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Do poder Judiciário

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Academic year: 2020

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Do Poder Judiciário

342.56

Al f r e d o Ba l t h a z a r d a Sil v e i r a

A

s u p r e m a c ia , c o n tr a a q u a l a q u i se e s tão le v a n ta n d o a g o r a os in te ­ resses p o lític o s , a s u p r e m a c ia d a ju s tiç a n a s o lu ç ã o d a s q u e stõ e s d e consti- tu c io n a lid a d e , é a g r a n d e c a ra c te rís tic a d o re g im e e a s u a g a r a n tia s u p re m a . A i n d a os m e lh o re s p u b lic is ta s e u ro p e u s , d e n tr e os q u a is , f a la n d o n o s m ais m o d e r n o s , b a s ta r ia c ita r o d e B o u t m y , essa p o s iç ã o c o n s titu c io n a l d a Ju s tiç a d o s E s ta d o s U n id o s se c o n s id e r a c o m o « u m a d a s in v e n ç õ e s m a is o r ig in a is , in e s p e ra d a s e a d m ir á v e is , q u e n a h is tó r ia d o d ir e ito p ú b lic o se e n c o n tr a m . T o c q u e v i l e , co m s u a im e n s a a u to r id a d e , a e n ca re cia co m o « u m a d a s m ais p o d e ro s a s b a rre ira s, q u e n u n c a se e le v a ra m c o n tr a a tir a n ia d a s as s e m b lé ia s p o lític a s » . ( R u i B a r b o s a , discurso no Instituto dos Advogados Brasileiros — M a i o de 1 9 1 1 ) . « T e m o s , nesse c a rá te r, u m a fu n ç ã o c o n s titu c io n a l a ltís s im a e m e lin d r o s ís s im a . . . esta C ô r t e S u p r e m a m a n e ja a b a la n ç a d o s p o d ê re s p o lític a s . D e s e m p e n h a assim a a tr ib u iç ã o e n g e n d r a d a p e lo in s ig n e p u b lic is ta fra n c ê s B e n j a m i n C o n s t a n t , a q u a l fo i a d o t a d a p e la n o s s a c a r ta co n sti* tu c io n a l d e 25 d e m a r ç o d e 1824, q u e a o re s p e ctiv o ó r g ã o d e u a d e n o m in a ç ã o d o Poder Moderador. A c o m p e tê n c ia p r e c íp u a dêsse p o d e r , em n o sso re g im e p r e s id e n c ia l d e c o n s titu iç ã o r íg id a , p e rte n c e a o ju d ic iá r io fe d e ra l, c o m o n a s u a Organisation Judiciaire Aux Êtats-Unis o m o s tra N e r i n x . In c u m b e - lh e , nesse 'c a r á te r , a f u n ç ã o e sp e c ífic a de c o n tra s te a r os a to s d o s o u tro s ó r g ã o s d a s o b e r a n ia n a c io n a l. A c a re ia - o s co m a C o n s t it u iç ã o e as leis. E d e ix a d e a p lic a r à s espécies o c o rre n te s os q u e são m a n ife s ta m e n te in c o n s titu c io n a is o u ile g a is . P r o te g e , a s sim , os d ir e ito s in d iv id u a is , p o r êles le s a d o s . D e s ­ g o s ta , c o m o é n a t u r a l, os r e p re s e n ta n te s dêsses o u tr o s p o d ê re s . A o revés, p o ré m , c u m p r e d ito s a to s, d e sd e q u e n ã o e x o rb ite m d a lei p r im á r ia e d a s o r d i­ n á r ia s » ( E d m u n d o L in s — saudação ao Dr. Gabriel Terraem em 20/8/1934).

« A c o n c e p ç ã o d o ju d ic iá r io c o m o g u a r d a d a C o n s t it u iç ã o — a d v e r te H . C . B l a c k — p re v a le c e u n o s is te m a in g lê s e fo i im a g in a d o c o m o u m b a lu a r te c o n tr a os a b u s o s d o rei e d o p a r la m e n to em m u ita s o c asiõ e s d ig n a s de re p a ro s ». « S e u m a to le g is la tiv o se o p õ e a u m p r in c íp io c o n s titu c io n a l, o p r im e ir o d e v e ser a b a n d o n a d o e r e je ita d o co m a v e rs ã o . S u s te n to ser u m a p o s iç ã o ig u a lm e n te c la r a e co rre ta , q u e em ta l caso se rá d e v e r d a c ô rte a d e r ir à C o n s t it u iç ã o e d e c la r a r o a to n u lo e ir r ito » . ( P r o n u n c ia m e n t o d o J u iz P a t - t e r s o n i n , O s w a l d o A r a n h a , B a n d e i r a d e M e l l o — A Teoria das Cons­ tituições Rígidas — p . 92 - 1934).

A p o ia n d o - m e em a u to r id a d e s ju r íd ic a s de ta m a n h a v a lia , d e s e n v o lv e re i m o d e s ta s c o n s id e ra ç õ e s co m o in t u it o d e s a lie n ta r a in d is fa r ç á v e l re le v â n c ia , a t r ib u íd a , n o s re g im e s d e m o c rá tic o s , a o p o d e r ju d ic iá r io , q u e , is e n to d a s p a ix õ e s g e r a d a s p o r q u a is q u e r m o tiv o s , se n ã o de v e in v e s tir d e o u tr a

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preo-cupação senão a de ver inteiramente observados os princípios do Direito, conceituado pelo velho A h r e n s — «le développment hartnonieux de la per- sonnalité».

Ora, se em épocas distanciadas daquela em que vivemos e na qual as nossas atividades se desdobram, em funções de julgar se confundiam com as de administrar, de modo que se não conheciam discriminações de atribuições públicas, não obstante a sábia advertência de A r i s t ó t e l e s — «maestro di collcr che satino» — «deliberar, executar e julgar eram as principais funções sociais» — é claro que, na hodiernidade, ninguém se abalançará a propugnar o esta­ belecimento de um órgão político, encarregado de absorver os outros, o que importaria na implantação do totalitarismo.

O Estado, segundo a lição de J o s é H i g i n o D u a r t e P e r e i r a , não pode

ser concebido sem órgãos, porque, sendo pessoa coletiva não existe enquanto não está constituído, a sua constituição consiste na criação de um sistema de órgãos»; logo, quando uma sociedade se organiza politicamente, isto é, quando alcança a sua soberania, cuida de dividir, por entre departamentos adequados as suas necessidades, as funções, que são criadas para que seja atingido o bem comum.

E quer os gregos, quer os romanos, apesar de versados aquêles nos es­ tudos filosóficos, e cultores êstes do Direito, nunca praticaram a divisão dos podêres, talvez porque não tivessem enxergado a verdadeira concepção dos direitos pessoais, talvez porque preferissem a supremacia do Estado, diante da qual desapareceriam os lídimos interêsses individuais.

G i o v a n n i U g o vislumbrou um ensaio da separação dos podêres no pe­

ríodo medieval, considerado por A u g u s t o C o m t e a obra-prima da inteligência

humana em alguns reinos e algumas comunas, em que a soberania se parti­ lhava em certos órgãos: os cônsules (podestá), os conselhos maiores ou menores e os congressos de todo o povo.

J o h n L o c k e — filósofo inglês — movido pelo desejo de agradar a G u i ­ l h e r m e II -— outrora príncipe de Orange — admitia quatro podêres políticos

o executivo — o legislativo — o federativo — ao qual competia declarar a guerra, aprovar a cessação de hostilidade —- e o discricionário — exercido pelo monarca, que poderia adotar qualquer medida considerada útil ao Estado, segundo o seu próprio entendimento.

Mas, no correr do ano de 1748, a célebre obra — «Éprit des Loió» da

autoria de M o n t e s q u i e r — antigo Presidente do Parlamento de Bordeaux

e já conceituado pelo sucesso das «Lettres Persanes» — granjeou inúmeros leitores, alcançou, em dezoito meses, vinte e duas edições, o que indicava um grande triunfo político. Cabe, por conseguinte, a M o n t e s q u i e r a glória inacessível de haver focalizado, tornando acessível aos homens, o problema da distinção dos podêres públicos; e, compreendido em suas altas finalidades cívicas, perceberam êles que da sua adoção adviria a maior segurança para as suas liberdades.

Suas idéias mereceram o apoio de B l a c h s t o n e , de B a g e l o t , de P a l e y ,

e podem ser assim enumeradas: «H á em cada Estado, acentuava êle, três espécies de podêres: O Poder Legislativo, o Poder Executivo, que se incumbe das coisas e fatos que dependem do Direito das Gentes, e o Poder Executivo, que se encarrega das coisas e fatos que dependem do direito civil. O príncipe

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ou magistrado é quem exerce o primeiro poder (legislativo), cabendo-lhe, por conseguinte, fazer as leis, corrigir ou revogar as existentes. Fazer a paz ou a guerra, designar os embaixadores e receber os plenipotenciários estran­ geiros, garantir a ordem pública e evitar as invasões estrangeiras, eis as atri­ buições do segundo poder. Punir os crimes e decidir das demandas entre os particulares, eis o que compete ao terceiro poder». Protegidos ficarão os direitos. Na Constituição do Estado de Virgínia ( 1776) e, também na Ca- rolina do Norte ( 1776); de Maryland ( 1777); de Geórgia ( 1777); de Mas- sachusetts ( 1780); deparamos o princípio da completa separação dos pe- dêres, a fim de que nenhum dêles pudesse praticar atos da exclusiva compe­ tência dos outros. Na Declaração dos direitos do homem e do cidadão — está consignado no artigo 16: — Toute société, dans laquelle la garantie des droits riest pas astsurée ni la separation des pouvoirs determinée, n’a pas de constitution»; e, destarte, as constituições promulgadas, ou outorgadas, após a publicação do livro de M o n t e s q u i e r , admitiram o seu pensamento. É o

Poder Judiciário, tido durante muito tempo, como um ramo do Poder Exe­ cutivo, alcançou, então, uma certa independência, a qual se tornou uma sólida garantia para todos aquêles que houvessem sido espezinhados nas suas franquias individuais. A justiça, nos tempos antigos, era exercida pelos reis; assim, São Luís (Luís IX ) distribuía julgamentos, debaixo de uma árvore no Parque de Vincennes; C a r iJ o s I presidiu o processo de J o ã o V — Duque de Bretanha; C a r l o s V I, o de C a r l o s II — Rei de Navarra; F r a n c i s c o I, ao

de Marquês de Saluces; Luís X III, ao do Duque de la Valette. O magis­ trado, ponderava L a B r u y è r e , alivia o príncipe da tarefa de julgar os puros; e L o is e a u , lembrava que «les jugés étaient si bien les auxiliaires du prince,

que c’était une branche du crime de lèse majesté d’attenter à leur personne, et on les traitait consequemment à leur qualité de mandataires, en leur ex~ pédiant de nouvelles commissions, à chaque mutation de prince».

A ju d ic a t u r a , p a r a ser fie l â su a g r a n d e m is s ã o de r e s ta u r a d o r a d o s d ire ito s c o n c u lc a d o s — «nihil honestum esse potest. quod justitia vacat» ( n a d a p o d e Ser h o n e s to q u a n d o a ju s tiç a f a lt a ) ( C í c e r o De Officiis), p re c isa de g o z a r d e a m p la in d e p e n d ê n c ia , s e n d o a c a ta d a s p e lo s d e m a is p o d e re s t ô d a s as suas d e lib e ra ç õ e s , d e p o is de e s g o ta d o s os recurso s p ro ce ssu ais. Uma n a ç ã o , n a q u a l a m a g it r a t u r a n ã o s e ja c e rc a d a de m á x im a a u to n o m ia p a r a p r o fe r ir as su a s s e n te n ça s, n ã o p o d e r á a lc a n ç a r a tr a n q ü ilid a d e p ú b lic a , p o r q u a n t o fic a r á e x p o s ta a o s rig o re s d o p o litiq u is m o , q u e lhes s u p lif ic a r á as a titu d e s .

Se n ã o a d m it o o a r b ítr io ju d ic ia l, p o r q u e n ã o to le ro a d it a d u r a d o s o fis m a , a ssa z p r e ju d ic ia l a o so ssê g o s o c ia l c o m o o d a s b a io n e ta s , en fileiro - m e, c o n tu d o , e n tre os q u e q u e re m vê- la d ig n if ic a d a p e la o b e d iê n c ia ao s seus arestos.

O legislador, ao elaborar uma lei, não pode deixar de verificar se os seus artigos se conciliam com os dispositivos constitucionais, e, se, por exigências partidárias, ou pelas injunções do aulicismo, teima em escurecer os princípios basilares da lei magna, é claro que o poder judiciário terá de apreciá-la, fulminando-lhe a inconstitucionalidade manifesta e deixando, portanto, de aplicá-la. A resolução judiciária não representa um capricho individual; não tem de alicerçar-se nos cristalinos textos legais e poderá ser modificada, ou mantida pela instância superior, por isso que o critério individual, para obter o «pro veritate habetur» deverá ser analisado, minuciosamente, dentro da jurisprudência e da doutrina apadrinhada por bons autores. A regra

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jurídica, que lhe incumbe executar, não é obra sua, correndo-lhe o encarg> árduo de aplicá-la, como foi publicada no órgão oficial; então êle não é o responsável pela falta da técnica da lei, já que não colaborou na sua prepa­ ração, em se tornando um mero executor da vontade das câmaras legislativas, muitas vêzes imprevidentes no desempenho das suas importantes funções.

Mas, sendo o respeito à lei um dos indeclináveis deveres dos cidadãos, é evidente que o sentenciador não poderá ser menoscabado pela interpretação dada no caso que lhe foi entregue, pois, se se houver enganado, a correção sc dará, na superior instância, que, constituída por juizes mais experientes,, firmará a melhor exegese a ser observada.

Na modernidade, o pedido de revisão da .sentença é encaminhado a uma côrte mais graduada, o que não ocorria em tempos antigos, nos quais o próprio prolator da sentença era compelido a justificar as suas resoluções com armas nas mãos — «parce quon voyait en lui, non 1’organe de la loi, mais 1’homme du Seigneur; au lieu qu’aujourd’hui en même temps que les voies légales ne sont ouvertes que contre le jugement, il n’y a de responsabilité pour le juge qu’au cas de débit, ou dans un des cas de dol determinés par le code de pro- cedure» ( C .G . H e l l o — Du Régime Constitutionel).

A diminuição do poder judiciário acarreta terríveis conseqüências sociais, porque, desprotegidos de uma autoridade, que imponha imediata reparação aos atentados às garantias constitucionais, os indivíduos solucionariam as suas desavenças pessoais com a fraude e a violência, em se multiplicando os homi­ cídios, as lesões patrimoniais, enfim o arbítrio.

Indébita e profundamente perniciosa à segurança individual é, por posi­ tivo, a intervenção do poder executivo nas finalidades precípuas da magis­ tratura, já que os intuitos do legislador, ao fazer as leis, ficariam inteiramente

frustrados; e convém evocar a conduta de um juiz, tanto que J a im e I tentou

intervir na apreciação de uma demanda, que estava sendo instruída na sua presença em lhe negando a menor participação na apuração das provas.

E êsse p r in c íp io , c o m o n o ta P i m e n t a B u e n o , fo i c o n s ig n a d o n o e s ta tu to 6

d o seu r e in a d o — « s o it s e m b la b le m e n t d é c la ré , q u i n i sa m a je s té , n i s o n c o n c e il p riv é , n o n t ju r is d ic tio n p o u v o ir , a u to r ite d ’e x a m in e r o u m e ttre en q u e s tio n . d e te rm in e r, o u d is p o s e r de s b ie n s de s s u je ts de ce r o y a u m e . É o p r in c íp io d e q u e o g o v ê r n o n ã o de v e de m o d o a lg u m in f lu ir sô b re o re g im e d o s d ir e ito s e in terêsse s p a r tic u la r e s c o n fia d o s à o r d e m ju d ic iá r ia » .

E o próprio Luís X V , acostumando a ver satisfeitos os seus desejos, porque prosseguia na mesma trilha do seu predecessor, ouviu considerações do Chanceler D'Aix que deveriam tê-lo desgostado; ei-las-— «Senhor, tanto que o vosso ministro baseia as suas ponderações na razão e na lei, elas se tornam dignas de crédito; quando as suas palavras não se apoiam na lei bem que se socorra do nome de Vossa Majestade, invocando a vossa vontade, êle se apequena, torna-se suspeito, por isso que vossa vontade não basta para se traduzir numa norma legal a ser cumprida».

Nem sempre as leis se acortam no Direito Natural — e não é inopor­ tuno invocar a lição de A r i s t ó t e l e s — «Assim quando se quer que a lei

impere, é desejar que somente Deus e a razão prevaleçam; mas, em se atri­ buindo ao homem a supremacia, eqüivale a deferi-la ao mesmo tempo ao homem e ao animal»; nem sempre as leis se inspiram no Direito Natural e

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provocam perturbações públicas; portanto, o aplicador da lei, com a sereni­ dade, que deve apanagiá-lo, mas que se não confunde com pusilanimidade, deverá cumprir uma lei colisiva ao bem comum?

Evidentemente não, porquanto, sentinela impávida do Direito «Naturale vinculum non dissolvit. Juranaturalia prevalece» ( Pa p i n i a n o — Dig. X II,

tit. 6, I, 59) — lícito lhe não é acumpliciar — se com os despautérios do poder legislativo, impondo ao povo uma integral obediência àquelas leis.

Poderia ser cumprida a lei, promulgada pelo senado romano, que con­ cedia a Jú l i o Cé s a r o direito de se apropriar da pessoa e dos bens das damas

romanas? E igualmente, essas leis, que retratam a fisionomia totalitária de certos governos, merecem acatamento completo dos que sabem dignificar a garnacha? Se «lex injusta non est lex», uma vez que ela se torna obriga­ tória para os moradores de uma cidade, porque o seu escopo único é o de lhes oferecer vantagens, é claro que não colimando tais fins, não merecerá a execução dos togados.

Se a lei, como conceituava Santo Is id o r o d e Se v i l h a, «é prescrita não

para a utilidade particular, mas para a utilidade comum dos cidadãos», se­ gue-se que não poderão alcançar execução tôdas aquelas que se destinarem a atender às conveniências, causando, por conseqüência, danos à coletividade, que deve lograr amparo dos dirigentes. O exemplo do Conquistador das Gallias, publicando, durante a sua ditadura, — senaatus-consulto, — de in- terêsses próprios, vem sendo imitado pelos que alcandoram na alta admi­ nistração e emprestam ao vocábulo «liberdade» uma significação utilitária; e, após a suá morte, M a r c o An t ô n i o apressou-se em revalidar todos os atos

do ditador, em se aproveitando do arquivo do vencedor de Pompeu, como uma arma política. Ora, as leis humanas, também chamadas positivas, pre­ cisam de uniformidade, ou seja, têm de ser aplicadas em todo o território nacional, a fim de que seja evitada a babelização das leis, não sendo reco­ mendável a sua constante alteração; e, ao se alongarem dos preceitos do Direito Natural, as suas disposições não satisfarão os justos anseios populares.

Sei que a obrigação de fazer observada a lei é uma obrigação indecli­ nável ao juiz; entretanto, percebendo-lhe a flagrante inconstitucionalidade, outro rumo não poderá ser adotado senão o de lhe negar a aplicação, dada a sua função de velar pela pureza da carta constitucional.

Também qualquer ato administrativo, que não estiver abordoado nas leis ordinárias, ou na constituição, deverá ser anulado, pois êle é um defensor dos direitos do homem, cabendo-lhe requisitar a necessária fôrça militar para a garantia plena de tôdas as suas providências com as quais serão imediata­ mente atendidas as justas reclamações.

Não deverá atemorizar-se o julgador, quando o considerarem um rebelado por haver deixado de apoiar um ato administrativo, ou de acatar uma lei, ou um regulamento de feição anticonstitucional; não e não, engrandece o seu ofício, porque se não acarneirou aos podêres conservando imaculadas as suas vestes judicantes e impondo-se ao aprêço dos seus cidadãos e aos aplausos da consciência. Também permitido não é ao distribuidor da justiça abster-se de julgar qualquer feito, sob o pretexto de que não seriam respeitadas as suas decisões: não e não, pois. ad instar do soldado, a quem não é reconhe­ cida a faculdade de recusar comissão alguma, por se achar convencido de

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que morrerá, devendo desempenhá-la, consoante as ordens emanadas das autoridades superiores, o sentenciador terá de examinar «sine via ac studic» a legitimidade da medida solicitada e concedê-la, com mão intrépida, em curto prazo.

Antes a toga dilacerada pela prepotência dos desrespeitadores da lei su­ prema, do que amarfanhada pelo comodismo, que embota o caráter e despres­ tigia as poltronas de qualquer tribunal, envolvendo num desprêzo justificado •os seus ocupantes.

A n a ç ã o b r a s ile ira , em 1893, fic o u a la r m a d a c o m a p r o e z a d o A lm ir a n t e E d u a r d o W a n d e n k o l k , n o E s t a d o d o R io G r a n d e d o S u l; e, a q u i, c h e g a n d o prêso , fo i s u b m e tid o a c o n s e lh o de in v e s tig a ç ã o , c o n s titu íd o pe lo s A lm ir a n te s F r a n c i s c o P e r e i r a P i n t o — B a r ã o d e In v in h e im a — J o ã o M e n d e s S a l g a d o — B a r ã o de C o r u m b á — D o m C a r l o s B a l t h a z a r d a S i l v e i r a — C o n s e lh e ir o .

E, num instante em que imperavam delações e pululavam as injustiças, aquêles conceituados marinheiros consideraram-se incompetentes, pois, além de tratar-se de um crime político, o seu autor, conquanto reformado, era se­ nador, e, somente com a licença dos seus pares, poderia ser processado, como se lê no parecer elaborado pelo meu saudoso Pai.

Enfrentaram, sem quaisquer temores, o vice-presidente do país, em exer­ cício, até então acostumado a ser atendido nos seus diferentes caprichos, em se compenetrando das suas inocultáveis responsabilidades de apreciadores do comportamento do seu colega, e à horaciana. desempenhando-as.

«Afinal encontrou o Marechal F l o r i a n o alguns cidadãos maduros na expe­ riência da vida, encanecidos no serviço da Pátria, eminentes na carreira das armas, com a precisa coragem para cumprirem com firmeza o seu dever, opondo à barreira da verdade jurídica as incursões cada vez mais audazes da fôrça no terreno das garantias individuais, que o congresso desertou, para curar exclusivamente da sua reeleição o mais interêsse da Pátria, sem dúvida (Rui

B a r b o s a — in jornal do Brasil de 31 de julho de 1893). Não se ignora que,

nas vésperas do julgamento da ordem de habeas-corpus, pleiteada, em prol do Almirante E d u a r d o W a n d e n k o l k , pelo exímio Rui B a r b o s a , o Presidente do

Pretório Excelso cometeu a imperdoável leviandade de dizer ao dirigente da nação que a maioria dos seus companheiros estava inclinada a deferir a justa pretensão.

E o que ouviu êle? — «Os1 senhores dão o habeas-corpus ao Almirante Wandenkolk». E, depois de uma pequena pausa, disse-lhes: e quem lhes dará a ordem de habeas-corpus?

O Ministro J o a q u im T o l e d o P i z a e A l m e i d a não se arreceou; e foi o

único que, aceitando a convincente argumentação do conspícuo patrono, não hesitou em votar pela concessão do remédio jurídico, perfeitamente cabível na espécie em aprêço.

Deu, por conseguinte, uma imparagonável lição de peregrina formosura moral; e, quando em 1898, J o a q u im d a C o s t a B a r r a d a s — exatamente o maior opositor de R u i B a r b o s a naquele famoso pleito — ia bater-se por

igual medida em favor de deputados e senadores, desterrados por P r u d e n t e d e M o r a i s , deveria experimentar aquêle sadio contentamento do que, ensurde­ cendo-se às ameaças, soube comportar-se com a altivez ajustável ao decõro do bonroso cargo de intérprete sereno dos textos constitucionais.

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O decreto de 30 de novembro de 1889, que formulou as regras e trata­ mentos judiciais, extinguiu os títulos de «Senhor» e «Majestade», usados nos tribunais, porque o poder judiciário devia invocar tão só a sua própria auto­ ridade, sem dependência de poder estranho», e o de 20 de fevereiro de 1890' estabeleceu que os cargos de presidentes do Supremo Tribunal e das Relações fôssem preenchidos por eleição — determinação que vigorou até o advento do regime de 10 de novembro de 1937. Sempre entendi que a côrte judiciária,, principalmente nos países em que lhe é cometida a altíssima missão de defen­ sora da Constituição, deve conduzir-se com a máxima impavidez, para que sejam totalmente cumpridos e com a maior presteza os seus julgados, a fim de que não sejam parificados ao dardo do velho Priamo — «telum imbelle sinc ictu» — como se depara na Eneida (livro 11 -544), pois, em se acorcundando aos paredros, fica completamente desvisilizada.

O Barão do Rio Apa — chefe do estado-maior do exército, ousou censurar o Colendo Tribunal ao comunicar-lhe que haviam sido soltos os militares- amparados por uma ordem de habeas-corpus, nos seguintes têrmos:

« E l a é e x o rb ita n te , p o is n ã o é ju s to q u e ao s re v o lto so s se re c o n h e ç a m d ire ito s s u p e rio re s a o p o d e r; o p r iv ilé g io de a p r is io n a r e d e n ã o ser a p r is io n a d o , d e rete r sem n o ta e fo r m a ç ã o d e c u lp a p o r te m p o in d e te r m in a d o , ao s defensores- d a R e p ú b lic a e d o seu g o v ê r n o e d e g o z a r im u n id a d e p a r a n ã o s e re m p re s o s a n te s de c u lp a fo r m a d a , a p e s a r d e e stare m em p e rm a n e n te e c o n t ín u a c o n s p i­ r a ç ã o » .

M a c e d o J o a q u im ( A n t ô n i o J o a q u i m ) p r o flig o u o gesto d a d ita a u t o r i­ d a d e m ilita r , d iz e n d o q u e « s e n tia ard e re m - lh e as faces de v e r g o n h a e in d ig ­ n a ç ã o » , p r o p o n d o q u e fôsse d e v o lv id o o o fíc io de srespe ito so ; m a s a asp e re za d o s tê rm o s em q u e a r e d ig ir a n ã o o b te v e a a p r o v a ç ã o u n â n im e d o s seus d ig n o s c o le g a s, s e n d o in s e rto n a d a ta d o s tr a b a lh o s u m p ro te s to d a a u to r ia d o M i n is t r o O l e g á r i o H e r c u l a n o d e A q u i n o e C a s t r o , f ic a n d o ile sa a r e s p e ita b ilid a d e d a q u ç le tr ib u n a l. A liá s , c o n d u t a m e r itó r ia tev e o D r . J o ã o E v a n g e l i s t a d e N e g r e ir o s S a y ã o L o b a t o — V is c o n d e de S a b a r á — q u a n d o n a P r e s id ê n c ia d o S u p r e m o T r ib u n a l de Ju s tiç a , rec ebe u d o M in is t r o d a J u s tiç a — C onselheiro- F r a n c i s c o d e A s s is R o s a e S i l v a — o av iso n 9 83 d e 17 de d e z e m b ro de 1888 n o q u a l s o lic ita v a d o s t r ib u n a is e ju iz e s a o b e d iê n c ia à s d is p o s iç õ e s d a O r d e m d o L iv r o 39 T it . 66 § 7'- e d o s a rts . 232 e 237 d o R e g . 737 de 1850, q u e a c o n ­

s e lh a v a m a f u n d a m e n t a ç ã o d a s s e n te n ç a s .

«Depois do mais refletido e escrupuloso exame, considero-me no inde­ clinável dever de pedir a reconsideração de V . Exa. sôbre o incluso aviso, que não pode ter aplicação ao Supremo Tribunal de Justiça, o qual, no desem­ penho das atribuições que lhe confere a Constituição do Império, não está subordinado ao Poder Executivo, não tendo superior que legalmente póssa reprovar ou censurar os atos praticados no exercício de sua privativa e suprema jurisdição.

Na resposta ao ofício acima mencionado, disse o aludido Ministro da Justiça que «não tem o Govêrno Imperial o intuito de aplicar censura ao Supremo Tribunal de Justiça, ou a qualquer outro tribunal ou juiz, como pa­ receu a V . Exa. no seu ofício de 25 do corrente mês de janeiro, nem tampouco o de intervir no exercício das respectivas jurisdições, sem dúvida subordinado às determinações da lei, de que nenhuma autoridade isenta, devendo antes a

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sua supremacia mas abrigá-la como exemplo e modêlo dos inferiores; mas sim o de chamar a atenção de todos os juizes e tribunais para as salutares e garan- tidoras disposições da Ord. Liv. 3.° — Tit. 66, § 7.° e dos arts. 232 e 237 do Reg. n9 737 de 25 de novembro de 1850, que cumpre sejam observadas, não só no interesse das partes e direitos em litigio, como também para uniformidade e progresso da jurisprudência.»

Não se conservou silenciosa a egrégia côrte com a resposta, que lhe foi •endereçada; e, por sugestão do Ministro J o ã o J o s é d e A n d r a d e P i n t o , foi

lavrado um protesto «por ser atentatório da soberania e independência do mesmo poder, não reconhecendo superioridade no executivo, de igual cate­ goria política e com separada esfera de atribuições, para receberem dêste outro poder os juizes e tribunais judiciários censuras e ordens sôbre o modo por que devem êles exercer as funções de sua exclusiva competência, e, com a única inferioridade de hierarquia judicial.»

Q u a n d o o M a r e c h a l H e r m e s d a F o n s e c a , m a l o r ie n ta d o , n ã o c u m p r iu a o r d e m d e habeas-corpus, o u t o r g a d a a o s in te n d e n te s m u n ic ip a is d e sta h e ró ic a c id a d e de S ã o S e b a s tiã o d o R io d e Ja n e ir o , o u v iram - se n o r e c in to d o c o n s p íc u o t r ib u n a l, os v e e m e n te s v o to s d e P e d r o L e s s a e A m a r o C a v a l c a n t i , c u ja s c o n c lu s õ e s fo r a m e n d o s s a d a s p o r M a n u e l M u r t i n h o , R ib e ir o d e A l m e i d a . C a m i t o S a r a i v a , M a n u e l J o s é E s p i n o l a , em se m a n te n d o m u d o s os d e m a is m a g is t r a d o s .

Também G u i m a r ã e s N a t a l , verificando que não fôra cumprida a ordem

de habeas-corpus, alcançada pelo Dr. R a u l F e r n a n d e s para se empossar no

govêrno do Estado do Rio de Janeiro, em face de haver sido decretada a intervenção naquela unidade federativa e nomeado um interventor, apresentou um protesto pelo desacato sofrido, que teve o apoio de A l f r e d o P i n t o , P e d r o M i l i e l i , L e o n i R a m o s , H e r m e n e g i l d o d e B a r r o s , para os quais não tinha

sido executada a medida solicitada.

Declarou P e d r o d o s S a n t o s que não cumpria ao Tribunal «votar moções

mais ou menos férvidas, ou veementes, em absoluto impróprias de uma corpo­ ração judiciária, mas entendia que o acórdão não fôra cumprido».

Ora, se ao Poder Judiciário, em cuja composição devem esmerar-se os Chefes do Poder Executivo, para que todos os cidadãos o considerem sempre o refúgio inexpugnável das suas liberdades, necessário é que seja amplamente prestigiado pelos outros órgãos da soberania nacional, sendo observadas, à risca tôdas as suas soluções de feição pública ou privada, isto é, atinjam os indivíduos em suas demandas, ou condenem ou absolvam as entidades admi­ nistrativas, para as quais não devem subsistir privilégios. «O presidencialis­ mo. .. não tendo, como não tem, os freios e contrapesos do regime parlamentar, iria dar na mais tremenda arma do absolutismo tumultuário e irresponsável das maiorias legislativas, das multidões anônimas, e das máquinas eleitorais, se os direitos supremos dos indivíduos e da sociedade, subtraídos pela Constituição, ao alcance de agitações efêmeras, não tivessem, na Justiça, o asilo de um santuário impenetrável».

E haverá quem, conhecendo o que ocorre no sistema presidencial, qu: jamais teve o meu apoiamento — desvalioso, não o ignoro — parlamentarista intransigente como sou — dissinta dos conceitos acima referidos, da autoria

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do indeslembrável R ui B a r b o s a , o evangelizador intimorato e infatigável da

democracia nos rincões, abençoados pelos inesquecíveis jesuítas?

Contou-me o meu saudoso Pai que, visitando, em 1890, a Suprema Côrte, acompanhado por T r a c y — Ministro da Marinha — e B l a i n e— Chanceler, ouviu dêste as seguintes palavras, guardando-as na sua magnífica memória: «A Suprema Côrte é a chave da nossa abóbada política», e na verdade, por lhe ser obrigatória a proclamação da constitucionalidade ou inconstitucionalidade das leis, dos regulamentos dos atos praticados pelo Poder Executivo, as suas atividades são de inocultável importância cívica e para as quais se fixam os olhos da opinião pública — «rainha inamolgável» — consoante a opinião do mavioso bardo dos Timbiras».

Se, «o Direito, escreve R i p p e r t , não reclama senão uma coisa: a obediência

às leis, é claro que a ação construtiva da judicatura, na execução das leis e regulamentos, em lhes apontando os deslizes, constitui uma exortação ao Poder Legislativo, para que sejam prudentes na feitura das leis, repelindo as inovações prejudiciais à ordem pública e emendando as existentes para o bem- estar da coletividade, não se esquecendo da crítica justa de T a c i t u s no tocante aos prejuízos da multiplicidade das leis romanas: — a corrupttssima republica plurimae leges» por enfraquecerem, de contínuo, as instituições. Ácoscu- mei-me, desde os bancos acadêmicos, a envolver os julgadores numa grande reverência, por considerá-los encarregados de uma função nobilitante e asse- guradora das nossas liberdades; e, quando divirjo dos seus despachos e jul­ gados, não me sirvo de expressões impolidas, ou ultrajante à sua dignidade funcional, que não convém apequenar.

O juiz é o intermediário entre a norma e a vida; é o instrumento vivo, que transforma a regulamentação típica imposta pelo legislador na regulamen­ tação das relações dos particulares; que traduz a norma abstrata da lei, na regra concreta entre as partes, formulada na sentença. O juiz é a viva «v.ox-juris». .. A sua função específica consiste na aplicação do Direito. Abra­ çando o juízo de F r a n c e s c o F e r r a r a , porquanto o papel do sentenciador é,

seguramente, o de evitar o predomínio de qualquer injustiça, impondo aos seus jurisdicionados a obediência às leis, quero que se convençam êles que, somente, devem sujeitar-se à lei magna nacional e às leis ordinárias, para que — effeto sia dei ciei nostra giustizia — como cantou o imperecível florentino (Paradiso X V I I I -115).

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