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AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS E A EDUCAÇÃO HISTÓRICA: UMA PROPOSTA DE INVESTIGAÇÃO SOBRE AS IDEIAS DE OBJETIVIDADE E VERDADE HISTÓRICAS DOS JOVENS

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AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS E A EDUCAÇÃO HISTÓRICA: UMA PROPOSTA DE INVESTIGAÇÃO SOBRE AS IDEIAS DE OBJETIVIDADE E

VERDADE HISTÓRICAS DOS JOVENS

Marcelo Fronza Universidade Federal do Paraná – UFPR fronzam34@yahoo.com.br

Resumo: Investigo como as histórias em quadrinhos propiciam uma relação com o

conhecimento histórico e a maneira pela qual os jovens estudantes de ensino médio vêem a objetividade e a verdade históricas. Com isso, pretendo, neste capítulo, compreender como as pesquisas desenvolvidas na Educação Histórica estão se apropriando destes artefatos culturais para entender como o passado está presente nas ideias históricas destes sujeitos. Dialogarei com as investigações dos historiadores ingleses Peter Lee e Rosalyn Ashby (2000, 2006) que se apropriam de histórias em quadrinhos, as quais permitem a apreensão de algumas ideias de segunda ordem relativas a como as crianças e os jovens estudantes ingleses compreendem o passado. Também seguirei as ideias ligadas à investigação da historiadora portuguesa Isabel Barca (2000) sobre como com os jovens constroem explicações sobre o passado.

Palavras-chave: Educação História; histórias em quadrinhos; objetividade e verdade

históricas.

Introdução

Tenho como objetivo investigar como as histórias em quadrinhos propiciam uma relação com o conhecimento histórico e a maneira pela qual os jovens estudantes de ensino médio vêem a objetividade e a verdade históricas. Com isso, pretendo, neste capítulo, compreender como as pesquisas desenvolvidas na Educação Histórica estão se apropriando destes artefatos culturais para entender como o passado está presente nas ideias históricas destes sujeitos.

Dialogarei com as investigações dos historiadores ingleses Peter Lee e Rosalyn Ashby (2000, 2006) que se apropriam de histórias em quadrinhos, as quais são compreendidas por eles como “relatos” e evidências que permitem a apreensão de algumas ideias de segunda ordem relativas a como as crianças e os jovens estudantes ingleses compreendem o passado. Também seguirei as ideias ligadas à investigação da historiadora portuguesa Isabel Barca (2000) sobre como com os jovens constroem explicações sobre o passado, pois é a primeira investigadora da Educação Histórica que aborda empiricamente as questões de objetividade e verdade históricas de jovens estudantes.

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Para isso, neste artigo, procurarei responder a seguinte questão investigativa: De que forma as investigações relativas à Educação Histórica estão se apropriando das histórias em quadrinhos para descobrir as ideias que os jovens têm sobre o passado histórico?

As possibilidades de respostas a esta questão serão desenvolvidas a seguir.

Em busca da verdade sobre o passado por meio das histórias em quadrinhos

É necessário, agora, indicar como as pesquisas em Educação Histórica se apropriaram das histórias em quadrinhos.

Nessa direção, proporei um diálogo com as pesquisas dos historiadores ingleses Peter Lee e Rosalyn Ashby (2000, 2006) que se utilizam de histórias em quadrinhos entendidas como evidências e “relatos” que possibilitam a apreensão de algumas ideias de segunda ordem ou meta-históricas relativas a como as crianças e os jovens estudantes ingleses compreendem o passado.

Antes de abordar o modo como Peter Lee e Rosalyn Ashby utilizaram as histórias em quadrinhos para investigar as ideias históricas das crianças e jovens sobre o passado torna-se necessário contextualizar as condições que levaram esses historiadores a desenvolverem sua pesquisa.

No começo dos anos 1990 as discussões curriculares na Inglaterra assumem um novo patamar epistemológico, pois, em que pese a importância dos trinta anos de debates relativos aos conteúdos históricos advindos das reformas do ensino de História inglês nos anos 1960, o novo English National Curriculum passa a focar uma nova concepção da aprendizagem e do ensino de História: um modo de entendimento que compreende a História como uma disciplina específica e que nesta devem ser investigados os fundamentos epistemológicos — ou ideias históricas — que estruturam este saber.

Para mapear as ideias históricas dos estudantes, um grupo de pesquisadores ingleses — do qual Peter Lee e Rosalyn Ashby fazem parte — desenvolveu o projeto Concepts of History and Teaching Approaches 7-14 (Project CHATA)1. Este projeto

1 Conceitos de História e Abordagens de Ensino 7-14 (Projeto CHATA) (tradução minha). O termo 7-14

se refere á caracterização do público-alvo deste projeto: estudantes ingleses com sete a quatorze anos de idade.

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procurou investigar especificamente ideias de segunda ordem tais como evidência, explicação, compreensão, narrativa históricas, tempo, mudança, etc., as quais estruturam epistemologicamente e dão sentido ao passado. As ideias de segunda ordem diferem dos conceitos substantivos, os quais são organizados pelas primeiras. Os conceitos substantivos são os conteúdos históricos, tais como Revolução Francesa, ditadura militar brasileira, Cristóvão Colombo, camponeses brasileiros, independência do Brasil, etc. Estes conceitos se tornam históricos quando estruturados pelas ideias epistemológicas da História.

No entanto é necessário tomar considerar alguns cuidados. Não se pode colocar a relação entre as ideais substantivas e as de segunda ordem como comparáveis em graus de dificuldades, ou seja, as últimas não são necessariamente mais “difíceis” que as primeiras, pois exigem formas distintas de questionamento. Por exemplo, não há como negar a extrema dificuldade em que um conceito substantivo como feudalismo está presente nas ideias que os jovens têm sobre o passado histórico que ele remete. A compreensão de um conceito histórico como esse só se torna possível com uma investigação específica sobre o mesmo articulada com as ideias epistemológicas da História que o organizam.

É nesse sentido que esta pesquisa se aproxima de minhas preocupações teórico-metodológicas, pois em algumas das investigações do Projeto CHATA, Peter Lee (LEE; ASHBY, 2000; LEE, 2006) utilizou histórias em quadrinhos para mapear as ideias históricas de segunda ordem das crianças e dos jovens ingleses em relação ao passado. E mais: estes artefatos culturais são entendidos por este historiador como relatos2 fundamentados em critérios de validade e objetividade e, portanto, de verdade histórica. É nestes termos que Lee e Ashby colocam esta discussão:

A razão de dizer que a história é mais importante que qualquer história particular é que ela pressupõe que a história é uma disciplina complexa e sofisticada, com seus próprios procedimentos e modelos configurados para fazer declarações verdadeiras e afirmações válidas sobre o passado. Muitas histórias são contadas, e podem contradizerem, competirem com, ou complementarem uma outra, mas isso significa que os estudantes deveriam estar equipados para tratar de tais relações, não que qualquer velha história o fará (LEE; ASHBY, 2000, p. 200).

2 Peter Lee utiliza a ideia de “relatos” quando se refere às histórias em quadrinhos, pois pretendeu

abarcar tanto as ideias de narrativas quanto de relatos de desenvolvimento de mudança e, também, para evitar a dicotomia entre “mera narrativa” e “explicação histórica” (LEE; ASHBY, 2000, p. 220-221n).

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A partir disso, pude perceber que alguns dos critérios de validade que constituem a História como disciplina específica são a multiperspectividade das narrativas históricas e a ideia de segunda ordem de evidência histórica.

Nesse sentido, entendo que a evidência histórica é um conceito de segunda ordem fundamental para o presente estudo. As histórias em quadrinhos devem ser consideradas como fontes históricas que podem fornecer evidências para a sustentação ou refutação das afirmações e interpretações históricas desenvolvidas por historiadores, professores-historiadores e estudantes em relação a determinado tema histórico. Mas para a historiadora inglesa Rosalyn Ashby (2006, p. 167-168) é necessário que se faça uma clara diferenciação entre as fontes e as evidências, as quais estão claramente relacionadas ao contexto da aprendizagem histórica:

Geralmente as palavras “evidência” e “fonte” são usadas como recíprocas, e tanto professores como alunos devem fazer claras distinções aqui. É particularmente preocupante quando, na tentativa de ajudar os estudantes, os professores utilizam materiais comercialmente produzidos na sala de aula que reforçam as noções equivocadas que os alunos possam ter. (...). Se se quer fazer progresso com os alunos, eles precisam entender que as fontes não são a mesma coisa que evidência, e é preciso desenvolver uma compreensão conceitual da relação de evidência entre fontes e afirmações.

Isso significa que, além de os estudantes deverem estar em contato com as fontes, eles precisam superar o uso delas como simples confirmação de informações relativas a uma interpretação história. O professor deve fornecer conhecimento para que os jovens possam criar hipóteses em reação a determinado conteúdo histórico. Esse aspecto é muito relevante quando se considera as histórias em quadrinhos como fontes históricas, pois o caráter ficcional do enredo de suas narrativas tende a carregar de anacronismos as informações históricas presentes nesses artefatos culturais. Daí a necessidade de confrontá-las com outras fontes e narrativas históricas. Isto porque, conforme o historiador inglês Dennis Shemilt (1980, p. 47 apud ASHBY, 2006, p. 168-169):

As crianças podem começar a lidar com lacunas, contradições e tendências em fontes, mas, até que consigam raciocinar hipoteticamente, elas insistem em esperar que a evidência, por meios misteriosos, quase que literalmente lhes diga o que aconteceu. Somente quando a criança consegue hipotetizar,

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ela pode claramente predizer o que algum pedaço de evidência pode ou não, apropriadamente, revelar; somente aí ela pode dizer que evidências adicionais podem ser necessárias e especular onde podem ser encontradas. (...). A capacidade de raciocinarem em termos proporcionais é necessária antes que qualquer um possa compreender que a História não é (...) uma verdadeira pintura sobre o passado (...). A História tenta nada além do que fazer afirmações sobre o passado, válidas em termos de evidências disponíveis.

Assim, somente quando os jovens conseguem desenvolver seu raciocínio histórico a partir de evidências, eles podem compreender a diferença entre uma mera confirmação de informações e uma interpretação válida e, portanto, uma representação justificada do passado. O pensamento histórico dos jovens se realiza quando eles conseguem produzir um “salto conceitual” por meio da compreensão das fontes históricas como testemunho da abordagem com o conceito de evidência, pois as fontes só se tornam evidências históricas em relação a tipos específicos de interpretações históricas. Com isso, Ashby afirma (2006: 155):

Pode-se depreender que o ensino de História necessita prestar atenção à natureza das afirmações históricas conjuntamente aos trabalhos e que os alunos se ocupam com as fontes. Se os alunos devem desenvolver um conceito de evidência, eles necessitarão compreender a relação de evidência entre as fontes históricas (compreendidas a partir de um conceito de que foi a sociedade quem as produziu), e as afirmações sobre o passado que elas apóiam.

Isto significa que a investigação das ações históricas necessita do uso da evidência para criar conexões entre o contexto no qual as pessoas se encontraram no passado, as crenças que tiveram sobre esse mesmo contexto e os valores e idéias — enfim, as experiências — que tiveram sobre o seu mundo. Segundo os historiadores ingleses Peter Lee e Rosalyn Ashby (2000, p. 200), a internalização de idéias de segunda ordem mais poderosas (como, por exemplo, a evidência histórica) é talvez o melhor caminho para dar sentido ao desenvolvimento do pensamento histórico dos jovens.

A partir de investigações já realizadas por Lee e Ashby é possível distinguir três momentos de mudanças na compreensão que os estudantes têm da evidência histórica que podem ser úteis no trabalho com as histórias em quadrinhos.

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Num primeiro momento, os estudantes tendem a compreender as fontes como informação e, por essa razão, ficam impotentes quando são confrontados por fontes contraditórias. Eles argumentam que ninguém no passado está vivo agora. Então, para eles nada pode ser conhecido. A História entendida como uma narrativa que diz a verdade sobre o passado se torna, para estes sujeitos, inviável.

Num segundo momento, este problema é superado pelo reconhecimento de que as pessoas que viveram no passado deixaram relatos, nos quais suas ideias e experiências sobreviveram até o presente. Para os estudantes, pensando as fontes como testemunho, a história passa a ter um novo sentido, a partir da possibilidade de se encontrar relatos verdadeiros advindos do passado. Mas, mesmo quando esta concepção traz consigo novas estratégias para avaliar a credibilidade dos relatos, esse conjunto de ideias é em si mesmo impotente devido à falta de testemunhas da época, nas quais o historiador poderia se basear para tornar o passado mais objetivo. Mais uma vez, para estes estudantes, a história se torna impossível.

Num terceiro momento, a História pode recomeçar a ter significado apenas quando se compreende que os historiadores podem fazer inferências que não dependem de alguém que viveu na época para contar a verdade. Isto porque as fontes são relíquias de atividades e relações que aconteceram no passado, bem como as suas narrativas. Seguindo esse caminho, as fontes, enquanto evidência, permitiriam à História continuar a investigar o passado, sem possuir necessariamente os relatos das testemunhas daquele contexto histórico (LEE e ASHBY, 2000, p. 200-201).

Nesse sentido, um dos resultados das investigações propostas por Peter Lee é de que a compreensão, por parte dos estudantes de que o passado é dado, a qual funciona muito bem ao nível do senso comum, só pode ser superada por uma intervenção do professor historiador que aponte a não existência de nenhum modo de construir a História que envolva um acesso direto ao passado. A disciplina de História é, em sua natureza, inferencial precisamente porque o passado não pode ser alcançado diretamente, pois mesmo para eventos recentes a memória não é uma fonte totalmente confiável. As fontes que fundamentam as narrativas históricas devem ser transformadas em evidências históricas a partir de inferências e julgamentos fundamentados em critérios de verdade histórica (LEE, 2006, 134-135).

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Para abordar as histórias em quadrinhos como fontes que podem fornecer evidências para as narrativas históricas devo comentar o entendimento que o historiador Peter Lee tem destes artefatos culturais, quando os usa em suas investigações.

O historiador inglês Peter Lee (LEE e ASHBY, 2000, LEE, 2001, 2006) traz uma abordagem distinta das histórias em quadrinhos, pois em suas investigações não aborda os conceitos relativos à natureza da linguagem destes artefatos culturais. Ao contrário, os quadrinhos utilizados foram construídos especialmente para a pesquisa que desenvolveu. Com isso, afirma que os quadrinhos que utiliza são relatos fundamentais para que as crianças e os jovens compreendam as ideias históricas, principalmente no que se refere aos conceitos de segunda ordem como a evidência. As histórias em quadrinhos foram utilizadas como narrativas históricas em confronto, as quais tinham como finalidade permitir que os estudantes ingleses, a partir de três tarefas, confrontassem as mesmas narrativas. Estas narrativas abordam os seguintes temas: as duas primeiras apresentam aspectos da vida material e cultural e ideias na relação entre bretões e romanos e buscam investigar as ideias sobre evidência histórica; a segunda tarefa apresenta dois quadrinhos que abordam a questão do fim do Império Romano e procuram saber questões relativas à multiperspectividade das interpretações; a terceira tarefa apresenta narrativas que representam a ocupação saxônica na Grã Bretanha e procura enfrentar a questão da veracidade destas narrativas, ou seja, se o que relatam, aconteceu ou não. (LEE e ASHBY, 2000, p. 204; LEE, 2006, p. 145-146).

Alguns resultados surgiram desta pesquisa, os quais são importantes para a minha investigação.

Os estudantes investigados por Lee apresentaram ideias muito reveladoras sobre como entendem o passado3. Este historiador chegou à conclusão de que estas ideias podem ser classificadas como conceitos em progressão. As três primeiras categorias estão focadas como característica da natureza dos relatos. A primeira categoria diagnosticada foi “o passado como dado”, a qual aponta para a ideia de que as histórias falam sobre a mesma coisa. Outra categoria surgida foi “o passado como inacessível”, pois as histórias, segundo esta concepção, não podem ser conhecidas porque não estávamos lá. As diferenças entre as histórias existem por causa da falta de acesso direto

3 Os detalhes relativos ao público-alvo investigado e os referentes ao instrumento de investigação podem

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ao passado. A terceira categoria demarcada foi “o passado como histórias determinadas”, quando as narrativas são determinadas pelas informações disponíveis; as histórias devem corresponder exatamente uma a outra, pois as diferenças entre elas se dão por causa de lapsos de informação e enganos.

Na quarta categoria foi “o passado como relatado de um modo mais ou menos enviesado”, o autor passa a ser considerado o grande causador das diferenças entre as narrativas, as quais são entendidas como resultado da distorção intencional ou não da realidade relatada e não por falta de informação. A quinta categoria se refere à ideia de um “passado como selecionado e organizado a partir de um ponto de vista”, onde as histórias são escritas a partir da posição legítima sustentada pelo autor; as diferenças entre os relatos é resultado de seleção onde as histórias não são consideradas como cópias do passado.

Por fim, Peter Lee detecta em alguns estudantes uma categoria mais complexa: “o passado como (re-)construído em resposta a uma questão do acordo com critérios”; nesta categoria ocorre uma mudança de foco que sai da perspectiva do autor para a natureza da narrativa histórica em si. A diferença e a multiperspectividade pertence à natureza da própria narrativa (LEE e ASHBY, 2000, p. 212; LEE, 2006, p. 154).

É preciso atentar para o fato de que Peter Lee, em relação às histórias em quadrinhos utilizadas em sua pesquisa, não considera como relevantes os elementos próprios à natureza deste artefato cultural, os quais poderiam intervir diretamente nas ideias históricas das crianças e jovens ingleses e, por conseqüência, nas categorizações construídas por ele. Inclusive, como foi revelado anteriormente, estas narrativas foram construídas com a intenção de remover estes aspectos estéticos e anacrônicos.

Concordo com este historiador, no que diz respeito aos problemas que podem advir dos aspectos ficcionais pertencentes em muitas histórias em quadrinhos, tais como

Asterix, por exemplo.

Nesse sentido, a abordagem proposta por Lee seguiu o mesmo caminho que, agora, estou propondo em minha investigação. A minha hipótese é que a mobilização, pelos jovens, das idéias históricas em construtos da narrativa histórica pode ser realizada pela confrontação das histórias em quadrinhos com outras narrativas históricas que possam mitigar o seu poder ficcional e anacrônico. Tanto é assim, que utilizei em

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meu estudo piloto da minha tese (FRONZA, 2010) duas histórias em quadrinhos que tinham como objetivo relatar um determinado conteúdo histórico a partir de critérios de objetividade das narrativas históricas. Inclusive um desses artefatos foi roteirizado por uma historiadora especializada neste tema.

Mas aqui ocorre o diferencial entre a minha pesquisa e a de Lee. Em minha dissertação de mestrado (FRONZA, 2007) constatei o poder que os aspectos anacrônicos e estéticos, próprios à natureza dos quadrinhos, influenciam fortemente na compreensão histórica dos jovens estudantes de ensino médio, quando confrontados com estes artefatos. As histórias em quadrinhos de caráter histórico presentes no estudo piloto, aplicado aos jovens estudantes de ensino médio também trouxeram elementos protonarrativos (RÜSEN, 2001, p. 75), que não são mais determinados pela ficção cômica destes artefatos, mas sim por uma concepção de um passado encapsulado (OAKESHOTT, 2003, p. 60) marcados pela ideia de identidade. Essas protonarrativas “encapsuladas” ficaram evidentes nas histórias em quadrinhos que os jovens pesquisados desenharam.

Adianto estes afirmações aqui porque percebo que os conceitos que organizam as histórias em quadrinhos — narrativa gráfica, empatia, ícone, cartum, conclusão ou preenchimento e mapa temporal (EISNER, 1999, 2005; McCLOUD, 2005, 2006) — desenvolvidos na minha dissertação (FRONZA, 2007) continuam a influenciar o modo de entendimento histórico dos jovens, mobilizando, agora, conceitos históricos ligados a questões identitárias. O que eu quero afirmar com isso é que se pode trabalhar com quadrinhos históricos não-ficcionais, como fez Peter Lee (LEE e ASHBY, 2000; LEE, 2006), mas não é possível escapar das formas de organização estéticas do pensamento histórico em que estes artefatos estão estruturados, quando abordam temas históricos. Em outras palavras, a função estética das histórias em quadrinhos — estruturada pelos conceitos indicados anteriormente — potencializou incrivelmente as ideias sobre o passado incrustadas na consciência histórica dos jovens estudantes.

Mesmo considerando relevantes estas diferenças, entendo como fundamentais as contribuições das investigações de Peter Lee e Rosalyn Ashby para o desenvolvimento de minha pesquisa, pois constataram que as histórias em quadrinhos podem fazer com que os jovens estudantes atinjam ideias complexas e sofisticadas sobre o passado que

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está presente em seu pensamento histórico. Esta conquista está sem dúvida incorporada como um conjunto de construtos ou categorias de investigação que devo enfrentar para construir as minhas próprias categorias.

É nesse sentido também que buscarei um diálogo com a pesquisa de historiadora portuguesa Isabel Barca (2000) sobre como com os jovens explicam sobre o passado. O meu interesse no trabalho de Barca se dá porque é a primeira investigadora da Educação Histórica que aborda empiricamente as questões de objetividade e verdade históricas de jovens estudantes. Tanto a investigação de Lee quanto a de Barca foram fundamentais para a construção de meu instrumento de pesquisas, pois eles me forneceram os caminhos teórico-epistemológicos e metodológicos para que eu abordasse as ideias sobre objetividade e verdade dos jovens estudantes de ensino médio brasileiros.

Aqui abordarei a contribuição trazida por Barca para o campo da Educação Histórica a partir das investigações que fez das ideias dos jovens estudantes portugueses sobre a ideia de provisoriedade da explicação em História. Interessam-me, aqui, as conclusões que Barca chegou e que trazem contribuições para que eu construa alguns caminhos para pensar pressupostos metodológicos a serem estruturados mais adiante, nos próximos capítulos deste relatório de qualificação.

Barca (2000, p. 243) tinha como objetivo diagnosticar os significados que os jovens estudantes dão à “explicação provisória em História”. Esta historiadora partiu de uma hipótese a priori pensada em termos de “um modelo de categorização de ideias”, o qual defende, por meio de três níveis principais, vindo “desde um enfoque na verdade da explicação até ao reconhecimento de uma explicação equilibrada e perspectivada”. Constatou que a análise de dados revelou uma variedade muito mais complexa e diferente de pensamentos e construtos históricos do que o modelo proposto inicialmente.

Durante o processo de categorização das ideias acerca da provisoriedade da explicação histórica, Barca se apropriou das considerações advindas da Filosofia da História, a qual possibilitou que incorporasse, em sua pesquisa, critérios de avaliação explicativa, tais como a consistência explicativa, baseadas na ideias de evidência e plausibilidade, e das discussões relativas à objetividade em História. Além disso, por meio da identificação de grandes modelos explicativos como o nomológico-dedutivo,

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racional, narrativo e estrutural, esta historiadora percebeu que estes modelos, quando aplicado aos estudantes, forneciam um bom referencial teórico para compreender diferentes respostas que os jovens estudantes davam a perguntas do tipo “porque”. Estes elementos teóricos formam a base para a construção de sua hipótese de investigação (Barca, 2000, p. 243).

Assim, Isabel Barca (2000, p. 243) chegou a um conjunto de três construtos que a ajudaram na análise nas ideias dos alunos sobre a explicação provisória em História desta maneira representada:

Estrutura explicativa – modo explicativo e peso fatorial Consistência explicativa – consistência empírica e lógica

Objetividade e verdade – distanciamento metodológico e verdade

Em minha investigação alguns elementos do construto da consistência explicativa, principalmente em relação à consistência empírica a partir da evidência, e praticamente todos os conceitos que ajudaram Barca a configurar o construto “Objetividade e verdade” serão utilizados em minha discussão teórica sobre a verdade histórica.

A partir desse modelo construído por meio da investigação empírica final, esta historiadora chega a cinco níveis de progressão4 (BARCA, 2000, p. 244).

A “estória”, que se refere ao nível 1, é considerada como descritivo e congrega ideias ligadas na informação. Neste nível aparecem ideias orientadas por um modo descritivo ligado à ideias de segunda ordem relacionadas a fatos ou a um modo explicativo restrito com ideias de segunda ordem vazias.

O nível 2 denominado como “a explicação correta” se refere à verdade na explicação. Os estudantes que apresentam este nível de ideias tendem a selecionar fatores ligados a “pressupostos do cotidiano” ao defender “a explicação mais correta”.

“Quanto mais fatores melhor”, o nível 3 se refere à explicação focada na quantidade de fatores. Neste modelo já começa a emergir um sentido de provisoriedade ligado à ideia de que o poder explicativo pode aumentar com a inclusão de novos

4 Para os detalhes relativos ao público-alvo desta pesquisa e a construção do instrumento de investigação

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fatores. Surge inclusive a possibilidade de que esses fatores estejam interligados tal como afirma o “modelo estrutural” de explicação.

No nível 4, chamado de “uma explicação consensual” defende uma neutralidade não perspectivada, a qual é um critério, para os estudantes que pensam a partir deste modelo, para se atingir uma explicação consensual ou como um ideal relativista ligado à impossibilidade de se explicar historicamente o passado, pois este é inacessível. A ideia de interligação das explicações e de contexto histórico é considerada dentro do conceito de agregação de fatores.

Enfim, o nível 5, denominado “perspectiva” é o construto em que aparece a ideia de neutralidade perspectivada baseadas em um conflito entre, de um lado, as ideias de confirmação e refutação e, de outro, uma concepção “verificacionista” de evidência histórica.

Considerações finais

As categorizações desenvolvidas por Peter Lee e Rosalyn Ashby (LEE; ASHBY, 2000) referentes às concepções de passado dos jovens ingleses e as considerações de Isabel Barca (2000) advindas de sua investigação dos jovens portugueses apresentam, portanto, construtos conceituais fundamentais para a investigação que faço referente às ideias de objetividade e verdade históricas e fornecerão elementos sólidos para interpretar as respostas dos jovens estudantes de ensino médio que pesquisei.

Estas categorias poderão ajudar a compreender como os jovens estudantes do ensino médio brasileiros se relacionam com o confronto de histórias em quadrinhos com temas históricos e se eles entendem que estes artefatos culturais promovem concepções de objetividade histórica que vão desde uma noção de um passado dado até uma percepções de que existem histórias multiperspectivadas.

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Referências

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