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O aluguer de curta duração e a gentrificação turística em Alfama, Lisboa

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Academic year: 2021

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Universidade de Lisboa

Instituto de Geografia e Ordenamento do Território

Faculdade de Letras

Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril

O aluguer de curta duração e a gentrificação turística em Alfama, Lisboa

Ana Gago

Dissertação de Mestrado orientada pelo

Prof. Doutor Eduardo Brito Henriques e Doutor Agustín Cócola Gant

Mestrado em Turismo e Comunicação

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Universidade de Lisboa

Instituto de Geografia e Ordenamento do Território

Faculdade de Letras

Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril

O aluguer de curta duração e a gentrificação turística em Alfama, Lisboa

Ana Gago

Dissertação de Mestrado orientada pelo

Prof. Doutor Eduardo Brito Henriques e Doutor Agustín Cócola Gant

Mestrado em Turismo e Comunicação

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ii

Agradecimentos

Agradeço, em primeiro lugar, ao Professor Eduardo Brito Henriques e ao Professor Agustín Cócola Gant por me terem orientado na realização desta dissertação. A ambos devo pela disponibilidade, amabilidade e conhecimento.

Agradeço, também, a todos/as os/as moradores/as e ex-moradores/as de Alfama que, anonimamente, contribuíram para a investigação. A estas pessoas dedico este trabalho. Agradeço, ainda, ao Fábio, ao meu irmão Jaime, à minha mãe Regina e à minha avó Natália por todo o apoio que me deram.

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iii

Resumo

Esta dissertação investiga a relação entre a recente proliferação de alugueres de curta duração e processos de gentrificação turística em Alfama, Lisboa. A proliferação de alugueres de curta duração tem-se verificado em várias cidades do mundo e, embora relativamente recente, este fenómeno tem sido alvo de contestações e motivo de debate e discussão pública. No entanto, ainda há muito poucos estudos que investiguem as transformações que provocam no tecido socioespacial dos lugares.

Neste sentido, o objetivo desta dissertação foi averiguar se a proliferação e concentração destes alojamentos para turismo no tecido habitacional produz processos de gentrificação turística. Sendo que a gentrificação é simultaneamente um processo de mudança espacial e um processo de mudança social, delinearam-se dois objetivos gerais: a) examinou-se a relação entre a proliferação de alojamentos turísticos e as transformações no tecido habitacional de Alfama e b) examinaram-se as transformações sociais causadas pela concentração deste tipo de alojamentos no bairro. A investigação centrou-se numa microescala geográfica (numa área com cerca de 3,6 hectares, 251 edifícios e 945 alojamentos) e a abordagem metodológica foi essencialmente de natureza qualitativa, de imersão no meio em estudo. A recolha de dados foi feita através do levantamento e mapeamento dos alojamentos turísticos, da mudança de proprietários dos imóveis e da reabilitação do edificado habitacional e com recurso a observação direta, entrevistas informais e em profundidade a residentes no bairro de Alfama.

Concluiu-se que Alfama está a passar por um processo de gentrificação turística relacionado com a proliferação e concentração de alojamentos turísticos no tecido habitacional. Verificou-se uma considerável mudança de usos no edificado do bairro, de habitação para alojamento de uso exclusivamente turístico, bem como o desalojamento de residentes permanentes para dar lugar a habitantes temporários, turistas. Verificou-se, também, que a proliferação de alojamentos turísticos tem vindo a fomentar processos de especulação imobiliária e que está relacionada com a reabilitação do edificado do bairro. Concluiu-se, ainda, que o mercado de arrendamento de longa duração em Alfama tem tendência a desaparecer, uma vez que o alojamento turístico toma o lugar do que se pretendia para habitação.

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iv

Abstract

This dissertation investigates the link between the recent proliferation of holiday rentals and tourism gentrification in Alfama, Lisbon. The proliferation of holiday rentals has occurred in several cities around the world and, although relatively recent, this phenomenon has been the subject of contestations and reason for debate and public discussion. However, there are still very few studies that investigate the transformations that they cause in the socio-spatial environment.

In this sense, the objective of this dissertation was to investigate whether the proliferation and concentration of holiday rentals cause tourism gentrification. Since gentrification is both a process of spatial and social change, two general objectives have been outlined: a) I examined the relationship between the proliferation of holiday rentals and changes in Alfama’s housing fabric; and b) I examined social changes caused by the concentration of holiday rentals in the neighbourhood. The research focused on a geographic microscale (in an area of about 3.6 hectares, 251 buildings and 945 dwellings) and the methodological approach was essentially qualitative. Data collection was done by surveying and mapping holiday rentals, change of property owners and the rehabilitation of the residential buildings in this area; and through direct observation as well as informal and in-depth interviews to residents in the Alfama neighbourhood.

It was concluded that Alfama is undergoing a process of tourism gentrification related to the proliferation and concentration of holiday rentals. There was a considerable shift of uses in the built environment of the neighbourhood - from housing to tourist-use accommodation - as well as the displacement of permanent residents to give way to transient users. It was also verified that the proliferation of holiday rentals has been feeding processes of real estate speculation and that it is related to the rehabilitation of the housing fabric. It was found that the long-term rental market in Alfama is disappearing because the housing stock is increasingly oriented to visitors.

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Índice

Agradecimentos ... ii Resumo ... iii Abstract ... iv Índice ... v

Índice de Figuras ... vii

Índice de Tabelas ... vii

Lista de Abreviaturas ... vii

Capítulo 1. Introdução ... 1

1.1 Objetivos da investigação ... 3

1.2 Estrutura da dissertação ... 5

Capítulo 2. Enquadramento teórico ... 7

2.1 Gentrificação ... 7

2.1.1 Da década de 50 à atualidade ... 7

2.1.2 Causas ... 10

2.1.3 Operacionalização do conceito: critérios de gentrificação ... 13

2.2 Gentrificação Turística ... 15

2.3 Desalojamento ... 18

2.4 Alugueres de curta-duração para turismo ... 21

Capítulo 3. Caso de Estudo ... 27

3.1 Lisboa ... 27

3.1.1 Investimento e Reabilitação Urbana ... 29

3.2 Alfama ... 31

3.2.1 Caracterização social e morfológica ... 33

3.2.2 Área de estudo intensivo ... 37

Capítulo 4. Metodologia ... 41

4.1 Abordagem qualitativa ... 42

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vi

4.1.2 Observação direta e observação participante ... 47

4.2 Mapeamentos ... 48

4.3 Fontes secundárias ... 50

Capítulo 5. Análise dos dados ... 51

5.1 Transformações no tecido habitacional de Alfama ... 51

5.1.1 Alojamentos turísticos ... 52

5.1.2 Mudanças de proprietário ... 55

5.1.3 Reabilitação do edificado ... 60

5.1.4 Conclusão ... 62

5.2 Transformações no tecido social de Alfama... 64

5.2.1 Reabilitação seletiva ... 65

5.2.2 Desalojamento de moradores ... 67

5.2.2.1 Desalojamento direto ... 67

5.2.2.2 Desalojamento por exclusão ... 74

5.2.2.3 Desalojamento indireto ... 80

Capítulo 6. Discussão teórica ... 87

Capítulo 7. Conclusões ... 94

Bibliografia ... 100

Anexos ... 108

Anexo 1. Modelo de entrevista a residente... 108

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vii

Índice de Figuras

Figura 1 – Evolução da oferta de alojamento de curta-duração em Lisboa ... 27

Figura 2 – Alojamentos de curta duração em Lisboa, 2017 ... 28

Figura 3 – Alfama ... 32

Figura 4 – Alfama e área de estudo intensivo ... 38

Figura 5 – Área de estudo intensivo e envolvente ... 39

Figura 6 – Usos dominantes na área de estudo intensivo ... 40

Figura 7 – Alojamentos turísticos na área de estudo intensivo, 2015 ... 53

Figura 8 – Alojamentos turísticos na área de estudo intensivo, 2016 ... 54

Figura 9 – Mudanças de proprietário dos imóveis na área de estudo entre 2015 e 2017 57 Figura 10 – Reabilitação do edificado na área de estudo entre 2015 e 2017 ... 61

Figura 11 – Comparação dos mapas I ... 63

Figura 12 – Edifícios onde se verificaram casos de desalojamento direto na área de estudo intensivo 2015-2017 ... 69

Figura 13 – Comparação dos mapas II ... 73

Índice de Tabelas

Tabela 1 – Evolução do recenseamento populacional de Alfama ... 34

Tabela 2 – População estrangeira residente por continente (%) ... 34

Tabela 3 – Distribuição de residentes por grupo profissional (%) ... 36

Tabela 4 – Informações dos residentes entrevistados ... 46

Tabela 5 – Casas para arrendar na área de estudo em 2017 ... 75

Lista de Abreviaturas

APPA Associação do Património e População de Alfama BGRI Base Geográfica de Referenciação de Informação CML Câmara Municipal de Lisboa

INE Instituto Nacional de Estatística

NRAU Novo Regime do Arrendamento Urbano RNAL Registo Nacional do Alojamento Local

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Capítulo 1. Introdução

O surgimento de plataformas on-line como o airbnb.com, o booking.com ou o

homeaway.com têm vindo a impulsionar a proliferação de alojamentos turísticos no tecido habitacional de várias cidades do mundo. Embora relativamente recente, esta proliferação de alojamentos turísticos em habitação tem sido motivo de contestação em algumas cidades, como Barcelona, Berlim e São Francisco, e tem sido associada a processos de gentrificação por impulsionar subidas no valor das rendas (Füller & Michel, 2014), retirar unidades de habitação do mercado (Lee, 2016) e provocar o desalojamento1 da população residente, direta ou indiretamente (Cocola-Gant, 2016).

A gentrificação é um processo de transformação socioespacial que pode ser entendida como um processo de substituição da população que usa o solo, sendo que a nova população tem um estatuto socioeconómico superior à anterior (Clark, 2005; Lees, Shin, & López-Morales, 2016). Neste processo, a população com menos recursos económicos é desalojada para dar lugar à população com mais recursos económicos, ao mesmo tempo que há uma reestruturação do espaço construído devido a investimentos de capital no imobiliário (Davidson & Lees, 2010). Associada à transformação do espaço social e físico, a proliferação de alojamentos turísticos no tecido habitacional remete para um tipo específico de gentrificação, que pode ser apelidado de gentrificação turística. Este é um processo de gentrificação que deriva de transformações causadas pelo turismo, em que se observa a progressiva transformação de espaços residenciais em espaços destinados a uso turístico (Cocola-Gant, 2018; Gotham, 2005). Ou, dito de outro modo, a transformação de espaços de uso quotidiano em espaços desenhados principalmente para propósitos de lazer (Mullins, 1991).

Embora a discussão em torno da gentrificação tenha já várias décadas, ainda são poucos os estudos que estabelecem a relação entre turismo e gentrificação, e só recentemente é que se tem vindo a dar atenção aos impactos sociais causados pelo turismo urbano (Ashworth & Page, 2011). Isto deve-se, por um lado, ao aumento da procura (há muito

1 Neste estudo optámos por usar a palavra desalojamento para nos referirmos ao displacement do inglês

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2 mais gente a viajar), que se traduz no aumento de visitantes nas cidades, e, por outro, ao aumento e diversificação da oferta turística, que apresenta várias formas, desde viagens

low-cost a alojamentos turísticos especializados. O turismo tem, também, vindo a ser adotado como elemento estratégico de crescimento económico por muitas cidades, que embarcam em campanhas de autopromoção para atrair visitantes e investimento privado (Brito-Henriques, 2003). Neste contexto, a novidade em relação aos alugueres de curta duração para turismo promovidos em plataformas online tem a ver com o tipo de transformações que provocam no tecido urbano, uma vez que a habitação passa a ter uma função turística considerável.

Os estudos acerca da proliferação dos alojamentos turísticos informais ainda são escassos e a discussão sobre os impactos que provocam no tecido socioespacial dos lugares ainda vai no início. Há quem associe estas plataformas ao movimento da “economia de partilha” por permitirem que qualquer pessoa possa alugar a(s) sua(s) casa(s) a turistas sem ter de recorrer a intermediários (Gurran & Phibbs, 2017). Esta lógica pressupõe que os lucros do turismo são distribuídos mais equitativamente nos locais de destino uma vez que os residentes auferem rendimentos extra ao alugarem as suas casas. No entanto, no contexto de destinos turísticos muito procurados, já ficou demonstrado que este fenómeno se materializa numa mais lucrativa forma de extração de rendas e acumulação de capital, enfatizando a utilização da habitação como mercadoria de consumo ao invés de um bem de primeira necessidade (Sans & Quaglieri, 2016). Talvez estes dois pontos de vista dependam do contexto em análise. Seja como for, a proliferação de alojamentos turísticos no tecido habitacional da cidade provoca uma indefinição funcional – entre habitação e alojamento turístico2. Esta indefinição, combinada com outros fatores, como sejam as leis, normas ou regulamentos – estatais ou autárquicos – vem levantar novas questões, muitas vezes fundamentadas nos diferentes ritmos de adequação aos fenómenos (por um lado a velocidade do processo de proliferação das habitações para fins turísticos, e, por outro, a inércia legislativa).

Em Portugal, os alojamentos turísticos em habitação são conhecidos pela sua figura legal: o alojamento local. Este tipo de alojamento não é homogéneo e pode assumir várias formas: hostel, ou estabelecimento de hospedagem, moradia ou apartamento. Em qualquer um destes a unidade anunciada pode assumir a forma de cama, quarto ou espaço

2 Já há cadeias hoteleiras a investir em edifícios habitacionais com o propósito de fazer alojamento

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3 inteiro. É aliás esta figura legal – heterogénea e multiforme – que legitima a existência de alojamentos turísticos no tecido habitacional, limitando-se a tipificar os diferentes modelos de acomodação turística em prédios de habitação (ver Decreto-Lei n.o 128/2014, de 29 de agosto, 2014).

Lisboa tem vindo a apostar no turismo urbano como um dos principais motores de desenvolvimento económico3 e, por conseguinte, o número de visitantes na cidade tem aumentado continuamente desde o início da década. Do mesmo modo, o número de alugueres de curta duração para turismo na cidade tem crescido a um ritmo muito acelerado – atualmente há pelo menos 10682 alojamentos anunciados só na plataforma

airbnb.com – e a maioria destes estão concentrados nos bairros históricos da cidade4.

1.1 Objetivos da investigação

Neste contexto, torna-se urgente aprofundar o conhecimento em torno das transformações que o turismo provoca na cidade, nomeadamente em relação à recente proliferação de alojamentos turísticos no tecido habitacional. Assim, esta investigação tem por objetivo perceber de que forma a concentração e proliferação destes alojamentos turísticos transformam o tecido socioespacial dos lugares em que se inserem e, desse modo, contribuir para um alargado entendimento do fenómeno. Por um lado, este estudo pretende contribuir para a compreensão do fenómeno a nível local, com recurso a um caso de estudo, e, por outro, tecer considerações teóricas que ajudem a perceber um fenómeno que é global, uma vez que há poucos estudos académicos sobre o assunto.

A discussão e os estudos sobre estes alojamentos turísticos têm-se focado maioritariamente numa quantificação objetiva dos problemas já referidos, pelo que pouco se sabe acerca das transformações que provocam no tecido socioespacial dos lugares. Com esta dissertação pretende-se contribuir para o estudo dessas transformações tendo em conta os pressupostos teóricos acerca dos processos de gentrificação. Assim, esta investigação tem como pergunta de partida:

3 Ao contrário de outras cidades cujo modelo de desenvolvimento económico assenta nos serviços e nas

finanças (casos de Londres, Nova Iorque ou Berlim), Lisboa viu no turismo uma grande oportunidade de crescimento. É aliás o que se tem vindo a observar em cidades menos centrais no contexto económico-administrativo (Barata Salgueiro et al., 2017).

4 Segundo um estudo da Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (2017), o

alojamento local da região de Lisboa está muito concentrado nas freguesias de Santa Maria Maior e Misericórdia.

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4

A proliferação de alugueres de curta duração para turismo no tecido habitacional produz processos de gentrificação turística?

Por um lado, o processo de gentrificação pressupõe uma reestruturação do espaço construído, ou seja, mudanças no edificado e na paisagem urbana e, por isso, tornou-se premente investigar essas mudanças. Por outro lado, o processo de gentrificação é um processo de mudança social, em que se observa o desalojamento da população residente para dar lugar a uma nova população com mais recursos económicos. Nesse sentido, recorreu-se a um caso de estudo – o bairro de Alfama – e delinearam-se dois objetivos gerais, correspondentes a cada uma destas problemáticas:

a) Examinar se a proliferação de alugueres de curta duração para turismo está relacionada com as transformações no tecido habitacional do bairro

Este objetivo refere-se às mudanças no tecido habitacional de Alfama e pode ser traduzido nas seguintes questões: Que influência têm os alojamentos turísticos na reabilitação do edificado habitacional do bairro? Qual a relação entre a compra/venda de imóveis e a proliferação de alojamentos turísticos? Que atores promovem estas mudanças? Com o intuito de responder a estas perguntas e alcançar este primeiro objetivo, delimitou-se uma área específica de Alfama, a que se chamou área de estudo intensivo. Nesta área fizeram-se levantamentos ao nível do tecido habitacional relativamente a três fatores: mudanças de proprietário, reabilitação do edificado e alojamentos turísticos. Estes levantamentos foram plasmados em mapas da área que, de forma visual, permitem estabelecer a relação entre a proliferação de alojamentos turísticos e a reestruturação do tecido habitacional no bairro.

b) Examinar se a concentração de alugueres de curta duração para turismo provoca transformações no tecido social do bairro.

Este objetivo refere-se ao tecido social de Alfama e pode ser traduzido nas seguintes questões: Como é que os residentes veem e se posicionam relativamente a estes alojamentos turísticos? Que mudanças trazem ao quotidiano dos moradores do bairro? A proliferação de alojamentos turísticos no tecido habitacional provoca processos de desalojamento? Estas perguntas não se prestam a respostas quantitativas e, tal como demonstra Slater (2006), a identificação e tipificação de processos de desalojamento só é possível recorrendo-se a uma abordagem metodológica qualitativa, de proximidade com o objeto de estudo. Nesse sentido, este segundo objetivo implicou um processo de

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5 investigação exploratório, que se materializou em várias entrevistas informais e em entrevistas em profundidade – 15 a moradores do bairro e 5 a interlocutores relevantes. A análise destas entrevistas permitiu construir um quadro relativamente às transformações sociais operadas pela proliferação de alojamentos turísticos no tecido habitacional do bairro. Através da imersão no meio em estudo foi ainda possível apurar vários casos de desalojamento direto na área de estudo intensivo, que foram também plasmados num mapa da área. Este mapeamento mostra, visualmente, a relação entre as transformações no tecido habitacional de Alfama (mudanças de proprietário, reabilitação do edificado e alojamentos turísticos) e transformações no tecido social do bairro (casos de desalojamento direto da população residente).

1.2 Estrutura da dissertação

Esta dissertação encontra-se dividida em sete capítulos: Introdução, Enquadramento Teórico, Caso de Estudo, Metodologia, Análise dos Dados, Discussão Teórica e Conclusões.

No Enquadramento Teórico aborda-se, em primeiro lugar, o tema da gentrificação; em segundo lugar faz-se uma análise da investigação em torno da gentrificação turística; em terceiro lugar explora-se a literatura acerca do desalojamento de moradores em contexto de gentrificação; e, por último, faz-se uma revisão da literatura sobre o surgimento de plataformas como o airbnb.com e a consequente proliferação de alojamentos turísticos no tecido habitacional de várias cidades do mundo.

No capítulo Caso de Estudo faz-se, em primeiro lugar, uma aproximação ao contexto lisboeta no que diz respeito à proliferação dos alojamentos turísticos informais na cidade, ao investimento no tecido urbano dos bairros históricos e à reabilitação do edificado, bem como às mudanças na lei do arrendamento urbano. De seguida, faz-se uma breve caracterização social e morfológica de Alfama e apresenta-se a área de estudo intensivo sobre a qual se centrou o estudo de campo. O bairro de Alfama foi escolhido para este estudo por apresentar uma considerável concentração de alugueres de curta duração para turismo e, ao mesmo tempo, apresentar indícios de gentrificação: observa-se uma reabilitação do edificado em larga escala; parece haver um crescente interesse imobiliário na área; e, através do contacto direto com a população, ouvem-se relatos de desalojamento.

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6 No terceiro capítulo, Metodologia, explica-se e justifica-se a abordagem metodológica usada, bem como as técnicas de recolha de dados. A abordagem metodológica usada nesta dissertação foi essencialmente de natureza qualitativa, através da imersão no meio em estudo. Fizeram-se mapeamentos ao nível do tecido habitacional de Alfama, nomeadamente dos alojamentos turísticos existentes no bairro, dos imóveis que mudaram de proprietário e dos que foram reabilitados nos últimos anos; 20 entrevistas em profundidade a moradores e a interlocutores relevantes5; e procedeu-se a observação direta e observação participante da área em estudo que se materializou num diário com apontamentos das transformações do lugar, entrevistas informais e participação em sessões públicas relevantes para o estudo.

A Análise dos Dados divide-se em dois pontos que correspondem a cada um dos objetivos gerais da dissertação: Transformações no tecido habitacional de Alfama e

Transformações no tecido social de Alfama. A primeira parte foca-se na análise dos mapeamentos e a segunda concentra-se essencialmente nos dados recolhidos nas entrevistas.

Na Discussão Teórica procura-se relacionar a análise empírica com a teoria apresentada no Enquadramento Teórico com o intuito de tecer considerações tanto sobre o processo de gentrificação turística como do fenómeno da proliferação de alojamentos turísticos no tecido habitacional.

Por último, nas Conclusões procura-se responder à pergunta de partida tendo em conta os objetivos previamente definidos, assim como fazer algumas recomendações de políticas públicas para mitigar os efeitos da proliferação de alojamentos turísticos ao nível da habitação.

5 Devido à extensão das entrevistas transcritas, estas serão apresentadas exclusivamente em formato

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Capítulo 2. Enquadramento teórico

2.1 Gentrificação

O termo gentrificação vem da palavra inglesa gentry, que significa pequena nobreza. Este termo foi cunhado em 1964 pela socióloga britânica Ruth Glass para descrever alterações no tecido social e urbano de bairros londrinos e é hoje usado em variadas áreas das ciências sociais e um pouco por todo o mundo (Lees et al., 2016). De uma forma geral, a palavra gentrificação, que é um estrangeirismo de gentrification, serve para nomear processos de “enobrecimento”, “aburguesamento” ou “afidalgamento” do espaço urbano. Desde a década de 60 que se tem vindo a estudar o fenómeno da gentrificação. Os investigadores que se têm debruçado sobre este assunto têm analisado o fenómeno sob diversas perspetivas e apresentado o processo de variadas formas. Alguns estudos traçam a evolução do processo e mostram como o próprio conceito de gentrificação se tem vindo a alterar ao longo das décadas; outros abordam as causas que lhe estão subjacentes; e há, também, estudos em que se analisam as consequências sociais do processo, que iremos tratar mais adiante6.

Este subcapítulo encontra-se dividido em três pontos. O primeiro aborda a transformação do processo de gentrificação desde meados do século XX até aos dias de hoje, o segundo explora a literatura que refere as causas que lhe estão subjacentes, e o último oferece uma definição operativa do conceito de gentrificação, partindo da problematização dos dois pontos anteriores.

2.1.1 Da década de 50 à atualidade

Em The changing state of gentrification Neil Smith e Jason Hackworth (2001) agrupam o desenvolvimento de processos de gentrificação em três fases. A primeira vai até inícios da década de 70 e verifica-se em certos bairros de Londres e Nova Iorque; a segunda tem expressão principalmente na década de 80 e começa a ser comum em várias cidades; e a

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8 terceira, que pode considerar-se que vem até à atualidade, remete para a crescente manifestação de processos de gentrificação um pouco por todo o mundo.

Ruth Glass (1964) descreve fenómenos de gentrificação em Londres nos anos 50 e 60, referindo a progressiva desindustrialização do tecido citadino e a passagem para o setor terciário dos serviços como um fator que atrai as classes médias para o centro da cidade. Neste contexto, e segundo a descrição de Glass (1964), bairros habitados essencialmente pelas classes baixas foram sendo ocupados pela classe média (gentry), que vem comprar e reabilitar edifícios habitacionais. A compra e reabilitação do edificado produziu um aumento dos preços das propriedades, que se refletiu no aumento do valor das rendas (que, devido a mudanças na lei do arrendamento em 1957, deixam de ser regulados pelos poderes públicos). Por este motivo, os arrendatários de classe baixa foram sendo afastados destes bairros londrinos por não terem recursos para pagar a habitação. Assim, o termo gentrificação começou a ser usado para descrever o processo de transformação de bairros no centro urbano degradado em “novas” áreas habitadas pela classe média – pautado pela reabilitação da habitação e pelo afastamento da classe baixa.

Na década de 80, tanto a definição do conceito de gentrificação como o contexto socioeconómico do fenómeno tornaram-se mais amplos. A habitação degradada dos centros das cidades começa a ser cobiçada não só como espaço de residência pela classe média, mas também por investidores privados, que veem no mercado imobiliário uma oportunidade para fazer lucro. Desta forma, bairros urbanos desinvestidos passam a ser foco de investimento privado, fator que vem transformar o tecido social e urbano dessas áreas, nomeadamente dando início a processos de gentrificação (N. Smith, 1987).

Em relação a esta segunda fase, importa salientar a mudança de paradigma no modelo de governança das cidades ocidentais. David Harvey (1989) escreve sobre as alterações no modelo de governança das cidades – de uma forma de gestão para uma estratégia empreendedora, como resposta à crise económica e ao desemprego. Segundo o autor, a partir da década de 70, e com mais frequência na década de 80, os modelos de governança urbanos com base na gestão e redistribuição dos recursos e serviços foram sendo substituídos por modelos apoiados em estratégias empreendedoras de promoção e requalificação da cidade, como forma de atrair investimento e capital. Neste modelo, o investimento privado passa a ser visto como motor fundamental para o crescimento económico e, progressivamente, como fator basilar no desenvolvimento do tecido urbano.

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9 Em traços gerais, nesta segunda fase os processos de gentrificação tornam-se mais comuns devido não só à migração da classe média para os centros desinvestidos das cidades, mas também devido ao investimento de capital privado nessas áreas, que vem contribuir para a subida dos preços e, consequentemente, contribuir para o desalojamento da população mais pobre, que não consegue suportar o crescendo do custo de vida citadino (Lees, Slater, & Wyly, 2008). Segundo Hackworth e Smith (2001), nesta fase verificam-se protestos de mobilização social contra o desalojamento dos habitantes com menos recursos económicos dos lugares onde o processo de gentrificação se desenrola e a discussão política sobre o tema torna-se frequente.

Já a terceira fase, que começa na década de 90, está relacionada com: a migração de cada vez mais população para as cidades; a intensificação e normalização do modelo de governança empreendedor um pouco por todo o mundo; e também com a cada vez mais frequente utilização do imobiliário para fins especulativos e financeiros. O ambiente construído passa a ser, declaradamente, um veículo para a circulação e acumulação de capital (Harvey, 2010); e assiste-se, neste contexto, ao que Manuel Aalbers (2016) apelida de financeirização da habitação.

De uma forma muito simplificada, tanto as explicações de Harvey (1985, 2010) acerca da circulação e acumulação de capital através do espaço construído, como a investigação de Aalbers (2016) acerca da financeirização da habitação remetem para a utilização do tecido habitacional como uma mercadoria (com valor de troca) e não como um bem de primeira necessidade (com valor de uso). Nesta lógica do capital, a habitação, bem como todo o ambiente urbanizado ou urbanizável, presta-se a processos especulativos (i.e., com a possibilidade de comprar e revender posteriormente a um preço mais elevado) que são promovidos, por sua vez, por políticas públicas com base no modelo de governança empreendedor (Harvey, 1985). Por estas razões, os processos de gentrificação tornaram-se muito mais comuns, sistematizados e planeados, estendendo-tornaram-se a várias partes do mundo, e deixaram de se verificar apenas no centro urbano degradado das cidades (N. Smith, 2002).

Deste modo, atualmente o processo de gentrificação pressupõe que se verifiquem em simultâneo: (re)investimento de capital, reestruturação física do espaço urbano, e mudanças no carácter social da população, que se traduzem na apropriação do espaço pela

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10 classe mais alta e, consequentemente, no desalojamento da classe mais baixa (Davidson & Lees, 2010).

2.1.2 Causas

Durante as décadas de 70 e 80, os investigadores centraram os seus estudos nas causas da gentrificação. Neste aspeto, distinguem-se duas linhas de pensamento (Lees et al., 2008): a neoclássica, seguida por David Ley (1996), Tim Butler (1997) e Jon Caulfield (1989); e a da economia política, cujos principais autores são Neil Smith (1987, 2002) e Tom Slater (2009). Estas duas formas de tentar entender porque é que a gentrificação acontece distinguem-se sobretudo porque a primeira põe a tónica na procura e a segunda na oferta. Ou seja, a teoria neoclássica defende que o processo de gentrificação é produto da procura da classe média pelo centro da cidade, enquanto que a da economia política defende que o processo se desenrola devido às movimentações do capital, que encontra na cidade desinvestida uma forma de criar novas oportunidades lucrativas a baixo custo.

Embora hoje se saiba que ambas as hipóteses podem estar corretas e que dependem sobretudo do contexto da análise (Clark, 2005), importa que nos debrucemos brevemente sobre elas, de forma a obtermos um melhor entendimento do fenómeno.

Os investigadores que seguem a linha de pensamento neoclássica defendem que a gentrificação ocorre devido à movimentação de pessoas no contexto da cidade pós-industrial, que passou a ser um espaço centrado na produção de serviços. Grande parte dos trabalhadores ligados à indústria, tipicamente das classes mais baixas, deixam de ser necessários neste contexto de passagem para o setor terciário dos serviços e, por sua vez, os trabalhadores de classe média passam a ser indispensáveis no novo modelo citadino (Caulfield, 1989). Assim, e seguindo a argumentação de Jon Caulfield (1989), é quase natural que ocorram processos de gentrificação na cidade, em que as classes baixas são substituídas por uma população com mais recursos económicos.

Segundo Tim Butler (1997), esta população de classe média que procura viver na cidade é também substancialmente diferente da típica classe média: tem novos padrões de qualidade de vida, novas aspirações culturais e menos filhos. Neste sentido, e segundo Lees, Slater e Wyly (2008), a apropriação pela classe média do centro das cidades aparece como alternativa ao modo de vida nos subúrbios, que está ligado a tradições e a relações de poder baseadas na estrutura patriarcal. No centro da cidade, a mulher pôde

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emancipar-11 se devido à densidade do aglomerado urbano que junta trabalho com lugares de encontro e lazer; a população gay encontrou na cidade uma oportunidade para criar comunidades de resistência e afirmação; entre outros exemplos (Lees et al., 2008). Ou seja, a cidade passa a ser vista como oportunidade para a expressão de novas aspirações culturais e estilos de vida, que se tornaram possíveis devido à desindustrialização do tecido citadino. De um modo geral, a cidade passa a ser chamariz para toda uma nova classe média, com novos estilos de vida, bons salários, educação e menos filhos, que encontra no meio urbano uma forma de expressão dos seus desejos e aspirações, e que se preocupa em obter e manter uma boa qualidade de vida, conseguida através da proximidade aos locais de consumo e das experiências que a vida citadina oferece (Lloyd & Clark, 2001).

Assim, esta classe média urbana aparece como produtora de espaço na cidade, uma vez que é em resposta às suas necessidades que a cidade vai tomando forma. A classe média aparece associada ao processo de gentrificação por vir transformar o tecido social e urbano da cidade pré-existente: ela é, por um lado, impulsionadora da requalificação do edificado e da mudança dos usos na cidade e, por outro, a causadora da marginalização da classe baixa, que não tem recursos para suportar o crescendo do custo de vida citadino (Ley, 1996). Na aceção neoclássica, a gentrificação é, então, um produto das mudanças na estrutura socioespacial do sistema capitalista, derivada de mudanças culturais e estilos de vida que encontram lugar na cidade pós-industrial (Lees et al., 2008).

Os estudos que põem a tónica na procura da classe média urbana, como causa para a gentrificação, pecam por um lado, por não associarem o fenómeno a grandes investimentos de desenvolvimento da cidade e, por outro, por advogarem maioritariamente que a cidade é espaço de libertação cultural, numa lógica de renascimento da cidade, normalizando o desalojamento da classe baixa (Lees et al., 2008). A análise da economia política vem refutar os pressupostos da visão neoclássica. Segundo esta teoria, a gentrificação acontece por causa de movimentações do capital ligadas à valorização/desvalorização do espaço urbano, e não devido aos desejos da nova classe média (Lees et al., 2008).

A este propósito, Neil Smith (1987) usa o termo rent gap para descrever o fenómeno que está ligado ao início do processo de gentrificação. Sumariamente, o rent gap refere-se à discrepância entre o valor do solo capitalizado e o seu respetivo valor potencial, em que

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12 o primeiro remete para o valor que determinada parcela de solo tem, dado o seu uso atual, e o segundo remete para o valor que dela se poderia extrair se lhe fosse atribuído um novo uso, mais lucrativo. Assim, quanto maior for a diferença entre estes dois fatores, maior será a probabilidade de investimento no local e, por conseguinte, maior será a probabilidade de aí se dar início ao processo de gentrificação.

No contexto urbano, este fenómeno é explicado por David Harvey (2010) em The Enigma

of Capital and the Crises of Capitalism. Segundo Harvey (2010), o capital esteve concentrado nos subúrbios e era para esses lugares que o investimento era dirigido. Ao mesmo tempo, o centro da cidade foi ficando esquecido e desinvestido: os edifícios foram-se degradando e o valor das rendas foi descendo com o piorar das condições de habitabilidade. Numa fase posterior, em que investir nos subúrbios deixa de ser rentável, porque o valor dos investimentos já não dá o retorno esperado, por haver excesso de oferta, o capital volta-se de novo para a cidade, onde deixou de haver oferta e onde o lucro pode ser maximizado. Por este motivo, edifícios habitacionais que durante muito tempo serviram de residência à classe baixa no centro da cidade degradada, de repente são vistos como objeto de investimento e são transformados em residências de luxo, em hotéis ou em habitação para a classe média, numa rentável transformação dos usos, expulsando, com recurso à retórica do capital, os moradores mais pobres (Lees et al., 2008).

Ainda dentro da lógica da economia política, Hackworth e Smith (2001), afirmam que atualmente a gentrificação é promovida tanto pelo sector público, com a pretensão de atrair a classe média para o centro das cidades, com possibilidade de pagar impostos mais altos e investir capital, como pelo sector privado, que vê oportunidade em auferir lucros altos ao dirigir-se a essa população com mais recursos financeiros. Assim, e dado que um bairro só se tornará apetecível a essa classe mais alta se preencher requisitos de segurança, higiene, comércio, lazere coerência visual (Zukin, 1998), o processo de gentrificação é normalmente posto em marcha através de investimentos estatais para reabilitar o espaço público, fortalecer as infraestruturas e a rede de transportes, e através de investimentos privados, para a reabilitação da habitação e dos espaços comerciais. Neste sentido, a reabilitação do centro da cidade não será mais do que um processo de produção de espaço dentro da lógica do sistema capitalista, que se impõe sempre que há oportunidade para criar lucro a baixo custo.

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13 Embora a teoria da economia política pareça mais simples para esclarecer as causas da gentrificação, ela também tem as suas falhas por não incluir o estudo das transformações operadas pelas pessoas na cidade e se focar somente nas movimentações do capital, de uma forma pouco humanista (Lees et al., 2008).

Atualmente, e apesar da teoria neoclássica ser bastante distinta da teoria da economia política, ambas as explicações têm vindo a ser integradas nos estudos sobre gentrificação, num prolífero diálogo entre os investigadores que estudam o fenómeno à luz da teoria social e cultural e os que o estudam segundo parâmetros de produção do espaço ligados às movimentações do capital (Lees et al., 2008). Por outro lado, tem havido um esforço para incluir na literatura estudos provindos de várias partes do mundo, para que seja possível uma alargada perceção do fenómeno (ver Lees et al., 2016). Deste modo, foi possível tornar claro que as causas da gentrificação dependem não só do foco da análise como também do seu contexto, tornando-se possível chegar a um entendimento sobre a definição operativa do conceito.

2.1.3 Operacionalização do conceito: critérios de gentrificação

Em 1964, Ruth Glass definiu gentrificação como um processo de ocupação e reabilitação de bairros degradados do centro da cidade pela classe média, em que se verifica o desalojamento dos habitantes de classe baixa.

Cerca de 20 anos depois, já num contexto socioeconómico diferente, Robert Beauregard (1986) vem problematizar o conceito de gentrificação num artigo intitulado The chaos

and complexity of gentrification. Neste texto, Beauregard (1986) elenca uma série de fatores que remetem, como o próprio nome do artigo indica, para a complexidade do processo de gentrificação: compra de edifícios por uma população mais endinheirada e por investidores especuladores; desalojamento dos habitantes com menos recursos económicos; reabilitação do tecido habitacional; investimento público nas infraestruturas e no espaço público; mudanças nos serviços e no comércio; melhoria e estabilização da base de tributação (novos moradores de classe mais alta). Para além disto, Beauregard (1986) afirma que para que um bairro seja suscetível de ser gentrificado tem de: encontrar-se degradado; localizar-se perto ou no centro da cidade; estar ocupado por residentes com poucos recursos económicos; e ter traços distintivos como uma vista desafogada ou caráter histórico. Todos estes fatores enumerados vieram apontar para a complexidade do fenómeno e para a dificuldade em encontrar uma definição clara de

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14 gentrificação, que perdurasse. Durante algum tempo, os investigadores duvidaram até da utilidade do conceito, visto que a sua utilização parecia dispersar-se cada vez mais (Butler, 2005).

Duas décadas depois de Beauregard (1986) ter escrito The chaos and complexity of

gentrification, Eric Clark (2005) responde com The order and simplicity of gentrification. Neste texto, Clark (2005) vem propor a clarificação do conceito de gentrificação e apresenta uma nova definição, suficientemente abrangente para suportar a passagem dos tempos, mas também suficientemente restrita, de modo a salvaguardar a sua pertinência (Lees et al., 2008). Assim, nas palavras de Clark (2005, p. 25), a gentrificação pode ser entendida como:

“a process involving a change in the population of land-users such that the new

users are of a higher socio-economic status than the previous users, together with an associated change in the built environment through a reinvestment in fixed capital.”

Esta definição deixa claro que a gentrificação é, simultaneamente, um processo de mudança social e um processo de transformação do espaço construído. No entanto, a esta definição pode apontar-se um único problema: não mencionar claramente o problema do desalojamento da população com menos recursos económicos (embora Clark (2005) o faça no seu estudo). Tim Butler (2005) e Slater (2009) apontam ambos para a necessidade de incluir o desalojamento na definição de gentrificação, uma vez que é o único fator que mostra que este não é um simples processo de substituição natural de populações. Neste sentido, Mark Davidson e Loretta Lees (2010) mostram que o processo de gentrificação se distingue por quatro pontos, que se devem verificar em simultâneo: (re)investimento de capital; mudanças no edificado e na paisagem urbana; novos habitantes com mais recursos económicos; e desalojamento do grupo social com menos recursos económicos.

Assim, gentrificação pode ser entendida como o conjunto de transformações socio-espaciais que derivam do reinvestimento de capital, da reestruturação física do espaço urbano e das mudanças no carácter social da população, que implicam o desalojamento de um grupo social para dar lugar a outro com mais recursos económicos (Davidson & Lees, 2010).

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15 Com esta definição, foi igualmente possível nomear outros cenários de gentrificação, mesmo fora do contexto do centro urbano. Têm-se verificado várias formas de gentrificação que se distinguem consoante o tipo de transformações que ocorrem no lugar em questão. O termo super-gentrificação é usado para referir casos em que a classe alta substitui a classe média (Lees, 2003); a gentrificação por nova construção refere-se ao processo de gentrificação devido a novos empreendimentos urbanísticos (Davidson & Lees, 2010); a gentrificação rural remete para o fenómeno em áreas rurais (Brown-Saracino, 2010; Hines, 2010); e a studentification serve para identificar as mudanças implicadas na transformação de habitação em residências estudantis (D. Smith, 2005).

2.2 Gentrificação Turística

A gentrificação turística refere-se às transformações socio-espaciais que decorrem da apropriação intensiva de um lugar para fins turísticos, em que o carácter residencial da área é substituído pelo turismo. Autores como Kevin Gotham (2005), David Gladstone, Jolie Préau (2008), Henning Füller, Michel Boris (2014) ou Agustín Cócola-Gant (2016, 2018) têm vindo a investigar o fenómeno, estabelecendo a relação entre dinâmicas impostas pelo turismo e a literatura acerca dos processos de gentrificação, para demonstrar como estes dois temas se encontram intrinsecamente relacionados.

Em Tourism gentrification (2018), Agustín Cócola-Gant traça o paralelismo entre o papel que o turista e a classe média desempenham na transformação de um bairro residencial e associa o desenvolvimento pelo turismo ao investimento privado e ao capital. Para esse efeito, o autor faz a distinção entre os dois cenários em que o processo de gentrificação turística se tem vindo a desenrolar. Segundo o investigador, a gentrificação turística tanto tem tendência para ocorrer em bairros previamente gentrificados ou em processo de gentrificação (no sentido clássico), ou seja, em bairros transformados essencialmente pela classe média, que oferecem uma série de comodidades que funcionam, ao mesmo tempo, como atrações para turistas e para os residentes; como pode ocorrer em bairros habitados pela classe baixa, em que o investimento no turismo é a primeira força motriz para a transformação do espaço urbano e para o afastamento dos habitantes com menos recursos económicos. O primeiro caso acontece mais em cidades do norte global com um capitalismo avançado e o segundo em cidades do sul global com economias mais frágeis e um sistema capitalista assimétrico.

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16 Assim, para se conceptualizar o fenómeno da gentrificação turística, é necessário ter em conta três fatores: que o turismo tem vindo a ser usado como estratégia para o desenvolvimento e crescimento económico das cidades (Brito-Henriques, 2003); que os turistas e os residentes de classe média alta têm padrões de consumo semelhantes e, por isso, se confundem enquanto utilizadores do espaço urbano (Maitland & Newman, 2008); e que o turismo tem vindo a criar tensões e resistências em várias partes do mundo (Novy & Colomb, 2016).

Gotham (2005), Gladstone e Préau (2008) fazem uma análise das transformações socio-espaciais que ocorreram em bairros de Nova Orleães derivadas de estratégias municipais para o desenvolvimento turístico. Segundo Gotham, o processo de gentrificação turística da área ribeirinha da cidade (Vieux Carré) é fruto de uma ação concertada entre os poderes que governam a cidade e investidores privados. Os primeiros puseram em marcha a requalificação do passeio fluvial e a construção de vários equipamentos culturais e desportivos ao mesmo tempo que apostaram em campanhas de place-marketing, com o intuito de tornar a cidade mais atrativa; e os segundos vieram transformar o carácter identitário e comercial da área, requalificando o seu edificado para a abertura de hotéis, restaurantes, bares, discotecas e lojas de souvenirs. Gradualmente, a área ribeirinha de Nova Orleães foi sendo transformada numa área dedicada quase exclusivamente ao turismo, em que os preços da habitação aumentaram exponencialmente, o comércio tradicional desapareceu e muitos dos antigos habitantes foram obrigados a mudar-se. Em 2008, Gladstone e Préau publicam um outro estudo sobre a gentrificação turística em Nova Orleães, dando seguimento à investigação de Kevin Gotham. Nesta análise, os autores enfocam não só nas transformações do Vieux Carré, mas também nas mudanças operadas nos bairros que o envolvem, mostrando como o processo de gentrificação pelo turismo estende os seus limites para lá da área inicialmente marcada para o desenvolvimento turístico.

Segundo os investigadores, depois da requalificação e gentrificação da área ribeirinha, o plano público para o contínuo desenvolvimento (turístico) da cidade recaiu sobre os bairros subsequentes, que até aí haviam alojado grande parte dos habitantes anteriormente afastados do Vieux Carré. Segundo os investigadores, a transformação desses bairros advém da vontade (política) não só de alargar os limites da área turística, mas também de providenciar todo um terreno seguro e higienizado para atrair capital. Assim, dá-se início

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17 ao “alargamento” do processo de gentrificação turística, mais uma vez causado por uma lógica de desenvolvimento apoiada em parcerias público-privadas: o público investe na construção de novos museus e estruturas que promovam o lugar e o privado compra e modifica os usos do edificado envolvente, contribuindo para o aumento do valor do imobiliário e das rendas e, consequentemente, para o afastamento da população mais pobre.

O exemplo de Nova Orleães mostra como a estratégia de crescimento económico pelo turismo não pode ser dissociada dos processos de gentrificação. Neste caso, a gentrificação turística é incentivada pelo poder público e concretizada por investimentos privados tanto no sector imobiliário como turístico, sendo ao mesmo tempo um produto das políticas municipais e do reinvestimento de capital.

Noutros casos, como no bairro de Kreuzberg, em Berlim (Füller & Michel, 2014), o aumento da procura turística aparece ao mesmo tempo que o processo de gentrificação no sentido clássico (i.e. em que as transformações socio-espaciais se devem à procura e à produção de espaço por uma classe média criativa). Segundo os autores, este bairro berlinense, que até há pouco tempo tinha a conotação de gueto, foi sendo ocupado por estudantes e artistas devido aos preços baixos das rendas. E esta mudança no carácter social do lugar vem impulsionar a abertura de negócios até aí inexistentes, como novos cafés, bares e pequenos espaços para concertos. Quase simultaneamente, Kreuzberg começa a ser um lugar visitado por turistas que procuram uma experiência fora dos lugares turísticos convencionais, encontrando neste bairro a “autenticidade” do quotidiano – pautada por espaços de consumo que servem tanto os residentes como os visitantes. Neste caso, o processo de gentrificação que já estava em curso é intensificado pela procura turística que vem impulsionar a substituição do comércio tradicional de proximidade por um dirigido aos visitantes, bem como a proliferação de alojamentos turísticos informais, que mostram ter um peso determinante na subida do valor da habitação e das rendas.

Embora o bairro de Kreuzberg vá ao encontro da imagem promocional que muitas vezes é feita de Berlim tanto por promotores turísticos como pelo município (Füller & Michel, 2014), a gentrificação turística do lugar em nada parece ter que ver com estratégias estatais de desenvolvimento pelo turismo, ao contrário do que acontece na área ribeirinha de Nova Orleães. Este caso de Kreuzberg sustenta o que Mailtland e Newman (2008) já

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18 haviam afirmado sobre o aumento da procura turística por bairros citadinos fora dos precintos turísticos planeados. Na análise que fazem de Islington e Bankside em Londres, estes dois autores verificam que há muitos turistas que preferem passar o seu tempo em bairros previamente gentrificados, cujas comodidades servem tanto os residentes como os visitantes. Nestes bairros, os turistas aparecem como co-produtores de espaço e confundem-se com os residentes de classe média alta nas suas aspirações por certos espaços de consumo (Maitland & Newman, 2008). Neste caso, a relação entre turistas e residentes parece ser pacífica, mas o mesmo não se passa em Kreuzberg, onde o processo de gentrificação clássica está numa fase inicial e onde a sobreposição do processo de gentrificação pelo turismo vem aumentar não só as tensões entre os agentes locais, mas também entre residentes e turistas.

A gentrificação é um fenómeno que pressupõe sempre a existência de uma relação de forças entre os agentes que vêm transformar o espaço e aqueles que, não tendo recursos para participar e moldar o processo, se veem forçados a aceitar tais transformações. O que significa que quanto maior for a diferença entre estas forças, maior será a violência causada pelo processo (Clark, 2005). O turismo tem vindo a ser alvo de contestação e resistência um pouco por todo o mundo porque vem impor mudanças espaciais e sociais nas comunidades (Novy & Colomb, 2016), nomeadamente por ser fator de pressão que pode levar ao desalojamento da população residente (Cocola-Gant, 2016).

2.3 Desalojamento

Dos poucos autores que têm vindo a estudar o processo de desalojamento da população pela gentrificação destacam-se Peter Marcuse (1985), Tom Slater (2009), Kathe Newman e Elvin Wyly (2006) e Michael Janoschka e Jorge Sequera (2014). Já Agustín Cócola Gant (2018) investiga este fenómeno especificamente em relação à gentrificação turística. O processo de gentrificação tem como consequência o desalojamento das classes mais baixas. No entanto, esse desalojamento não tem sido frequente objeto de estudo nem é facilmente quantificável (Slater, 2009). Sabe-se que existe e é bem visível ao nível das transformações sociais operadas pelo processo, mas tem sido muitas vezes ignorado, tanto por académicos como pelas forças políticas que governam a cidade (Slater, 2006, 2009). O desalojamento da população mais pobre ora é visto como um mal menor, se comparado com os benefícios que a gentrificação traz à cidade (i.e. requalificação do edificado, mais

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19 ganhos pelos impostos ou mais atratividade…) (Newman & Wyly, 2006), como até chega a ser visto como “bónus” necessário, como se de uma limpeza se tratasse (Janoschka & Sequera, 2014). A este propósito, Marcuse (1985) e Slater (2009) mostram porque é que o afastamento da população mais pobre não deve ser visto como um dano colateral menor ou uma inevitabilidade, e muito menos como um fator positivo. Primeiro porque, como demonstra Marcuse (1985), tanto o processo de gentrificação como a degradação de um lugar são fatores que promovem a expulsão da população. Em segundo lugar, porque essa expulsão promove a criação de enclaves no tecido urbano, acentuando o problema da pobreza. E, numa última análise, porque o direito à habitação e ao lugar devem ser preservados.

Marcuse (1985) identifica vários tipos de desalojamento da população com menos recursos económicos. Estes tipos podem ser separados em três categorias: o desalojamento direto, que se prende com fatores diretamente associados ao alojamento, o desalojamento por exclusão, que se refere à impossibilidade de encontrar casa para habitar no lugar onde o processo de gentrificação se desenrola, e o desalojamento indireto, que está associado às transformações do lugar ou do bairro.

Assim, o desalojamento direto acontece quando o senhorio aumenta abruptamente o valor da renda, se recusa a fazer obras urgentes na habitação, deixa de fornecer serviços essenciais ou intima diretamente os seus inquilinos a sair, forçando o desalojamento. A este propósito, Newman e Wyly (2006) referem que mesmo quando o senhorio mantém relações de proximidade com os seus inquilinos e, numa primeira instância, não revela interesse em aumentar o valor da renda, acaba por fazê-lo quando percebe que poderia ganhar o dobro ou o triplo do mesmo valor.

O desalojamento por exclusão refere-se à dificuldade que a população com menos recursos económicos tem em encontrar casa para habitar no sítio onde o processo de gentrificação se desenrola. O processo de gentrificação está associado, desde o início da sua discussão teórica, ao aumento do valor das rendas e da propriedade (Lees et al., 2008). Esse fator impossibilita que os residentes mais pobres encontrem uma casa para habitar que possam pagar, e que tenha, ao mesmo tempo, requisitos mínimos de habitabilidade, excluindo-os, assim, do lugar onde o processo de gentrificação acontece.

Já o desalojamento indireto remete para as pressões que as transformações no bairro exercem sobre a população com menos recursos económicos. Essas pressões podem ser

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20 ao nível dos serviços e do comércio, que se tornaram mais caros e deixaram de servir as necessidades dessa população; ou podem ser devido à progressiva perda de vizinhos (já desalojados) e laços comunitários de solidariedade, essenciais à sua subsistência. O desalojamento indireto é, então, fruto da “descontextualização” sentida pela população com menos recursos económicos em relação ao seu próprio lugar de residência.

O processo de afastamento da população com menos recursos económicos num contexto de gentrificação turística assume contornos um pouco diferentes (Cocola-Gant, 2018). A este propósito, o Cócola Gant (2016) nomeia três tipos de desalojamento: o desalojamento-residencial, o desalojamento-comercial e o desalojamento-do-lugar. O primeiro é semelhante ao desalojamento direto mencionado anteriormente, exceto que nem sempre é operado pelo senhorio. No caso da gentrificação pelo turismo, a mudança de usos no edificado é bastante frequente, sendo que vários edifícios habitacionais são transformados em acomodação turística, seja na forma de hotel, hostel ou alojamento não-convencional para turismo. Por este motivo, o desalojamento-residencial remete não só para os casos em que o senhorio pressiona os seus inquilinos a sair, mas também para os casos em que os despejos são operados por investidores no sector do turismo. Nesta tipologia, Cócola Gant (2016) engloba ainda a impossibilidade de a população de classe mais baixa voltar a encontrar habitação no mesmo lugar, devido à redução no número de casas disponíveis e no consequente aumento dos preços da habitação. O desalojamento-residencial remete, então, não só para os despejos, mas também para a impossibilidade que a classe mais baixa tem em encontrar habitação no lugar em processo de gentrificação pelo turismo (desalojamento por exclusão).

O segundo tipo, nomeado desalojamento-comercial, tem que ver com a substituição do comércio local por um comércio operado por empresas maiores dedicado quase exclusivamente ao turismo. Este fenómeno é muito visível no processo de gentrificação turística e vários autores têm-no apelidado de gentrificação comercial (Cocola-Gant, 2015; Gotham, 2005; Judd & Fainstein, 1999). Nesse sentido, a substituição do comércio implica muitas vezes o afastamento de pequenos comerciantes que, tal como os residentes, não conseguem aguentar a subida no valor das rendas ou porque sucumbem às pressões para vender os seus estabelecimentos (Gotham, 2005). O desalojamento-comercial refere-se, assim, a dois aspetos: ao afastamento da população mais pobre dos espaços comerciais que costumavam frequentar, que foram transformados em negócios

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21 para atrair turistas ou uma clientela mais endinheirada, como lojas de souvenirs, restaurantes e pastelarias gourmet ou novos bares; e ao afastamento dessa população de espaços que anteriormente eram públicos mas que, devido ao processo de gentrificação turística, se converteram em espaços de consumo como esplanadas ou outros espaços de entretenimento (Cocola-Gant, 2018; Novy & Colomb, 2016). O desalojamento-comercial é, então, o afastamento da população mais pobre dos seus habituais locais de consumo e convivência.

Finalmente, o desalojamento-do-lugar remete para o afastamento de residentes cujas condições de habitabilidade foram postas em causa devido às mudanças na forma como se vive o lugar. A gentrificação turística é muitas vezes acompanhada da proliferação de espaços de entretenimento noturnos como bares, discotecas e espaços para concertos que, embora sejam apelativos a muitos visitantes, se tornam um incómodo para quem ali mora no dia-a-dia (Gotham, 2005; Pavel, 2013). Assim, o desalojamento-do-lugar é uma consequência que deriva da progressiva transformação de uma área residencial num espaço desenhado sobretudo para os visitantes, em que a vida quotidiana se pode tornar insuportável. Esta forma de desalojamento da população residente refere-se não só aos habitantes de classe baixa, mas também inclui os habitantes de classe média (que podem ter sido os elementos gentrificadores num primeiro momento), e vem demonstrar como o processo de gentrificação turística promove a substituição da vida residencial pelo turismo (Cocola-Gant, 2018).

De uma forma geral, no processo de gentrificação turística não se verifica um aumento no número de residentes na área em questão, ao contrário do que habitualmente acontece no processo de gentrificação clássica. Por oposição, pode observar-se um decréscimo na população residente, que advém do progressivo desalojamento de residentes permanentes que são substituídos por habitantes temporários – os turistas (Cocola-Gant, 2016; Pavel, 2013; Sans & Quaglieri, 2016). Este fenómeno aparece associado à conversão de habitação corrente em alojamento turístico, seja na forma de hotéis, hostels ou apartamentos turísticos, que afastam permanentemente a população local.

2.4 Alugueres de curta-duração para turismo

Nos últimos anos, a discussão em torno dos alugueres de curta duração para turismo tem-se vindo a acentuar. Embora este tipo de alojamento turístico não tem-seja uma novidade (e

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22 seja até uma prática bastante comum em várias povoações costeiras durante a época balnear), a sua proliferação por várias cidades do mundo é-o com certeza. O aumento no número de alugueres de curta duração para turismo deve-se ao aparecimento de plataformas online como o homeaway.com ou o airbnb.com, que estabelecem a ponte e fazem de mediadoras entre os anfitriões e os hóspedes, permitindo que qualquer pessoa possa alugar a(s) sua(s) casa(s) ou espaço(s) extra a turistas. Por este motivo, vários bairros um pouco por todo o mundo estão a ser alvo de uma nova ocupação, temporária, mas rotativa, que vem alterar os usos do edificado, no sentido em que parte da habitação deixa de servir residentes permanentes e passa a ter a função de alojamento turístico (Cocola-Gant, 2016; Lee, 2016; Sans & Quaglieri, 2016).

O advento destas plataformas de aluguer de curta duração para turismo tem sido relacionado com o desenvolvimento da “economia de partilha” (Gurran & Phibbs, 2017). Embora ainda muito pouco estudada, esta “economia de partilha” está associada ao aparecimento de plataformas online que fazem de elementos de conexão entre a procura e a oferta. Nestas plataformas qualquer pessoa pode anunciar e partilhar ou vender os seus serviços ou objetos, e, de igual modo, qualquer pessoa pode pedir emprestado ou comprar o que procura. Normalmente os riscos são minimizados pelas próprias plataformas através de sistemas seguros de pagamento, bem como sistemas de rating e apreciação dos seus usuários e dos bens anunciados. Inseridos nesta lógica, o airbnb.com, o homeaway.com ou o 9flats.com são plataformas de alojamentos turísticos não-convencionais, em que qualquer pessoa pode anunciar e alugar casas, quartos extra, ou outros espaços a turistas. A rede airbnb teve início em 2008, em São Francisco nos Estados Unidos da América, e rapidamente se tornou numa plataforma usada um pouco por todo o mundo. Guttentag (2013) classifica o modelo airbnb como uma inovação que vem transformar a oferta no mercado do alojamento em turismo, por se apoiar numa plataforma on-line inovadora que oferece novas possibilidades e, ao mesmo tempo, por operar sem intermediários

(peer-to-peer), possibilitando o seu uso em todo o mundo. No seu artigo sobre a “informalidade” do modelo airbnb, o autor analisa o rápido crescimento desta plataforma ao longo de apenas quatro anos de existência, e mostra que o número de dormidas deste tipo já se equiparava, em 2013, ao de grandes cadeias internacionais de hotéis, como o Marriott, e tinha tendência para aumentar.

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23 O sucesso deste modelo de acomodação turística deve-se à crescente procura, por parte de quem viaja, por experiências fora dos percursos turísticos habituais (Lalicic & Weismayer, 2017). Os voos low-cost massificaram o fenómeno das viagens, contribuindo para o aumento do número de viagens em turismo. Assim, o novo turista, que é experiente, procura maior interação com o lugar visitado e maior contacto com os habitantes locais, sua cultura e seus hábitos (Stanciulescu, Molnar, & Bunghez, 2011). Isto significa que o modelo turístico urbano convencional hotel-monumento tem tendência ao desgaste e que a procura se volta para outro tipo de experiências, nomeadamente de alojamento. Neste sentido, plataformas como o airbnb.com vieram abrir novas possibilidades de alojamento turístico (inserido em edifícios habitacionais ou em bairros residenciais, por exemplo), e promovem uma interação entre os hóspedes e os anfitriões que não se restringe à mera relação profissional. Segundo Lalicic e Weismayer (2017), estas plataformas vieram colmatar a procura por “autenticidade” na experiência turística, aproximando o turista da vida quotidiana do destino turístico.

Nicole Gurran e Peter Phibbs (2017) afirmam que em relação à discussão em torno da proliferação de alojamentos turísticos em habitação tem havido duas posições demarcadas. Por um lado, há quem defenda que o fenómeno se insere no movimento da “economia de partilha” e que não só permite dar uso a espaços vazios no tecido habitacional como ajuda os residentes a ganharem rendimentos adicionais. Por outro, há quem critique este crescimento, por vir distorcer o propósito da habitação, criar conflitos entre visitantes e residentes e exercer pressão no mercado habitacional.

Neste sentido, os autores advogam a necessidade de se diferenciar, para efeitos de planeamento urbano, as várias formas como se tem vindo a usar o tecido habitacional para aluguer de curta duração para turismo. Os investigadores apontam, assim, dois grandes tipos de aluguer. O primeiro engloba todos os casos em que há, efetivamente, partilha temporária de casa. Ou seja, refere-se a casos em que indivíduos alugam quartos ou espaços extra nas suas próprias casas, alugam temporariamente a sua própria casa quando estão fora, ou alugam a sua segunda casa, quando não a estão a usar. O segundo tipo de aluguer refere-se aos casos em que a habitação passa a ter uma função turística permanente, e prende-se com o facto, já mencionado por vários investigadores (ver Cocola-Gant, 2016; Lee, 2016; Sans & Quaglieri, 2016), de que estas plataformas vieram distorcer o mercado da habitação, permitindo a investidores imobiliários usar o tecido

Imagem

Figura 1 – Evolução da oferta de alojamento de curta-duração em Lisboa
Figura 2 – Alojamentos de curta duração em Lisboa, 2017
Figura 3 – Alfama
Tabela 1 – Evolução do recenseamento populacional de Alfama
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