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Transporte hidroviário urbano em Belém: realidade e perspectivas

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Academic year: 2021

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Os rios são as mais concretas e viáveis “estradas” naturais da região amazônica. Cabe aos espaços urbanos regionais explorá-los como via de transporte, de forma planejada, em comunhão com a preserva-ção ambiental, respeitando a grandeza da floresta e sua biodiversida-de. Belém é uma metrópole predominantemente insular com 65,64% do seu território composto por ilhas. Porém, o transporte hidroviário regular é reduzido em relação aos demais modos, mas de fundamen-tal importância para a população das ilhas. O que se verifica, na rea-lidade, é uma fragmentação do tecido urbano em dois espaços com-pletamente distintos: o espaço insular e o espaço continental, de ocupação completamente diferenciada e, por sua vez, de estágios de desenvolvimento bastante desiguais.

A situação se mostra excludente para a população das ilhas que se vê desprovida do acesso à infra-estrutura social urbana necessária ao atendimento de necessidades básicas e, ainda, sujeita ao uso de um transporte hidroviário não regulamentado, desprovido de regularidade e de segurança. De maneira geral, há dificuldade de acesso a estes locais e de dinamização do setor produtivo em função disto, apesar do grande potencial de aproveitamento econômico do espaço insular.

CARACTERIZAÇÃO DO SISTEMA URBANO

A Região Metropolitana de Belém - RMB possui aproximadamente 1,8 milhão de habitantes, tendo como principais municípios Belém e Ana-nindeua, ambos possuidores de área continental e insular. Belém pos-sui 39 ilhas situadas principalmente na baía do Guajará e rio Guamá (Belém, 1994), enquanto que Ananindeua possui oito ilhas cujo aces-so principal é a partir da baía do Guajará seguido do furo do

Magua-Transporte hidroviário urbano

em Belém: realidade e

perspectivas

Maísa Sales Gama Tobias Universidade da Amazônia Universidade Federal do Pará E-mail: tapajos@amazon.com.br

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ri, ao norte (figura 1). No sentido norte-oeste, tem-se ao longo da orla o rio Pará e contornando a parte sul no sentido oeste-leste o rio Guamá. O sistema urbano na parte continental é constituído de 19 bacias hidrográficas e na parte insular por mais de 30 bacias hidrográ-ficas (Brasil, 1991).

Uso e ocupação do solo

A ocupação da RMB ocorreu através do rio Pará, no século XVII, e, seguindo a cultura dos colonizadores, as edificações não foram feitas de frente para o rio e sim para o interior, característica esta que iria nor-tear toda a evolução urbana e ocupação da cidade para o continente.

Figura 1

Caracterização geográfica da RMB

Fonte: Brasil, 1991 e Sudam, 2001.

O processo de urbanização foi lento até o início do século XVIII, pois a própria topografia e acidentes naturais, com uma grande quantidade de furos e igarapés, contiveram a ocupação territorial em pelo menos 40% da área continental, chamadas de “áreas de baixadas”. Porém, em meados do século XIX se deu um grande incremento comercial em Belém, proveniente da produção e comercialização da borracha. A prosperidade teve papel marcante para a reorganização espacial da cidade, principalmente no que diz respeito à integração do espaço

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intra-urbano com a área portuária. Na metade do século XX, inicia-ram-se as obras para a construção de um sistema de diques, canais e comportas com 6,5 km de comprimento, ao longo da orla fluvial do rio Guamá, extremo sul da cidade de Belém, com a finalidade de pro-teger as áreas baixas contra inundações e marés. Na década de cin-qüenta houve o início de um processo de ocupação generalizado da orla nas terras baixas ao longo do rio Pará e do rio Guamá, de manei-ra desordenada, tanto no espaço entre o dique e a orla, com o uso comercial, quanto na margem interna do dique, com o uso habitacio-nal (ver figura 2).

Figura 2

Avenida Doca de Souza Franco em 1906 e 2004

Fonte: Penteado, 1968; disponível: http://www.fotolog.net/belem/?photoid=9539554.

O processo de ocupação de terras baixas se refletiu ao longo da orla. Com a consolidação da ocupação, as atividades informais de peque-no porte acabaram por ceder lugar a empreendimentos maiores, como madeireiras, indústrias de beneficiamento de produtos advindos do interior, transportadoras e estabelecimentos de serviço. Neste proces-so de urbanização, a região das ilhas sempre esteve à parte com uma população fixa de ribeirinhos estimada em pouco mais de 25.000 habi-tantes (IBGE, 2000), o que significa aproximadamente 0,7 hab/ha para uma área de 311,64 km2do total de 627,51 km2, correspondente ao

ter-ritório de Belém e Ananindeua. Em termos de uso do solo, 73,9% da zona rural dos municípios em questão estão na parte insular, assim como, 90% do solo ainda são constituídos de mata nativa.

Aspectos socioeconômicos

As populações do espaço continental e do espaço insular possuem características socioeconômicas completamente distintas. Na tabela 1 tem-se a evolução populacional em 50 anos, atentando para o aumento de densidade populacional no espaço continental, o que determinou também a concentração de atividades econômicas e o diferencial do grau de urbanização entre as duas regiões.

Tabela 1 Evolução populacional da RMB Área 1940/50 1950/60 1960/70 1970/80 1990 Continental 187.000 251.692 403.445 652.651 1.402.518 Insular 8.000 10.000 11.000 13.000 16.706 Fonte: IBGE, 1940, 1950, 1960, 1970, 1980, 1991.

A parte continental da RMB possuía, em 1991, 1.402.518 habitan-tes e, em 1996, passou para 1.574.487 habitanhabitan-tes (IBGE, 1996), o que representou um índice de crescimento absoluto de 18,0%. Esse incremento populacional foi calculado considerando-se não somente o crescimento demográfico dos municípios de Belém e Ananindeua, mas também a incorporação de outros municípios à área metropolitana. Segundo dados do Plano Diretor de Transpor-tes da RMB (Brasil, 2001), no ano horizonte de 2020, haverá a estabilização dos padrões de densidade populacional no centro de Belém. Há tendência de intensificação do emprego nesta área e o avanço para os estratos mais elevados, em áreas de periferia, ficando as porções continentais dos municípios de Belém e Ana-nindeua representadas predominantemente por densidades supe-riores a 60 hab/ha. A predominância é de atividades econômicas de comércio e serviços, empregando 91% da população; o setor terciário concentra-se na área central de Belém, correspondendo a 31,9% dos empregos.

Na parte insular, a taxa de crescimento populacional foi intensa na década de 70, havendo um decréscimo na década seguinte. Atual-mente, o crescimento voltou a se intensificar com uma diferença de mais de 50% em relação a 1990. As atividades econômicas se con-centram predominantemente no extrativismo vegetal e horticultura, além da pesca de peixe e camarão. Outras atividades que merecem destaque nas ilhas são: a produção de carvão, existente num siste-ma bastante rudimentar; a produção de farinha, basicamente para o consumo doméstico, com excedente direcionado para o mercado do continente; e a fabricação de utensílios domésticos pelos ribeirinhos (ver figura 3).

Por outro lado, a principal vocação econômica que tem sido explora-da nas ilhas é o turismo ecológico. Apesar de ser em pequenas pro-porções, alguns investimentos estão sendo realizados e cada vez mais as ilhas são visitadas por turistas (ver paisagens típicas na figu-ra 4). Além dos circuitos ecológicos, é oportuno citar eventos como as festas típicas e, ainda, o patrimônio histórico e cultural da população nativa do século passado.

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Figura 3

Produção econômica típica da região insular de Belém

Fonte: Sudam, 2001.

Modos de transporte

Os modos de transporte usuais nos dois espaços - continental e insu-lar - são o rodoviário e o hidroviário, respectivamente. Apenas em duas das ilhas existe o modo rodoviário. Em Belém, ao longo de toda a orla, existe grande número de atracadouros particulares, utilizados por pequenas e médias embarcações, que atualmente funcionam de maneira independente e muitos em condições deficientes, não ofere-cendo o atendimento necessário ao usuário. O serviço é operado por três linhas da Companhia de Transportes do Município de Belém -CTBel e, nas demais, o atendimento é feito por uma associação de barqueiros que atua sem regulamentação, de maneira irregular e com embarcações carentes de segurança e de conforto.

Na figura 5 tem-se um visão panorâmica da região de maior movimenta-ção de passageiros e cargas do transporte hidroviário urbano na orla e uma situação de transporte típica nas ilhas. Os principais atores do trans-porte hidroviário urbano são os residentes das ilhas da RMB que, apesar de uma população de passageiros do transporte hidroviário estimada em aproximadamente 7.000 habitantes, teve uma demanda diária estimada em 3.723 viagens, em pesquisa realizada pela Sudam (2001). Isso,

pro-Figura 4

Paisagens turísticas das ilhas

Figura 5

Orla de Belém - ilhas

Fonte: Sudam, 2001 e Tobias, 2006.

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porcionalmente, demonstra a grande mobilidade destes residentes em relação ao continente, onde desembarcam em diversos pontos.

Um estudo do transporte hidroviário na orla de Belém atestou pouco mais de 278 mil passageiros apenas nas três linhas hidroviárias gerenciadas pela CTBel (BNDES, 1999). Na figura 6, tem-se a embarcação da CTBel, com capacidade para 400 passageiros e, em contraponto, outra embar-cação do serviço de barqueiros, de uso misto, com capacidade para 15 a 20 passageiros. Diversos são os tipos de embarcações, desde peque-nos “cascos”, com boca inferior a 80 centímetros e comprimento aproxi-mado de 2 metros, para um atendimento familiar dos habitantes das ilhas e, também, o escoamento da produção econômica, até embarcações maiores para o transporte de passageiros entre ilhas e continente.

Figura 6

Transporte formal e informal na orla da RMB

A dicotomia de provisão de sistema viário interno nos dois espaços é outro fator excludente para a população insular. Apesar de o espaço continental ter problemas de circulação interna, com vias congestionadas e carentes de conservação, nas ilhas a situação é secular no que diz respeito à circulação interna. Na figura 7 estão apresentadas as duas realidades que, em síntese, possuem o seguinte significado: circulação interna dos espaços bastante com-prometida por falta de investimento em infra-estrutura e a circula-ção entre os espaços sendo colocada com grande potencial de

Fonte: Sudam, 2001.

aproveitamento, em estado de subutilidade, agravada pelo trans-porte deficiente.

Figura 7

Vias internas de circulação na RMB - com destaque para as ilhas

ASPECTOS CRÍTICOS

Na caracterização anterior é possível observar problemas nos dois espaços em questão. Porém, os aspectos críticos de articulação e integração dos dois territórios apresentam-se como determinantes no processo de desenvolvimento humano, principalmente no que tange ao espaço insular que é altamente dependente do transporte hidroviá-rio. Em linhas gerais, os seguintes problemas no espaço insular dos municípios de Belém e Ananindeua são observados:

- Carência de conhecimento sobre a realidade das ilhas: os estudos sobre o espaço insular são escassos em todos os ramos do conhe-cimento. Algumas ações de órgãos governamentais, como a Sudam (1991), o BNDES (1999) e a Secretaria Municipal de Economia de Belém (Secom, 1997) são os estudos referenciais que têm servido para a proposição de intervenções na região em questão, porém, outros estudos se fazem necessários.

- Falta de planejamento territorial e de investimentos públicos no espaço insular: os planos e programas públicos estão voltados para o espaço continental. As ilhas são tratadas como espaços

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dos, com pouco valor social e econômico para o município. Os investimentos públicos são pequenos e assistencialistas, sem aten-ção à educaaten-ção ambiental voltada à populaaten-ção ribeirinha, que pode-ria agir como agente indutor de uso sustentável e defensora do ecossistema preservado que ainda possuem.

- A falta do “pensar” o território de maneira mais abrangente contribui para a desarticulação social e econômica entre os espaços e falta de integração entre os sistemas de transporte.

- Condições geográficas desfavoráveis à ocupação do território: a existência de rios entrecortando o território serviu como barreira de ocupação territorial das ilhas. Por algum tempo, Belém cresceu a partir de núcleos isolados originariamente do corpo principal por igarapés, baixadas e igapós, em luta contra a topografia, havendo também a ocupação do continente de maneira diferenciada. - Alta concentração populacional no continente: a restrição anterior, aliada

ao ponto inicial de fundação da cidade, no extremo oeste da parte con-tinental, favoreceu a ocupação do território no continente e, com os investimentos rodoviários na década de 70 - Belém-Brasília (BR-010) e Pará-Maranhão (BR-316), houve estímulo à imigração de outras regiões. - Existência de transporte hidroviário desprovido de normas

discipli-nadoras, embarcações inadequadas e estrutura portuária deficiente: a falta de investimentos no setor dificulta a realização de atividades econômicas e, com isto, diminui a possibilidade de fixação de popu-lação na região das ilhas, de geração de renda e de maior articula-ção com o espaço continental da RMB.

CONCLUSÕES

O que ocorre atualmente na área de estudo é fruto de diversos aspectos que podem ser alterados em função, primeiramente, de uma ação gover-namental que atue para a RMB, incorporando nas suas políticas públicas a população do espaço insular. O espaço insular ainda resiste com a maior parte de seu ambiente preservado, porém, devido à exaustão de uso do solo do território continental para ocupação por parte da popula-ção migrante, está ameaçada de ocupapopula-ção desordenada e predatória. Logo, as intervenções precisam ser urgentes, com planejamento ade-quado das atividades potenciais de desenvolvimento e de transporte, para a melhoria da qualidade de vida do espaço insular e na proposição de que o mesmo possa interagir em condições melhores com o espa-ço continental. O espaespa-ço insular se coloca como potencial fornecedor de produtos artesanais e de abastecimento para a RMB, uma vez que as condições naturais são abundantes, além de poder servir como indu-tor de geração de renda, aumentar o produto interno bruto dos municí-pios em questão através da exploração da atividade turística.

O serviço de transporte não contribui para o desenvolvimento social e economicamente equilibrado, expondo a população insular a situa-ções insalubres, havendo necessidade de intervensitua-ções neste sentido. Por outro lado, o transporte hidroviário poderia ser utilizado como complementar ao modo rodoviário no espaço continental, uma vez que se encontra congestionado e com poucas possibilidades de rotas terrestres, além do que uma parte expressiva da população de perife-ria da RMB encontra-se localizada às margens dos rios.

O investimento em terminais parece ser uma questão fundamental para promover a integração entre os sistemas. De maneira espontâ-nea, já existem trapiches de atracação das embarcações, porém, há necessidade de um planejamento com visão integradora entre o sis-tema rodoviário e hidroviário, em que o último exerça o papel de transporte complementar do sistema e, como tal, participante da rede de transporte como um todo do continente e das ilhas.

O estudo da demanda seria necessário para identificar os desejos de viagem e as condições de viabilidade de um projeto integrado de siste-ma. E, por último, a questão da identificação da tecnologia de embarca-ção mais adequada às necessidades da demanda existente e potencial.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BNDES. Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Transporte hidroviá-rio de passageiros. Caderno de infra-estrutura, n. 13, set, 1999.

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BRASIL, PARÁ E AGÊNCIA DE COOPERAÇÃO INTERNACIONAL DO JAPÃO. Plano Diretor de Transportes Urbanos. Região Metropolitana de Belém. Relatório final. Belém: EMTU, 1991.

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TOBIAS, M. S. G. A percepção dos atributos de transporte por ônibus frente a modos alternativos: a preferência declarada do usuário. Universidade da Amazônia: Gra-pel. Relatório de pesquisa (no prelo).

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