• Nenhum resultado encontrado

advantage: um conceito de intervenção para promover a diversidade etária no contexto empresarial

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "advantage: um conceito de intervenção para promover a diversidade etária no contexto empresarial"

Copied!
84
0
0

Texto

(1)
(2)
(3)

O

teletrabalho invadiu a nossa vida privada!”. Foi com esta frase que o meu interlocutor rematou uma in-teressante conversa que mantivemos recente-mente sobre a sua experiência de teletrabalho. No essencial, a afirmação sintetiza em si mesma alguns dos elementos principais de uma discussão que tem vindo a ganhar tem-po e espaço nas nossas vidas, muito devido ao chamado “novo normal”.

Este é, sem dúvida, um tema importante que seguramente veio agora para ficar, desde logo porque o teletrabalho tem todos os ingre-dientes para desafiar a organização do trabalho tal como a vimos até aqui, muito forjada num certo modelo de fábrica ou de estabelecimento em que o local da prestação do trabalho sem-pre constituiu um dos eixos relativamente in-flexíveis dessa organização.

O tema não é, aliás, novo entre nós. Re-corde-se que em 2000 o IEFP editou um inte-ressante estudo, realizado durante os anos de 1997 e 1998, intitulado “O Teletrabalho em Portugal” e em cujo primeiro capítulo (“O Para-digma do Teletrabalho”) se pode ler, entre ou-tros, que a “alteração da estrutura tradicional do emprego introduziu nas sociedades mais desenvolvidas novos ritmos e novas formas de organização do trabalho”.

Trata-se, claro, de uma iniciativa datada, mas não deixa de ser estimulante revisitar este meritório trabalho, não só porque antecede o acordo quadro dos parceiros sociais ao nível europeu sobre a matéria, adotado em 2002, e a primeira consagração legal da figura do tele-trabalho, no nosso Código de Trabalho de 2003, mas sobretudo porque o tema ganhou agora uma inusitada atualidade e relevância quer em Portugal, quer no resto da Europa.

Entretanto, decorreram cerca de 20 anos em que a inovação, os meios tecnológicos e a digitalização da economia não cessaram de progredir sem que, contudo, o recurso regu-lar ao teletrabalho tenha conhecido no nosso país, como aliás em muitos países da Europa, uma expressão entusiasmante, pese embora os progressos registados sobretudo quanto ao uso de teletrabalho ocasional, o que não deixa de ser curioso e de nos interrogar sobre as razões desta “evolução”, tanto mais que os autores do referido estudo terão verificado na altura “uma adesão muito significativa à ideia do teletrabalho senão como opção de curto prazo ou médio prazo, pelo menos como uma realidade desejável”.

A verdade é que só agora, no quadro da luta contra a pandemia de Covid-19, i.e., numa situação de exceção, o teletrabalho parece ter ganhado um pouco por todo o mundo, e sobretudo na Europa, uma dimensão abso-lutamente inesperada e que muito ajudou, certamente, a mitigar, em parte, os efeitos do lockdown das economias.

Ora, esta situação teve pelo menos o con-dão de estimular a reflexão e suscitar o debate em torno de uma modalidade de organização do trabalho cujo crescimento parece ser hoje inevitável, mas que seguramente carece de contrapesos e medidas e de mais regulação que ajude, por um lado, a desenvolver o seu potencial produtivo e, por outro, permita, por exemplo, a sua efetiva utilização como instru-mento de conciliação da vida profissional e pessoal, garantindo que são respeitados todos os direitos dos teletrabalhadores, designada-mente o direito ao repouso, à privacidade e ao desligamento e evitado o seu isolamento social e profissional.

António Valadas da Silva

Presidente do Conselho Diretivo do IEFP, IP

TELETRABALHO: UMA SOLUÇÃO

DE CONTINGÊNCIA OU UM INSTRUMENTO

PARA TODAS AS ESTAÇÕES?

(4)

FICHA TÉCNICA

PROPRIETÁRIO/EDITOR/SEDE DE REDAÇÃO IEFP: Instituto do Emprego e Formação Profissional, I. P., Rua de Xabregas, 52, 1949-003 Lisboa NIPC: 501442600 DIRETOR: António Leite RESPONSÁVEL EDITORIAL: Maria Fernanda Gonçalves COORDENADORA: Lídia Spencer Branco CONSELHO EDITORIAL DA REVISTA: Adélia Costa, Ana Cláudia Valente, Angelina Pereira, António José de Almeida, António Leite, Conceição Matos, Fernando Moreira da Silva, João Palmeiro, Luís Alcoforado, Nuno Gama de Oliveira Pinto, Sandra Dias REVISÃO: Teresa Souto REDAÇÃO: Revista Dirigir&Formar, Departamento de Formação Profissional Tel.: 215 803 000 / Ext.: 90011 e 90014 CONDIÇÕES DE ASSINATURA: Enviar carta com nome completo, data de nascimento, morada, profissão e/ou cargo da empresa onde trabalha e respetiva área de atividade para: Rua de Xabregas, 52, 1949-003 Lisboa, ou e-mail com os mesmos dados para: dirigir&formar@iefp.pt ESTATUTO EDITORIAL: https://www.iefp. pt/documents/10181/696230/ESTATUTO_CE_2020_vf_julho.pdf

NOTADA NO ICS | DATA DE PUBLICAÇÃO: setembro 2020 PERIODICIDADE: 4 números/ano PRODUÇÃO GRÁFICA: Digiscript, lda DESIGN: Digiscript,lda FOTOGRAFIA DE CAPA: SHUTTERSTOCK IMPRESSÃO: LIDERGRAF Sustainable Printing Rua do Galhano, EN 13, 4480-089 Vila do Conde TIRAGEM: 18 000 exemplares REGISTO: Anotada na Entidade Reguladora para a Comunicação Social DEPÓSITO LEGAL: 348445/12 ISSN: 2182-7532

28 Transformers

32 O novo desafio da cibersegurança

38 Liderança e gestão de equipas em teletrabalho

44 Teletrabalho e trabalho móvel baseado nas TIC:

trabalho flexível na era digital

48 Quotidianos de teletrabalho

>GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS

TALENTO SÉNIOR

TEMAS DE GESTÃO

55 El valor de la experiencia profesional en la madurez

¿Freno o empuje para el acceso al empleo?

60 A atenção à empregabilidade das pessoas adultas maiores.

Objetivos, medidas, programas e projetos na prática TEMAS DE FORMAÇÃO

66 Advantage: um conceito de intervenção para promover

a diversidade etária no contexto empresarial

72 Processos de orientação: uma questão de idade?

77 >EUROFLASH

80 >TOME NOTA

(5)

TEMA DE CAPA

4 Teletrabalho: da experiência conjuntural à tendência estrutural

8 Teletrabalho, desigualdades e regulação

14 Transição digital e teletrabalho

(6)
(7)

E

mbora tendo sido objeto de um Acordo-Quadro Autó-nomo concluído em 2002 pelos parceiros sociais, ao nível europeu (tratando-se, aliás, do primeiro acordo deste tipo), e de, ao nível nacional, estar previsto e regu-lamentado no Código do Trabalho desde 2003, o teletraba-lho teve, até agora, uma expressão residual no mercado de trabalho português.

De acordo com o estudo “A Economia Digital e a Negociação Coletiva” de 2019, promovido pelo Centro de Relações Laborais e da autoria da Professora Rosário Palma Ramalho, em 2016, do total de trabalhadores por conta de outrem, apenas 0,3% esta-vam abrangidos por um contrato de prestação subordinada de teletrabalho, ou seja, 851 situações em todo o país. Aliás, nem se pode dizer que o recurso ao teletrabalho estivesse em expansão: pelo contrário, o número de contratos deste tipo mantinha uma tendência de redução desde 2010 (quando ascendia a 2431), excetuando-se um ligeiro aumento em 2016.

É certo que estes números não refletem alguma experiên-cia das empresas na prática de teletrabalho, em circunstân-cias pontuais. O inquérito lançado em finais de maio pela CIP – Confederação Empresarial de Portugal, em parceria com o Marketing Future Cast Lab do ISCTE, no âmbito do “Projeto Sinais Vitais”, mostra que, entre as empresas cuja atividade permite o recurso ao teletrabalho para alguns dos seus trabalhadores (63% do total), 38% já tinham tido alguma experiência prévia

de teletrabalho. No entanto, o recurso ao teletrabalho não era, de uma forma geral, encarado como uma alternativa ou opção, pelo menos fora de casos excecionais e limitados no tempo.

Com o surgimento da pandemia, este instrumento reve-lou-se desde logo como uma solução óbvia para compatibili-zar a exigência (ou forte conveniência) de confinamento dos trabalhadores com a continuidade da prestação de trabalho e da atividade empresarial.

A opção legal foi a de determinar, em 13 de março, a dis-pensa de acordo entre as partes, passando o regime de presta-ção subordinada de teletrabalho a poder ser determinado uni-lateralmente pelo empregador ou requerido pelo trabalhador. Poucos dias depois, a 18 de março, a adoção do regime de te-letrabalho passou a ser obrigatória, independentemente do vín-culo laboral, sempre que as funções em causa o permitissem, tendo-se mantido esta obrigatoriedade até ao dia 1 de junho.

As empresas e os trabalhadores compreenderam bem esta exigência e aceitaram-na.

De acordo com as respostas ao inquérito da CIP/ISCTE, o recurso ao teletrabalho foi adotado pela esmagadora maio-ria das empresas cuja atividade o permitia (93%). Em 23% destas empresas, a medida abrangeu mesmo a totalidade dos trabalhadores.

Apesar da pouca (ou nenhuma) experiência desta práti-ca, 86% das empresas responderam que os seus processos

António Saraiva, Presidente do Conselho Geral e da Direção da CIP – Confederação Empresarial de Portugal Shutterstock

Com a pandemia, a forma como o teletrabalho é encarado, tanto pelas

empresas como pelos trabalhadores, mudou de forma radical.

TELETRABALHO:

DA EXPERIÊNCIA CONJUNTURAL

À TENDÊNCIA ESTRUTURAL

(8)

internos (de gestão, administrativos, de suporte informáti-co) foram facilmente executados em teletrabalho.

Apesar de 31% das empresas considerarem ser ainda cedo para avaliar o impacto desta situação na performance ou produti-vidade dos trabalhadores, 43% responderam que a produtiproduti-vidade se manteve inalterada e apenas 16% reportaram uma redução, havendo mesmo 10% que deram conta de um impacto positivo. Por parte dos trabalhadores, a aceitação da adoção do teletrabalho foi classificada como elevada ou mesmo muito elevada em 57% dos casos, sendo que apenas em 15% das empresas esta aceitação foi pouco ou nada elevada.

Podemos concluir, destes resultados, que as empresas e os trabalhadores que puderam recorrer ao teletrabalho revela-ram uma excelente capacidade de adaptação a uma situação a que não estavam, de todo, habituados.

A experiência terá sido, sem dúvida, reveladora de vanta-gens e inconvenientes do teletrabalho, já descritos em diver-sos trabalhos de natureza académica, mas que puderam ser, na prática, vivenciados pelos seus atores, que não deixarão de as refletir numa nova perceção, com consequências so-bre o recurso futuro a esta forma de prestação do trabalho.

Entre as vantagens, do ponto de vista das empresas, é possível identificar ou associar, em geral, as seguintes, todas elas, aliás, valorizadas, em maior ou menor grau, pelas empre-sas que responderam ao inquérito da CIP/ISCTE:

• Maior produtividade derivada de uma maior satisfa-ção e motivasatisfa-ção dos trabalhadores (por exemplo, de-corrente da melhor conciliação entre a vida pessoal, familiar e profissional);

• Redução de custos nos locais de trabalho;

• Maior flexibilidade no que respeita aos horários de trabalho;

• Captação de talentos ao nível local, regional, nacio-nal e mundial.

Por sua vez, no que diz respeito às vantagens para os trabalhadores:

• Melhor conciliação entre a vida pessoal, familiar e pro-fissional, especialmente relevante em situações em que se torna necessária assistência particular a as-cendentes (cada vez mais comum, face ao envelheci-mento da população) e a descendentes;

• Poupança de tempo e diminuição de despesas e do

stresse decorrentes das deslocações para e do local de trabalho;

• Alguma flexibilidade de horários (possibilidade de contro-lar o seu ritmo de trabalho) e maior autonomia de trabalho;

• Maior empregabilidade, nomeadamente para os resi-dentes no interior e para portadores de deficiência ou doença crónica.

Há ainda a assinalar que o teletrabalho pode ter um impacto não despiciendo noutros importantes domínios, como o am-biente, ou no estímulo à fixação de pessoas no interior do país. Quanto às desvantagens, há a assinalar, do ponto de vis-ta das empresas:

• Dispersão dos trabalhadores com atividades domés-ticas e familiares;

• Falta de comunicação entre as equipas;

• Maior dificuldade de controlo do desempenho e dos tempos de trabalho;

• Custos de infraestruturas tecnológicas;

• Gestão das questões associadas a efeitos psicológi-cos do isolamento.

• Os dois primeiros pontos foram particularmente refe-ridos no inquérito da CIP/ISCTE.

Na perspetiva dos trabalhadores, há também a assinalar importantes inconvenientes:

• Efeitos psicológicos do isolamento;

• Falta de separação das dimensões pessoal/familiar e profissional;

• Maiores dificuldades ao nível do desenvolvimento e progressão profissionais;

• Inadequação das condições de trabalho;

• Eventualmente, custos que não suportaria no traba-lho presencial.

Tanto do ponto de vista da empresa como do trabalhador, há ainda a assinalar como uma desvantagem muito relevante a maior dificuldade na absorção da cultura e valores da em-presa, prejudicando o sentido de pertença a uma comunidade. Não obstante o referido sucesso da experiência vivida nos últimos meses, o teletrabalho não vai, naturalmente, ter aplicação em todos os sectores e profissões, nem assumirá igual intensidade naqueles em que se revela ser possível.

Por outro lado, a expansão do teletrabalho ou de outras formas de trabalho à distância pode ser condicionada por múltiplos fatores, entre os quais se destacam aspetos cul-turais, sociais e pessoais, as questões (cruciais) associa-das à segurança informática e a capacidade estrutural associa-das redes de telecomunicações.

A diversidade das realidades profissionais

e sectoriais impele para soluções

diferenciadas, sendo a negociação coletiva

o espaço privilegiado para procurar e definir

soluções pragmáticas e equilibradas.

(9)

Teletrabalho: da experiência conjuntural à tendência estrutural

O que parece não levantar dúvidas é que, atentas as suas vantagens e inconvenientes, o teletrabalho se tor-nou uma possibilidade incontornável para muitos, tendo a pandemia servido como driver, quebrando inércias, des-truindo preconceitos, revelando potencialidades. Criou-se confiança. O que antes não era encarado como opção, é agora visto como alternativa a ponderar.

Veja-se, por exemplo, que, de acordo com o inquéri-to da CIP/ISCTE, 48% das empresas onde o teletrabalho é compatível com a sua atividade pretendem, no futu-ro, recorrer regularmente a essa forma de trabalho e que, entre estas, metade considera que a melhor solu-ção passa por ter situações de teletrabalho dois ou três dias na semana.

Esta realidade vem tornar ainda mais premente a neces-sidade de acautelar a existência de competências digitais, questão fundamental para as empresas. Tal necessidade aplica-se a todas as faixas etárias, sendo que, no caso de teletrabalho, é preciso salvaguardar que os trabalhadores mais velhos – em geral, tendencialmente menos digitais e mais resistentes à mudança – não são excluídos desta nova realidade.

Esta perspetiva de expansão do recurso ao teletraba-lho traz, igualmente, desafios à sua abordagem ao nível das relações laborais.

A privacidade do trabalhador e a garantia de confiden-cialidade, o controlo da atividade laboral, a propriedade e utilização dos equipamentos, a autonomia do trabalhador e a reserva da sua vida privada, a flexibilidade inerente a este regime e o respeito pela vida pessoal/familiar, são alguns dos domínios que, naturalmente, carecem de ade-quada ponderação, tendente a eventual aprofundamento.

A heterogeneidade sectorial, empresarial e mesmo pes-soal, não se compadece, porém, com soluções gerais e abstratas. Bem pelo contrário.

Daí que os aspetos referidos (e outros que a realidade venha a evidenciar) tenham como sede natural a contrata-ção coletiva. A ressaltada diversidade das realidades pro-fissionais e sectoriais impele para soluções diferenciadas, sendo a negociação coletiva entre parceiros sociais que estão no terreno e conhecem as respetivas realidades o espaço privilegiado para procurar e definir soluções prag-máticas e equilibradas. Soluções que, tendo em conta as especificidades de cada situação em concreto, acautelem os interesses legítimos dos trabalhadores, compatibilizan-do-os com as exigências da competitividade empresarial. Procuremos, pois, com realismo e bom senso, corres-ponder a esta realidade que aceleradamente se expandiu, aproveitando a experiência ditada por uma situação ad-versa e excecional.

(10)

TELETRABALHO,

DESIGUALDADES

E REGULAÇÃO

Frederico Cantante, investigador do CoLABOR Shutterstock

(11)

O regime de teletrabalho ganhou centralidade no

debate público e nas relações de trabalho no

con-texto da pandemia da Covid-19. A obrigatoriedade

de confinamento que decorreu da declaração, a

18 de março, do Estado de Emergência obrigou

muitas empresas a reorganizarem os processos

de trabalho e a gestão do pessoal tendo como

pressuposto a obrigatoriedade/necessidade do

trabalho remoto.

(12)

TELETRABALHO: CONCEITO, VIRTUDES E RISCOS

E

m certas atividades económicas e ocupações, o trabalho presencial continuou a vigorar, mas a expressão que o teletrabalho assumiu no conjunto da economia foi bas-tante significativa. Embora a sua incidência tenha vindo a re-cuar à medida que o desconfinamento se foi alargando, muito dificilmente o teletrabalho terá no futuro a relevância marginal que até aqui assumiu nos processos produtivos, nas relações laborais e nas questões de regulamentação das mesmas.

Na definição do art.º 165.º do Código do Trabalho (CT), “Con-sidera-se teletrabalho a prestação laboral realizada com subor-dinação jurídica, habitualmente fora da empresa e através do recurso a tecnologias de informação e de comunicação”. Este re-gime é, portanto, constituído por quatro elementos tipificadores. Desde logo o local de trabalho, uma dimensão fundamen-tal na definição das relações de laboralidade – por isso mes-mo é uma das condições que concorrem para a presunção de existência de um contrato de trabalho (art.º 12/1, alínea a., do CT). Em segundo lugar, a exigência de subordinação entre um trabalhador e uma entidade empregadora (também ela um elemento definidor das relações de laboralidade). O terceiro elemento refere-se à frequência de utilização deste regime e

o quarto ao facto de o seu exercício depender da utilização de tecnologias digitais – em relação a este último aspeto, é inte-ressante pensar que o trabalho industrial subordinado em cer-tos sectores tradicionais (têxtil, calçado) era muitas vezes feito no domicílio, um tipo de teletrabalho anterior à terceirização da economia e à emergência das tecnologias digitais.

O regime de teletrabalho é, portanto, uma figura jurídica que resulta da intersecção cumulativa de vários elementos ou condições. É preciso ter esta ideia bem clara para não o con-fundir com outras realidades e conceitos, em particular com o trabalho por conta própria, executado remotamente a partir do domicílio ou de um outro local não pertencente à entidade contratante, ou de formas de trabalho executadas a partir do domicílio, muitas vezes informais, em plataformas digitais.

O teletrabalho pressupõe, entre outras condições, a exis-tência de um contrato de trabalho e, portanto, de uma relação laboral entre uma entidade empregadora e um trabalhador su-bordinado. É por isso que instituições internacionais como a Or-ganização Internacional do Trabalho (OIT) e o Eurofound promo-vem uma distinção conceptual entre o conceito de teletrabalho (que inclui apenas trabalhadores por conta de outrem) e o de trabalho móvel executado a partir de tecnologias da informação e comunicação (que inclui os trabalhadores por conta própria).

(13)

O teletrabalho, tal como o trabalho móvel executado a partir de tecnologias da informação e comunicação, tem impactos de sentido contrário na vida profissional e pessoal dos tra-balhadores – o “paradoxo da autonomia”.1 Por um lado, pode

melhorar a conciliação entre o trabalho e a família, introduzir maior autonomia no desempenho das tarefas profissionais – quer na determinação das tarefas, quer na gestão do tem-po da sua execução –, ou diminuir o temtem-po gasto em deslo-cações para o trabalho. Por outro lado, pode implicar aumen-tos da intensidade do trabalho, destruturação dos horários de trabalho, diluição da separação do tempo de trabalho e de lazer, menor integração nas equipas e menos oportunidades de promoção profissional, restrições aos direitos de persona-lidade, entre outros aspetos.

O teletrabalho não é bom ou mau por definição, as suas vantagens e desvantagens não são imanentes às caracte-rísticas do regime. Mas a natureza funcional do teletrabalho contém, em si, dimensões que se podem traduzir em formas de emancipação do trabalho e da qualidade de vida dos traba-lhadores, mas também riscos bastante salientes no recuo de direitos, liberdades e na capacidade de ação coletiva.

Não é, portanto, aconselhável aderir acriticamente às vir-tualidades do regime em causa, nem recusar aprioristicamente a sua adoção devido a eventuais perversões que ele neces-sariamente implica. Importa ter consciência do paradoxo da autonomia, explorar a fundo os seus desdobramentos nas vá-rias dimensões que comporta, para assim se mitigarem riscos da utilização do teletrabalho e potenciarem-se os elementos emancipatórios que dele podem emanar.

UMA MODALIDADE DE TRABALHO POUCO EXPRESSIVA EM TEMPOS DE NORMALIDADE

O trabalho a partir do domicílio é um regime que até ao advento da pandemia da Covid-19 tinha uma expressão reduzida em Portugal. Em 2019, apenas 13,1% dos traba-lhadores por conta de outrem declararam trabalhar a partir do domicílio “às vezes” ou “frequentemente” – o Eurostat utiliza o conceito de “trabalho a partir de casa” e não o de “teletrabalho”. Ainda assim, a expressão deste regime de trabalho aumentou nove pontos percentuais desde 2008. O valor deste indicador para Portugal situa-se um pou-co acima do apurado para o pou-conjunto de países da UE27 (11,1%), mas é bastante distante do registado nos países do norte da Europa, Holanda, Luxemburgo, Suíça e Reino Unido. Na Suécia e na Holanda, cerca de 1/3 dos trabalha-dores por conta de outrem declararam trabalhar “às vezes”

ou “frequentemente” a partir de casa. Os países do leste europeu e mediterrânicos tendem a ser os que apresentam valores mais baixos para este indicador.

O trabalho a partir do domicílio em Portugal efetiva-se es-sencialmente de forma pouco regular: os trabalhadores por conta de outrem que trabalham a partir de casa “às vezes” representam 8,3% do total dos trabalhadores, valor que desce para 4,8% no caso dos trabalhadores que o fazem “frequente-mente”. Esta tendência verifica-se na maior parte dos países europeus. Mesmo nos países em que o trabalho a partir de casa tem uma dimensão muito significativa, essa prática não é muito intensa: na Suécia, apenas 3,8% dos trabalhadores por conta de outrem trabalham a partir de casa “frequente-mente” (29,8% fazem-no “às vezes”). Os dados atrás men-cionados indicam, portanto, que o teletrabalho (utilizando o conceito de trabalho a partir de casa como proxy) tem vindo a ganhar expressão em Portugal, mas abrange apenas um em cada oito trabalhadores por conta de outrem.

O exercício de trabalho subordinado a partir do domi-cílio não implica que a relação contratual com a entidade empregadora seja categorizada necessariamente enquanto teletrabalho – pelo menos quando esse exercício não é fre-quente. Atentando nos dados dos Quadros de Pessoal, cuja informação diz essencialmente respeito ao sector privado, constata-se que o número de trabalhadores por conta de outrem que tem contratos de trabalho para prestação su-bordinada de teletrabalho é marginal. Em outubro de 2018, apenas 595 trabalhadores tinham um contrato de trabalho para prestação subordinada de teletrabalho sem termo e 184 um contrato de trabalho para prestação subordinada de teletrabalho com termo (certo e incerto). Em conjunto, representavam apenas 0,03% dos trabalhadores a tempo completo e com remuneração base completa (GEP, 2019).

A expressão muito reduzida deste tipo de contratos de trabalho no mercado de trabalho em Portugal é acom-panhada, embora de forma menos vincada, pela presença diminuta do tema do teletrabalho na contratação coleti-va: entre as 220 convenções publicadas em 2018, apenas nove (4,1%) incluíam esta matéria. Em 2017, o número de convenções foi ainda menor: seis convenções em 208.2

O TELETRABALHO EM CONTEXTO DE PANDEMIA

A pandemia da Covid-19 forçou a adoção do regime de tele-trabalho em Portugal e a nível internacional. De acordo com o Eurofound, 37% dos trabalhadores dos países da União Europeia começaram a trabalhar em regime de teletrabalho

2Centro de Relações Laborais (2019). “Relatório anual sobre a evolução da negociação

coletiva em 2018”. Centro de Relações Laborais.

1Eurofound (2018). “Telework and ICT-based mobile work: Flexible working in the digital

age”. Publications Office of the European Union.

(14)

em virtude da pandemia da Covid-19.3 Mas a possibilidade

de os trabalhadores transitarem para este regime é bas-tante assimétrica de acordo com as áreas de atividade eco-nómica e as ocupações profissionais.

As atividades económicas da informação e comunica-ção, financeiras e de seguros e as de consultoria, científi-cas, técnicas e similares são tipicamente passíveis de ser exercidas remotamente, ao contrário do que acontece com as ligadas à indústria, à construção ou às que orbitam em torno do sector do turismo.

Também o perfil socioprofissional dos trabalhadores tende a estar correlacionado com a possibilidade de exer-cício do teletrabalho. Os trabalhadores mais qualificados, com maiores níveis de literacia e numeracia e com rendi-mentos do trabalho mais elevados tendem a ter uma maior probabilidade de poderem exercer a sua atividade profissio-nal em regime de trabalho, e vice-versa. De acordo com um estudo publicado pela OCDE, 54% dos trabalhadores com ensino superior podem trabalhar remotamente, enquanto entre os trabalhadores com baixas qualificações este va-lor é de apenas 18%.4

Vários estudos têm vindo a estimar a proporção da po-pulação empregada dos países cuja ocupação5 e/ou

con-junto de tarefas desempenhadas no exercício da profis-são6 são passíveis de ser desempenhadas remotamente.

Em termos médios, estes estudos estimam que cerca de 1/3 da população empregada pode trabalhar em regime de teletrabalho, mas esse valor varia significativamente consoante os países, de acordo com o padrão de especia-lização económica e com o perfil socioprofissional da sua população empregada.

O principal objetivo deste tipo de estimativas prende-se com a mensuração da capacidade adaptativa das econo-mias às exigências impostas pelo confinamento e do nível de vulnerabilidade das várias categorias de trabalhadores: o facto de um trabalhador não poder desempenhar as suas tarefas profissionais remotamente adensa não só a sua ex-posição ao desemprego, mas também ao risco de contágio. Às desigualdades de possibilidade de exercício de te-letrabalho somam-se desigualdades nas condições de desempenho da atividade profissional a partir de casa. A diluição das fronteiras entre o local de trabalho e o espa-ço doméstico, num contexto em que as crianças estavam em casa devido ao fecho das escolas, provocou uma enor-me pressão sobre as famílias com filhos, em particular nas

mulheres, que continuam a ser as principais protagonistas no desempenho das tarefas domésticas.

O aumento das tarefas associadas ao facto de a família estar em casa permanentemente (por exemplo, cozinhar, limpar, ajudar os filhos nos estudos) e a necessidade de responder às exigências profissionais colocou uma enorme pressão sobretudo sobre as mulheres. As desigualdades de género traduziram-se em desigualdades no exercício do te-letrabalho durante o “Grande Confinamento”. O testemunho desta mulher é bastante ilustrativo da realidade descrita:7

“Na verdade, sentimos que falhamos como profissio-nais e como mães. Não trabalho todo o tempo que quero ou preciso, e acabo por negligenciar a minha filha em tudo o que não sejam os aspetos físicos básicos (higiene, ali-mentação).” (Mulher, 36 anos, ensino superior)

A problemática da desigualdade entrelaça-se, portan-to, de forma bastante intensa com a questão do teletraba-lho no contexto da pandemia da Covid-19. Por um lado, ao nível das possibilidades desiguais de adoção do regime de teletrabalho quando se comparam países e grupos so-cioprofissionais. Por outro, porque o trabalho exercido re-motamente pode reproduzir e até exacerbar as desigual-dades de género.

A REGULAÇÃO DA MUDANÇA

O teletrabalho, imposto a uma parte significativa dos tra-balhadores no contexto da atual pandemia, terá certamen-te uma expressão maior face ao verificado ancertamen-teriormencertamen-te quando a crise sanitária terminar ou for fortemente miti-gada. Empresas e trabalhadores aperceberam-se dos be-nefícios deste regime e do anacronismo associado à ideia de que o trabalho subordinado tem necessariamente de ser desempenhado nas instalações da entidade empregadora. Contudo, tal como não é desejável que se coloquem en-traves conservadores a mudanças benéficas para os traba-lhadores e suas famílias e para as empresas, é fundamen-tal analisar de forma ponderada este regime de trabalho e os riscos que ele comporta para a qualidade do emprego e para o equilíbrio das relações laborais.

As especificidades do teletrabalho na atual crise não per-mitem extrapolar diretamente a avaliação dos seus méritos e riscos para um contexto de normalidade. A transição para

3Eurofound (2020). “Living, working and COVID-19 First findings”. Publications Office

of the European Union.

4Espinoza, R. e Reznikova. L. (2020). “Who can log in? The importance of skills for

the feasibility of teleworking arrangements across OECD countries”. (OECD social, employment and migration working papers, Nº 242.)

5Dingel, J. e Neiman, B. (2020), “How many jobs can be done at home?”. Becker

Friedman Institute for Economics at the University of Chicago.

6Espinoza, Ricardo e Laura Reznikova (2020). Op. cit.

7Silva, P. A., Carmo, R. M., Cantante, F., Cruz, C., Estêvão, P., Manso, L., Pereira, T. S.

(2020). “Trabalho e desigualdades no Grande Confinamento”. (Estudos CoLABOR, N.º 2/2020). CoLABOR.

(15)

Teletrabalho, desigualdades e regulação

o teletrabalho foi compulsiva e com as escolas fechadas. Mas isso não significa que algumas das disfuncionalida-des que emergiram não possam também materializar-se, provavelmente de forma menos intensa, num contexto de normalidade. Por exemplo, a reificação das desigualdades de género ou a questão do aumento da intensidade do tra-balho referida por muitos trabalhadores.

Para regular o futuro do teletrabalho é necessário ter em consideração que o local de trabalho é um importan-te conimportan-texto de socialização, um conimportan-texto fundamental na construção de dinâmicas laborais/produtivas e, apesar das mudanças aceleradas que se verificaram nas últimas décadas, um esteio das relações de laboralidade.

Num cenário de aumento generalizado do teletrabalho, as identidades coletivas tenderiam a minguar ainda mais e poder-se-iam criar oposições categoriais entre “trabalhado-res p“trabalhado-resenciais” e “trabalhado“trabalhado-res remotos” de que nenhum dos grupos beneficiaria. Sabe-se que os trabalhadores que trabalham com frequência de forma remota tendem a ter menos oportunidades de promoção no interior das organi-zações. Sabe-se também que a deslocalização do trabalho é um método clássico de redução dos seus custos. E intui--se, por último, que há o sério risco de o teletrabalho poder funcionar em muitas situações como uma nova forma de desinstitucionalização das relações de trabalho subordi-nadas, com tudo o que isso implica do ponto de vista da precarização dos direitos dos trabalhadores.

O enquadramento do teletrabalho no CT é incipiente e desadequado face à realidade atual. Importa por isso ga-rantir que uma futura alteração legislativa tenha em consi-deração aspetos determinantes como a “garantia absoluta de igualdade de tratamento entre as situações de traba-lho presencial e de teletrabatraba-lho”, a “permissão genérica e obrigatória de teletrabalho” para a prestação de cuidados a menores e outras situações, a “proteção da retribuição”, em particular dos complementos remuneratórios, a “pro-moção da presença periódica do trabalhador em regime de teletrabalho nas instalações da empresa”, entre outras questões ligadas ao “direito a desligar” e ao controlo/ges-tão dos tempos de trabalho.8

A regulação do teletrabalho é uma das dimensões num desafio mais geral de enquadramento da utilização das tec-nologias e da avaliação dos seus impactos no emprego, no trabalho e nas relações laborais. Importa por isso aprofundar-mos o conhecimento que teaprofundar-mos acerca destas realidades.

Muito dificilmente o

teletrabalho terá no

futuro a relevância

marginal que até

aqui assumiu nos

processos produtivos,

nas relações laborais

e nas questões de

regulamentação das

mesmas.

8Silva, P.A., Carmo, R.M., Cantante, F., Cruz, C., Estêvão, P., Manso, L., Pereira, T.S.,

La-melas, F. (2020). “Trabalho e desigualdades no Grande Confinamento” (II) (Estudos CoLABOR, N.º 2/2020). CoLABOR.

(16)

TRANSIÇÃO DIGITAL

E TELETRABALHO

Em Portugal, será um objectivo estratégico desenvolver um Plano para a Transição Digital e uma estratégia

de empregabilidade digital, baseada não só num conjunto de directrizes europeias, mas também em

iniciativas nacionais.

1.TRANSIÇÃO DIGITAL EM PORTUGAL

R

ecentemente, em Portugal, a Resolução do Conselho

de Ministros n.º 30/2020 criou um Plano de Acção para a Transição Digital. Este plano considera a transição digital como um dos instrumentos essenciais da estratégia de desenvolvimento, de acordo com os objectivos políticos que orientarão os investimentos da União Europeia no perío-do de programação 2021-2027, em conformidade com o novo quadro da política de coesão. Além disso, a pandemia do co-ronavírus Covid-19 acelerou a transição para a sociedade di-gital, através do forte aumento da utilização do teletrabalho.

Glória Rebelo, Professora Universitária e Membro do Conselho Científico do Dinâmia-CET, ISCTE-IUL   Shutterstock

E em Portugal será um objectivo estratégico desenvolver um Plano para a Transição Digital e uma estratégia de emprega-bilidade digital, baseada não só num conjunto de directrizes europeias, mas também em iniciativas nacionais.

Ora, o teletrabalho apresenta-se justamente como uma forma de organizar o trabalho que se caracteriza por esta-belecer entre empregador e trabalhador um conjunto de re-lações laborais à distância e asseguradas por Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). E insere-se num mo-vimento internacional de flexibilização do trabalho que as-sociou a organização laboral ao desenvolvimento das com-petências (individuais e organizacionais), possibilitando

(17)

também a criação de mecanismos de comunicação. Assim, o teletrabalho é uma forma de organização do trabalho, cuja actividade é exercida mediante o recurso à utilização das TIC e à distância, ou seja, a partir de um local, que não o local do estabelecimento da empresa, nomeadamente o domicí-lio, um hotel, ou até de forma itinerante.

O termo teletrabalho surgiu no final da década de 1970 associado ao progresso tecnológico, que facilitou a multipli-cação de experiências de deslocalização do trabalho. Mais tarde, nos anos 1990, o teletrabalho emerge como uma for-ma de organizar o trabalho capaz de promover a versatili-dade e uma certa autonomia do trabalhador. Já no Relatório Bangemann da Comissão Europeia sobre a Sociedade da Informação, de 1997, o teletrabalho surgia como uma forma crescente de trabalho na Europa. De acordo com dados da European Telework Organization em 1999, este representava apenas 4,5% do emprego total na UE15 (enquanto nos EUA, por exemplo, representava 7,9%).

Nas últimas duas décadas, a expansão do teletrabalho, enquanto forma de trabalho, deveu-se principalmente a qua-tro factores: ao desenvolvimento da informática e das tele-comunicações; ao crescimento do sector dos serviços (e da informática a ele aplicado); à vontade de as organizações criarem formas de trabalho que procurem a autonomia por parte dos seus trabalhadores; e ao propósito de as empre-sas reduzirem custos.

O teletrabalho é uma forma de trabalho, realizada num lo-cal fora da empresa a que o trabalhador está contratualmen-te ligado, quer como trabalhador dependencontratualmen-te (subordinado

Shutterstock

juridicamente), quer como trabalhador independente. Par-ticularmente enquanto forma de trabalho subordinada, na medida em que esta forma de trabalho implica a percepção de como, por um lado, se podem assegurar os direitos e de-veres próprios do trabalhador subordinado e, por outro, como é que o empregador pode continuar a assumir os poderes (tradicionais) e as responsabilidades inerentes à execução da prestação de trabalho subordinado, interessa, em espe-cial, analisar o que designaremos por “reconfiguração da su-bordinação jurídica” no teletrabalho (Rebelo, 2019, 213-220). Com o teletrabalho surgem organizações diferentes das tradicionais, uma vez que este envolve a dispersão física dos trabalhadores do local central de trabalho para locais distan-tes da empresa. E uma das principais diferenças no planea-mento das organizações está relacionada com a relação en-tre empregador e trabalhador, sobretudo com o controlo que o empregador exerce sobre os trabalhadores.

2. A SUBORDINAÇÃO JURÍDICA

E O PODER DE DIRECÇÃO NO TELETRABALHO

Atentemos em particular no caso da subordinação jurídica. Em 2003, o Código do Trabalho (CT) veio consagrar expressa-mente a figura do teletrabalho enquanto contrato de trabalho. No actual CT, nos termos do disposto no artigo 11.º, o le-gislador entende que as partes celebram um contrato de tra-balho sempre que o trabalhador esteja inserido no âmbito da organização do empregador (que define como beneficiário

(18)

da actividade) e sob a autoridade desta e que, além disso, a actividade seja realizada em local pertencente ao seu be-neficiário ou por ele determinado” (al. a. do n.º 1 do artigo 12.º do CT) e que “observe horas de início e de termo da pres-tação determinadas pelo beneficiário da mesma” (al. c. do n.º 1 do artigo 12.º do CT). Assim, o enquadramento do tra-balhador enquanto teletratra-balhador subordinado (e a con-sequente aplicação das regras do CT à relação de trabalho) passa pela consideração de saber se o trabalhador em ques-tão executa a sua prestação mediante os indícios de subordi-nação jurídica dispostos no artigo 12.º do CT ou se, de forma distinta, se trata de um trabalhador autónomo e executa a sua prestação de trabalho afastado da observância desses indícios (Rebelo, 2019, 214).

Com o teletrabalho, emergiu a alternativa do trabalho exe-cutado em locais distintos da empresa importando, maxime, que esteja contratualmente determinado. Daí que, para se presumir prestação subordinada, seja preciso que o trabalho

seja realizado em local pertencente ou determinado pelo em-pregador e respeitando horas de início e de termo (al. c. do n.º 1 do artigo 12.º do CT). Além disso, outro dos indícios de subordinação a considerar na análise do contrato de teletra-balho é se os instrumentos de trateletra-balho afectos à utilização de teletrabalho se encontram também sujeitos a regras es-pecíficas (al. e. do n.º 5 do artigo 166.º do CT) e gerais (al. b. do n.º 1 do artigo 12.º do CT). Nos termos do disposto no ar-tigo 166.º, assim como no consagrado no arar-tigo 168.º do CT, presume-se que os instrumentos de trabalho utilizados pelo teletrabalhador respeitantes a TIC constituam propriedade do empregador, a quem compete a respectiva instalação e ma-nutenção, bem como o pagamento das inerentes despesas. Acresce que o próprio exercício do teletrabalho necessita que sejam garantidas certas condições técnicas que permi-tam assegurar a manutenção da cadeia de informações ou dos dados aos locais de exploração destes elementos. Estas condições técnicas implicam que sejam utilizadas, na totali-dade ou em parte, a informática e as comunicações em rede adaptadas ao teletrabalho – o que pressupõe a existência de utilização de redes com as capacidades e possibilidades diversas, que permitem transmitir os dados em condições de segurança –, além de uma prévia formação que torne o trabalhador apto a executar a prestação de trabalho. E, neste sentido, sem prejuízo de estipulação contratual em contrário,

Com o teletrabalho, emergiu a alternativa

do trabalho executado em locais distintos

da empresa importando, maxime, que

esteja contratualmente determinado.

(19)

Transição digital e teletrabalho

“o teletrabalhador não pode dar aos equipamentos e instru-mentos de trabalho que lhe forem confiados pelo empregador uso diverso do inerente ao cumprimento da sua prestação de trabalho” (n.º 3 do artigo 168.º do CT).

Por outro lado, relacionado ainda com o conceito de subordinação jurídica está a nova “concepção de tempo” introduzida com o teletrabalho. Ora, o cumprimento de um período normal de trabalho – sobretudo no caso do teletra-balho executado a partir do domicílio – coloca as questões de, em particular, como controlar o horário da prestação de teletrabalho no caso do trabalho executado a partir do do-micílio ou em local itinerante (Rebelo, 2019, 217). Tem-se colocado a questão de discutir se, com este, a subordina-ção jurídica fica mitigada, considerando que o trabalhador – longe da empresa – é “senhor da organização do seu tempo” alcançando assim, na execução da prestação de trabalho, mais autonomia. Contudo, e embora a resposta a esta questão envolva a análise da diversidade das situa-ções de teletrabalho (de natureza multiforme), a verdade é que nos parece que nem sempre será assim, pois com a utilização das TIC em rede, muitos teletrabalhadores ficam mais dependentes dos empregadores – e, em consequên-cia, sujeitos a um mais “apertado” poder de direcção – do

No âmbito do CT,

presume-se que os

instrumentos de trabalho

respeitantes a TIC

constituam propriedade

do empregador, a quem

compete a respectiva

instalação, manutenção

e pagamento das

despesas inerentes.

(20)

que se estivessem no local da empresa (Rebelo, 2004,18). É que os computadores – além de serem um importan-te instrumento de trabalho do trabalhador – podem ser um importante instrumento de controlo da execução do trabalho permitindo ao empregador registar a actividade exercida durante o horário de trabalho (nomeadamente, permitindo apurar o número de vezes em que o trabalha-dor tocou no teclado).

De referir ainda que a prestação de actividade de tele-trabalho se presume subordinada quando a prestação seja retribuída em função do tempo despendido na execução

da actividade e seja paga com determinada periocidade ao prestador da actividade, como contrapartida da mesma” (al. d. do artigo 12.º do CT).

Pela celebração do contrato individual de trabalho, o em-pregador detém o poder de direcção, consagrado no artigo 97.º do CT, que lhe permite dirigir e organizar a prestação de actividade, determinando os termos em que deve ser prestado o trabalho” ou, por outras palavras, “os parâme-tros temporais de execução da prestação e a forma como o débito laboral deve ser realizado”(Pinto et al., 1994, 23-24). E no teletrabalho há o tradicional poder de direcção do empregador que passa por considerar que no exercício da sua actividade é atribuído ao teletrabalhador (no âmbito do que se designa por poder determinativo da função) não um “certo posto ou categoria” na organização, mas sim um conjunto de funções correspondentes a “uma actividade” (n.º 1 do artigo 115.º do CT) que se define pelas necessida-des da mesma empresa e pelas “aptidões e qualificações do trabalhador” (n.º 1 do artigo 118.º do CT).

A este aspecto acresce que o teletrabalho, enquanto forma de trabalho, representa actualmente um importante

Se a avaliação se basear apenas

num controlo dos tempos despendidos,

representará uma perspectiva mais

empobrecedora para as possibilidades

de promoção profissional

(21)

instrumento de Gestão de Recursos Humanos no âmbito da “sociedade da informação”, pois, enquanto forma de organi-zar o trabalho, parece assentar mais em torno dos processos e dos resultados do que em torno das funções e das hierar-quias, pelo que é uma figura desafiante para a reconfiguração do tradicional exercício do poder de direcção do empregador (Rebelo, 2004, 25-27; Rebelo 2019, 219).

Aqui há que acautelar um eventual enfraquecimento do poder de direcção, pois o empregador pode perder – maxime quando executado a partir do domicílio – o controlo directo sobre a actividade dos seus trabalhadores. No propósito de atenuar esta situação o CT prevê, em particular na al. f) do n.º 5 do artigo 166.º – nos contratos para prestação subordi-nada de teletrabalho – da identificação do estabelecimento ou departamento da empresa ao qual se deve reportar o te-letrabalhador e ainda a identificação do superior hierárquico ou de outro interlocutor da empresa com o qual o teletraba-lhador pode contactar no âmbito da execução da respectiva prestação laboral. Esta exigência legal sugere que a melhor maneira para evitar o distanciamento entre as partes é es-tabelecer, previamente, um plano de trabalho que comporte objectivos precisos e que assegure igualmente um contacto regular – mesmo que não permanente – entre empregador e teletrabalhador, por exemplo, por telefone ou por correio electrónico.

Paralelamente, coloca-se também a questão da necessi-dade da avaliação do desempenho profissional do teletraba-lhador, ou seja, cria-se a necessidade de garantir um controlo adequado que permita apreciar o desempenho da actividade efectuada à distância, uma vez que o teletrabalho constitui igualmente uma estratégia empresarial que visa promover a polivalência funcional e uma certa autonomia do trabalha-dor. A este propósito é necessário distinguir as situações em que o teletrabalhador exerce actividades complexas e de uma certa amplitude, daquelas em que a actividade profissional se aproxima do taylorismo electrónico. Se a avaliação se basear apenas num controlo dos tempos despendidos e do resultado obtido num determinado período de tempo, esta opção representará uma perspectiva mais empobrecedora para as possibilidades de promoção profissional de um te-letrabalhador na empresa.

Além disso, será igualmente preciso ter em conta que os tradicionais poderes do empregador confrontam-se com di-reitos e garantias dos trabalhadores que passam pela própria possibilidade do exercício dos direitos e liberdades do cida-dão como é, por exemplo, o direito à igualdade de tratamento na empresa (artigo 169.º do CT), assegurando a efectiva ob-servância do princípio da igualdade de tratamento entre tele-trabalhadores no domicílio e os outros tele-trabalhadores (seus colegas) a trabalhar nas instalações da empresa.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em Portugal, a pandemia de Covid-19 ofereceu uma oportuni-dade de acelerar grandes mudanças. O recente estudo da OIT “Portugal: Avaliação rápida do impacto da COVID-19 na economia e no mercado de trabalho” mostra as medidas discricionárias adoptadas em resposta à pandemia, tais como a manutenção do emprego e a formação; protecção dos trabalhadores no lo-cal de trabalho (teletrabalho). Durante o estado de emergência, o teletrabalho foi obrigatório (a menos que incompatível com o emprego) e, como realça este estudo, a generalização do tele-trabalho tornou-se um desafio especial que foi, em muitos casos, realizado em condições exigentes (por exemplo, com crianças em casa, falta de espaço adequado) e tornou-se uma experiên-cia menos positiva para alguns, espeexperiên-cialmente para as mulhe-res confrontadas com uma maior carga de trabalho doméstico. Como refere este estudo, Portugal viveu uma situação social sem precedentes e as pessoas desenvolveram novos hábitos como consumidores, trabalhadores e estudantes, ci-dadãos. Algumas destas transformações serão transitórias, enquanto outras poderão persistir, sendo que a generaliza-ção do teletrabalho foi a mudança mais óbvia. Mas existem outras. Num período muito curto, todas as escolas e univer-sidades portuguesas entraram em linha, dando à maioria dos estudantes e docentes a sua primeira experiência de ferramentas de e-learning (OIT, 2020).

Bibliografia

Eurofound (1997). The Health and Safety Issues for Teleworkers in the European Union, WP/97/29/ EN. Eurofound, Dublin.

Eurofound (2006). Social Implications of Teleworking: the social security position of teleworkers

in the European Union. Eurofound, Dublin.

OIT (2020). Portugal: Rapid assessment of the impact of COVID-19 on the economy and labour

market. ILO, Geneva.

PINTO, M., et al. (1994). Comentário às Leis do Trabalho. Lisboa, Lex.

REBELO, G. (2002). Trabalho e Igualdade – Mulheres, Teletrabalho e Trabalho a tempo

par-cial. Oeiras, Celta.

REBELO, G. (2004). Teletrabalho e Privacidade – Contributos e Desafios para o Direito do

Tra-balho. Lisboa, RHeditora.

REBELO, G. (2017). “Das recentes alterações ao Código do Trabalho e da necessidade de um forta-lecimento do papel da ACT na promoção das condições de trabalho”, in Trabalho sem Fronteiras?

O papel da Regulação (coord. Manuel M. Roxo). Coimbra, Almedina, 221-240.

REBELO, G. (2019). “Working Time Organization: Influences in Work-family Balance and Career”.

International Journal on Working Conditions 18, 113-130.

REBELO, G. (2019). “O Trabalho digital e o teletrabalho”, in Estudos de Direito do Trabalho. Lis-boa, Sílabo, 209-241.

REBELO, G. e ROXO, M. (2019). “The Challenges of Digital work in Portugal”, in W. Sanguineti R. e B. Vivero Serrano (Dirs.), La construcción del Derecho del Trabajo de las redes empresariales. Granada, Comares.

REDINHA, M. R. (1999). “O teletrabalho”, in Moreira, A. (org.), Direito do Trabalho – II Congresso

Nacional de Direito do Trabalho. Coimbra, Almedina, 92-93. Nota

O artigo não segue o novo Acordo Ortográfico por opção da autora.

(22)
(23)

O

teletrabalho não é uma invenção da pandemia de SARS-CoV-2, mas a pandemia conduziu à sua vulgarização no período de confinamento, tor-nando-o tema de debate sobretudo na fase de desconfinamento. Com efeito, durante o confinamento, o teletrabalho permitiu que a actividade laboral prosseguisse em múltiplos sectores, tendo assim concorrido para algum dinamismo económico ou redução de prejuízos. Constituiu então um alívio para empregadores, permitindo manter al-guma produtividade, e também para empregados, permi-tindo manter alguma forma de actividade e de interacção, contribuindo para que todos se sentissem úteis no sere-nar possível da comunidade. O desconfinamento, porém, questionou a prossecução do teletrabalho, na transição de imposição, que tinha sido, para uma opção, que se oferecia. Depressa ganharam forma duas posições opostas prota-gonizadas por quem se revelava ansioso por retomar a sua rotina laboral anterior à emergência da pandemia, como se este acontecimento tão devastador pudesse deixar o mun-do mun-do trabalho incólume, e por quem se perfilava ávimun-do por aderir às virtualidades da digitalização do trabalho, como se a nova modalidade constituísse a panaceia para todas as maleitas de que sofrem a organização e a produtividade

laboral nacionais. De facto, não é possível nem regressar ao passado no presente, nem romper com o passado para construir o futuro.

Além disso, raramente uma posição extrema é a melhor escolha, uma vez que implica a total rejeição da outra que se lhe opõe, a qual, por sua vez, provavelmente apresenta-rá também alguns aspectos positivos. Pelo contapresenta-rário, uma via intermédia, traçada a partir da análise das vantagens e desvantagens das posições extremas e desenvolvida na articulação harmoniosa dos benefícios das duas, inaugura um terceiro caminho que aqui procuramos, aquele que com-bina as mais-valias do trabalho presencial e do trabalho à distância, garantindo proveito para as partes envolvidas.

Afinal, não é mais possível ignorar ou enjeitar o teletra-balho como vinha sendo feito quando há muito se perfila-va como um recurso importante. Com efeito, os meios hoje disponíveis para o teletrabalho já existiam, o que permitiu que empresas e universidades tivessem adoptado o traba-lho remoto regular em escassos dias. Aliás, não foram os recursos tecnológicos para o teletrabalho que mais evo-luíram neste primeiro semestre de 2020, ainda que este processo também já se tenha iniciado; foram sobretudo as competências dos trabalhadores que se desenvolveram,

A CONTEXTUALIZAÇÃO

NECESSÁRIA

DO DEBATE SOBRE

O TELETRABALHO

O teletrabalho de imprevisível experiência do passado tornou-se numa opção a ponderar no presente e

num desafio de sustentabilidade futura. Neste processo, há três aspectos interdependentes que devem

contextualizar a reflexão sobre o teletrabalho: suas características identitárias; relações com o modelo

presencial; capacidade de flexibilização.

(24)

através da aquisição muitíssimo rápida de proficiência telemática essencial para assegurar o trabalho à distân-cia. Simultaneamente, também não é possível prolongar o regime de teletrabalho nas condições provisórias em que se tem processado, e que frequentemente se resumem à sua mera exequibilidade, por vezes em situações em que, para além da partilha do espaço doméstico e da sobreposi-ção de horário da família, também se processa através dos equipamentos do próprio funcionário (e.g. os professores tiveram de usar o seu computador, câmara, internet, etc.). Quando hoje se considera o prolongamento do teletrabalho num tempo cada vez mais dilatado e a sua abrangência a uma diversidade crescente de actividades, exige-se igual-mente a sua adequação específica a cada contexto e fun-ção particulares. E este é o terceiro caminho a calcetar.

Em síntese, o teletrabalho de imprevisível experiência do passado tornou-se numa opção a ponderar no presente e num desafio de sustentabilidade futura. Neste processo, há três aspectos interdependentes que devem contextualizar

a reflexão sobre o teletrabalho: suas características iden-titárias; relações com o modelo presencial; capacidade de flexibilização.

CARACTERÍSTICAS IDENTITÁRIAS DO TELETRABALHO

A definição de teletrabalho mais fácil e comum é a de uma ac-tividade profissional exercida fora de um espaço específico, designado para o efeito pela entidade empregadora, ao mes-mo tempo que mediatizado pelas tecnologias de informação e comunicação. São estas duas características genéricas que também o Código do Trabalho destaca na sua definição (Lei 7/2009, art.º 165) e que, sendo básicas, são igualmente es-cassas para uma abordagem compreensiva do teletrabalho. Com efeito, este não se pode identificar pela mera con-sideração do local em que (não) é exercido, até porque há diversas actividades profissionais que exigem deslocações fora da empresa e também trabalho complementar em casa; e do recurso às tecnologias digitais, quando estas são já de

(25)

A contextualização necessária do debate sobre o teletrabalho

uso diário comum dentro de muitos locais de trabalho. Foi sob esta visão redutora que surgiram questiúnculas acer-ca, por exemplo, da exclusão do pagamento do subsídio de almoço ou da inclusão do pagamento da internet. A simpli-cidade e transversalidade destas duas características não contempla a realidade diversa por que o teletrabalho se tem vindo a desenvolver e que se anuncia vir a intensificar. A consolidação e a sustentabilidade do teletrabalho exigem o seu reconhecimento como um modelo distinto de actividade profissional que passa, por exemplo, por uma diferente: organi-zação do trabalho e processos de execução, com uma maior autonomia e, consequentemente, maior responsabilidade; inter-relação vertical e horizontal, com níveis de confiança e de controle inversamente proporcionais, por parte das chefias, e com contactos mais circunscritos temática e temporalmente intra e entre equipas; horário laboral que tenderá a ser reduzi-do a contactos pré-agendareduzi-dos e substituíreduzi-do pelo trabalho por tarefas e por objectivos; avaliação da produtividade menos fo-cada em critérios quantitativos e mais qualitativos.

Não se trata, pois, de uma deslocalização tecnologi-camente apoiada do trabalho, mas de um novo modelo de actividade profissional diferente do presencial.

RELAÇÕES ENTRE O TRABALHO PRESENCIAL E O TELETRABALHO

Perante o reconhecimento de dois diferentes modelos de trabalho, a questão que de imediato se impõe é a da sua relação, nomeadamente se o teletrabalho é um modelo al-ternativo ao tradicional, e importa optar, ou complementar, e pode-se conjugar.

Enquanto modelo complementar coexistirá com o tra-balho presencial. Esta coexistência tanto pode ser relati-va à função em causa como a quem a executa. No primei-ro caso, a empresa pode dispor de funcionários alocados a iguais funções com regimes de trabalho distintos, uns trabalhando presencial outros remotamente. As razões podem ser diversas desde a falta de espaço físico de uma

(26)

empresa em fase de crescimento à conveniência de funcio-nários geograficamente distantes. O segundo caso refere--se em particular à possibilidade de um mesmo funcioná-rio poder exercer a sua actividade profissional num duplo regime, como seja adoptar o presencial, e eventos na sua vida pessoal justificarem a passagem provisória para o te-letrabalho, como seja no caso de acidente ou doença não incapacitantes, mas que dificultem o acesso à empresa em que está a desenvolver um projecto que não pretende suspender ou atrasar, ou quando necessita de cuidar de um familiar doente. Particularmente nesta vertente, verifica-se um aumento na produtividade a par de um acréscimo de motivação, contribuindo igualmente para a qualidade de vida do trabalhador.

Esta orientação de complementaridade, em todas as suas possíveis vertentes, contribuirá sempre para uma flexibilização do trabalho, urgente no mercado de trabalho

em Portugal. Este mantém uma organização e legislação bastante rígidas, que nem sempre facilitam a actual plura-lidade de dinâmicas familiares e dificilmente conseguem acompanhar transformações sociais e configurações inter-nacionais, o que prejudica os níveis de produtividade e de competitividade nacionais. A complementaridade de regi-mes de trabalho, esta flexibilidade efectiva, pode agilizar as adaptações necessárias do trabalho aos contextos globais. Enquanto modelo alternativo, o teletrabalho contrapor--se-á ao trabalho presencial, o que se pode verificar também tanto em relação a funções como a funcionários. No primeiro caso, referimo-nos à conversão de funções ou surgimento de outras a desempenhar exclusivamente em regime re-moto, sobretudo em domínios em que a presença não seja determinante e a actividade à distância possa trazer bene-fícios de ordem económico-financeira à entidade contratan-te, um argumento que tenderá a tornar-se preponderante. Esta realidade ainda recente conduz necessariamente à segunda situação, com o aumento de profissionais que, por opção ou condicionados por circunstâncias, desem-penham a sua actividade profissional apenas à distância. Esta orientação, podendo criar empregos e conferindo uma acrescida liberdade ao profissional, tenderá ao predo-mínio do trabalho por tarefas que facilmente se converte

Seria irrealista do ponto de vista

de funcionamento, e penalizador

para as partes envolvidas, supor possível

a uniformização do teletrabalho.

(27)

A contextualização necessária do debate sobre o teletrabalho

num trabalho à peça, com um significativo aumento de

freelancers e uma consequente acentuada diminuição da

protecção social. Este novo quadro laboral reduz os en-cargos gerais das empresas, desde espaços físicos para trabalho e sociais e respectivos encargos de manutenção à redução de obrigações salariais e prestações sociais. Simultaneamente, internacionaliza o mercado de trabalho nacional, anulando barreiras geográficas, uma vez que a tarefa a realizar pode ser desenvolvida por qualquer can-didato em qualquer parte do mundo. A competitividade crescerá, ao mesmo tempo que aumentará a precaridade e que o desemprego nacional poderá também aumentar, aprofundando-se as desigualdades sociais na marginali-zação de quem tem menos competências.

Só uma desejável flexibilidade equilibrada do trabalho prevenirá uma sua inaceitável desregulação.

ADAPTABILIDADE DO TELETRABALHO A DIFERENTES REALIDADES LABORAIS

Na convergência desta flexibilização do trabalho que se preconiza, a par do anterior reconhecimento do teletraba-lho como um diferente modelo de actividade profissional, importa afirmar também que o teletrabalho não se pode desenrolar segundo uma única e homogénea forma de funcionamento, mas antes se deve adaptar às diferentes realidades laborais em que se pode exercer. Aliás, seria ir-realista do ponto de vista de funcionamento, e penalizador para as partes envolvidas, supor possível a uniformização do teletrabalho. Por exemplo, um professor universitário de Humanidades desenvolverá a sua actividade à distância de forma diferente do colega de Medicina, ou de professores de outros níveis de ensino; um contabilista, um designer, um advogado, um psicólogo, etc. poderão funcionar (em percentagens variáveis) em regime de teletrabalho, mas fá-lo-ão sempre de forma a garantir a eficácia do tipo de tarefa a realizar, tendo em atenção o perfil do destinatário e todas as partes envolvidas, em particular, o nível de in-tegração numa equipa.

Neste sentido, o recurso e a combinação das tecno-logias digitais disponíveis têm de ser adequados à espe-cificidade do trabalho a realizar, atendendo aos aspectos ilustrativamente indicados como a outros, ditando dife-rentes modelos de organização, realização, supervisão e avaliação do trabalho.

Não há, pois, um modelo único de teletrabalho, mas vá-rios, tal como se verifica também no trabalho presencial. A legislação futura sobre teletrabalho terá de estabele-cer princípios gerais comuns, não negligenciando o fac-to de muifac-tos aspecfac-tos permanecerem inevitavelmente

sob prerrogativa do empregador ou sujeitos à negociação contratual, se o candidato a empregado tiver efectivo po-der negocial.

Apenas após a consideração destes três aspectos fun-damentais, transversais e contextualizadores, se deverá começar a ponderar as vantagens e desvantagens do tra-balho presencial versus remoto, na conjugação necessária de uma pluralidade imensa de vertentes: económica (e.g. custos e ganhos financeiros para as partes envolvidas), profissional (e.g. qualidade e produtividade, competências digitais), social (e.g. autogestão e solidão, concentração e dispersão), familiar (e.g. proximidade e privacidade), am-biental (e.g. pegada ecológica na utilização de transportes e consumíveis), jurídica (e.g. formas de controle de assi-duidade e de monitorização do trabalho), sanitária (e.g. saúde mental, oftalmológica, ortopédica), entre outras.

O trabalho à distância, mais do que o trabalho presen-cial, expõe-se à funcionalização, a uma desumanização do trabalho, isto é, à redução da totalidade da pessoa à função que é chamada a realizar. O depurar o trabalho de uma dimensão física, o expurgá-lo de contextos subjecti-vos, sociais e pessoais, com formas de comunicação não--verbais, além de sentimentos de empatia e cumplicidades que reforçam vínculos e a autoestima, expõem o trabalho à sua mera funcionalização, despindo-o da sua mais nobre dimensão de realização do próprio humano.

O trabalho não deve ser e não pode ser apenas uma obrigação aceite como meio de obter bens necessários à subsistência de cada um. O trabalho pode ser e deve ser uma oportunidade de desenvolvimento pessoal, de concre-tização de potencialidades, uma forma de expressão indi-vidual, de afirmação da sua identidade e de compromisso para com o bem comum. Toda a modalidade de trabalho que não sirva estes desideratos falha a sua natureza.

Nota

O artigo não segue o novo Acordo Ortográfico por opção da autora.

A complementaridade de regimes

de trabalho, esta flexibilidade efectiva,

pode agilizar as adaptações necessárias

do trabalho aos contextos globais.

(28)
(29)

TELETRABALHO

NA ERA DIGITAL

O

teletrabalho não é algo novo, apresentando-se como uma das

ten-dências previsíveis à medida que avança a chamada Era Digital.

No nosso país, e apesar de estar previsto no Código do Trabalho quase

há duas décadas, a sua utilização era residual até ao surgimento da

pande-mia da Covid-19, tendo-se então revelado como a solução para compatibilizar

a necessidade de colocar em casa o maior número possível de trabalhadores

com a continuidade da prestação de trabalho, mantendo a economia a

funcio-nar. No entanto, o uso generalizado do teletrabalho não foi algo estruturado e

pensado de forma estratégica, enquanto realidade de trabalho alternativa às

modalidades organizativas mais tradicionais e preponderantes no nosso país.

O teletrabalho não pode ser reduzido à mudança física do local de

traba-lho, do escritório para o domicílio, com recurso a tecnologias digitais como

redes, computadores portáteis, telemóveis e a internet. Além de questões

relativas a legislação laboral e novas relações contratuais, suscita outros

de-safios que necessitam de ser analisados e para os quais se têm de

encon-trar soluções estruturadas, tais como a implementação de novos modelos

organizacionais, de modelos de trabalho flexíveis, de diferentes processos

e modelos de gestão de trabalhadores, a criação e introdução de novas

tec-nologias para gerir o teletrabalho, as questões de liderança, a importância

da cibersegurança, entre outros. Não esquecendo que, em simultâneo com

uma mudança organizacional, o teletrabalho implica mudanças sociais e

cul-turais não menos importantes.

Esperamos que através dos textos editados neste Dossier consigamos

contribuir para o debate tão atual sobre o Teletrabalho.

(30)

V

iver num momento extraordinário implica estar dis-ponível para aceitar desafios, problemas e situações inimagináveis que nos podem colocar perante o melhor e o pior de nós enquanto seres humanos, profis-sionais, alunos, cidadãos ou meros mortais. Independen-temente de sermos atores ou meros espectadores deste filme, estamos numa situação privilegiada, com vista so-bre uma fase ímpar da nossa história que provavelmente não se voltará a repetir, no sentido em que o despertar para uma série de fragilidades humanas, sociais e económicas terá consciencializado nações e governos para instituir

planos de contingência que jamais foram equacionados e que porventura servirão de base a eventuais réplicas ou episódios similares num futuro próximo. O fascínio deste período acaba por ser a dimensão da aprendizagem que se consegue retirar depois de expurgadas todas as redundân-cias que não acrescentam valor imediato ou a longo prazo. Um dos ecossistemas que está em franca mutação é o do mundo do trabalho, uma vez que nos últimos anos foram poucas as disrupções que tiveram um impacto tão significativo como os meses da pandemia, isto porque, num curto espaço de tempo, trabalhadores e empresas foram

TRANSFORMERS

A oportunidade de redesenhar o mundo do trabalho para torná-lo

mais significativo, produtivo, saudável, motivador e criativo.

Afonso Carvalho, CEO do Grupo EGOR, Professor Auxiliar Convidado

(31)

TRANSFORMERS

Shutterstock

forçados a adotar modelos de trabalho, modelos de ges-tão, mecanismos de controlo e processos e sistemas de informação robustos o suficiente para garantirem a conti-nuidade dos negócios, não comprometendo ainda mais o contexto delicado que a pandemia provocou e continuará a provocar. Os avanços tecnológicos, sobretudo aqueles que impactaram e impactam substancialmente o mundo do trabalho nas últimas décadas, têm sido orquestrados na sua grande maioria pela mão do homem e menos por questões de outra índole, nomeadamente por eventos mais ou menos naturais, avassaladores e transformacionais tal como esta pandemia tem demonstrado.

No início do ano, tal como demonstrou o estudo “Auto-mação e o Futuro do Trabalho em Portugal”, elaborado pela CIP – Confederação Empresarial de Portugal em parceria – com o McKinsey Global Institute e a Nova School of Business and Economics, as grandes preocupações centravam-se sobretudo em temas como a automação, o impacto da ro-botização, a redundância de cerca de 1,1 milhões de pos-tos de trabalho, a escassez de mão de obra qualificada, a necessidade de atrair e reter recursos humanos oriundos de outras geografias para suprir vagas mais ou menos qua-lificadas, a requalificação profissional e o envelhecimento da população ativa. De um dia para o outro, tudo mudou e os desafios e as prioridades alteraram-se por completo na

esfera do mundo do trabalho, uma vez que as diferentes e complexas vertentes que orbitam em seu redor multipli-caram-se com estrondo, deixando trabalhadores e empre-sas com o pior sentimento possível, o medo e a incerteza. A teoria da seleção natural de Charles Darwin talvez nun-ca tenha feito tanto sentido e nunnun-ca esteve tão atual, pois só os mais fortes, ágeis e com um nível de adaptação acima da média conseguem vingar e prosperar neste contexto.

Portugal é um país muito assimétrico ao nível empre-sarial e o mesmo se passa com as diferentes gerações que confluem no mercado de trabalho, o que quer dizer que as nossas empresas estão em patamares muito distintos no que diz respeito à transformação digital, aos avanços tecnológicos e a práticas de inovação, e o mesmo se pas-sa com as diferentes gerações (Baby Boomers, X, Y, Z e

Alpha) relativamente à adoção de práticas, processos e

A pandemia, para o bem e para o mal,

está a funcionar como uma maré vazia

que deixou a céu aberto fragilidades,

oportunidades e necessidades críticas

dos trabalhadores e das empresas.

Imagem

Tabla 2 - Casos y número de referencias que aluden a la experiencia
Figura 2 - Eixos do conceito de intervenção

Referências

Documentos relacionados

Em relação à internet, o estudo mostrou que a maior proporção de usuários está entre os jovens: três de cada dez adolescentes, entre 15 a 17 anos de idade, utilizam o

“Deus não tende para nada, nem Nele, nem fora Dele, pois Ele é todo bem-aventurado; Ele não causa nada, pois Ele é tudo” (77a); “Esta ideia da

Se a Mangueira expandiu seu domínio na área do samba para ser sinônimo de melhor projeto social do País, citada como exemplo para o mundo pela Organização das Nações Unidas,

O trabalho utiliza, como base, a proposta de Sandra Ramalho e Oliveira, em seu artigo “Imagem também se lê” (2006) para a leitura de imagens, iniciando pelo escaneamento

Nesse contexto têm emergido novos conceitos de organização empresarial que visam utilizar os mercados como forma de promover transformações socioambientais numa lógica na qual

311 do CP, basta a adulteração ou remar- cação de qualquer sinal identificador do veículo, entre eles as placas dianteira e tra- seira do automóvel (TJSP, RT, 794/593).. Assim,

A razão do meu moderado não pessimismo resulta, como os meus eventuais eleitores já perceberam, na ideia (para mim impensável) da Europa poder cair no abismo, como

Na avaliação da Andipa, o mercado de cut size deve ter uma reacomodação de preços, em função da entrada em vigor do regime de substituição tributária no estado de São Paulo,