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Acordo Brasil/Estados Unidos pelo uso de Alcântara: total perda de soberania

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FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 18, n. 1/2, p. 117-128, jan./fev. 2008. 117117117117117 do, inserção de bases militares e pessoal estrangeiros em nossas fronteiras etc. – não devem ser maiores do que a nossa soberania. Ademais, não podem res-tringir nossas relações exteriores e o tão desejado desenvolvimento tecnológico. Foram esses aspectos que os Estados Unidos tentaram barrar. Contudo, aqui sua hegemonia não é completa. Por isso há, neste artigo, a análise de dois governos: o que aceitou tal lesão e aquele que tenta garantir nossas fronteiras. Os motivos da cobiça por Alcântara, do ‘fracasso’ do nos-so ainda incipiente programa espacial e porque, hoje, o Brasil é visto com outros olhos são analisados em suas duas faces. A metodologia usada foi a do levantamento bibliográfico em livros e periódicos atuais, pesquisa na internet Resumo: este artigo discorre sobre o acordo brasileiro com os Estados Unidos para uso e cessão da base de Alcântara (MA), seus motivos e conseqüências. Mais precisamente, analisa-se sua tramitação de 1998 até o corrente ano, dando maior ênfase aos interesses estadu-nidenses sobre esta parte do nosso território. Explica-se porque nosso incipiente programa espacial não dá certo, as influências externas em nossas decisões e as prováveis sabotagens ocorridas nos lançamentos. Toda a análise é feita em cima de conceitos geopolíticos, como terri-tório, soberania e as relações de poder estabelecidas hoje no cenário internacional.

Palavras-chave: Alcântara, acordo, sabotagem, salvaguardas tecnológicas, soberania

Daphnee G. Prates F. Iglesias

ACORDO BRASIL/ESTADOS UNIDOS PELO USO

DE ALCÂNTARA: TOTAL

O

tema deste estudo é de extrema importância geopolítica. Os acordos para uso de território e espaço nacionais – como o acordo aqui

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e entrevistas de políticos dadas a organizações como a CUT e a imprensa nacional. Shiguenoli Miyamoto, Golbery do Couto e Silva, José Monserrat Filho e Olivier Dollfus entre outros, foram os estudiosos cujas teorias aqui estão e auxiliam o entendimento de tal questão.

O conceito de soberania nacional brasileira, desde o fim da era mili-tar, foi tratado como antiquado. De um governo totalmente voltado aos interesses desenvolvimentistas nacionais passamos para o neoliberalismo, no qual a geopolítica do sistema-mundo obriga que toda a humanidade funci-one de modo único. Seus fluxos transnacionais atravessam o campo físico e jurídico de maneira igualmente fácil. Os dois governos de FHC adotaram a idéia de “entrar no mundo globalizado pela porta da frente”. Cumpriu-se bem as lições do Tio Sam, mas não houve reconhecimento. No atual gover-no, a soberania foi resgatada e um dos reflexos mais notados é na política externa.

Controle efetivo sobre o território, riquezas e principalmente fron-teiras são assuntos de soberania. É inegável que o Brasil já foi e vem sendo lesado nesses aspectos várias vezes. Contudo, ocorre agora uma revisão des-ses conceitos patrióticos, vivenciada inclusive pela nossa gente – nada ufa-nista, e sim realista. A reação dos Estados Unidos a alguns novos aspectos de nossa política pode ser assim explicada. A Amazônia e os órgãos não-gover-namentais que nela atuam, as novas tecnologias nucleares e o desenvolvi-mento espacial são cobiçados internacionalmente.

É sobre esse último aspecto que este artigo trata. Soberania também envolve conhecimento científico. Sendo detentor desse conhecimento, imediatamente aumentam o poder e a barganha no cenário internacional. O maior preocupado em não deixar que o Brasil domine a tecnologia de construção de foguetes são os Estados Unidos. Os motivos são muitos – o que mais se destaca é a ameaça de sua hegemonia, já ferida em outros pontos.

Tudo começou em 19 de dezembro de 1966, com a aprovação, pela Assembléia Geral das Nações Unidas, do Tratado sobre Princípios Regula-dores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Cósmico, inclusive a Lua e Demais Corpos Celestes, mais conhecido como Tratado do Espaço. Ele foi firmado com o intuito de se desenvolver uma cooperação tecnológica internacional no que concerne aos aspectos científicos e jurídi-cos da exploração e uso do espaço cósmico para fins pacífijurídi-cos – e conse-qüentemente, consolidar as relações amistosas entre os países. Todos aqueles que o ratificaram estão em pé de igualdade perante a ONU. O Brasil o as-sinou em 1967. No seu artigo primeiro, determina:

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§1º - A exploração e uso do espaço cósmico [...] deverão ter em mira o bem e o interesse de todos os países, ‘qualquer que seja o estágio de seu desenvolvimento’ econômico e científico, e são incumbência de toda a humanidade.

§2º - O espaço cósmico, inclusive a Lua e os demais corpos celestes, poderá ser explorado e utilizado livremente ‘por todos os Estados sem qualquer discriminação, em condições de igualdade’ [...] (ONU, 1966; grifos nossos).

Naquela época, o governo do Brasil era pautado por estratégias geopo-líticas. A construção de obras faraônicas e o grande desenvolvimento – militar e econômico – têm a ver com o contexto da Guerra Fria.

No campo espacial, já começamos bem. Temos posição privilegiada para lançamentos. Aqueles feitos de Alcântara (MA) consomem até 30% menos combustível (o que reduz sensivelmente os custos em relação a outras bases em maiores latitudes), sem contar que o clima da região e a posição próxima ao Equador permitem que tais atividades sejam feitas o ano todo e que os satélites sejam colocados em qualquer órbita, da polar a equatorial. Geopoliticamente, a posição de um Estado infere de forma direta no jogo de poder mundial. A base, portanto, é um ás na busca por um lugar de desta-que no concerto internacional.

Até a multipolarização ocorrer, a Base de Alcântara e as pesquisas realizadas pelo Centro Técnico Aeroespacial (CTA) eram mantidas em sigi-lo. Agora, cooperação e troca de tecnologia são palavras-chave para a auto-suficiência nessa área. Já mantemos parcerias com a China, Rússia, Ucrânia, França e Argentina. Temos um lugar garantido na Estação Espacial Interna-cional – com placas de alimentação solares e um astronauta. Contudo, se-jam pelos acordos feitos ou pelo rápido avanço, os Estados Unidos e outros países do Norte tentam prejudicar nosso programa de várias formas. Raffestin (1989) afirma que as relações de poder são, concomitantemente, intencio-nais e subjetivas. O território é a cena do poder, o espaço político por exce-lência. Os trunfos se realizam em jogos de soma zero ou não. As parcerias acima citadas oferecem benefícios mútuos. Temos ex-gigantes comunistas e países ocidentais, cada um com seu diferencial. O Brasil também é interes-sante para eles. Desde 2001, quando se tornou o primeiro país em desenvol-vimento a ratificar uma lei nacional sobre o espaço, o país ganhou mais um destaque. Uma lei tão séria garante que Alcântara pode ser usada por coo-peração técnica bilateral, dentro da jurisdição nacional e leis e credibilidades internacionais. Nossos parceiros exigem o mesmo de nós.

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Um atraso aqui significa também perdas para eles. Em nome da manutenção da hegemonia – inclusive espacial – estadunidenses são acusa-dos de sabotagem nos três lançamentos do VLS – Veículo Lançador de Sa-télites (O FAROL... 2004). Tais atos seriam retaliações à demora da abertura de Alcântara às ‘missões científicas’ que os Estados Unidos ali fariam, defi-nidas através do “Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América sobre Salvaguardas Tecnológicas Relacionadas à Participação dos Estados Unidos da América nos Lançamentos a partir do Centro de Lançamentos de Alcântara” (CLA, 2004). Aprovado por Fernando Henrique Cardoso e rejeitado por Luiz Inácio Lula da Silva, o acordo encontra-se parado no Congresso Nacional.

Tais tentativas de desestabilização nacional podem ser explicadas pela Teoria das Pan-Regiões (HAUSHOFER, 1930). Desde o fim da Guerra Fria, a perspectiva geopolítica e geoestratégica dos EUA é de comandar a Segu-rança Hemisférica do continente americano – o que aumentaria ainda mais o seu imperialismo na área. A emergência do Brasil como potência regional, recriando a possibilidade de fazer aparecer no horizonte da globalização a figura de outro megaestado, corta essa unidade de poder visada pelos ianques e polariza a Pan-América.

No dia 02 de dezembro de 1997, o país tentava fazer seu primeiro VLS subir. Após 65s da decolagem, o operação foi abortada, visto que um dos quatro motores do foguete não funcionou. O laudo do investigação afirma que houve falha na ignição. Contudo, todas as outras peças ignitivas do mesmo lote foram testadas e aprovadas. Não houve posterior troca de for-necedores ou modificação nos componentes e nada deu errado na ignição. A hipótese de sabotagem aqui foi pensada: montagem equivocada de com-ponentes ou interferência nas ondas de rádio, guias do VLS.

Em 11 de dezembro de 1999, foi feita a segunda tentativa. Dessa vez, o VLS levaria um satélite sino-brasileiro ao espaço. O lançamento ocorreu; mas por um descontrole de comando, o foguete teve de ser abatido. Hoje, o Comando da Aeronáutica acredita – e não garante por falta de provas – que a culpa foi de um sinal externo (O FAROL..., 2004). O ex-deputado federal Hélio Costa (PMDB – MG), na época presidente do Comissão de Relações Exteriores e Defesa, informou à imprensa que um navio estadunidense navegava por águas maranhenses no dia 11 (O FAROL..., 2004). Ele informou também que a embarcação monitorava o lançamento. Portanto, a destruição do VLS por um sinal enviado desse navio não pode ser descartada – visto que, até hoje, não se conseguiu identificar essas estra-nhas ondas de rádio que culminaram na queda do foguete. A teoria do poder

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FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 18, n. 1/2, p. 117-128, jan./fev. 2008. 121121121121121 marítimo de Mahan e Spykman corrobora com a Segurança Hemisférica dos EUA: lançada por este último, a Teoria das Fímbrias Marítimas (SPYKMAN, 1942) instalou bases avançadas – leia-se navios e radares – ao redor de toda a costa atlântica americana. Servem para proteger os interesses continentais e – por que não? – estadunidenses também.

Finalmente, após o enorme prejuízo causado pela destruição no ar, houve um curto-circuito com o terceiro foguete, ainda com o mesmo na plataforma, dia 22 de agosto de 2003. Morreram 21 engenheiros, e o nosso programa es-pacial sofreu um atraso de, no mínimo, vinte anos – em cifras, em conheci-mento e em preparação de pessoal (as fotos anexas comprovam o tamanho do estrago). Para esse último lançamento, a Inteligência montou uma operação de monitoramento. Brasília adiou a programação uma vez, aumentou o espa-ço aéreo restrito, intensificou os vôos militares em torno da Base e manteve caças em alerta nas bases aéreas de Boa Vista (RO), Fortaleza (CE), Natal (RN) e Anápolis (GO). Todavia, o mal já estava dentro do CLA. Das 22 pessoas que estavam na torre no momento do acidente, apenas uma sobreviveu. Está muito claro para o Comando da Aeronáutica quem é essa pessoa. Mesmo não-identificada à imprensa, a história contada por ela na mídia – quebrando as regras de silêncio dos militares –, de como se deu a explosão, é cheia de lacunas e contradições. Obviamente, esse indivíduo é o bode expiatório de algo maior. Seu nome e nacionalidade não foram divulgados; mas a análise de seu depo-imento feita por peritos em criminalística aponta-o como não sendo brasilei-ro. A Polícia Federal investiga outros oito estrangeiros que estavam hospedados em São Luís (MA) na semana do lançamento. Nunca se havia visto tantos dessa espécie na cidade, ao mesmo tempo.

Por causa de seu tamanho e posicionamento estratégicos, somados aos seus recursos e população, o Brasil se destaca entre os países em desen-volvimento. Tudo indica que de potência regional, podemos passar a fazer frente aos grandes do Norte em pouco tempo. O domínio da tecnologia VLS, 100% nacional, garantirá menos dependência externa, abrirá mais caminhos para outras parcerias de sucesso, além de incluir o Brasil no seleto grupo daqueles que detém tecnologia espacial barata e de ponta. Do ponto de vista da Teoria de Mackinder, o desenvolvimento do gigante do Sul polarizaria ainda mais a América Latina frente às políticas expansionistas dos EUA e o tornaria o novo império. China, Rússia e União Européia não perderam tempo e já se alinharam, na questão espacial, com o programa brasileiro.

Esse último ‘acidente’ ocorreu cinco meses após o atual governo noti-ciar que deveria retirar do Congresso o acordo de salvaguardas tecnológicas, recebido por FHC em 18 de abril de 2000. A explosão surtiu tanto efeito

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que ele está engavetado, mas continua lá. Afinal, o que há nesse acordo que fere a nossa República e atiça tanto os EUA? Para responder a essa pergunta, utiliza-se a análise feita por Zero (2001, p. 1): “Ele é composto de 10 artigos bastante pormenorizados, seguindo a regra jurídica norte-americana de se detalhar, inclusive do ponto de vista técnico, todas as normas que terão de ser obedecidas”.

A redação foi feita como se todos os outros acordos assinados pelo Brasil, referentes a não-proliferação de tecnologias sensíveis e a cooperação com outros países pelo uso do espaço exterior, não tivessem ocorrido.

[...] acordos bilaterais [...] definem, como regra, compromissos consen-suais que devem ser obedecidos, de igual modo, por ambas as Partes Contratantes. [...] Contudo, o que mais chama a atenção numa pri-meira análise do ‘Acordo[...]’ é justamente o fato de que as suas cláu-sulas criam obrigações exclusivamente, ou quase que exclusivamente, para o nosso país (ZERO, 2001, p. 2-3).

Para os Estados Unidos, foi resumida a função de emissão e controle das licenças de exportação de suas empresas. Para o Brasil, impôs-se o resto – não somente no campo das salvaguardas tecnológicas, mas também das polí-ticas. O governo estadunidense poderá controlar diretamente áreas do CLA, que serão inacessíveis até mesmo para os técnicos brasileiros. A emissão de crachás para essas áreas será emitida unicamente por aquele, e seus represen-tantes poderão inspecionar toda a base sem aviso prévio. Nenhum container poderá ser aberto para inspeção pela alfândega enquanto estiverem no nosso território e nem será dado a mesma o controle efetivo desse material.

Caso ocorra falha de lançamento, a recuperação será controlada por representantes estadunidenses e, se forem vistos por representantes brasilei-ros, não poderão ser estudados e/ou fotografados. Aqui se vê um ponto do nosso poder aéreo sendo ferido, visto que não será possível sermos os res-ponsáveis por lançamentos e explosões ocorridas dentro dos nossos limites. Tal fato, juridicamente, é um atropelo ao Direito Espacial. A partir da assi-natura do acordo, o Brasil não poderá permitir o ingresso de tecnologia, conhecimento ou mão-de-obra provenientes de países que não façam parte do Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis (MTCR), tratado que regula a atividade nuclear e o repasse de tecnologia de armas de destruição em massa. Os recursos advindos do aluguel do CLA não poderão ser investidos na própria base. Finalizando, o acordo obriga o governo brasileiro a assinar acordo de salvaguardas de mesmo objetivo e teor com outros países e,

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ha-FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 18, n. 1/2, p. 117-128, jan./fev. 2008. 123123123123123 vendo qualquer discrepância, as leis internas dos Estados Unidos se sobre-põem às do acordo. Tal como enumerou Michel Foucault, “o poder não se adquire; é exercido a partir de inumeráveis pontos”.

Ora, o que se tem aqui é um verdadeiro assalto à soberania da nossa nação. Com a área restrita aos estrangeiros, perdemos um importante peda-ço do nosso território, sem contar que as inspeções que pretendem realizar estão acima das decisões presidenciais. A passagem de containeres lacrados pela alfândega pode trazer satélites-espiões para serem usados contra países com os quais o Brasil mantém uma boa diplomacia. Além disso, não pode-remos lançar satélites das nações ‘terroristas’, como Sudão, Cuba e Líbia, utilizando nossa própria tecnologia! O recolhimento dos destroços, em caso de falha, do modo ditado pelo acordo, fere os princípios do direito interna-cional e espacial, que dizem que o país em cujo território caiam os escom-bros possui direito de custódia sobre os mesmos.

A proibição de não receber cooperação de países não participantes do MTCR anula o projeto CBERS, de desenvolvimento e lançamento de saté-lites sino-brasileiros de recursos terrestres – que já mostrou bons resultados. Brasil e China, com mais de vinte e cinco anos de relações diplomáticas, possuem entendimentos de alto nível no intercâmbio econômico, cultural e científico e defendem soluções pacíficas para resolver os conflitos que opõem as nações. É objetivo de ambos os Estados garantir melhores posições no jogo internacional. Outro ponto de instabilidade da hegemonia norte-ame-ricana no sul do continente e na Ásia é defendido por Cabral Filho (2004, p. 4), em texto vinculado pela Câmara de Comércio e Indústria Brasil/China:

Tal como a China emerge neste começo de século como a área cen-tral do Extremo-Oriente, o megaestado sul-americano terá o Brasil como área nuclear, capaz de sustentar as condições do desenvolvimen-to regional, e que ajudarão a transformar o subcontinente sul-ame-ricano no quarto pólo de poder mundial.

A China não ratificou o MTCR por considerá-lo ‘injusto, irracional e pouco eficiente’, além de perpetuar as desigualdades tecnológicas entre os países (apenas 32 países fazem parte desse acordo até o presente momento, o que exclui a maior parte dos possíveis parceiros do Brasil).

A não-utilização dos recursos do aluguel da base nela mesma inviabiliza o programa do VLS e reconstrução da torre de lançamento. Ademais, coloca a Política Nacional de Desenvolvimento de Atividades Espaciais (PNDAE) na mira dos interesses estratégicos estadunidenses. A exigência de novos

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acordos de salvaguarda do mesmo teor do que está em questão remete aos assinados anteriormente. Os outros acordos de cooperação mútua nos usos pacíficos do espaço exterior não prevêem cláusulas draconianas como essas. O governo estadunidense deseja a revisão dos mesmos a fim de evitar a trans-ferência de tecnologia entre as partes contratantes.

Um acordo é produzido considerando as vontades dos dois lados, mas aos integrantes do Congresso Nacional, não chegou nenhuma informação de que este procedeu dessa forma. O relator da análise da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, Waldir Pires (2002), então deputado federal pelo PT-BA, fez várias ressalvas ao projeto do modo que o presidente FHC o aceitou:

É uma capitulação de soberania e de interesses nacionais. Impede o desenvolvimento tecnológico do país, interdita, a rigor, nossa rela-ção científica, imediata ou futura, que tanto nos convém, com os países tecnologicamente mais avançados do setor [...].

Após três pareceres diferentes, decidiu-se levar o acordo para votação do Congresso sem qualquer alteração, para infelicidade dos petistas e de qual-quer um preocupado com a supremacia brasileira. Mas como se tratava de ano eleitoral, os congressistas estavam em campanha nos seus respectivos estados e faltava quorum em Brasília para que a votação acontecesse na pressa que os EUA queriam. Ainda mais porque, nessa etapa, nem a decisão dos deputa-dos federais havia sido tomada. Com a eleição de Lula, as objeções voltaram à pauta. O parecer do ex-deputado Waldir Pires não é aceito pelos estadunidenses, da mesma forma que o acordo limpo não é aceito pelo novo governo. Para piorar a situação, qualquer mudança de artigos ou inserção de ressalvas só poderá ser feita com a aprovação ianque.

Além dos inimigos externos, vemos dentro de nosso território a ten-tativa de acabar com mais um destaque brasileiro. Desde que a Agência Espacial Brasileira (AEB) saiu do controle militar para o civil (também por exigência dos EUA), os investimentos vêm diminuindo significativamente. Além disso, o programa espacial perdeu sua identidade, foi sucateado e, hoje, na visão do presidente da AEB, Luiz Bevilacqua, a Base de Alcântara deve ser usada até para fins turísticos (VALOR ECONÔMICO; AEB, 2004). E o acordo Brasil-EUA é bem visto pelo capital que aqui entraria. O próprio Bevilacqua ameaçou encerrar o programa espacial, visto que não há “recur-sos suficientes para levá-lo adiante com um mínimo de resultados para a sociedade brasileira”. Tal programa é prioridade de Estado na aquisição de

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FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 18, n. 1/2, p. 117-128, jan./fev. 2008. 125125125125125 uma posição de destaque na sociedade internacional e de maior poder no jogo das relações internacionais. Porém, o estímulo de avanço deve vir de seus próprios cidadãos, não importando as barreiras encontradas. Como já foi dito anteriormente, o país seria visto com outros olhos; seria respeitado e consultado quanto à decisões mundiais. Seria o novo pólo de poder.

Manifestações populares em defesa do Centro de Lançamento de Alcântara foram realizadas no Rio de Janeiro, em São Luiz e em Belém. Isso prova que a questão da soberania toca o brasileiro. Nossas decisões ou omissões são as responsáveis pelo destino de nosso país.

O acordo em questão levanta questionamentos de toda ordem, desde sua conveniência para o desenvolvimento tecnológico do país até a sua ade-quação ao princípio de soberania nacional. É nítido o contraste estabelecido entre as cláusulas mandatárias de compromissos absurdos da parte brasileira e a liberalidade assegurada aos EUA para agirem como bem entender.

É importante deixar claro que não há posição contrária ao uso co-mercial da base e à cooperação com outros países para uso pacífico do espa-ço. Tal ação até deve ser estimulada entre os países em desenvolvimento, para incremento das relações destes e pelo intercâmbio dos conhecimentos cien-tíficos adquiridos em diferentes Estados, sob diferentes situações. Mas as abusivas exigências do governo estadunidense impedem tal ato de ser avalizado.

[...] Nações soberanas não podem ser coagidas a celebrar atos interna-cionais entre si em função de um acordo bilateral firmado por uma delas com outro país, e muito menos serem obrigadas a inscrever nesses atos o mesmo conteúdo do acordo. [...] Se o governo dos EUA estivesse disposto a permitir a utilização das instalações do CLA e a cooperar com o Brasil seguindo diretrizes consentâneas com o direito interna-cional e com base na reciprocidade e respeito mútuo, que sempre devem pautar as relações entre as nações, tenham elas o mesmo nível de desen-volvimento ou não, aplaudiríamos quaisquer iniciativas destinadas a cumprir tal finalidade (ZERO, 2001, p. 11).

Contudo, o acordo aqui analisado é inspirado na desconfiança e no pressuposto de que o nosso país não honrará os compromissos internacio-nais previamente assumidos. Proíbe veemente o Brasil de aprimorar sua capacidade tecnológica e acima de tudo, despreza a soberania dessa nação. A tecnologia de ponta é um meio de defesa e manutenção da supremacia de qualquer Estado. A estratégia exterior recebe o auxílio da geopolítica para

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dotar o país de certo poder. Um papel de realce no concerto internacional é assim conseguido, ligando capacidade tecnológica, soberania e geopolítica. Para se assegurar no topo, o hegemon não mede esforços. Hoje, a sabotagem é prática oficialmente recomendada quando há interesses estadunidenses em jogo. Porém, nem nossa política externa e nem nosso povo aceita mais a anexação como forma de ‘estar globalizado’. Posições de des-taque, já galgamos muitas. Já temos mais poder em decisões nas Organiza-ções Mundiais de Comércio e de Saúde. A multipolarização abriu espaço para as nações em desenvolvimento, e o Brasil é uma das mais evidentes no século XXI. Nossas metas são temidas pelos EUA por razões econômicas e geopolíticas, como a perda de mercado e de áreas de influência (nosso país e suas áreas satélites).

Tudo isso garante mais apoio e decisão ao nosso país no cenário in-ternacional, pois os outros pólos de poder (União Européia e Japão, por exemplo) já reconhecem a posição e a importância estratégica brasileira. Não serão foguetes explodindo ou sanções disfarçadas de acordos que acalmarão os ânimos. A mudança de conceitos na cabeça do brasileiro – refletida na atual política externa – veio para ficar. A soberania de nosso território e de nossas fronteiras é uma importante arma no jogo geopolítico das relações internacionais. Apesar dos tropeços e apunhaladas nas costas, estamos bem posicionados.

Couto e Silva, em seu livro Conjuntura política nacional (1981), apresenta dois tipos de geopolítica: uma do ataque e outra da paz, voltada para a solidariedade internacional, comunhão voluntária dos povos, e para o progresso incessante da civilização e da cultura.

E, no quadro dessa Geopolítica da paz [...], o Brasil não poderá [...] negar-se ao papel que lhe caber no concerto das nações em prol da redenção de toda essa periferia econômico-social de que ainda parti-cipa [...]. E cumpre-lhe, ainda, no âmbito mais circunscrito da Amé-rica Latina e, em particular, da AméAmé-rica do Sul, estreitar os laços de cooperação internacional, participando, ativa e generosamente, da solu-ção dos graves problemas com que se defrontam os povos das diver-sas áreas geopolíticas internacionais de que participamos, em todas, com amplas parcelas de nosso território e significativo contingente hu-mano (COUTO E SILVA, 1981, p. 95).

Ainda citando este estudioso, a geopolítica brasileira foi desenhada voltada para as aspirações e interesses nacionais. Ela possui como

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característi-FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 18, n. 1/2, p. 117-128, jan./fev. 2008. 127127127127127 cas a integração e valorização espaciais, a projeção pacífica no exterior, a cola-boração continental e com o mundo subdesenvolvido de além e aquém mar. Nota-se, desde a década de 40, uma preocupação com o desenvolvimento econômico do país, para que cheguemos logo à condição de superpotência mundial. Após o esquecimento neoliberal, ela retorna – e na hora certa.

Até o término deste artigo, o projeto de sanção do Acordo de Salvaguar-das Tecnológicas Brasil/EUA continuava arquivado no Congresso Nacional. Nenhuma mudança de sua redação foi feita e divergências entre as comis-sões que analisaram o caso (Relações Exteriores e Defesa Nacional, Consti-tuição e Justiça e Ciência e Tecnologia) provocaram seu arquivamento – prova de que os interesses nacionais, ainda meio indefinidos, pelo menos não fo-ram esquecidos durante as eras Collor e FHC.

Sabemos que o acordo não garante cooperação técnica, pois se trata de salvaguardar tecnologia do país mais bem posicionado mundialmente. Contudo, nele, os brasileiros são tratados com desconfiança e desprezo – ações não cabíveis em relações internacionais.

No Sistema-Mundo, o Brasil se encontra na periferia. Contudo, a extensão de seu território, sua posição estratégica e a posse de recursos, ali-ada à importante influência sobre seus vizinhos o caracteriza como a potên-cia regional da América Latina. Para galgar mais visibilidade, seus fluxos internacionais e transnacionais devem ser bem conhecidos; suas redes, bem ampliadas. A sociedade internacional vê uma tímida reação da política ex-terna brasileira; que depende somente de sua população para se tornar visí-vel a todos os pólos mundiais.

Referências

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CLA: Centro de Lançamento de Alcântara. Disponível em: <http://www.cla.aer.mil.br>. Acesso em: 09 abr. 2004.

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O FAROL ELETRÔNICO. Disponível em: <http://www.farolbrasil.com.br>. Acesso em: 09 abr. 2004.

PIRES, Waldir. Entrevista sobre a Base de Alcântara. Disponível em: <http://www.cut.org.br/ entrevistawaldirpires.htm>. Acesso em: 11 abr. 2004.

RAFFESTIN, C. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1989. VALOR ECONOMICO

ZERO, M. Análise do acordo de Alcântara. Brasília: Ed. do PT, 2001.

Abstract: this article tells about the Brazilian agreement with the United States for using the Alcântara’s Base, its reasons and consequences. More precisely, it analyses the process between 1998 until the current year, putting more emphasis on the north-american interests in that piece of our territory. It contains some explanations on why our spatial program won’t work, the foreign influences in our decisions and the probable sabotages occurred in the space lifts. All the analysis is based upon geopolitical concepts, like territory, supremacy and the relations of power established in today’s international scenery.

Key words: Alcântara, agreement, sabotage, technological safeguards, supremacy

* Artigo elaborado para fins de avaliação parcial da disciplina Geopolítica do Espaço Mundial I,

minis-trada pelo professor Marajá João Alves de Mendonça Filho. DAPHNEE GONÇALVES PRATES FLORES IGLESIAS

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