero dar o meu melhor eu quero o topo. […] o objetivo é o topo, sempre, sempre, sempre, sempre. […].” (P4)

“é… você nunca sabe é… como que o seu adversário vem, então você sempre tem que ta se… é… se preparando bem, pra qualquer tipo de situação né?” (P5)

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24 “Porque a gente fala esporte de combate, mas dentro tem toda uma filosofia. Que é a disciplina principalmente, então lá a gente aprende a respeitar o professor, a gente aprende a respeitar os graduados, respeitar os… os adversários não os… como é que chama, os inferiores também né, então é um respeito que tem dentro de uma academia sabe? Então acho que isso, acho que isso é importante. […] Então a gente… quando uma pessoa pergunta… ou numa entrevista de trabalho, quando a gente fala que a gente faz uma arte marcial, então automaticamente o entrevistador já pensa: ‘Ah... acho que ela deve ser uma pessoa mais centrada, mais disciplinada’, e aí às vezes a gente tem chance dentro de vaga de trabalho também né.” (P6) “é um esporte que eu gosto, ele impõe muito… é respeito que você tem uma hierar… uma hierarquia é isso.” (P7)

“A disciplina no treino né, você… olha que engraçado eu dou aula aqui pra médicas, advogadas, mães… e tal né. Então assim você pensa em mulheres de 40 pra cima. E que não tão muito acostumadas, ah… porque… é mãe né? Ta acostumada a mandar né? A criar disciplina pro filho, então… não que não tenha essa disciplina, mas não ta acostumada mais com isso né?. Você tipo chegou cinco minutos atrasada você vai pagar flexão. […] O respeito ao esporte, o respeito as atletas que tão aqui dentro. Então se você chegou numa academia normal, você chegou pra treinar cinco minutinhos que é o tempo que deu, você ta única e exclusivamente pensando em você. No esporte é legal essa ideia de equipe sabe? (P9)

4.6 Corpo

“Depois que eu operei lógico, algumas mudanças, eu to bem acima do meu peso que eu luto […] e eu estivesse realmente assim, com tantas competições não estaria satisfeita com o meu corpo, porque eu to acima do meu peso. Se você olhar você vai falar assim: ‘nossa não tá’ mas eu to acima do meu peso pra luta. Então você sente joelho, você sente costas, mas esteticamente eu tô ótima, não tenho do que reclamar. Mas pra competição pra voltar, eu estou bem longe do que eu quero. […] Não. Não mudaria nada, assim mudaria a minha altura né? Isso pro

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25 taekwondo é essencial, mas não mudaria nada, só tem que perder mesmo o peso para voltar a minha categoria atual.” (P1)

“Esteticamente eu gosto, de como eu sou agora. Mas pro, pra nível competitivo, eu sei que eu preciso perder ainda mais gordura e ficar só massa muscular assim. Então, é se fosse só a nível estético por mim tudo bem.” (P2)

“Assim, satisfeita satisfeita não mas, não tem nada que me desagrade. Às vezes me incomoda no sentido de as pessoas falarem as vezes: ‘ah você é muito magra’ ou essas coisas porque eu to fora de peso da categoria.” (P3)

“Então, eu não to satisfeita com meu corpo porque eu gostaria de ser mais pesada, tipo uns 50, 55 kg […] Ah eu acho que eu colocaria silicone […]”. (P4)

“Olha é… pra mim foi super importante porque eu entrei pra perder peso né. É… o intuito foi só de perca de peso mesmo e então trouxe assim… vários benefícios né, pra minha vida. Olha…[…] ainda preciso né me policiar um pouquinho mais, quando eu não to em competição eu acabo abusando um pouquinho né, mas assim é… se comparar do que era antes… é… de eu começar a treinar e agora, foi uma… uma transformação muito boa sim, mas ainda… ainda preciso me empenhar um pouquinho mais pra ficar como eu quero. […] (P5)

“Ah, a gente tiraria uma gordurinha ali, uma gordurinha aqui002C mas nada que me incomode muito, que me traga… eu gosto. A gente aceita (risos).” (P7)

“Ah… queria ter menos tendência pra engordar, comer a vontade e não engordar isso seria incrível. Ah quando eu parar de lutar eu falo que eu vou colocar silicone, isso eu quero.” (P8) “Eu me sinto satisfeita. Mas o boxe ele traz umas costas muito largas assim né. E é uma coisa assim que talvez eu… não eu não sei se eu mudaria, mas assim… sei lá, não sei. Talvez me atrapalhe um pouco as costas assim.” (P9)

“Eu não, não to satisfeita com meu corpo (risos). Acho que muito da minha personalidade, eu sou muito perfeccionista, to sempre buscando melhorar, então acaba juntando tanto a parte do esporte que a gente tem que ter uma categoria de peso, manter. […] Sim, eu colocaria silicone

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26 (risos). Acho que seria uma parte assim que eu, que eu… que eu ajustaria em mim né. É isso.” (P10)

4.7 Feminilidade

A respeito de feminilidade todas as participantes marcaram como sendo uma característica importante, apesar de demonstrarem que existem feminilidades plurais e que procuram fazer o que as faz se sentir bem, ao mesmo tempo que com frequência se encontram dentro de um padrão normativo da feminilidade.

“Ah é super importante né? […] vejo que tem muito preconceito com relação a esporte de luta mulher. Todo mundo acha que faz luta, você é, acaba, não é tão feminina né, assim. E isso não ocorre. […] Eu sou super vaidosa, assim eu sempre, unha bem feita, cabelo bem feito. É lógico que a gente tem um roxo aqui, um roxo ali não tem o que fazer. Mas eu sou super bem feminina”. (P1)

“[…] eu acho que a grande maioria das mulheres que estão na luta a gente não se encaixa muito nessa coisa de ah ‘eu sou salto alto’ e o tempo todo maquiagem porque atrapalha bastante, você não consegue lutar maquiada. Mas ao mesmo tempo a gente tem momento que quer estar maquiada, a gente talvez queira usar salto, quem gosta, eu não gosto. Mas vestido e tal acho que não é porque eu sou “masculina” igual muitos acham, dentro do tatame que eu não posso ter minha parte feminina e querer vestir algo que supostamente é só para mulher muito feminina, então acho que é de gosto pra gosto.” (P3)

“ Eu acho que até por conta de eu ser lutadora, antes eu era mais vaidosa, mas tipo como eu o tempo todo tipo “sai do treino toda suada descabelada, e tem que treinar clinch toda suada todo mundo junto aquela coisa” aí sei lá eu perdi muito a vaidade por conta do esporte, não tem como você ser tipo muito vaidosa fazendo arte marcial, não tem tipo, você não vai se preocupar se seu cabelo tá bom, ou se você tá com sei lá com uma espinha, você vai treinar independente de qualquer coisa, então eu acho que no esporte você não pode ter vaidade. Não pode.” (P4)

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27 “Então mesmo eu praticando Caratê, eu gosto de manter… eu sou bem vaidosa. Então eu mantenho, eu sou bem feminina [...]” (P6)

“É tava me sentindo muito macho, pintei a unha.” (P7)

“Então talvez alguém me olhe e não me ache tão feminina, alguém olhe e ache que eu sou feminina, mas não… é algo que eu pense assim, eu só sou o que eu tenho vontade de ser, sem me ligar muito em padrões. E aí o que as pessoas acham se eu sou ou se eu não sou eu já não sei mas também é um problema delas não meu (risos).” (P8)

“Mas… a mulher que luta ela sempre tem aquele olhar assim, ah ela é um pouco masculina […] A mulher ela é forte demais. Muito forte, eu acredito muito na mulher […] eu acho que a gente é muito mais forte do que qualquer homem. A gente enfrenta qualquer batalha, na vida e tal. E trazer isso pro esporte, é muito importante.” (P9)

“Eu acho que é fundamental, porque muitas pessoas criticam ‘ah vai começar a lutar, vai virar hominho. Vai ficar… vai ficar masculina’. Então acho que é uma… é uma… é uma parte importante da gente manter, esse nosso lado feminino né? Mostrar que o esporte ele não muda a pessoa né, que a luta não muda a… a mulher. Mas pelo contrário, a gente tá lutando a gente tá buscando ter um físico mais forte mas nunca deixando a feminilidade de lado.” (P10)

4.8 Saúde

A saúde e a qualidade de vida foram trazidas em algumas questões para as participantes, e em suas respostas observou-se que em geral há uma melhora na qualidade de vida a respeito da saúde como uma instância multifatorial, referindo não apenas a saúde biológica, mas a saúde psicológica e social também foram incluídas no relato. Pode-se observar também a questão do sacrifício da saúde em relação a parte competitiva (esporte de alto rendimento) que será mais bem abordado em outra categoria.

“O Taekwondo arte marcial ele tem todo o benefício para a saúde, disciplina, respeito,

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28 “nas fases da minha vida que eu treinei menos, que eu… que eu não tava treinando tanto eu… eu acabava tendo um estilo de vida bem ‘junk’ assim. Eu percebo que quando eu to treinando mais eu me alimento melhor, eu… durmo mais cedo acordo mais cedo. Enfim eu tenho uma… uma rotina totalmente diferente assim.” (P2)

“quando eu vim pra São Paulo, que eu voltei a três anos, eu voltei pra cá eu tava afastada de qualquer esporte, meu pai não tava morando comigo, não tava treinando nada, aí eu no começo eu senti um impacto muito grande. […] Eu tava sentindo uma solidão bem grande, mas quando eu comecei, eu voltei a lutar então eu meio que achei o chão de volta. Então nesse sentido acho que foi bom.” (P3)

“A gente tem, a gente fica com o condicionamento muito melhor, é... Ah é muito notável isso no nosso dia-a-dia. Mas pra mim mesmo, o principal foi a timidez porque eu tenho muita dificuldade, juro, pensa numa pessoa que passa mal de ver público, de ver pessoas, eu não consigo falar em público, eu não consigo, eu tenho muita dificuldade eu sou muito tímida. Muito, absurdo absurdo absurdo! Tipo de chorar assim, entrar em pânico, tremer, vomitar... […] hoje eu não me vejo sem esporte […] eu sempre tenho que ta fazendo alguma coisa pra me sentir bem, pra eu me sentir viva’ (P4)

“Olha pra mim é… primordialmente a perda de peso né? Perdi bastante peso, foram 30 quilos que eu consegui perder né, é… a melhoria da autoestima, que a gente melhora né, é… a autoestima, é.… […] Olha… […] a minha autoestima melhorou muito, né, e… as formas também de encarar os desafios né, é... […], o treino é… como meu técnico falava, não só pra luta mas pra vida né, então, questão de disciplina, de respeito, de você…. é… lidar com o outro também, né. Então isso acaba ajudando bastante, e é… e eu sou uma pessoa que eu sou… eu sempre fui muito tímida né? Muito introvertida, então o… o treino em si também me ajudou bastante nisso né, como você tem que lidar sempre com pessoas né, e… e sempre em nível diferente enfim, então isso ajudou bastante na minha vida também.” (P5)

“é bom, quando por exemplo você ta com stress né? Acumulado, eu acho que arte marcial, o esporte me ajuda bastante a tirar o stress, então eu fico melhor.” (P6)

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29 “É um esporte ao todo eu acho bom praticar por causa da saúde, essas coisas, mas… véio é… sei lá, convivência é… que te traz é diferente assim só você fazendo assim você tem essa noção.” (P7)

“Quando eu entrei no esporte eu era uma menina muito tímida, muito retraída, tinha muitos problemas com autoestima e o esporte me ajudou a vencer, e a desenvolver todas essas coisas que me faltavam. Óbvio, não que eu não tenha ainda, mas é que o esporte me ajuda, em contrapartida não só com o corpo, mas com a minha personalidade mesmo. A construir, a confiar, a acreditar, a saber o quão forte eu sou pra superar as coisas porque o esporte é uma superação, é um empoderamento você se sente forte, […]. E o corpo, e a saúde, é óbvio que é consequência né, é porque a gente treina bastante! [...] Eu tenho muitas lesões por causa do esporte, porque assim é diferente quando a gente pratica um esporte por… por qualidade de vida. O que eu faço, qualquer atleta não é saudável né, ser atleta de alto rendimento não é saudável. Então com certeza o meu corpo ele, pra idade que eu tenho ele é bem machucado […] então tem o ônus e o bônus né, escolhido a vida de atleta.” (P8)

“além do físico e tudo mais, eu acho que a cada treino e principalmente pra quem compete e tudo mais, trabalha muuuito o mental. Você precisa o tempo todo do mental, e eu acredito eu falo isso pras minhas alunas, que é 80% mental, o resto físico. […] Mas… o que me agrada mais é o mental, realmente.” (P9)

“Sim. Hm… principalmente alimentação (risos). Porque a gente tem que manter um peso, pra treinar também a gente tem que ter uma… manter uma boa alimentação. Já passei de… assim de me alimentar mal e treinar assim, é muito ruim.” (P10)

4.9 Igualdade

Ao serem questionados sobre o esporte ser considerado historicamente masculino, algumas participantes discordaram, outras mencionaram a conquista da igualdade em alguns espaços nos esportes de luta.

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30 “[..] hoje em dia não existe mais isso, de achar que é histórico masculino no esporte, entendeu? Se você chegar aqui, se você ficar aqui 16:30 da tarde que é o treino de competição se tiver quinze pessoas no treino, dez são mulheres. Dez são meninas. Então hoje em dia não tem mais isso, perdeu um pouco essa característica de achar que a modalidade de luta é masculina, ou por ser, de antigamente preconceituoso, tal.” (P1)

“eu acho que sempre teve, a presença das mulheres nas lutas. Inclusive, quando elas não iam pro campo de batalha, quando elas ficavam é... dentro das casas assim, não iam pra guerra migrar pra guerra. Elas também deviam saber artes marciais para se defender caso o exército inimigo chegasse sabe?” (P2)

“Olha eu acho que… não só no esporte mas em tudo, é… a questão das mulheres, né, tomando a frente, ou encarando de frente, batendo de frente acho que tem mudado muito nos últimos anos né, e tem sido pra mim alterações importantes e muito relevantes pra sociedade enfim, é… pra combater aquela… aquele pensamento machista que sempre teve né… de mulher ser o sexo frágil e que… tem que ficar em casa. […] eu me sinto muito orgulhosa de… de encarar a parte da luta e… espero que nos próximos anos tenham muito mais mulheres não só no esporte de combate mas em qualquer tipo de esporte que ela se interesse, que tenha gosto de fazer, né.” (P5)

“Eu nunca vi isso, como esporte masculino. Acho que é porque eu cresci no meio de… de professor que faz Caratê então eu nunca vi o Caratê como esporte masculino, que é só homem que faz. [...] se eu um dia for… assaltada, você não sabe se é por mulher ou homem. Então vai ter que se defender né? Então no treino eu não ligo, se a pessoa bateu no meu peito, se foi golpe baixo isso faz parte. Então é assim que eu encaro.” (P6)

“Eu não ligo muito pra isso não, até porque hoje você tem muitas mulheres que tipo, faz.” (P7) “Hoje em dia a gente vê na novela há 13 anos atrás não, e eu sempre quis provar, mostrar pras pessoas porque é que eu to fazendo isso, e hoje é todo mundo meu fã, todo mundo sabe o que eu faço. Todo mundo tira foto, saí na revista, saí no jornal. Acho que a melhor forma da gente quebrar o preconceito é mostrando o nosso valor. Fazendo as pessoas nos respeitarem. No grito

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31 a gente num arruma nada, só confusão.” (P8)

4.10 Sacrifício

Essa última categoria tem muita relação com algumas categorias já citadas (disciplina, saúde), trazendo o sacrifício das participantes que passaram por lesões, podemos também observar que a questão da ausência patrocínio financeiro no esporte sendo bastante recorrente e motivo de angústia das mulheres praticantes, principalmente as que tem o esporte como profissão. Os relatos a seguir demonstram a relação do afeto e do sacrifício durante a prática do esporte de luta.

“A gente tem assim, é tudo regrado com alimentação, é um esporte de contato físico o tempo todo. Tá sempre machucado, sempre com lesão. É… os gastos também são muito altos, então cê tem que ter um foco assim, gostar muito disso. […] agora com relação a esporte, é bem difícil, hm… você conseguir ficar muito tempo porque é muito contato físico, então você se machuca demais, é muito estresse, emocional, e diversos fatores né. […] Mas devido essa minha lesão, eu fiquei três anos fora, então eles não vão querer saber se você se machucou. Isso não existe pra eles, você tem que ter resultado. Então patrocínio financeiramente não. É tudo arcado pela minha pessoa. […] Esporte, competição ele não é saúde né? Competição é você entregar o máximo que você tem, você está ali todos os dias”. (P2)

“Comecei a treinar com os atletas, porque o treino dos atletas é 100% é muito muito diferente do treino comercial. É… demanda mais tempo, demanda uma alimentação melhor, é muito muito diferente mesmo, é uma dedicação que eu nunca tipo presenciei tipo, nunca vivi em outra área, tipo da minha vida.” (P4)

“No joelho. Então é… eu tive uma… uma lesão… é... no ligamento… [...]é… um foi total, e o outro foi parcial, né. Então foi, foram seis meses de… de recuperação fazendo fisioterapia, musculação, tudo do meu bolso (risos) pra… tentar voltar né, e voltar a ter confiança né, pra chutar principalmente. E também a… a.. voltar a competir né, que foi sempre o que eu, o que eu mais gosto de fazer né, então fiquei seis meses, foi a lesão que eu tive assim grave, e de…

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32 não tão grave na minha última luta eu tomei uma cabeçada e eu tomei três pontos aqui no meu supercílio mas isso é básico né […]. Olha… que eu me lembre… acho que só… acho que você acabou falando da questão do patrocínio que é super difícil da gente conseguir né… principalmente é… nos esportes que não se encaixam em… seja em futebol né, porque futebol você vê futebol masculino né, porque… futebol feminino você vê que quase não tem reconhecimento, patrocínio, então isso acaba pecando um pouco pros atletas em geral né… e… eu acho que só, que eu me lembre assim.” (P5)

“Eu rompi o ligamento cruzado do joelho esquerdo, aí tive que operar tudo… fiquei mais ou menos uns três meses fora. Porque eu voltei antes, não era pra voltar.” (P7)

“Eu tenho duas cirurgias de ligamentos cruzados, duas reconstruções de LCA, uma em cada joelho. Uma fazem quatro anos e a outra um ano e meio. Em média eu fiquei parada nelas um ano né, é uma recuperação bem chata e eu sempre… os meus médicos o meu fisioterapeuta o Então eu tenho essas duas cirurgias, hoje em dia elas tão curadas, elas tão bem. Hoje em dia eu tenho hérnia de disco na cervical, desgaste de cartilagem no joelho… e… várias outras dores. Eu sou uma pessoa bem machucada (risos) são muitos anos, mas de cirurgia são só essas duas mesmo. […] eu só acho que a grande dificuldade do atleta é a parte de patrocínio. Eu tenho alguns apoios, eu tenho patrocínio, ainda tenho acredito que mais que outros, mas mesmo assim é muito pouco. (P8)

“eu acredito que o esporte ele é uma profissão. E muitas pessoas não veem isso, […] E isso mexe muito sabe? […] Então às vezes, muitas vezes o cara os patrocinadores eles não veem muito ah… como posso falar… a parte interna da… da pessoa ser uma boa atleta. Muitas vezes vê a parte externa, ah ela é bonita ela vai ser um… um marketing legal pra minha marca. Então, aí muitas vezes a atleta que não é tão… desfavorecida (risos), que é desfavorecida de beleza acaba sofrendo um pouco com isso. E eu acredito que não é só aqui, lá fora também isso acontece, mas lá fora tem muito mais oportunidade de... de patrocínio, tem academias que te... te dão todo o suporte né?” (P10)

(37)

33 Discussão

Nas categorias Significados, Influências e Competições pode-se observar alguns fatores que motivam essas mulheres a praticar seus respectivos esportes de luta, algumas trouxeram motivações situacionais como a adrenalina sentida no momento da competição por exemplo, outras trouxeram motivações individuais como ser um grande sonho. A motivação mais aceita atualmente por psicólogos do esporte e do exercício é a visão interacional entre indivíduo-situação (Weinberg & Gould, 2016), essa perspectiva interacional da motivação aponta que a constituição pessoal dos atletas e a situação ao serem combinadas resultam em determinadas maneiras de se motivar. O crescimento pessoal é um aspecto que apareceu em quase todos os discursos, e se relaciona diretamente com a forma que essas mulheres (indivíduo) dão significado para suas competições e treinos (situação) transformando situações que muitas vezes envolvem sacrifícios, disciplina, lesões, e machismo em situações de superação que acabam sendo reforçadoras. Na categoria Influências observa-se que todas as mulheres entrevistadas receberam algum tipo de apoio familiar, que corrobora com a hipótese da pesquisa, que partindo dos princípios básicos de Análise do Comportamento (Moreira & Medeiros, 2018) o qual todo comportamento que possui uma consequência reforçadora tende a se repetir e ser adquirido ao repertório comportamental do indivíduo, nesta situação o incentivo de familiares ou de amigos funcionando como um dos reforçadores para a prática de esportes de luta.

Na categoria Machismo, encontramos alguns trechos que corroboram com os artigos de Moura, Bento, Santos, Lovisolo (2010) a respeito da habilidade funcionar como um passaporte de reconhecimento e inclusão, e no artigo de Fernandes (2014) na afirmação de que após conquistas os discursos preconceituosos tendem a ser diluídos. Em Influências (P8) relata um momento emocionante no qual recebe reconhecimento da mãe após um seminário ministrado pela atleta, em outra categoria (Machismo) a atleta afirma novamente que em seus seminários ela precisa “mostrar” o seu trabalho para se provar. Durante a entrevista (P10) trouxe a seguinte fala: " O meu pai ele só começou a aceitar mesmo quando ele começou a ver resultado". O

Referências

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