Módulo 8: Crises, traumas, violências e a prática clínica com o sistema de cuidadores Curso de formação em Gestalt-terapia com crianças e adolescentes – Turma 7 Saúde e adoecimento na perspectiva gestáltica
“Uma alma nunca está doente sozinha, mas sempre no entre, uma situação entre ela e outro ser existente” (Martin Buber)
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Na Gestalt –terapia, saúde é um constante processo de ajustamento interno às situaçõesexternas e às excitações orgânicas.
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A lei básica da vida é a autopreservação e o crescimento (PHG) numa relação viva na fronteira de contato organismo-meio “ e é na fronteira que os perigos são rejeitados , os obstáculos superados e o assimilável é selecionado e apropriado (p:44)“Ser saudável é viver em integração com o meio ambiente, é sentir-se pertencendo à
família, perceber-se encaixado no mundo, reconhecer suas possibilidades de criar e mudar as coisas mundanas, humanas, que lhe desagradam, é ter harmoniosamente alinhadas as dimensões do sentir, pensar e agir para responder ao mundo e aos acontecimentos, de forma coerente, identificada com sua personalidade. Se a criança e o adolescente agem de acordo com o que sente e seus pensamentos apoiam seus sentimentos, ela se sentirá satisfeita consigo mesma, segura e confiante.
(Sheila Antony: 24) Saúde e adoecimento na perspectiva gestáltica
Se a criança e o adolescente reconhecem com clareza a necessidade de maior importância em seu campo experiencial, o processo organísmico de autorregulação funciona
saudavelmente em um fluxo ininterrupto e livre, organizando a ação em direção àqueles objetos que restituirão a harmonia entre as experiências internas e as ambientais. (Sheila Antony:24)
Capacidade empática de sentir e pensar o outro.
Ética: Vínculos de amor, fraternidade, solidariedade, cooperação alimentam a vida afetiva e o funcionamento emocional saudável
Documentário “O Começo da vida 2”
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Conexões genuínas entre as crianças e adolescentes e a natureza podem revolucionar o nosso futuro.•
Principais especialistas no tema mostram como essa conexão pode fazer parte da cura para os maiores desafios da humanidade contemporânea e da construção de uma vida de mais bem-estar e felicidade.Fatores estressores e os ajustamentos criadores
A infância feliz, protegida, segura não existe para muitas crianças. Crianças e
adolescentes que vivem em ambientes desfavoráveis, hostis, desamorosos precocemente criam condutas adaptadoras disfuncionais para a manutenção do equilíbrio emocional próprio e da família. A capacidade que a criança tem de descobrir formas criativas para enfrentar um ambiente estressante, hostil ou negligente é formidável, uma vez que a dimensão sensorial/intuitiva predomina em sua existência (Sheila Antony)
A Gestalt-terapia é o estudo dos ajustamentos criativos/criadores
Crise, do grego krísis "ação ou faculdade de distinguir, decisão“, por extensão "momento decisivo, difícil“. Derivação do verbo grego krínō, "separar, decidir, julgar“
Na perspectiva da Psicologia, e na Gestalt-terapia, o conceito de crise pode ser compreendido como toda situação de mudança que afeta os aspectos biológicos, físicos, emocional e social, exigindo da pessoa ou de um grupo/comunidade, um esforço para manter seu equilíbrio. Isto porque há uma ruptura no ajustamento funcional, na homeostase do sujeito/grupo causando perdas ou mudanças em seus estabilizadores habituais em seu campo relacional
Em Gestalt-terapia, a prioridade é a compreensão dos acontecimentos, e não a explicação deles. As indagações gestálticas norteiam-se para os bloqueios e a fluidez do fluxo de awareness numa postura dialógica d@ terapeuta:
O que aconteceu? Como aconteceu? Quem é a criança e @ adolescente? Como se comporta ao longo de sua existência? Como vem enfrentando o fato ocorrido? Como enfrentava as dificuldades inerentes do existir (conflitos, crises existenciais, desarmonias relacionais?
“ Cada pessoa e o campo de cada pessoa em uma situação são únicos” (Robine:174)
Vergonha e trauma no processo de desenvolvimento
Por volta do segundo ano de vida da criança, quando seu desenvolvimento motor avança e sua principal necessidade passa a ser a de explorar o ambiente ao seu redor, a maneira como os pais se relacionam com seu(sua) filho(a) muda radicalmente
Os pais precisam colocar limites que levam à interrupção da experiência da criança em seu ciclo de contato. Ela, então, precisa retrair seu movimento sendo inevitável entrar em contato com a vergonha. É a retração do movimento espontâneo em direção ao contato que dispara a experiência de vergonha. Quando há precariedade de suporte parental, a criança pode ficar em contato com a vergonha em tempo prolongado e recorrente e é esse tempo que nos dirá se tratar de uma vergonha funcional ou disfuncional. Vergonha de base, trauma no desenvolvimento infantil (Carla Poppa: 104)
Eventos traumáticos
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Envolvem ameaças à vida ou ao corpo;▪
Produzem terror e sentimentos de impotência;▪
Suplantam a habilidade de um indivíduo, ou grupo de indivíduos, de lidar com a ameaça ou de responder a ela;▪
Levam a um sentimento de perda de controle;▪
Questionam a percepção, de uma pessoa ou de um grupo, de que a vida é significativa e ordenadaTraumas e violências
O trauma promove uma dessensibilização das funções de contato, o que interrompe a experiência já na primeira fase do ciclo de contato. “ As sensações e os impulsos não criam um registro na vida de clientes que sofreram com o trauma; por esse motivo, eles têm dificuldade de organizar uma figura clara em torno da awareness das necessidades (Carla Poppa:106) O trauma destrói significados
A GT compreende o trauma como percepções fixas, uma situação inacabada do passado (PHG).
Estas situações geram experiências sensoriais marcantes que enviesam as percepções no ciclo de contato e, portanto, no processo de autorregulação
Isto interfere na fronteira de contato que se torna rígida: hipervigilância ambiental, com ajustamentos criativos disfuncionais já que voltados para o gesto de fuga, luta ou paralisia.
O trauma afeta a fisiologia, incluindo a habilidade do pensar de maneira integrada e integral (Carolyn Yoder:8)
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O abuso sexual, por exemplo, é um evento devastador que abala profundamente a saúde emocional e física das vítimas, quer sejam crianças, adolescentes ou adultos. Aqueles que a sofrem jamais esquecem a violência vivida no corpo e no mais íntimo da alma, carregando marca indelével do trauma.✓
O abuso sexual contra crianças e adolescentes na família é considerado uma traição ao princípio da lealdade familiar . (Sheila Antony e Edilea de Almeida)Eventos ou estressores traumáticos mais comuns
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Acidentes•
Causar danos a outras pessoas deliberadamente•
Causar danos a outras pessoas no exercício de um cargo ou função•
Políticas econômicas, miséria•
Falta de habitação, condição de refugiado•
Desastres causados por humanos•
Viver em região sob ocupação ou em condições de servidão/escravidão•
Episódios de violência em massa: ataques, genocídios, guerras•
Desastres naturais•
Negligência•
Doenças sérias, pandemias e epidemias•
Violência estrutural•
Perdas repentinas•
Mudanças repentinas de regras, expectativas ou normas; revoluções sociais•
Procedimentos cirúrgicos incluindo partos difíceis•
Tortura•
Presenciar morte ou ofensa física Traumas e violências criam necessidadesO trauma frequentemente cria uma necessidade de “reistoricizar” nossa vida (Carolyn Yoder:33)
Necessidades de justiça por parte das vítimas: proteção – informação, respostas – relato da história/relato da verdade - empoderamento – vindicação – restituição
Traumas de longo prazo geralmente as pessoas/grupos sentem que perderam a si mesmos. Isto acarreta sérias implicações para a saúde das pessoas, a resiliência do elã social de uma comunidade, o sucesso de planos de desenvolvimento e a esperança das futuras gerações
Impacto no desenvolvimento de crianças e adolescentes
Crianças e adolescentes alvos de bulling apresentam sérias perturbações emocionais. Alguns podem ficar deprimidos, recusar-se a ir à escola ou sair de casa, automutilação, outros ainda podem vir a pensar em suicídio, conforme a gravidade de intimidação e perseguição sofrida;
Vítimas de violência doméstica: falta de motivação, isolamento, ansiedade,
comportamento agressivo, depressão, baixo desempenho e evasão escolar, dificuldade de aprendizagem. Internalizam, naturalizam e reproduzem a violência sofrida
Impacto no desenvolvimento de crianças e adolescentes
A função de ego faz da ausência de dados (exclusão social ou da privação natural) um pedido de socorro.. “ Por conta de uma limitação do meio, sentimo-nos impedidos de encontrar dados de realidade ou, o que é a mesma coisa, laços sociais”).
Ocorre um sentimento de aflição que vem a ser decorrente do fato de não se encontrar lugar no qual se pudessem estabelecer relações havendo então o impasse ou
impossibilidade de deliberar em direção a uma ação Impacto no desenvolvimento de crianças e adolescentes
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Transtornos de conduta: condutas antissociais, violentas e de teor maléfico que perturbam significativamente o funcionamento social, familiar, escolar e ocupacional Agressividade/crueldade física frequente a pessoas ou animais; Furto, roubo com armas;Destruição de propriedade, patrimônio alheio (incendiar, quebrar); Mentira para obter bens, favores,
esquivar-se de obrigações;
Grau excessivo de desobediência, resistência à autoridade
Bloqueios de contato: egotismo – projeção, deflexão, dessensibilização
Abuso sexual: a criança e @ adolescente que sofre violência sexual deve ser considerada em situação de risco, requerendo que profissionais e familiares tome medidas imediatas de proteção, assumindo como principal conduta denunciar o crime impetrado. O tratamento com vítimas de violência sexual não é simples porque envolve questões de ordem corporal, emocional, cognitiva, social e ambiental
Bloqueios de contato: dissociação corpo-mente, dessensibilização – retroflexão, autoagressão, abusos de substâncias , distúrbios de alimentação, impotência, frigidez, dispareunia – proflexão, tornando-se passiva busca agradar o outro, assume a culpa buscabdo receber o amor e compreensão que nunca recebeu
O manejo clínico em GT: o consultório e a clínica ampliada Abusos sexuais
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Sessões com as famílias ou seus membros individualmente: orientação sobre as consequências do abuso, os limites no contato corporal, propiciar reconexão com a própria criança ferida (os padrões destrutivos de seus pais)•
Com a criança/adolescente: desenhos, pinturas, argilas, manuseio de bonecos com órgãos genitais, animais selvagens, fantoches, livros etc com fins de facilitar que a criança expresse seus medos, angústias, vergonha e conflitos emocionais tomando consciência deles ao reproduzir histórias de perseguição, traição, agressão•
Trabalhar a desculpabilização e, nesse sentido, a raiva e a passividade merecem atenção•
Trabalho corporal: argila, mímica, atividades com pintura e desenho, movimentosexpressivos para resgatar a conexão mente-corpo
O manejo clínico em GT: o consultório e a clínica ampliada
Autores de violência/infração
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Trabalhar para formar a aliança, o vínculo terapêutico;•
Buscar o engajamento dos pais/responsáveis e mobilizar uma rede de apoio•
Apoiar no desenvolvimento das habilidades emocionais e sociais•
Esclarecer e trabalhar seus medos, ansiedades, suas crenças distorcidas•
Ensinar a refletir antes de agir, trabalhando os impulsos agressivos e destrutivos•
Trabalhar a autoimagem•
Experimentos trabalhando as polaridades•
Experiências com atividades construtivas, criativas, cooperativas, reparadoras•
Apoiar no desenvolvimento de sentimentos de solidariedade, corresponsabilização com o bem estar alheioO manejo clínico em GT: o consultório e a clínica ampliada
Psicólogo-GT como sendo seu próprio instrumento: é também um «experimento» de ressignificação de contato que a criança/adolescente vivencia = segurança, proteção, resiliência, autonomia para «atravessar com mais facilidade algumas passagens difíceis de sua vida» (Violet Oklander)
Para adolescentes tímidos ou vítimas de extrema violência: o primeiro experimento é sentir-se respeitado como pessoa e que percebam que em qualquer momento podem «sair» de uma situação/experimento que lhe traz insegurança.
Em situações de traumas comunitários/coletivos Restabelecimento da segurança
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Vivência do luto e do pesar•
Contar a história•
Apoio espiritual juntamente com o psicológico•
Mobilização de uma rede de Apoio•
Líderes positivosO manejo clínico em GT: o consultório e a clínica ampliada