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MESTRADO EM HISTÓRIA SÃO PAULO 2013

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Academic year: 2019

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Andresa Cristina Oliver Barbosa

Arquivo e sociedade: experiências de ação educativa em Arquivos brasileiros

(1980-2011)

MESTRADO EM HISTÓRIA

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Arquivo e sociedade: experiências de ação educativa em Arquivos brasileiros

(1980-2011)

MESTRADO EM HISTÓRIA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora

da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, como exigência parcial para obtenção do

título de MESTRE em História Social, sob a

orientação da Prof.ª Dra. Heloisa de Faria Cruz.

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Banca Examinadora:

______________________________________

______________________________________

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DEDICATÓRIA

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AGRADECIMENTOS

À Heloisa de Faria Cruz, pela disponibilidade e orientação precisa e atenciosa.

Às professoras da banca examinadora: Helenice Ciampi e Marcia Eckert Miranda, pelas críticas e sugestões oferecidas à dissertação.

A Helenice Ciampi, que me proporcionou ainda na graduação uma formação atenta às linguagens do mundo, além de acompanhar parceiramente o meu trabalho no Arquivo Público do Estado de São Paulo.

À Haike Roselane Kleber da Silva, pela generosidade em compartilhar comigo o seu conhecimento e sua experiência, tornando mais fácil o “caminho das pedras”. Pela dedicação e empenho ao tratar das questões de difusão no APESP. Por confiar no meu trabalho.

Ao Lauro Ávila Pereira, pela oportunidade profissional que me proporcionou logo após o término da minha graduação e pelo incentivo para entrar no Programa de Pós-graduação da PUC/SP.

Aos professores do Programa de pós-graduação da História da PUC/SP, pelas sugestões no processo da pesquisa.

À PUC/SP e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior-CAPES que viabilizaram financeiramente esta pesquisa.

Ao Gabriel, pelo trabalho atencioso na revisão dos textos.

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À estimada equipe do Núcleo de Ação Educativa: Jana, Gisleni, Néia, Vânia Nelize, Stanley, Carol, Felipe e João Francisco que fazem no dia a dia os projetos acontecerem. Lembro-me também daqueles que já passaram por lá.

Aos meus amigos que fiz na Pós: Paula, Elton, Diego, Eduardo, Mathias, Débora, Aylton, pelas conversas entusiasmadas e angústias compartilhadas.

Aos amigos de “outros carnavais”: Jana Yamamoto, Letícia, Sandra, Gis, Shirley e André, pelo carinho e pelo apoio nas empreitadas da vida.

À minha querida e amada família, em especial Ne, Grá, Vanessa, Jojo, Edilson, Rogério, Fabíola, Regina, Salim, Camila e Yuri, pelo estímulo e pela compreensão nesse tempo de ausências. A todos aqueles que me apoiaram Soninha, Finha, Luiz, Vilma, Vergílio...

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RESUMO

Esta dissertação tem como objetivo analisar o que os Arquivos públicos brasileiros têm realizado no sentido de garantir, por meio de atividades de difusão, especialmente as educativas, a extroversão de seu patrimônio documental nas últimas décadas. Para tanto, buscou-se analisar projetos e atividades, refletindo sobre a trajetória de três instituições arquivísticas – Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP), Arquivo Histórico de São Paulo (AHSP) e Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte (APCBH) – no que se refere à proposição de ações de difusão para a sociedade em geral e para o público escolar, no período de 1980 a 2011. Nesse sentido, emergem discussões acerca da conjuntura histórica pós-ditadura civil-militar no Brasil e o importante papel dos movimentos sociais na conquista do direito à participação política, à informação e à memória, entre outros, que impulsionou o desenvolvimento de estratégias de extroversão dos Arquivos.

Este trabalho está dividido em três capítulos. O primeiro trata do processo de abertura dos Arquivos à sociedade, o estabelecimento das atividades de difusão e o seu alcance perante a sociedade. O segundo discute o reconhecimento do Arquivo como espaço institucional em estreito diálogo com a educação, observando as possibilidades de ações que podem ser desenvolvidas com a escola. E, por fim, no terceiro capítulo discutem-se os conceitos teóricos e metodológicos que norteam a produção de materiais pedagógicos quando se trata do ensino de História.

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ABSTRACT

This thesis aims to analyze what Brazilian Public Archives have done to ensure extraversion of their documentary heritage in the last decades through outreach activities – especially education . Therefore, we sought to analyze projects and activities, reflecting on the trajectory of three archival institutions – Arquivo Público do Estado de São Paulo – APESP (State Archives of São Paulo), Arquivo Histórico de São Paulo – AHSP (Historical Archives of São Paulo) and Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte – APCBH (Belo Horizonte City Archives) – with regard to the proposition of dissemination actions targeted at the general public and schools, in the period between 1980 and 2011. In this sense, discussions emerge about the historical civilian-military post-dictatorship conjuncture in Brazil and the important role of social movements for the right to political participation, information and memory among others, that boosted the development of extraversion strategies in Archives.

This study is divided in three chapters. The first one deals with the opening process of the Archives to society, the establishment of outreach activities and their scope in society. The second one discusses the recognition of the Archives as institutional spaces in close dialogue with education, observing the feasibility of developing actions with schools. Finally, the third chapter discusses theoretical and metodological concepts that guide the production of educational resources when it comes to teaching History.

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Lista de Gráficos

Gráfico 1 - Número de acessos anuais das Exposições Virtuais (2009, 2010, 2011)...57

Gráfico 2 - Número anual de acessos por Exposição (2009)...57

Gráfico 3 - Número anual de acessos por Exposição (2010)...58

Gráfico 4 - Número anual de acessos por Exposição (2011)...58

Gráfico 5 - Avaliação dos textos da Exposição...59

Gráfico 6 - Avaliação das atividades pedagógicas...60

Gráfico 7 - Perfil dos avaliadores...61

Lista de Abreviaturas e Siglas

AHSP – Arquivo Histórico do Município de São Paulo APCBH – Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte APESP – Arquivo Público do Estado de São Paulo ASCOM – Assessoria de Comunicação Social CEMES – Centro Municipal de Ensino Supletivo

CENP – Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas DPH – Departamento de Patrimônio Histórico

FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo

FFLCH/USP – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/ Universidade de São Paulo EEPG – Escola Estadual de Primeiro Grau

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EMPG – Escola Municipal de Primeiro Grau

EMPSG – Escola Municipal de Primeiro e Segundos Graus SMC – Secretaria Municipal de Cultura

SME – Secretaria Municipal de Educação

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...12

2. ARQUIVO E SOCIEDADE: PATRIMÔNIO CULTURAL PARA A CIDADANIA...29

2.1 A abertura dos Arquivos para a sociedade...29

2.1.1 A década de 1990: afirmação da difusão e da ação educativa...45

2.1.2 Transformações nas estratégias de interação com a sociedade...54

2.2 Arquivo e Patrimônio: o direito à informação, à memória e à cidadania...62

3. ARQUIVO E EDUCAÇÃO: AÇÃO EDUCATIVA E PATRIMÔNIO DOCUMENTAL...64

3.1 O diálogo com a Educação: o trabalho de ação educativa...64

3.1.1 As políticas educacionais das décadas de 1980 e 1990 e o seu impacto nas atividades dos Arquivos...71

3.1.2 Os Arquivos e a formação de professores da educação básica e alunos de graduação...87

4. ARQUIVO E EDUCAÇÃO: A PRODUÇÃO DE MATERIAIS PEDAGÓGICOS...99

4.1 Arquivo e construção do conhecimento: fontes documentais e o ensino de História...100

4.1.1 Exposições físicas e virtuais: o seu potencial para o desenvolvimento de produtos pedagógicos...107

4.1.2 Coleção Histórias dos Bairros de Belo Horizonte: uma proposta de estudo da história local...131

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6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E FONTES...150

6.1 Referências bibliográficas...150

6.2 Fontes documentais...164

6.3 Educação: propostas curriculares...181

6.4 Legislação...182

7. ANEXOS...187

 

 

 

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1. INTRODUÇÃO

A presente pesquisa tem por objetivo central analisar o que os Arquivos1 públicos brasileiros têm realizado no sentido de garantir, por meio de atividades de difusão, especialmente as educativas, a extroversão de seu patrimônio documental à sociedade. Para tanto, propõe a análise e a reflexão sobre as ações de três instituições arquivísticas: o Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP), o Arquivo Histórico de São Paulo (AHSP) e o Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte (APCBH)2.

Historicamente, podemos entender o processo de aproximação entre Arquivo e Sociedade a partir de dois marcos que influenciaram diretamente o conceito de Arquivo: a Revolução Francesa (1789) e a Segunda Guerra Mundial (1945). O primeiro propiciou a abertura dos Arquivos para um público preocupado com a construção de uma história nacional e o segundo pautou-se por garantir os direitos individuais e coletivos. Ambos os casos reforçaram a ideia de as instituições arquivísticas voltarem-se para além do servir exclusivamente ao Estado. Levando em consideração as experiências das três instituições estudas – APESP, AHSP e APCBH –, especificamente no que tange à abertura desses Arquivos por meio de programas de difusão cultural e educativa, é possível localizar propostas de desenvolvimento sistemático dessas ações a partir da década de 1980. A abertura dos Arquivos é forjada em meio às transformações políticas do país, marcadas pela reivindicação da sociedade pelo fim do regime ditatorial e pelo restabelecimento da democracia, cujos fins nortearam os ideais para a constituição da nação e das leis que a regem. Conjuntamente a essa luta, o direito à informação e ao passado é proposto

      

1 Neste trabalho, sempre que a palavra “Arquivo” referir-se conceitualmente às instituições arquivísticas, de forma

geral ou particular, será grafada com inicial maiúscula. Quando grafada com minúscula, fará referência a um conjunto de documentos.

2 Quando me referir aos Arquivos analisados utilizar-me-ei de sua denominação atual: Arquivo Público do Estado de

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enquanto dimensão básica da cidadania, exigindo o desenvolvimento de estratégias para a extroversão dos Arquivos.

Ainda nesse contexto, vale pontuar as discussões realizadas no campo educacional que culminaram nas reformas curriculares em âmbito nacional. A partir delas, os Arquivos podem ser concebidos como espaços institucionais em potencial para o ensino, especialmente para o de História. Assim, conceber as instituições arquivísticas como espaços que vão além da guarda de documentos para servir à administração, aos fins comprobatórios e ao uso da Academia é um dos desafios colocados, desde o final do século XX, para a questão da difusão nos Arquivos.

Considerando que

La difusión há sido y es, una de las líneas de actuación principales de no sólo los archivos, sino todos, os centros culturales. Recoger, conservar y difundir, es la razón de ser, la misión, utlizando terminologías muy de moda, de los archivos. Pero esa misión, no puede ser llevada a cabo sin una visión y es ahí donde la difusión juega un papel de suma importancia. No sólo es cómo queremos vernos en un futuro, sino cómo pueden vernos, hasta qué punto los archivos tienen capacidad de penetración en el entramado social. (FLECHA, 2010, p. 122)

A proposta de compreender o desenvolvimento de ações de difusão em Arquivos brasileiros surgiu da necessidade de refletir sobre a política desenvolvida pelo Núcleo de Ação Educativa do Arquivo Público do Estado de São Paulo, equipe técnica a qual integro desde o início de 2008.

Nesses anos, imersa nas reflexões e nas práticas que norteam o trabalho de “Ação Educativa”, deparei-me com a carência de tais discussões no campo teórico e a indicação de que haveria uma modesta contribuição dos Arquivos quando se trata da difusão do acervo por meio da oferta de atividades de difusão, principalmente as educativas e as de produtos pedagógicos. Assim, certa da importância desse trabalho e entendendo os Arquivos como instituições culturais, resolvi dedicar meus estudos a essa temática.

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A partir de uma sondagem inicial realizada em 2010, por meio dos sites institucionais dos Arquivos estaduais, que teve como objetivo observar quais deles possuíam “Ação Educativa”3, constatou-se um cenário preocupante. Das vinte e sete instituições pesquisadas, catorze delas tinham página própria na internet ou espaço reservado (informações básicas) dentro dos sítios dos governos estaduais ou de suas fundações mantenedoras. Dessas, apenas sete apresentavam indícios de atividades culturais e/o educativas visando aproximação com a sociedade e a extroversão do acervo4. Diante dessa conjuntura ficou claro que era preciso problematizar por que as instituições arquivísticas – regidas pela Lei de Arquivos de 1991, que prima pela preservação e pela gestão documental, a fim de que os documentos sirvam de instrumentos de apoio à cultura – não possuíam programas de difusão de acervo5.

Tendo em vista o quadro reduzido acerca das ações culturais e educativas nas instituições arquivísticas estaduais, alarguei o campo da pesquisa, buscando por experiências realizadas em arquivos municipais. No entanto, objetivei fazer a leitura inversa: ao invés de trabalhar com a ausência, optei por analisar experiências culturais e educativas efetivas, parte delas caracterizada já como ações consolidadas.

Nesse sentido, optou-se por um Arquivo estadual – APESP – e dois municipais – AHSP e APCBH. A escolha por essas instituições tem o seu fundo norteado por dois aspectos basilares: o primeiro diz respeito ao trabalho educativo desenvolvido pelas instituições e as concepções que as norteam e o segundo, por questões burocráticas e de logística.

Assim, no primeiro caso, a escolha pelos Arquivos foi pautada pelos seguintes critérios: o AHSP, por se tratar de um Arquivo que teve suas primeiras atividades de difusão cultural e

educativa guiadas pela Política de Cidadania Cultural, implementada, entre os anos de 1989 e 1992, pela Prefeitura Municipal de São Paulo; o APCBH, por já “nascer”, em 1991, norteado

pelo discurso da “arquivística moderna”, que redefine o conceito dos Arquivos, deslocando sua função original, baseada primordialmente no serviço à administração pública, para novas       

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Entendo por atividades educativas aquelas que possuem como fim as relações entre ensino e aprendizagem ou aquelas ligadas à educação patrimonial.

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No caso das sete instituições tratavam-se do Arquivo Público do Distrito Federal, Arquivo Público do Espírito Santo, Arquivo Histórico Estadual de Goiás, Arquivo Público do Estado do Pará, Arquivo Público do Paraná, Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul e Arquivo Público do Estado de São Paulo. Dentre as atividades desenvolvidas por esses Arquivos, podemos destacar as atividades de visita monitorada, exposições físicas e virtuais, e educação patrimonial.

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finalidades, tais como: subsídio à pesquisa, desenvolvimento cultural e científico e democratização da informação ao usuário-cidadão (BELO HOIZONTE, 1993a); e, por fim, o APESP, pelo trabalho de ação educativa e cultural desenvolvido com destaque desde 1997 e por

corresponder, atualmente, às minhas atividades profissionais.

O segundo aspecto – burocrático e logístico – também influenciou preponderantemente no momento da escolha das instituições a se trabalhar. Por se tratar de uma temática que exigiu a constituição de corpus documental, baseado grandemente em documentos administrativos, sendo parte deles produzidos recentemente, ou seja, “o arquivo do Arquivo”, já tinha em mente que possivelmente encontraria dificuldades para acessar essa documentação – nos três Arquivos essa documentação não havia recebido tratamento arquivístico, sendo necessárias muitas “idas e vindas” até recolher as fontes documentais para a construção dessa dissertação. Assim, levando em conta o prazo final para o seu depósito, a minha disponibilidade de deslocamento para a pesquisa e os contatos previamente estabelecidos para o acesso aos documentos, optou-se pelo Arquivo Histórico de São Paulo e o Arquivo da Cidade de Belo Horizonte.

No que diz respeito às fontes documentais utilizadas neste trabalho, essas compreendem basicamente relatórios, projetos institucionais, publicações, planejamentos anuais, atas, entre outras, produzidas pelas três instituições. Do Arquivo Público do Estado de São Paulo foram analisados documentos produzidos no período de 1977 a 2011, do Arquivo Histórico de São Paulo, de 1982 a 2011, e, por fim, a documentação do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte é datada de 1991 a 2011.

Os relatórios mensais foram ricas fontes para compreender quais atividades eram oferecidas e por qual setor eram realizadas, bem como para observar a recorrência das atividades dentro do planejamento institucional. Também foi possível perceber os hiatos existentes no que diz respeito a oferta das atividades de difusão durante o período analisado; esses silêncios são sintomáticos quando olhamos para a falta de políticas públicas voltadas para o fortalecimento dos Arquivos como instituições culturais.

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Assim, por meio dos documentos pesquisados, pude reconstruir o processo de abertura dos Arquivos pesquisados no que tange à sua faceta voltada para a sociedade. Além disso, embora não esteja evidente na documentação, foi possível inferir os conceitos norteadores das práticas de difusão cultural e educativa levadas a efeito por essas instituições.

Leis, decretos, orientações, propostas curriculares de âmbito federal, estadual e municipal também foram consultadas. Destacam-se as que regulamentam o funcionamento dos Arquivos, organizam o trabalho de cada instituição e dão ordenamento jurídico à Federação, além daquelas que orientam as questões educacionais. Essas fontes documentais revelaram que se faz necessário maior estreitamento entre teoria e prática, entre a promulgação e a aplicação das leis.

Por serem documentos administrativos que ainda não passaram por tratamento arquivístico – exceto parte do material referente ao APCBH – o corpus não estava organizado a ponto de permitir uma pesquisa autônoma, ou seja, por meio de instrumentos de pesquisa, os quais visam “[...] a orientação dos pesquisadores no conhecimento e na utilização do acervo [...]” (BELLOTO, 2007, p. 192 apud DICIONÁRIO, 1976). Em um dos Arquivos, contei com um levantamento (listagem) parcial, produzido como instrumento inicial da organização do acervo. Esse cenário foi um dos desafios da pesquisa.

Tendo em vista essa realidade, entrei em contato com a direção de cada setor responsável pela promoção das atividades culturais e educativas para apresentar a proposta do projeto de mestrado e consultar sobre os procedimentos necessários para ter acesso aos documentos. Assim foi possível dar continuidade à pesquisa, pois contei com a presteza e a agilidade dos servidores dos Arquivos no que se refere à disponibilização dos documentos em idade corrente6 e intermediária7, essenciais para a composição do quadro documental deste estudo. Porém, devido à falta de organização da documentação, corre-se o risco de alguma caixa ter ficado para trás.

Na articulação da pesquisa e das questões formuladas, cabe salientar as contribuições teóricas dos campos da História, da Educação, da Sociologia, da Arquivística e da Ciência da Informação, que auxiliaram na cadência das ideias e na defesa de posicionamentos. Nesse sentido, busquei trabalhar com as noções de patrimônio cultural, memória, Arquivo e, por fim,

      

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Nesse caso, o documento produz efeitos administrativos e legais plenos, cumprindo as finalidades que determinaram sua produção: documentos que ainda estão em uso pelo seu órgão produtor.

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educação, tendo como desdobramento dessas discussões as questões sobre documento, difusão cultural e educativa. Também de grande importância foram as discussões sobre a renovação da historiografia brasileira e do ensino de História. Essas contribuições serão evidenciadas no corpo da dissertação quando se mostrarem necessárias. No entanto, comento a seguir alguns autores e conceitos que merecem destaque na estruturação de base deste trabalho.

No que concerne às discussões sobre patrimônio cultural, a pesquisa está amparada nas reflexões de Marilena Chaui e Déa Ribeiro Fenelon. Elas trazem a problematização do acesso ao patrimônio por meio do conceito da “Cidadania Cultural”8, baseado no direito à informação, à participação, à fruição e à produção cultural. Segundo Chaui, dentro dessa política, a ideia de cultura

[...] não se reduz ao supérfluo, ao entretenimento, aos padrões do mercado, à oficialidade doutrinária (que é ideologia), mas se realiza como direito de todos os cidadãos, direito a partir do qual a divisão social das classes ou a luta de classes possa manifestar-se e ser trabalhada porque, no exercício do direito à cultura, os cidadãos, como sujeitos sociais e políticos, se diferenciam, entram em conflito, comunicam e trocam suas experiências, recusam formas de cultura, criam outras e movem todo o processo cultural. (CHAUI, 2006, p. 138)

Nesse sentido, com base nas discussões empreendidas pelos estudiosos Raymond Willians e E.P. Thompson, Cevasco (2001) também nos aponta que “[...] a cultura é de todos: temos que começar daí.” Sendo assim, entende-se que ela se constitui a partir das experiências de homens e mulheres, os quais estão inseridos nas especificidades das conjunturas históricas por eles vividas. A partir dessa premissa, podemos entender com mais clareza a proposta desse novo conceito de patrimônio cultural formulado no Brasil com o surgimento do processo de democratização.

A expressão Cultura com a letra inicial em maiúscula foi cunhada por E.P. Thompson, com o objetivo de concebê-la como um modo de luta, buscando desmanchar as oposições existentes entre cultura de massa e a alta cultura. A definição de Cultura proposta por Williams baseia-se na relação das duas.

Se, por um lado, a conjuntura em que vivemos, denominada de pós-modernidade, exprime uma sociedade de rápidas transformações no campo das artes, das ciências e da tecnologia, sem falar nas diversas formas de comportamento social marcadas pelas leis de mercado e de consumo;       

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por outro lado essa mesma conjuntura incita a valorização de um conceito de Cultura mais amplo, revelando o potencial de instituições de memória para a interação com a sociedade9.

Segundo Fonseca (2003), é de fundamental importância conceber as políticas voltadas ao patrimônio cultural para além da proteção física do bem. Dessa forma, deve haver políticas preocupadas em fomentar a extroversão dos acervos, revertendo para a sociedade o patrimônio que é de todos. Usando das palavras da estudiosa:

Reduzir o patrimônio cultural de uma sociedade às expressões de apenas algumas de suas matrizes culturais – no caso brasileiro, as de origem europeia, predominantemente a portuguesa – é tão problemático quanto reduzir a função de patrimônio à proteção física do bem. É perder de vista o que justifica essa proteção, que, evidentemente, representa também um ônus para a sociedade e para alguns cidadãos em particular. Para que essa função se cumpra, é necessário que a ação de “proteger” seja precedida pelas ações de “identificar” e “documentar” – bases para a seleção do que deve ser protegido –, seguidas pelas ações de “promover” e “difundir”, que viabilizam a reapropriação simbólica e, em alguns casos, econômica e funcional dos bens preservados. (FONSECA, 2003, p. 65)

A noção de patrimônio concebido como um bem cultural influenciou notadamente as concepções que nortearam a existência de ações de difusão nas instituições arquivísticas. Concebendo Cultura como a experiência dos mais variados sujeitos históricos e como um bem público ao qual todos devem ter acesso, entendo que os Arquivos – objetos dessa pesquisa – devem buscar fortalecer o seu caráter cultural perante a sociedade, sendo que os Arquivos pesquisados dão mostra de atuação nesse sentido.

Para tratar do processo de institucionalização das práticas de preservação no Brasil, as historiadoras Márcia Regina Romeiro Chuva e Maria Célia Londres Fonseca trazem suas colaborações, na medida em que problematizam historicamente o conceito de patrimônio, no Brasil, durante diferentes períodos e governos.

      

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Segundo Jardim (2011), é no contexto da Revolução Francesa que, além do fim do Regime Absolutista e dos privilégios da nobreza, está localizada a gênese da noção de patrimônio. Para o Estado moderno, a guarda de documentos e objetos que pudessem contar a história da nação, especialmente a história dessa “nova era”, impulsionou a criação de instituições responsáveis pela preservação do patrimônio nacional.

A partir do século XIX, no interior do projeto de Estado Nacional, desenham-se concepções de memória e inventam-se tradições para uma nação que reserve um passado comum aos seus integrantes. A noção de patrimônio histórico/cultural insere-se neste processo pelo qual o Estado se organiza mediante a criação de um patrimônio comum e uma identidade própria. Os Arquivos Nacionais, Bibliotecas Nacionais e Museus Nacionais são produtos e processos na construção desse patrimônio. Patrimônio que pressupõe valores, norteadores de políticas públicas, a partir dos quais são atribuídos qualificativos a determinados registros documentais. (JARDIM, 2011, p. 1581, grifo nosso)

 

Partindo desse pressuposto, Chuva (2009, p. 30) também reforça que a concepção de patrimônio está intrinsecamente ligada à criação dos Estados nacionais e que essa realidade não diz respeito somente à Europa, mas sim ao mundo ocidental10.

A necessidade de proteger e conservar o “patrimônio nacional”, processo detonado pela Revolução Francesa, enraizou-se paulatinamente no mundo ocidental com a criação das nações. Essa necessidade tornou-se quase tão natural e reconhecida quanto a própria ideia de “nação” (HANDLER, 1988), a tal ponto que, apesar das lutas travadas em torno de sua designação e de sua legítima propriedade, não mais se questionaram as motivações históricas que a engendraram. A noção de patrimônio então concebida estava irremediavelmente atrelada ao surgimento dos Estados nacionais modernos, e ao processo de construção da nação a ele inerente, em que se verifica um enorme investimento na invenção de um passado nacional. (CHUVA, 2009, p. 30)

No Brasil, a criação efetiva de um órgão responsável por implementar políticas ligadas à preservação do patrimônio cultural nacional ocorreu no Governo de Getúlio Vargas, quando

      

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houve a criação, em 1937, do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), fundado por intelectuais paulistas e mineiros ligados ao Movimento Modernista.

No Decreto-lei n. 25, de 30 de novembro de 1937, foi estabelecida a organização e a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, definindo:

Artigo 1º - Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no País e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico. (BRASIL, 1937)

Segundo Gouveia (1985 apud Chuva 2009, p. 48):

No Brasil, designou-se como patrimônio histórico e artístico nacional, basicamente, aquilo que foi classificado como arquitetura tradicional do período colonial, representante “genuína” das origens da nação [...]. A escolha do que se pretendia identificar como constituinte da nação resultou na seleção de bens que representassem uma história remota e originária, inscrita num “tempo homogêneo e vazio”, revelando a construção de uma história da nação fundada na possibilidade de construir heróis nacionais [...].

Os esforços por uma cristalização da identidade nacional, baseada em uma concepção linear e homogênea do termo Cultura, deixaram marcas irreparáveis para a memória coletiva do país11. As políticas de preservação patrimonial elegeram como bens a serem preservados aqueles que reafirmavam a presença do Estado e dos segmentos dirigentes da sociedade, apagando “[...] marcas importantes do cotidiano e da experiência social vivenciada por grandes contingentes da população, alijada da reflexão para constituir-se em cultura.” (FENELON, 1992, p. 30)

Findado o período Vargas (1930–1945), as questões relacionadas às políticas culturais voltariam duas décadas mais tarde – com o Golpe de Estado de 1964 e a instauração da Ditadura Militar – a ser ponto de gestão estratégica para os interesses governamentais. No entanto, nesse período, existiram vários organismos nacionais e internacionais preocupados com uma nova

      

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matriz conceitual, orientadora do planejamento e da execução de políticas culturais, as quais eram voltadas para um conceito de patrimônio histórico mais abrangente12.

A conjuntura política e social do final da década de 1980 ressaltou uma condição na qual os movimentos sociais estavam engajados na luta pela democracia e pelo direito à cidadania, por meio de reivindicações de acesso à cultura, à informação e à participação no cenário político do país, o que influenciou na revisão da noção de Patrimônio. Sendo assim,

[...] os anseios por uma gestão compartilhada da esfera pública foram, de certa forma, contemplados e passaram a figurar os preceitos de cidadania, direito à memória e participação social na preservação do patrimônio cultural, agora não mais restrito a uma dimensão patrimonialista. (SILVA, 2008, p. 46)

Assim, a Constituição de 1988 declara em seu Artigo 216 que:

Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I - as formas de expressão;

II - os modos de criar, fazer e viver;

III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais. (BRASIL, 1988)

Dessa forma, partindo dessa perspectiva, as reflexões desses estudiosos contribuem para o entendimento de um conceito de Arquivo voltado aos interesses da sociedade, afirmando sua função social.

Quando se trata do conceito de Memória, destacam-se as reflexões empreendidas por Maurice Halbwachs, Pierre Nora e Jacques Le Goff. Embebido da influência das teorias durkheimianas, Halbwachs trouxe inovação às discussões sobre o conceito de Memória ao tratá-la como uma construção social, ultrapassando a dimensão do subjetivo e do individual defendida primordialmente por estudiosos daquela época13.

      

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Trata-se do conceito de patrimônio histórico apontado por Maria Célia PAOLI (cf. textos e referências na bibliografia), que valoriza as várias dimensões culturais, ou seja, a diversidade produzida pela coletividade.

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O autor entende que a Memória é socialmente construída e pertence ao grupo, sendo a memória individual dependente das lembranças coletivas. Nora também pauta-se na ideia de memória como construção social e coletiva, reflexo das experiências das sociedades que estão sempre em transformação. Trazendo a especificidade da História para a cena, mostra como o sentido de Memória foi se acabando com o apogeu do crescimento industrial, apoiado no “[...] fenômeno bem conhecido da mundialização, da democratização, da massificação, da mediatização.” (NORA, 1993, p. 8). Ainda segundo Nora, com o fim das “sociedades-memória” foi preciso criar lugares para a preservação de testemunhos, documentos, imagens, discursos e outros tipos de vestígios – os “lugares de memória”, expressão cujo sentido contemporâneo tem sido utilizada na perspectiva desse autor14.

Partindo dessa premissa, os Arquivos – como “lugares de memória” – são dotados de uma memória arquivística, que se

[...] apoia inteiramente sobre o que há de mais de preciso no traço, mais material do vestígio, mais concreto no registro, mais visível na imagem [...] o que nós chamamos de memória é, de fato, a constituição gigantesca e vertiginosa do estoque material daquilo que nos é impossível lembrar, repertório insondável daquilo que poderíamos ter necessidade de nos lembrar. (NORA, 1993, p. 14-15)

Le Goff também traz sua contribuição para essa pesquisa, na medida em que entende a memória como instrumento e objeto de poder15, provocando a reflexão sobre qual seria a memória preservada pelos Arquivos. Segundo o historiador, tanto a memória coletiva quanto a individual são vulneráveis às “[...] manipulações conscientes ou inconscientes que o interesse, a afetividade, o desejo, a inibição, a censura [...]” (LE GOFF, 2003, p. 422) exercem sobre elas. Assim, podemos identificar nessa relação a luta das forças sociais pelo poder. Ter o domínio

       

Coletiva e Memória Histórica” de Maurice Halbwachs faz parte da obra A Memória Coletiva, publicada em 1950, cinco anos após seu falecimento. Os textos dessa obra baseiam-se na publicação de seus manuscritos acerca das reflexões sobre o que o autor concebia por memória coletiva e por memória histórica. Os escritos de Halbwachs devem ser compreendidos como uma obra de seu tempo, que foi produzida “[...] a partir de seu vínculo com as correntes reformistas do socialismo de sua época, bem como com as teorias durkeimianas.” (SANTOS, 2003, p. 36) 14

Assim, “[...] Os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres, notariar atas, por que essas operações não são naturais.” (NORA, 1993, p. 12)

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dessas forças é preocupação daqueles que dominam as sociedades históricas ao longo dos tempos.

O seu conceito de “documento/monumento” também é importante ferramenta de apreciação quando trato da discussão metodológica sobre as fontes documentais no trabalho de análise dos produtos didáticos e pedagógicos produzidos pelos APESP, AHSP e APCBH.

Em diálogo com as reflexões empreendidas no campo há pouco discutido, Terry Cook (1998) e José Maria Jardim (1995) trazem contribuições valorosas ao tratar dos Arquivos e de sua relação com o conceito de memória. Destaco como de especial importância as ideias que apontam como falha a discussão empreendida sobre avaliação documental.

Em seu artigo “A invenção da Memória nos Arquivos Públicos”, Jardim (1995) chama a atenção para o processo de avaliação, que, na maioria das vezes, tende a explicitar a sua “racionalidade técnica”, ignorando as considerações acerca da noção de memória e suas implicações quando se trata da preservação do patrimônio cultural.

Como condição inerente à escolha do que será preservado como arquivos de valor histórico, a avaliação de documentos expressa-se, na literatura sobre o tema, como um aparato dotado de racionalidade técnica, referindo – nem sempre explicitamente – a função política da memória e do patrimônio por parte do Estado. Referência política, o conceito/noção de memória tende a não ser mencionado como referência teórica a partir da qual seria problematizar as práticas de preservação e eliminação dos documentos arquivísticos [...]. (JARDIM, 1995, p. 8)

Nesse mesmo sentido, Terry Cook, a partir das considerações pontuadas acerca das transformações trazidas pela pós-modernidade, discute a necessidade de se rever os conceitos da Arquivística tradicional – que coloca o trabalho do arquivista, frente à preservação da memória, como uma função imparcial e neutra16 – e de pensar os agentes – antes imparciais guardiões de documentos – como agentes responsáveis por deliberar acerca do que deve ser preservado, ganhando, assim, um papel de protagonistas dentro do processo de construção da memória social (COOK, 1998, p. 135)17.

      

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Sobre as teorias basilares da Arquivologia, chamada de tradicional por Terry Cook, buscar nomes como Hilary Jenkinson, Eugenio Casanova e Theodore Schellemberg. 

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Enfim, tratar de Arquivos sem considerar as discussões sobre a Memória e o que ela representa, bem como não reconhecer os sujeitos envolvidos no processo de preservação patrimonial, é transformar essas instituições em meros depósitos de papéis antigos. Ao evocarmos a palavra Arquivo precisamos ter em mente que estamos falando de um espaço permeado por relações que expressam poder político e social.

O controle do passado, e o controle sobre a criação e preservação do passado pelos arquivos, reflete as lutas de poder do presente e, na verdade, sempre as refletiram. Isso tem implicações relevantes para os arquivistas, tanto de arquivos pessoais quanto de arquivos institucionais, e para a profissão arquivista. (COOK, 1998, p. 143)

Ciente de que os estudos de Cook nos chamam para uma discussão mais ampla sobre os Arquivos – princípios da proveniência, princípio da ordem original, impactos tecnológicos, novas mídias de informação, a ideia de que tudo é socialmente construído, e a crítica à naturalização dos acervos – o que quero ressaltar é a construção de um conceito de Arquivo que privilegia o estreitamento com a sociedade. Nesse sentido, compreendo a urgência de políticas institucionais que visem mais “intimidade” com a sociedade e que transformem os Arquivos em espaços verdadeiramente funcionais e dinâmicos; espaços que garantam a extroversão do patrimônio documental sob sua guarda.

Quando se trata de bibliografia acerca da relação entre Arquivo e sociedade por meio de programas culturais e principalmente educativos, são raros os estudos consistentes sobre tal problemática. Identifico aqui outro desafio para a pesquisa: a carência de discussões nessa área.

Assim, buscando por discussões no âmbito internacional que pudessem me auxiliar no exercício da reflexão, os escritos de Ramon Alberch e Joan Boadas e as Atas da “3ª Jornadas Archivando: la difusión en los Archivos”, realizada em León, na Espanha, foram leituras norteadoras. Com relação à produção nacional, baseio-me em reflexões realizadas por mim em parceria com Haike Roselane Kleber da Silva, em artigo publicado recentemente18, que contribuíram para as discussões sobre a função social dos Arquivos, ressaltando o valor precípuo dentre as funções das instituições arquivísticas. Já os estudos de Bellotto, considerados os

      

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primeiros escritos sobre ações de caráter educativo em Arquivos19 (produzidos no Brasil na década de 1980), contribuem para a compreensão das transformações da concepção de Arquivo e o lugar que ações educativas e culturais ocupam na grade das atividades institucionais.

Tratando de educação, ressalto a importância das discussões feitas pelo educador Paulo Freire, as quais me auxiliaram na reflexão sobre a tal “prática bancária de educação”, que concebe o aluno como simples depositário de informação e de valores, anulando qualquer tipo de contribuição a partir de suas experiências. Nesse sentido a teoria dialógica leva-nos à reflexão de que a “educação autêntica, repitamos, não se faz de A para B ou de A sobre B, mas de A com B [...]” (FREIRE, 2013, p. 116). Para o

Educador-educando, dialógico, problematizador, o conteúdo programático da educação não é uma doação ou uma imposição – um conjunto de informes a ser depositado nos educandos –, mas a devolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo daqueles elementos que este lhe entregou de forma desestruturada. (FREIRE, 2013, p. 116)

Nesse movimento vale apontar a contribuição de Ana Maria Monteiro que vai ao encontro dessa percepção, chamando atenção para as experiências vividas pelos corpos docente e discente na construção do conhecimento. A estudiosa também nos aponta as discussões sobre os saberes escolares ensinados que passaram a ser alvo de críticas, bem como os métodos da prática docente, embasado no conhecimento científico como única forma de saber. Assim, há o reconhecimento da importância das experiências e do ambiente social do aluno como parte fundamental na constituição dos saberes e na relação ensino-aprendizagem.

Outro ponto importante atrelado a essa discussão, diz respeito aos conceitos de transposição e mediação didática que trazem à baila questões acerca da composição tendenciosa dos currículos e do processo de educação baseado no conceito de prática social. No que diz respeito às experiências analisadas, essas discussões corroboram para um melhor entendimento e problematização dos conceitos que embasam os projetos direcionados ao público escolar.

Tratando do ensino de História, as reflexões de Selva Guimarães (2011) contribuem à medida que coloca em discussão o processo de mudanças operadas nos currículos nas últimas

      

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décadas, articuladas às transformações sociais, políticas e educacionais ocorridas no país. Nesse movimento, a autora entende as questões do ensino, em particular o de História, atrelado à construção da cidadania, corroborando para uma maior reflexão sobre a história ensinada e a aquela que será.

Os estudos de empreendidos por Helenice Ciampi (2003, 2008), também colaboram quando se problematiza o desafio da articulação de dois campos do conhecimento: a História e a Educação. Seus estudos alertam para o fosso existente entre a teoria acerca das propostas educacionais voltadas para construção da cidadania e o respeito às diferenças que emergiram após o fim da ditadura civil-militar no Brasil e, a prática docente “real” desenvolvida cotidianamente nas escolas. A estudiosa também destaca a fundamental interlocução entre a produção do conhecimento histórico e científico e sua adequação para as questões do ensino-aprendizagem.

Nessa perspectiva, Marcos Silva (2003) traz sua contribuição quando coloca em discussão a relação entre ensino e pesquisa, mobilizando indagações sobre a formação dos historiadores e as metodologias de ensino na educação básica.

Segundo o autor,

Identificar pesquisa e ensino significa preservar o rigor da produção de saber, próprio à primeira, e o compromisso de sua presença a cena social ampliada e sob controle de seus agentes, inerente ao segundo, pensando numa síntese desses atributos. Nesse sentido, há reciprocidade na aliança (ensino e pesquisa se iluminam, ampliam e superam simultaneamente) e garantia de que os atos de pesquisar e ensinar continuam a se questionar permanentemente em busca de novos horizontes na produção de saberes. (SILVA, 2003, p. 19)

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Destarte, no primeiro capítulo – “Arquivo e sociedade: patrimônio cultural para cidadania” – busco analisar as experiências do APESP, do AHSP e do APCBH no que diz respeito às atividades de difusão desenvolvidas. Discuto, também, acerca do processo histórico que nortea a abertura dos Arquivos e do processo de transformação de paradigmas que envolve a noção de “arquivo” de forma a compreender as experiências anteriormente analisadas. Destaco ainda a importância da conjuntura política nos processos de abertura dos Arquivos a um público mais amplo. Na mesma linha, analiso a continuidade, o investimento ou a extinção das ações de difusão e educativas nos Arquivos, como resultado de política pública ou da falta dela.

No segundo capítulo, o foco central é problematizar os Arquivos como espaço para educação, seja ela voltada ao patrimônio ou ao ensino. Assim, quero analisar como pode ser o Arquivo entendido como espaço educacional e o que se pode entender por “Ação Educativa” em Arquivos. Nesse sentido, analiso como o AHSP, APESP e APCBH tornaram-se espaços em potencial para as ações junto à escola, trazendo à tona os acontecimentos e as políticas educacionais que impulsionaram a proposição dessa relação nos três Arquivos.

Por fim, no terceiro capítulo busco desvendar por meio das produções pedagógicas – impressas e virtuais – os conceitos metodológicos e teóricos que embasam as práticas educativas quando o assunto é o ensino de História. Para o melhor entendimento das questões colocadas a partir dos materiais analisados, discuto a transformação historiográfica – localizada nas últimas décadas do século XX – que proporcionou a revisão do conceito de documento, bem como a redimensão da perspectiva histórica, levando em consideração novos objetos, nova abordagens e novos problemas. Essas transformações não só influenciaram a reorganização curricular acerca do ensino de História, mas também tiveram papel fundamental para potencializar os acervos arquivísticos como ferramentas na construção do conhecimento histórico em sala de aula.

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administração pública e sua organização é norteada segundo sua origem e função, ou seja, a lógica da pesquisa é um processo mais complexo, tornando-se uma tarefa, muitas vezes, árdua20.

Ao contrário das bibliotecas ou, até mesmo, dos museus, o acervo de um arquivo, pela sua natureza e por seu grande volume, é arranjado de acordo com o princípio da proveniência, que busca valorizar, em primeiro lugar, a memória da lógica administrativa da produção dos documentos. Assim, pela própria natureza da documentação arquivística e da forma como é organizada, os estudantes convivem com algumas dificuldades para acessar a informação, que não se classifica por assunto, modo de consulta que estão acostumados. (RIBEIRO; SANTOS; HERMETO, 2010, p. 36)

Eis aqui um dos desafios do trabalho de difusão cultural e educativa: transformar a documentação histórica dos Arquivos em produtos que dialoguem com o público escolar e a sociedade em geral, de forma a promover a sua ampla democratização.

 

      

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2. ARQUIVO E SOCIEDADE: PATRIMÔNIO CULTURAL PARA A CIDADANIA

Para refletir sobre os Arquivos21 e a sua função social, relação essa que permeia a presente pesquisa, é necessário debruçar-se sobre uma questão central que coloco como norteadora deste capítulo: como os Arquivos propõem sua interação com a sociedade? Importante também é refletir sobre o desenvolvimento histórico das instituições arquivísticas, no plano internacional e no Brasil, e sobre suas aberturas para as demandas sociais.

No intuito de responder a essa questão, analisarei primeiro as experiências do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, do Arquivo Público do Estado de São Paulo e do Arquivo Histórico de São Paulo no que se refere às ações culturais e educativas, entendendo-as como resultado de mudanças dos paradigmas teóricos nos campos da Arquivologia, assim como da noção de Patrimônio, mas também entendendo-as como ação política, de escolha e de investimento do poder público.

2.1 O processo de abertura dos Arquivos para a sociedade

A pesquisa e a reflexão sobre as experiências dos três Arquivos e sua interação com a sociedade indicam que é a partir das transformações e das lutas sociais que mobilizaram o país, principalmente nos anos 1970/1980, que as mudanças nas ações e nas políticas das instituições arquivísticas brasileiras começaram a se delinear. Entendendo que a proposição de projetos de difusão dos seus respectivos acervos históricos e da própria instituição é impulsionada por essa conjuntura histórica, buscarei analisar tais experiências considerando transformações, tensões e embates que as permearam.

Partiremos, primeiramente, da reflexão acerca do APESP e do AHSP, tendo em vista as suas especificidades. Posteriormente, problematizaremos as experiências do APCBH, criado já numa conjuntura de abertura social e de amparo a concepções da arquivística mais atentas às questões da cidadania e dos direitos culturais.

      

21 A discussão sobre os Arquivos ficará restrita aos de caráter público, tendo em vista que os Arquivos estudados –

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No plano internacional, é a partir da constituição dos Estados nacionais que a história das instituições arquivísticas começou a se configurar, em razão da necessidade de fortalecimento da memória e da identidade nacional, bem como para implantar um ideal de nação baseado na preservação e na conservação do patrimônio nacional. Suas prerrogativas, antes voltadas para as necessidades administrativas e jurídicas, são superadas pela ânsia de uma nova forma de organização. Segundo Jardim, na história dos Arquivos é necessário

[...] reconhecermos a emergência de um tipo de organização que rompe com os tesouros do príncipe e do papa medievais ou o “gabinete de curiosidades” do homem culto renascentista. Tais instituições nascem associadas à invenção do Estado nacional e à necessidade de construção de uma memória nacional que desse suporte à nacionalidade como componente ideológico do Estado burguês nascente. (JARDIM, 2011, p. 1580)

Como indica a bibliografia especializada22, na história mais recente da instituição Arquivo podem ser destacados dois marcos que tiveram repercussão mundial e que foram responsáveis pela reformulação de seu conceito e de suas funções. O primeiro, a Revolução Francesa, que propôs a abertura dos arquivos para o acesso do cidadão e indicou sua importância para a pesquisa histórica; o segundo, localizado no pós Segunda Guerra Mundial, quando a questão dos Direitos Humanos ganhou relevância, resultou na reestruturação organizacional dos Arquivos e na reconsideração acerca de suas funções, tanto no âmbito da gestão documental quanto no do acesso à informação.

A Revolução Francesa, guiada pelos ideais iluministas, trouxe grandes transformações para a história das civilizações e também para a dos Arquivos. A Magna Carta garantiu os direitos do homem e do cidadão23, bem como o direito à informação24, e a criação do Arquivo Nacional Francês – inicialmente como Arquivo da Assembleia Nacional – é proposta como um dos atos de afirmação desses direitos.

      

22 Podemos citar as reflexões Jardim (2011), Mundet (1994), Tognoli (2010) e Miranda (2011). Para mais

informações, consultar as referências bibliográficas.

23 Apesar de a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão ser alvo de crítica, julgada por seu teor abstrato por

reacionários e conservadores, bem como pelo marxismo, que apontou a não validade desses direitos conquistados pela Declaração a todos os indivíduos, e sim a uma classe específica – a burguesia – vale levar o contexto histórico do período em que esse documento foi produzido e a importância dele para aquela sociedade e para a humanidade. Vale também pontuar que, anteriormente à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, temos o conhecimento de outras duas declarações que proclamavam por liberdade e direitos individuais: de 1689, a

Declaração Inglesa de Direitos e, de 1776, a Declaração da Virgínia.

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Outro marco importante que coloca em “cheque” o conceito de Arquivo pode ser localizado temporalmente após a Segunda Guerra Mundial (1939–1945). Naquele momento, concebem-se por instituições arquivísticas públicas as organizações que têm como atividades-fim25 a gestão, o recolhimento, a preservação e prover o acesso aos documentos produzidos por uma dada esfera governamental (JARDIM, 2011, p. 1583).

Ao incluir a gestão documental como função e responsabilidade dos Arquivos, essa visão colaborou para a superação da ideia de limitar as instituições arquivísticas às funções de Arquivos Permanentes ou Históricos26, em que, neste caso o

[...] papel do arquivista era reduzido ao de um simples guardião dos documentos, cuja tarefa era proteger a integridade dos fundos, e a imparcialidade e autenticidade dos documentos de “valor arquivístico”, ou seja, aqueles que já haviam sido avaliados pelos criadores. (TOGNOLI, 2010, p. 26)

Nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial, as questões referentes ao respeito universal aos direitos humanos e às liberdades fundamentais compuseram a pauta das discussões mundiais. Nesse momento, os Arquivos públicos ganharam outro status junto à sociedade, sendo também concebidos como espaços de garantia dos direitos individuais e coletivos (MIRANDA, 2011, p. 4).

Dessa forma, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Assembleia Geral das Nações em 10 de dezembro de 1948, veio reafirmar os direitos civis e políticos do cidadão contra o tratamento desumano ou quaisquer atitudes que tolhessem o direito de liberdade. No caso do Artigo XIX, o direito à informação ganha sua formulação mais precisa:

[...] toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras. (ONU, 1948, grifo nosso)

      

25Segundo o Dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivística, edição organizada pelo CONARQ e publicada em

2005 pelo Arquivo Nacional, é considerada atividade-fim aquela “[...] desenvolvida em decorrência da finalidade de uma instituição. Também chamada atividade finalística.” (DICIONÁRIO, 2005, p. 39).

26 Uma das atribuições que hoje caracterizam as instituições arquivísticas, tanto em sua organização quanto em sua

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Entendendo a relação entre a Declaração dos Direitos Humanos e os processos políticos vivenciados na Europa no período, podemos compreender também as razões da tardia chegada dessa questão ao Brasil. Passados os governos populistas e ditatoriais, a pauta do direito à informação só se tornou formulação legal na Constituição Federal Brasileira de 198827, com a mobilização da sociedade na luta pela redemocratização do país e pelo “direito a ter direito” (ARENDT, 1979 apud PAOLI, 1989).

A partir dos anos 70, com o início da crise das estruturas políticas e sociais do Regime Militar, manifestações populares e de contestação começaram a despontar com mais intensidade no cenário brasileiro contra o Estado autoritário. Os diversos grupos sociais, movimentos populares e sindicais organizaram-se coletivamente para reivindicar direitos sociais cerceados pelo sistema governamental.

Concebendo os movimentos como forças sociais e coletivas de caráter sociopolítico e cultural que se aglutinam “[...] não como força-tarefa de ordem numérica, mas como campo de atividades e experimentação social [...]” (GHON, 2011, p. 336), novos sujeitos políticos entram em cena. Estes almejam inserção e participação nos processos de discussão e tomadas de decisão acerca das questões políticas públicas do país, fazendo emergir a ideia de cidadania. Assim, também estava entre as pautas reivindicatórias o direito à memória, à cultura e ao patrimônio.

A relação entre educação e movimentos sociais também se acentuou. Os grupos organizados intensificaram suas lutas pelo direito a uma escola pública mais inclusiva e de qualidade e por sua gestão democrática. No decorrer desse processo, novas propostas educacionais foram discutidas em todo o Brasil, visando a reformulação das matrizes conceituais e metodológicas que constituem as bases da educação e do ensino. Os resultados desse debate também influenciaram nas propostas de atividades educativas desenvolvidas pelos Arquivos28.

Desse modo, guiados pelas noções de “direito” e “cidadania”, os movimentos sociais contribuíram para a conquista de vários direitos civis da população, como também para a promulgação de uma nova Constituição Brasileira no ano de 1988, marco formal do processo de alargamento da democracia e instrumento legal na reformulação dos conceitos de patrimônio, cultura, entre outros.

      

27 A Constituição de 1988 é a primeira na história do Brasil a tratar do acesso, pelos cidadãos, aos documentos

produzidos pelas administrações públicas. Também é inovadora, diante das constituições anteriores, ao incumbir à administração pública a gestão de seus documentos e o provimento do seu acesso.

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Assim, o direito à informação e à memória passam a ser garantidos por meio dos incisos XIX e XXXIII do Artigo 5º, Título II, Capítulo I, que trata Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos:

XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;

XXXIII – Todos têm direito de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. (BRASIL, 1988)

O §2 do Artigo 216, Capítulo III, referente às questões ligadas à educação, à cultura e ao desporto, traz o seguinte trecho:

Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem. (BRASIL, 1988)

A inclusão desse parágrafo foi de fundamental importância na época, tendo em vista que até aquele momento não existiam leis específicas sobre a política nacional de Arquivos que garantissem a disponibilização e o acesso aos documentos produzidos pelas diversas administrações públicas.

Dialogando com as políticas governamentais pós-regime militar, no caso do município de São Paulo, vemos um exemplo claro do nascimento de políticas culturais que visaram responder aos anseios da sociedade. É importante destacar, desse processo, que a Prefeitura da Cidade de São Paulo – por meio da Secretaria Municipal de Cultura (SMC), entre os anos de 1989 e 1992 – adotou a “Política de Cidadania Cultural”29. Em linhas gerais, essa política definiu Cultura como direito do cidadão e a concebeu sob três aspectos: como direito ao acesso à informação e fruição cultural, de produção das obras culturais e de participação nas decisões de política cultural (CHAUI, 1992, p. 39).

Segundo a prestação de contas apresentada em 1992 pela Secretaria, esse tipo de política teve suas bases inspiradoras localizadas em dois polos: o primeiro, positivo, objetivava reaver       

29 A implantação dessa política cultural foi adotada na gestão petista da prefeita Luiza Erundina (1989–1992). A

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algumas políticas encabeçadas por Mario de Andrade e Sabato Magaldi30, e o segundo, por sua vez negativo, buscava rechaçar as tradições da cultura oficial produzida pelo Estado, as de caráter populista e as neoliberais.

A partir das colocações acima e usando do termo empregado por Marilena Chaui, a proposta implantada navegava na contracorrente (SÃO PAULO (Município), 1992a). Por meio da negação do conceito de cultura, ora centrado na ideologia do Estado, ora influenciado pela exigência de mercado, a SMC emplacou uma nova forma de concebê-la – pautada na participação social e na ideia de cidadania – o que refletiu diretamente sobre as políticas voltadas para o patrimônio cultural.

Nesse sentido, o papel do Estado circunscreve-se à função de agente mediador e mobilizador das demandas e propostas dos diferentes grupos sociais e culturais e dos cidadãos em geral, não cabendo a ele se colocar como centro de onde se define e irradia a memória, “[...] pois, ao fazê-lo, destrói a dinâmica e a diferenciação interna da memória social e política: não pode ser produtor da memória nem o definidor do que pode e deve ser preservado [...]” (CHAUI, 1992, p. 45).

Essa política resultou na criação de diversos órgãos e programas, como coordenações regionais de cultura, aulas e palestras públicas, gibiteca municipal, bibliotecas itinerantes, formação de comissões tripartites (sociedade civil, direção e funcionários da SMC) visando à participação em encaminhamentos acerca dos programas e projetos culturais, eventos de rua, entre outros.

No que tange às ações voltadas para o patrimônio histórico, empreendidas pelo Departamento de Patrimônio Histórico (DPH), então sob a direção da Profa. Déa Ribeiro Fenelon, a política cultural foi norteada pelo eixo central do direito à memória. Nesse sentido, os programas e os projetos voltaram-se para a dinamização das Casas Históricas (conjunto de casas da municipalidade, edificadas nos séculos XVIII e XIX: Casa do Bandeirante, Casa do Sertanista, Sítio da Ressaca, Capela do Morumbi, Casa do Grito e Casa do Tatuapé), a criação do Sistema Municipal de Arquivos, o registro da história de São Paulo e por meio da História Oral, congressos, exposições e publicações, a reestruturação do Serviço Educativo e o restauro de

      

30 Em diferentes conjunturas, os dois nomes citados estiveram à frente das questões culturais do município de São

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edificações históricas. Diante das iniciativas apresentadas, fica evidente que a política cultural paulistana almejou maior interação da população com o patrimônio cultural da cidade.

Também, podemos citar com destaque o projeto Pátria Amada Esquartejada, desenvolvido como parte da programação cultural 500 anos: Caminhos da Memória, Trilhas do Futuro, realizada entre abril e setembro de 199231. Esse projeto consistiu em uma exposição de rua, composta por 40 painéis instalados inicialmente no Parque da Independência, percorrendo mais oito bairros da cidade. O projeto também contou com

[...] visitas monitoradas; seminários, vídeos e aulas públicas [...] a ênfase é dada ao esquartejamento de Tiradentes e à maneira como o Estado e as classes dominantes produziram a imagem da pátria como nação una e harmoniosa. (SÃO PAULO (Município), 1992a)

Dentre as metas planejadas e executadas pelo DPH, as quais foram guiadas pela busca de coerência com o conceito de Estado, estava a de que os equipamentos culturais e os bens patrimoniais deveriam estar a serviço da população. Dessa forma, podemos destacar as seguintes metas da gestão:

Garantir a extroversão dos acervos da municipalidade, promovendo exposições fotográficas ou de peças do acervo municipal em diferentes pontos da cidade, atingindo um público pouco familiarizado com os circuitos habituais da cultura;

Promover a dinamização das casas históricas sob guarda do Departamento, fazendo com que suas atividades multipliquem o interesse da população pela história da cidade e possibilitando o seu uso múltiplo de modo a torná-las polos culturais efetivos, e não meros objetos de reverência a uma memória mítica do passado;

Retomar e ampliar as visitas e passeios monitorados, voltados prioritariamente para a rede pública de ensino, a edifícios públicos, logradouros ou espaços da cidade de significação histórica e social, que possibilitem uma reflexão crítica sobre a história de São Paulo. (FENELON, 1992, p. 32)

Considerando as perspectivas discutidas, entende-se o cidadão como sujeito central das questões em torno das políticas culturais. A reflexão de Chaui é um apelo para que as políticas

      

31 O ano de 1992 foi marcado por várias efemérides, como os 500 anos da “descoberta da América”, os 170 anos da

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culturais que vigoraram durante décadas no Brasil não sejam mais protagonistas. A preservação e a memória devem ser construções baseadas nas diferentes experiências sociais e em seus múltiplos agentes. Dessa forma, compreendendo o Estado como instituição voltada para o serviço público aos cidadãos, os Arquivos devem estar a serviço da sociedade.

Essas discussões, travadas não só no âmbito do município como em outros espaços, institucionais ou não, demandaram aos Arquivos a proposição de projetos e ações que fortalecessem o seu caráter cultural, promovendo a democratização de seus acervos e o diálogo com diferentes setores da sociedade.

A partir dos conceitos discutidos e sendo um dos objetivos dessa dissertação compreender o processo de abertura dos Arquivos para a sociedade, privilegiando as ações que envolvem os aspectos culturais e educacionais, observou-se que no caso dos Arquivos da cidade de São Paulo – o estadual e o municipal – as ações desenvolvidas a fim de estreitar laços com a comunidade se estabeleceram com maior periodicidade a partir de meados da década de 198032. Já na realidade belo-horizontina essas ações fazem parte da política institucional do APCBH desde a sua criação, em 1991, o qual nasce sob a égide de uma concepção moderna de Arquivo.

Assim podemos perceber que as instituições paulistanas são demandas pela sociedade a respeito dessas questões – acesso à informação, direito à memória e ao patrimônio cultural. Diferentemente, no APCBH, entendo que o Arquivo não foi questionado por essas demandas como nos outros dois casos, pois a instituição já se reconhece, a princípio, como instituição cultural e com potencial para contribuir com a construção da cidadania.

Primeiramente vejamos como o APESP e o AHSP respondem às demandas da sociedade e, em seguida, analisemos como essas questões se colocam na experiência do APCBH.

No caso do Arquivo Público do Estado de São Paulo, é grande a distância entre a criação do Arquivo e a institucionalização das ações de difusão. As origens do APESP remontam ao ano de 1721, porém a sua institucionalização só se dá em 1892, com a criação da Repartição de Estatística e do Arquivo do Estado. Desde então, essa instituição é responsável pela guarda da documentação administrativa paulista33. Já nesse período pode ser percebida a adoção de uma       

32 A partir da análise das experiências do APESP e AHSP e APCBH pode se inferir que as ações que visam a

aproximação com a sociedade em geral estiveram sempre ligadas aos setores responsáveis pela difusão do acervo e acesso à informação.

33 Atualmente, o seu acervo permanente conta com aproximadamente dez mil metros lineares de documentos

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política de difusão por meio de publicações, embora o sentido da ação editorial naquela época se mostrasse mais como uma ação de preservação documental do que propriamente uma estratégia de difusão do acervo34. Legalmente, a “vida social” do APESP teve início por meio do Decreto n. 29.922 de outubro de 195735, que regulamentava e organizava o então Departamento do Arquivo do Estado36.

Por meio do Artigo 3º, ficaram estipuladas as seguintes atribuições:

XII - Promover a difusão, por meio de publicações, do seu acervo histórico; XV - Manter exposição permanente de documentos históricos interessantes, no salão nobre, de entrada, do Departamento;

XX – Incrementar, por todos os meios a seu alcance, o interesse e o amor pelo estudo da História do Estado e do Brasil;

XXI - Proceder a estudos de caráter histórico baseados na documentação do Departamento do Arquivo do Estado; (SÃO PAULO, 1957, não paginado)

 

Embora já se fizesse menção ao trabalho de difusão, percebe-se que este é concebido como sinônimo de “publicação do seu acervo histórico”. A permanência de exposições “no salão nobre do Departamento” também pode ser entendida com estratégia para a extroversão dos acervos e indicativa dos limites daquela proposta.

Analisando os termos que qualificaram as atribuições do APESP e cotejando-os com as fontes documentais pesquisadas37 é possível inferir que o Arquivo já promovia (a partir do final dos anos 50) ações de aproximação com a sociedade, por meio da participação em exposições organizadas por outras instituições, eventos de caráter arquivístico e publicações a partir do acervo. No entanto, podemos dizer que nesse período a oferta de atividades de difusão foi bem

       

acessados por meio dos instrumentos de pesquisa na sala destinada ao atendimento ao consulente ou, parcialmente, via internet, pois o site institucional possui por volta de 1,5 milhão de páginas de documentos digitalizadas.

34 Vale lembrar que, antes desse período, as publicações tinham como objetivo principal a preservação do acervo e,

como consequência, dar visibilidade aos documentos. Nos primeiros 50 anos de atividades editoriais (1894–1944), 90% das publicações constituíam-se em transcrições de documentos com vistas à sua preservação. O Arquivo Público do Estado tem em seu catálogo mais de 350 publicações, entre livros, catálogos e periódicos. Para mais informações sobre o assunto consultar o estudo escrito por mim em coautoria com Haike Roselane Kleber, diretora do Centro de Difusão e Apoio à Pesquisa. Ver referência na bibliografia desta dissertação.

35 A Lei de 1957 vigorou até o ano de 1976, quando foi substituída pelo Decreto n. 7.730, de 23 de março de 1976,

que reorganizou a Secretaria de Estado da Cultura, Ciência e Tecnologia.

36 Anteriormente a esse Decreto, no ano de 1955, o Arquivo promoveu a sua primeira exposição de documentos

históricos, que exibiu ao público cartas, jornais dos primórdios da imprensa paulistana, sesmarias, títulos eleitorais do Império, gravuras de São Paulo antiga e outros documentos históricos de alto valor.

Referências

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