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Bioética como novo paradigma e saúde

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Bioética como novo paradigma

Bioética como novo paradigma

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, P, Brasil)

(Câmara Brasileira do Livro, P, Brasil)

Bioética como novo paradigma : por um novo modelo biomédico e biotecnológico / apresentação de

Frei Antônio Moser ; Marcelo eli!!oli "org#$# % etrópolis& '( : )o!es& *++,#

)-rios autores#

.B0 ,232435*63574534

1# Bioética *# 8i9ncia % Aspectos morais e éticos 5# tica médica 7# esuisa % Aspectos morais e éticos .# Moser& Antônio# ..# eli!!oli& Marcelo#

+,3+4+ 8<<31,7#* !ndices para cat"logo sistem"tico# !ndices para cat"logo sistem"tico# 1# Bioética 1,7#*

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Bioética como novo paradigma

Bioética como novo paradigma

Por um novo modelo biomédico e biotecnol$gico Por um novo modelo biomédico e biotecnol$gico Apresentação de Frei Antônio Moser

Autores:

Marcelo eli!!oli "org#$ aulo =enriue Martins (osé Augusto Barros >eandro <avid ?enceslau @rliane Miranda

'apael <ouglas enório Filo Custavo 8una

'icardo imm de ou!a 'aD MoDnian

Alain ?asmes

(4)

CC - This work

CC - This work is licensed under is licensed under the Creative Commons Attribution-NonComthe Creative Commons Attribution-NonCommercialmercial 4.0 International License. To view a copy

4.0 International License. To view a copy o this license!o this license! visit

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Commons! %& 'o( )*++! ,ountain iew! CA 404/! 1A.1A.

Editoração: eila Ferreira 0eiva Projeto gráfico:

Capa:

.B0 ,232435*63574534

@ste livro Eoi composto e impresso pela @ditora )o!es >tda#

(5)

Sumário Sumário

Apresentação % Bioética como novo paradigma "Frei Antônio

Moser$&

Prefácio % A radicalidade do novo paradigma bioético "Marcelo

eli!!oli$&

1#  paradigma energético e os novos signiEicados do corpo e da cura "aulo =enriue Martins$&

*# 'epensando o processo saGde3doença % A ue responde o modelo biomédicoH "(osé Augusto 8# Barros$&

5# ara além da doença % A medicina como promoção de saGde ">eandro <avid ?enceslau$&

7# <a eugenia I algenia e o paradigma bioético "@rliane Miranda e 'apael <ouglas enório Filo$&

4# Manipulação genética e reprodução umana "Custavo =enriue de Brito Albuuerue 8una$&

6# Bases EilosóEicas atuais da bioética e seu conceito Eundamental "'icardo imm de ou!a$&

,# A bioética como novo paradigma % 8rJtica ao cartesianismo "Marcelo eli!!oli$&

2# )endedores de doença % @stratégias da indGstria Earmac9utica para multiplicar lucros "'aD MoDnian e Alain ?asmes$&

Anexo % K8arta I Eila de mina netaL: m outro mundo é

possJvel### "Marcelo eli!!oli$&

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Apresentação Apresentação

Bioética como novo paradigma Bioética como novo paradigma

ma das maneiras para caracteri!ar um certo perJodo da istória é buscar as palavras3cave& normalmente remetendo para metais& acontecimentos considerados decisivos& ou para os mais diversos tipos de marcos# e uisermos encontrar as palavras3 cave para caracteri!ar o momento presente& não teremos muita diEiculdade: basta colocar um preEiNo KbioL e acrescentar um suEiNo ualuer# Assim: bioenergia& biodiesel& biogenética& biotecnologia& bioterror### 0aturalmente ue nesta caracteri!ação

não pode Ealtar a palavra bio3ética# @sta não apenas se tornou uma reEer9ncia obrigatória uando se trata de pesuisas de laboratório& mas se tornou uma reEer9ncia obrigatória para se entender o ue pode ser considerada uma das maiores revoluçOes de todos os tempos# <e Eato& ao longo da istória ouve muitas revoluçOes& mais ou menos proEundas# 0o entanto& todas elas agiam de Eora para dentro& enuanto a revolução biotecnológica passa a agir de dentro para Eora# radu!indo& como nunca em eras precedentes& a revolução biotecnológica oEerece ao ser umano a

capacidade de conecer e interEerir nos mecanismos mais secretos da vida# <aJ a estrana e paradoNal sensação ue se apodera dos seres umanos: ao mesmo tempo de EascJnio e de temor# A pergunta ue surge espontaneamente é esta: diante de tudo isto& para onde vamosH

=ouve um perJodo no ual as v-rias ci9ncias retratavam os conecimentos possJveis dos v-rios setores da vida# =oPe& na eNata medida em ue o biopoder avança& se percebe a

necessidade urgente de conPugar todas as ci9ncias para se poder contar com uma melor radiograEia da realidade# 8oncretamente& isto signiEica ue& embora desde sempre os mecanismos vitais Eossem articulados& por Ealta de conecimentos adeuados a umanidade não se dava conta da inter3relação tão estreita# @ sobretudo& por Ealta de instrumentos capa!es de interEerir no nGcleo central das inGmeras maniEestaçOes da vida& os maleEJcios P- eEetuados e previsJveis não eram tão assustadores# =oPe não

apenas estamos assistindo I morte prematura e inPustiEic-vel de uma multidão de seres vivos& temos o pressentimento de ue o pior est- para acontecer& porue P- est- acontecendo# <e Eato& a

grande batala ue se trava oPe é entre umani!ação e desumani!ação& entre uma cultura da vida e uma cultura da morte#

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 nesta altura ue se compreende a importQncia decisiva da bioética como uma ci9ncia ue se propOe a estabelecer uma ponte entre as v-rias ci9ncias e as mais diversas tecnologias&

mormente auelas ue tratam mais diretamente dos segredos da vida# @ncontrando3se no ponto de converg9ncia de uma multiplicidade de saberes& a bioética é uma das esperanças de ue& em meio Is loucuras possJveis oriundas de tamano saber e de tamano poder& acabe triunEando o bom senso# @ste bom senso vai se maniEestar não apenas em uestOes pontuais& como também e sobretudo nas grandes coordenadas inspiradoras para uma nova maneira de ser e de viver nesta terra# Assim& a bioética& enuanto portadora de uma concepção EilosóEica e antropológica de cuno umanista& vai se constituir num verdadeiro novo paradigma: o paradigma ue compreende tudo a partir do todo e

ue abraça o todo sem negligenciar nenuma das partes# @sta olJstica intelectual& ue reuer uma pr-tica correspondente é ue se constitui no Eio condutor desta importante obra ue não apenas vem enriuecer o cat-logo )o!es& mas vem contribuir para um novo gerenciamento dos recursos da terra e dos recursos umanos# A construção de uma KcasaL onde todos possam e tenam gosto de viver é ainda um sono& mas um sono ue começa a ser delineado através de abordagens como esta& na ual emerge um novo paradigma#

Frei Antônio Moser

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Prefácio Prefácio

A radicalidade do novo paradigma bi A radicalidade do novo paradigma bioéticooético @star ciente das grandes mudanças istórico3culturais e teóricas de nosso tempo é tareEa urgente da sociedade incluJda e organi!ada# orna3se evidente ue a mais importante e atual tareEa socioambiental da ci9ncia e das umanidades oPe são os desaEios da tica& o seu sentido primeiro e suas possibilidades reais diante dos rumos ditos inevit-veis da sociedade de consumo no capitalismo#  devido Is intervençOes catastróEicas e

imprevisJveis da racionalidade instrumental "tecnoc9ntrica$& ue a tradicional tica se torna aos poucos KbioéticaL& em vista dos dilemas socioambientais dantes impens-veis# or ue deEender os seres não3umanosH or ue deiNar de intervir na ess9ncia umana& psicológica e biológica& genética& para transEorm-3laH or ue não levar a manipulação atômica a todas as suas

possibilidadesH or ue não desenvolver a indGstria com todos os meios do progresso material ilimitadoH 0ão somos nós deuses na terra a ser dominadaH or acaso a medicina moderna não ir-curar todas as doençasH ão perguntas& oPe& obsoletas e

ing9nuas& além de perigosas e reveladoras de um tempo de crença positivista# 0ão obstante& continuam a ecoar em nossos

paradigmas teóricos& guiando pr-ticas cientJEicas e modelos de organi!ação social e institucional& onde ocorrem os mesmos discursos& mas emaranados numa teia da acomodação# orém& crescentemente& pOe3se a uestão da crJtica& das alternativas éticas& EilosóEicas e institucionais diante da racionalidade

tecnocientJEica consentQnea da desumani!ação e obPetiEicação das relaçOes pessoais e com a nature!a viva# @stamos& pois& no cerne dos desaEios tra!idos por um grande e novo paradigma % onde estão a ética aplicada& ou a EilosoEia pr-tica& ou ética pr-tica& mormente sinônimos debioética#

Bioética como novo paradigma não é apenas mais uma

moda& pois evoca um movimento social e de consci9ncia diante dos fransteins tecnológicos produ!idos pela tecnoci9ncia& diante das vinganças som-ticas e psJuicas da tecnologia& diante das intervençOes antrópicas Eragment-rias& simpliEicadoras e unilaterais no ambiente compleNo e de alta interdepend9ncia camadonat!re"a "natural& construJda& corporal e umana$& diante da resposta da nature!a tornada KpragaL& doenças& eEeito estuEa& seca& contaminação& iatrogenia e uma gama de reaçOes

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Erutos da artiEicialidade r-pida do KprogressoL& em seus aspectos obscuros# Rue novos eEeitos esperarH

A ipótese da Bioética como novo paradigma& o da era ecológica& no sentido ue P- o mentor "otter$ do termo ueria dar: Kética da )ida& união do omem com a ecosEeraL& evoca o movimento doesp#rito de !m tempo& ue tem nas mãos o destino da geração atual e Eutura; tempo ue postula: simbiose ou morteS 0ão se trata apenas de tom catastroEal& mas de compreensão proEunda do poder retido nas mãos de alguns senores do destino

apoiados por massas Eascinadas# A economia de mercado pautada na noção de progresso materia$ i$imitado e de intervenção umana sem pudores pOe3se oPe como este EascJnio& pregado como Gnico modo civili!atório& como Euturismo tecnocr-tico& onde todos& por Eim& reencontrar3se3iam com seu sentido

proPetado dentro de um programa de computador ue os guiam: a verdadeiramatrix disseminada& a nova mente mecQnica ue não precisa pensar& protestar ou soErer por amor#

or outro lado& surge a uestão dos <ireitos umanos& surge o abitar sustent-vel naética ambienta$ "KecologiaL$& surge a aEirmação do Eeminino e da muler& uiç- outro modo de pensar o civili!ar3acoler umano; surgem os movimentos

alternativos& os movimentos sociais engaPados& culturas locais& a arte contemporQnea arrebenta os padrOes positivistas& a

psican-lise deElora o desePo e o inconsciente para além das identidades mauJnicas& a umanidade começa a gritar:!m o!tro

m!ndo é poss#ve$% im& bioética como novo paradigma nada mais

é do ue o apontamento de um novo tempo& de reconecimento de rumos tortos& interesseiros& dilapidação do ambiente natural e construJdo& de ameaça I ess9ncia umana pela via cultural& mas também pela via genética& enEim& pela via da racionalidade instrumental# @sta& sim& ousou tomar o ser umano por meio e mero uso em ve! de Eim e dignidade sagrada# 0ão digo ue precisaria aver uma religião para aver necessidade de ética ou bioética& mas& pelo menos& o reconecimento de ue o nosso brincar de <eus tem produ!ido umsem precedentes& bem como reveses eapart&eid fransteins social e ambiental sentidos por

nós a cada dia& em nossa prec-ria saGde& em nossa ualidade de vida# er umano é ousar sim& avançar& progredir& crescer; não obstante& para onde e para u9H ara ser Eeli!### ecnologia para ser Eeli!H Jlulas da EelicidadeH 8omumente& uem é Eeli! vive com amor ou sabe amar e lutar# or conseguinte& progresso& verdadeiro& é amar& ami!ade& Eelicidade& solidariedade& usuEruto da nature!a euilibrada& alimentação adeuada& vida sem

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estresse& ser umano respeitado& aceitação do outro& medicina promotora da saGde e não a indGstria da doença& não a engenaria

de órgãos nem a aplicação de técnicas Eragment-rias#

8omo nossas instituiçOes sociais& mormente a saGde e a urbanidade t9m priori!ado tais Eins umanosH Rue impacto tem em nossa consci9ncia a precariedade dada nas doenças da pobre!a& e mais& das grandes doenças causadas pelari'!e"a& ou

acumulação delaH Ruais os direitos das geraçOes EuturasH omos m-uinas nas mãos de médicos3mecQnicos ou seres aEetivos3 simbólicos culturaisH omos passJveis de meloramento genético ou é melor investir mais no progresso umano3pessoalH omos control-veis por drogas ou uem sabe precisamos mais é ser amados e incluJdosH 0ossos Eilos podem ser cobaiasH Alguém tem direito a nos Ea!er de cobaias para novas drogas e alimentosH 0ossos Eetos podem ter apenas Eunção de produ!ir tecidos ou peçasH <evemos engolir transg9nicos e aditivos Kguela abaiNoLH

Rual o impacto econômico& ambiental e social disso tudoH ão apenas algumas uestOes bioéticas ue evocam não apenas os imensos desaEios ue nos esperam& mas revelam o atualesp#rito do tempo& de um prisma inadi-vel para a

umanidade& post!ra de defesa socioambienta$ & um paradigma pautado mais na ética do ue no lucro& uma verdadeira

raciona$idade bio3ética#

s teNtos da presente obra procuram % de modo crJtico e radical "rai!$ % tradu!ir tais preocupaçOes e eNpectativas desde um olar cientJEico e EilosóEico do novo momento& apontado para os temas mais essenciais I vida umana: a saGde e sua interEace ambiental# ais eNpectativas v9m de lugares próNimos na ótica& mas distintos na geograEia& tais como ernambuco& 'io de (aneiro& orto Alegre e Austr-lia& e representam um movimento planet-rio de construção de!ma o!tra sa(de é poss#ve$ & dentro

do!m o!tro m!ndo é poss#ve$ & lema do Fórum ocial Mundial# @

são as mesmas investigadas pelo Crupo de @studo e esuisa em Bioética e Ambiente do <ep# de FilosoEia da F@& do 8urso de

@speciali!ação em Bioética e da BB3@# Agradecemos aui a apresentação e o apoio do Frei Antônio Moser& renomado autor e promotor na -rea da ética e bioética#

Prof)*+r) Marce$o Pe$i""o$i

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1 1

O paradigma energético e os novos significados do corpo e O paradigma energético e os novos significados do corpo e da curada cura

Paulo Henrique Martins*

Introdução Introdução

Para algumas associações médicas oficiais e para muitos dos médicos modernos – que foram formados na ciência de base alopática – as terapias alternativas apresentam uma ambivalência insuportável. Faltariam a elas, supõem esses profissionais, a eatid!o e precis!o cient"fica dada pela pesquisa em laborat#rios, e faltaria aos terapeutas alternativos uma formaç!o criteriosa e sistemática que é oferecida pelos cursos de n"vel superior. $s c%amadas medicinas alternativas n!o teriam como provar esta perspectiva da precis!o cient"fica. Pois na medida em que propõem ser ao mesmo tempo modernas e tradicionais, sagradas e profanas, ocidentais e n!o&ocidentais, funcionais e interpessoais elas n!o poderiam se subordinar a testes de validade dados pela repetiç!o controlada das eperiências, como se fa' comumente nos laborat#rios. Para alguns esta ambivalência seria até prova de c%arlatanismo, ao contrariar os c(nones da biociência médica moderna.

)as a ambivalência n!o é vista como problema para os que postulam que a ciência médica n!o se ustifica apenas pelo teste de laborat#rio. Para estes %á outros indicadores confiáveis para garantir a cientificidade do saber médico, entre eles sendo assinaladas+ a a qualidade dos cuidados na relaç!o médico&paciente e o tipo de

participaç!o do paciente na construç!o da cura- b a aceitaç!o de outros métodos de validaç!o do saber e seu sucesso, como, por eemplo, aquele produ'ido pela eperiência vivida no pr#prio corpo. esta perspectiva de entendimento das terapias alternativas a partir de uma cientificidade aberta / ambivalência e / pluralidade eperimental, pode&se di'er que elas s!o tradicionais quando valori'am as dimensões simb#licas, naturalistas e transcendentes de cura %erdadas de medicinas n!o&ocidentais – o que entra em conflito direto com as crenças racionalistas da medicina oficial. Por outro lado, elas se propõem ser modernas – conforme constatamos freq0entemente nas nossas entrevistas com terapeutas alternativos –, quando reivindicam a cientificidade dos novos sistemas de cura, apoiando& se em pesquisas eperimentais corporais e energéticas 1mesmo que n!o verificáveis em laborat#rios. Por outro lado, a luta de terapeutas

alternativos por recon%ecimento oficial na 2uropa e suas conquistas, nos 3ltimos anos, é prova deste tipo de mobili'aç!o. 4o mesmo modo, o sucesso de novas pol"ticas de sa3de como o 5istema 6nico de 5a3de 1575, no 8rasil, está diretamente ligado /s possibilidades de articular o saber alopático e outros saberes 1alternativos e populares nas ações de sa3de territoriali'adas. 9á, enfim, a emergência irrecusável, apesar de sua

T  autor é sociólogo& proEessor da niversidade Federal de

ernambuco "F@$ e bolsista de produtividade cientJEica do 8onselo 0acional de <esenvolvimento 8ientJEico e

ecnológico "80$& autor de v-rias obras e artigos nacionais e internacionais& entre elesContra a des!mani"ação da medicina& @d# )o!es#

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diversidade, de um novo e compleo campo médico que tem impacto social universal inegável e que defende o valor da pluralidade cient"fica, mesmo que tal pluralidade aponte para novos saberes e técnicas que se

confrontam com o paradigma biomédico dominante:.

; discurso cient"fico proposto pelas terapias alternativas tem várias facetas. )as, pessoalmente, a partir das nossas observações, cremos ser poss"vel propor que constituem a epress!o do novo paradigma na sa3de, cua definiç!o mais eata cremos ser a de um <paradigma energético=. 5eguindo as observações de >. ?u%n 1:@AB relativas /s propriedades de

um novo paradigmaC, dir"amos que este é um campo de con%ecimento

novo que se afirma a partir de suas pr#prias regras e c#digos de recon%ecimento. Domo todo paradigma, este n!o se referencia apenas na validade técnica. $o contrário, falamos de paradigma ustamente porque eiste um fundamento cultural e social que inspira o surgimento e a epans!o do campo das terapias alternativas. ; centro deste paradigma se c%ama <eperiência vivida=.

2iste, pois, uma disputa importante em torno da validade de métodos cient"ficos a partir desta mudança de paradigmas. ; modelo %egemEnico, porém, continua sendo o cartesiano. 2ste, ao delimitar um

1 obre a crJtica a este paradigma e a promoção de outro& vePa

aui nesta obra os teNtos de eli!!oli& Barros e ?enceslau#

*  conceito de paradigma remete necessariamente I célebre obra

de omas Uun& A estr!t!ra das revo$!ç,es cient#ficas "1,4$ -na ual ele sugere ue& num sentido Eorte& o termo paradigma dominante tradu! uma visão de mundo particular do campo cientJEico: um conPunto de generali!açOes simbólicas revelando a cultura própria de uma dada comunidade cientJEica a ual se eNpressaria por met-Eoras& Eiguras e analogias# @sse conceito de paradigma vincula a idéia de ci9ncia Iuela de sociedade e& em particular& ao modo de reinvenção das crenças cientJEicas por

meio das instituiçOes sociais e culturais# ara Uun& a ci9ncia não evolui numa lógica de progresso contJnuo& indo das técnicas primitivas Iuelas avançadas& mas a partir do ue& num certo

momento& aparece para a comunidade cientJEica como a representação de uma ci9ncia normal e legJtima# 0essa perspectiva& a mudança de paradigmas na medicina signiEica a perda do poder da KclJnica modernaL& de bases alop-ticas& ue Eoi

egemônica nos dois Gltimos séculos#

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territ#rio restrito de observaç!o e de compreens!o da realidade fundado numa percepç!o predominantemente visual que separa o observador 1caracteri'ado pelo cientista no laborat#rio do observado 1o eperimento& coisa gera, fatalmente, uma representaç!o dualista da aç!o social. Passa& se a impress!o – errEnea – de que a realidade é fundada sobre dois elementos essencialmente diferentes+ de um lado, o sueito, dotado de um ol%ar cl"nico e cient"fico, de outro, o obeto, visuali'ado por um corpo mec(nico.

Gembremos, a prop#sito, que este dualismo metodol#gico se transformou ao longo dos séculos, seguindo o movimento de seculari'aç!o cultural e de passagem do controle do poder temporal da Hgrea para a ciência e para o 2stado. 2nquanto num primeiro tempo, com 4escartes, a nova ciência apresentava um alto grau de idealismo – ao se atribuir a srcem do con%ecimento / inteligência de uma figura divina escondida por trás do ol%ar calculador do cientista –, num segundo tempo, a perspectiva se inverteu. !o é mais o sueito transcendental quem inspira o

con%ecimento, mas o pr#prio obeto que se apresenta sensualmente ao con%ecimento através do que o empirismo sustenta ser a evidência emp"rica do obeto. )as tal evidência é apenas aparente, pois ela se sustenta, como o demonstrou Ge 8reton 1:@@I, num tipo de tecnociência empirista fundada na valori'aç!o do ol%ar dominador em preu"'o dos demais dispositivos sensoriais, em particular aquilo que )erleau&PontJ 1:@KB define como a capacidade de <sentir total= a realidade. )as por trás das aparentes oposições sugeridas pelos dois termos da equaç!o – o sueito e o obeto –, eiste uma profunda cone!o entre o observador e o observado 1592G4L$?2, CII. Para )erleau&PontJ esta eperiência ativa do obeto pelo sueito eige, todavia, uma transformaç!o do campo mental, a qual permite, por sua ve', se desenvolver a atenç!o- ou sea, <para reatar Ma atenç!oN a consciência seria preciso mostrar como uma percepç!o desperta a atenç!o, depois como a atenç!o a desenvolve e enriquece. 5eria preciso descrever uma cone!o interna, e o empirismo somente dispõe de coneões eternas...= 1)2LG2$7&P;>O, :@KB+ B.

4e fato, o paradigma empiricista que está na base da medicina alopática moderna foi produ'ido pelo reducionismo metodol#gico operado desde 4escartes ao separar arbitrariamente no conunto do aparel%o sensorial duas funções+ de um lado, aquela funç!o representada pela vis!o, de outra as demais funções, a saber, o olfato, o paladar, a escuta e o tato. Para sermos mais precisos, este reducionismo n!o é apenas metodol#gico, mas também te#rico, pois apresenta por uma figura mec(nica algo – o sistema perceptivo – que é din(mico e fluido. >entaremos aprofundar esta cr"tica, apoiando&nos na abordagem

fenomenol#gica e nas implicações desta abordagem sobre a compreens!o da prática médica como um dom que apenas se revela por uma leitura diferente da corporeidade, aquela dada pelo paradigma energético.

5 s limites da ci9ncia mecanicista v9m sendo reconecidos por

nGmero crescente de estudiosos# ma reEleNão srcinal e clara a este respeito é auela Eeita por 'upert eldraVe no seu livro.

renascimento da nat!re"a/ o reElorescimento da ci9ncia e de

<eus "ão aulo: 8ultriN& 1,$#

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% percepção corporal e a e&peri'ncia vivida % percepção corporal e a e&peri'ncia vivida

; dualismo metodol#gico biocartesiano esconde um intelectualismo que pende de maneira incerta entre o idealismo e o empiricismo, revelando sua incapacidade de articular adequadamente sueito e obeto, de imaginá& los como componentes de um processo comum e cont"nuo que, segundo )erleau&PontJ, foi devidamente registrado por 9eidegger ao afirmar que <o

9omem é umsensorium comum e perpétuo que é tocado tanto de um lado

como de outro=. Para mel%or especificar estecontinuum, o autor de

Fenomenologia da percepção sugere a noç!o de <esquema corporal=. ;u sea, com a noç!o de esquema corporal, n!o somente a unidade do corpo é descrita de um modo novo- é, também, através dela que se compreende a unidade do sentido e a unidade do obeto+ <)eu corpo é a tetura comum de todos os obetos e ele é, ao menos com relaç!o ao mundo percebido, o instrumento geral de min%a

compreens!o= 1)2LG2$7&P;>O, :@KB+ CA:K.

a leitura fenomenol#gica, a quest!o do sueito sempre está presente como refle!o radical mais ampla que engloba o obeto de forma interdependente, n!o por uma operaç!o intelectual visando abstrair o mundo para valori'ar o ol%ar racionalista e calculador, mas por uma operaç!o centrada no interior do mundo e da vida+ <>udo o que sei do mundo, mesmo pela ciência, eu o sei a partir de um ol%ar pr#prio ou de uma eperiência de mundo sem a qual os s"mbolos da ciência nada significariam. >odo o universo da ciência é constru"do sobre o mundo vivido e se n#s quisermos pensar a pr#pria ciência com rigor e

apreciarmos eatamente seu sentido e alcance, precisamos primeiramente despertar esta eperiência do mundo com relaç!o / qual a ciência constitui uma epress!o secundária= 1)2LG2$7&P;>O, :@KB+ HH, HHH.

Para o pensamento empirista, refletir é um movimento de obetivaç!o das sensações, sobretudo daquelas sensações visuais, para fa'er aparecer um sueito va'io cuo ol%ar percorre passivamente o obeto, aprendendo a descrevê&lo passivamente, c%egando mesmo ao limite de designar o obeto como se fosse um sueito. Para a <fenomenologia da percepç!o=, ao contrário, a tarefa de uma refle!o radical, isto é, daquela que quer se compreender a si mesma, consiste em reencontrar a eperiência irrefletida do mundo, <para substituir nela mesma a atitude de verificaç!o e as operações refleivas, e para fa'er aparecer a refle!o como uma das possibilidades do meu ser= 1)2LG2$7&P;>O, :@KB+ CA@. 2iste na realidade do senso comum uma série de eperiências a serem tra'idas / refle!o, o que depende, em 3ltima inst(ncia, das capacidades dos indiv"duos de simboli'ar o vivido pelas epressões estéticas e religiosas como de nomear as coisas pelas narrativas de vida, como lembra 8rian ood 1:@@Q+ CAA.

$s diferenças entre os métodos obetivista e fenomenol#gico s!o importantes para a compreens!o das relações entre a biomedicina cartesiana e aquele conunto de práticas médicas que c%amamos vulgarmente de terapias alternativas. ; primeiro, o obetivista, nega a presença de um sueito que articule uma aç!o intencional na medida em que valori'a preferencialmente a sensaç!o do ol%ar enquanto ato concreto de con%ecer, como se esse ol%ar eistisse fora de um movimento mais amplo de sentir a vida como uma eperiência integral. 2ste obetivismo empirista reprodu' aquilo que é mais caro em 4escartes+ a desvalori'aç!o

7 samos sempre o srcinal P&énomeno$ogie de $a perception#

odas as traduçOes aui são nossas#

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da eperiência vivida como fonte de con%ecimento da realidade em benef"cio de uma metodologia dualista que limita a compreens!o da realidade a uma observaç!o eterna ao obeto. 7ma abordagem simplificadora que limita a possibilidade do con%ecimento a um 3nico (ngulo da realidade, como se o mundo pudesse ser observado de fora,

pelo buraco da fec%adura. 2m um teto intituladoO filósofo e a sociologia,

)erleau&PontJ, com o obetivo de defender o valor da eperiência vivida para a sociologia, eplica que <o obetivismo esquece esta outra evidência, que apenas podemos dilatar nossa eperiência das relações sociais e formar a idéia de relações sociais verdadeiras por analogia ou pelo contraste com aqueles com quem vivemos...= 1)2LG2$7&P;>O, :@RI+ :II.

; pensamento obetivista n!o rompeu com o abstracionismo cartesiano- apenas inverteu este procedimento+ n!o sou eu 1o 2go quem ol%a, mas os obetos que est!o dentro da sala que se apresentam para mim definindo o sentido e o percurso do meu ol%ar. 4este modo, os vários enunciados sugeridos pelo obeto – sea este o corpo ou a pr#pria ciência médica – aparecem n!o como criaç!o de um sueito aberto a uma

eperiência vivida que é uma eperiência de troca com outros indiv"duos e com a nature'a, mas, diversamente, como uma auto&apresentaç!o do pr#prio obeto. ; pensamento fenomenol#gico busca romper com este dilema dualista entre sueito e obeto, sociedade e indiv"duo, alma e corpo ao questionar as bases do método cartesiano. $o assim proceder, redimensiona a relaç!o entre nature'a e cultura, entre mente e corpo, integrando uma nova e interativa compreens!o da realidade.

;s esforços de sistemati'aç!o de uma perspectiva fenomenol#gica que resgate o lugar da eperiência aparecem nitidamente em autores como 2dmund 9usserl 1CIII e Silliam Tames 1:@@:. )as a cr"tica do dualismo cartesiano aparece com maior nitide' a partir do momento em que o sentido linear e evolutivo da filosofia da %ist#ria foi contestado pelos acontecimentos da 5egunda uerra )undial 1%olocausto, bomba atEmica

etc., levantando suspeitas sobre os mitos do progresso e da sociedade

industrial. este momento todas as crenças sobre a modernidade como uma eperiência de <ordem= e de <progresso= foram postas por terra, assim como as pseudocerte'as a respeito de uma aç!o %umana que se

inscreveria numa certa evoluç!o universal linear. Domo di' )erleau&PontJ, <aquilo que por séculos apareceu aos ol%os dos %omens com a solide' de um 5ol se revela frágil- o que era nosso %ori'onte predestinado se tornou perspectiva provis#ria= 1)2LG2$7&P;>O, :@QC+ :KR. o lugar de uma filosofia da %ist#ria fundada na ordem e no controle surge uma filosofia da err(ncia fundada na incerte'a, no paradoo e na ambivalência entre ordem e desordem 18$G$4H2L, :@@A. 5obre a nature'a deste saber de

err(ncia esclarece )ic%el )affesoli que+ <; paradoo é a marca essencial desses momentos cruciais, em que aquilo que está em estado nascente tem dificuldades para se afirmar face os valores estabelecidos. ossa época n!o escapa a este tipo de situaç!o... #s nos acomodamos da rique'a eibida e da miséria eposta. $ segurança crescente tem como inverso um sentimento de insegurança difuso= 1)$FF25;GH, :@@A+ :@. Pode&se ent!o falar do surgimento de uma certa ambivalência metodol#gica, uma forma de aparecimento da co&presença da ordem e do caos nos modos concretos de percepç!o da aç!o social. $ ambivalência metodol#gica aponta para um novo lugar de compreens!o do mundo e do obeto social que n!o mais se identifica nem com a tradiç!o da vis!o metaf"sica nem com aquela ap#s 4escartes, do obetivismo empirista-estas duas visões s!o idealistas por se referirem n!o a um mundo

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concreto e vivido, mas a um mundo ideali'ado, sea pela coisificaç!o do sueito, sea pela do obeto.

$ ambivalência metodol#gica permite se compreender que a filosofia da err(ncia 1ou da diferença, da alteridade n!o segue um destino preestabelecido como acontecia com a filosofia da %ist#ria, mas que se abre, a cada instante, a diferentes possibilidades, para frente e para trás, para um lado e para um outro, pois nada está assegurado, sendo a sociedade e os seus membros obrigados a aceitar e a conviver com a incerte'a congênita. 2sta gera efeitos práticos sobre a aç!o social que se tradu' necessariamente por incerte'as e riscos que n!o podem ser previstos pelos atores e instituições. ; retorno proposto pela

fenomenologia sobre a eperiência vivida desfa' o dualismo metodol#gico fa'endo reaparecer sueito e obeto, alma e corpo como dois aspectos de uma mesma realidade. Ualori'a&se o sueito da aç!o, n!o aquele de srcem metaf"sica, mas um outro, compleo e auto&referente, que procura sua autonomia no movimento de criaç!o social pela aceitaç!o das incerte'as e riscos de cada passo dado. o dualismo metodol#gico cartesiano o sueito aparecia como uma fenomenologia redutiva que reforçava a perspectiva de uma compreens!o visual de mundo na qual o ol%ar eercia %egemonia no interior do processo perceptivo. 2ste

reducionismo também era reprodu'ido pelo pensamento obetivista quando se negava a presença de um sentido preliminar / aç!o social para valori'ar, no lado contrário, as descrições dos discursos sobre o obeto. o método fenomenol#gico, ao contrário, temos uma significaç!o ampliada de um sueito que se refere de modo ambivalente ao mundo vivido e que constr#i suas representações de mundo a partir de um sentir ativo e intencional, de um deseo que se transforma em aç!o consciente e em prática pol"tica e institucional, enfim, em obeto.

 entendimento da importQncia da percepção na

constituição da realidade social é obscurecido pelas diEiculdades de compreensão das sensaçOes Eora dos modos tradicionais como ela é deEinida pela psicologia e pela Eisiologia# 0este sentido& a contribuição de Merleau3ontD nos parece decisiva& pois ela se volta para a crJtica ampla deste reducionismo metodológico no momento de aEundamento da EilosoEia da istória ue é auele da egunda Cuerra mundial# <e uma parte& simpliEica3se a uestão EilosóEica relativa I capacidade de o =omem conecer a

realidade& supondo3se ue as sensaçOes são disposiçOes separadas entre si % como pressupOe a psicologia %& como se Eosse possJvel separar na pr-tica a visão& a audição& o olEato& o tato e o paladar# Ao contr-rio& lembra Merleau3ontD "174: 1$& as sensaçOes não são um conPunto de elementos separados& mas constituem uma unidade ue Eunciona de Eorma integrada Ea!endo vibrar o corpo e permitindo uma eNperi9ncia integrada do sentir o mundo# 0oçOes como olos e ouvidos são apenas culturais e passam a ser

ambJguas se consideradas isoladamente& pois não permitem a distinção entre eNcitação corporal e percepção propriamente dita# <i!er ue os olos v9em e ue as mãos tocam não tradu! a eNperi9ncia verdadeira do sentir# @sta apenas aparece através de

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uma certa ualidade do sentir nascida de uma atitude de curiosidade e de observação ue são apenas possJveis por uma reEleNão& Kuma visão segunda ou crJtica ue procura se conecer na sua particularidadeL "M@'>@A30W& 174: *76$# @sta reEleNão desEa! a atitude natural e displicente da visão e do espet-culo ao propor uma atenção mais intencionalmente direcionada para certos aspectos do campo& destacando certas particularidades: Ka ualidade& a sensorialidade separada se produ! logo ue eu uebro esta estruturação total de mina visão&

logo ue eu cesso de aderir a meu próprio olar e ue em ve! de viver a visão eu me interrogo sobre ela& eu uero tentar minas possibilidades& eu desEaço o vJnculo de mina visão com o

mundo& comigo mesmo e com mina visão& para destac-3la e descrev93laL "M@'>A30W& 174: *67$#

)erleau&PontJ sustenta igualmente que se os sentidos constituem uma unidade no processo de organi'aç!o de um esquema corporal, as eperiências fornecidas isoladamente, por eemplo, pela vis!o ou pelo tato, s!o diferentes+ <a eperiência n!o os apresenta como equivalentes+ parece&me que a eperiência visual é mais verdadeira que a eperiência tátil, ao recol%er nela mesma sua verdade aneando&a, porque sua estrutura mais rica me apresenta modalidades do ser que s!o insuspeitas para o tocar= 1)2LG2$7&P;>O, :@KB+ CAI. $o se fa'er a cr"tica do pensamento obetivista pela <fenomenologia da percepç!o= compreende&se a ra'!o que levou 4escartes e seus seguidores a firmar uma filosofia reducionista. Para o pensamento cartesiano a percepç!o pelo ol%ar sugeria a impress!o ilus#ria de que o mundo eistiria fora do observador e, por conseguinte, este mundo poderia ser controlado e regulado por regras de classificaç!o e de separaç!o. 2nfim, sem ferir a %egemonia do 4eus crist!o preocupado com a ordem do mundo, a ciência cartesiana nascente se via como um instrumento deste 4eus audando&o a pEr ordem no mundo do %omem, a começar pelo corpo deste mesmo %omem 1425D$L>25, :@@@.

; pensamento obetivista do século VHV ao negar a legitimidade da %ip#tese metaf"sica buscou manter intacto o imaginário cartesiano da ordem através do reforço dos mecanismos disciplinares sancionados pelo 2stado e pelo 4ireito. ; nascimento da moderna cl"nica médica no século VHV, eprimindo a busca do disciplinamento das práticas médicas 1F;7D$7G>, CIII, reflete este processo avançado da seculari'aç!o em que o 2stado e o 4ireito assumem funções legitimadoras e reguladoras até ent!o pertencentes / Hgrea. os casos das medicinas contempor(neas, podemos di'er que a biomedicina moderna se coloca ao lado de uma epistemologia redutiva ao valori'ar os discursos do obeto 1sobretudo da tecnociência e do capital mercantil na constituiç!o da realidade. o lado oposto, as medicinas alternativas se ap#iam numa fenomenologia 1e epistemologia ampliada, que valori'a as eperiências vividas, refleivas e singulares, dos indiv"duos e grupos sociais ao longo de suas traet#rias, eperiências que n!o s!o dadas antecipadamente, mas no momento da aç!o social.

Domo veremos adiante, o modo como as percepções se articulam através de uma <atenç!o precisa= sobre o corpo constitui um elemento diferenciador central entre a biomedicina e as medicinas c%amadas

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alternativas. 2nquanto a biomedicina fia&se na eplicaç!o visual e abstrata do corpo, as terapias n!o&convencionais ampliam o campo

perceptivo integrando a escutaB, o toque, o olfato e o gosto como

dispositivos igualmente acionados na percepç!o integral de um corpo que possui m3ltiplas significações e que é aberto / circulaç!o de diferentes possibilidades de entendimento da realidade vivida. Por este corpo percebido como fenEmeno integral, o invis"vel se torna vis"vel e vice&versa, á que ele é o pr#prio sueitoWobeto em aç!o. $s medicinas alternativas

trabal%am, ent!o, com um corpo&carne que n!o é mera abstraç!o passiva, mas significaç!o ativa na organi'aç!o do mundo pelo fato de ser corpo& simboli'aç!o, construç!o que apenas emerge quando o sueito é o obeto de sua pr#pria refle!o e compreens!o.

% energética da cura# um dom srcinal % energética da cura# um dom srcinal A concepção cartesiana do corpo é reconecidamente limitada para se pensar a compleNidade da medicina contemporQnea# ão& logo& arriscadas as tentativas de se generali!ar o método biocartesiano para a compreensão da doença em todas as sociedades& independentemente das especiEicidades istóricas e culturais& como se o modelo biomédico tivesse uma validade universal# 8onEorme BDron

Cood& os estudos comparativos ue adotam as categorias e pr-ticas correntes em biomedicina são& em geral& vistos como

suspeitos em outras culturas; nessas& diEicilmente os sintomas podem ser redu!idos a locali!açOes EJsicas& estando igualmente

relacionados a aspectos sociais e espirituais# Assim& conclui ele& Kconsiderando a riue!a do conteNto cultural no ual se EorPa o soErimento umano como visto em inGmeras sociedades ue temos estudado& a conservação de nossa linguagem biológica a

4 A psican-lise de Freud teve um papel decisivo para a alteração

da percepção do suPeito ao introdu!ir a escuta como dispositivo de observação e compreensão do sintoma# A valori!ação da escuta nesta disciplina Eoi tão importante ue permitiu uma mudança completa na Eorma de compreensão do suPeito ue passa a ser representado sobretudo pela sua dimensão simbólica#

(oel Birman nota ue esta operação simbólica do descentramento se veriEica em Freud em tr9s nJveis: descentramento da

consci9ncia para o inconsciente; b$ descentramento do eu para o outro; c$ descentramento da consci9ncia& do eu e do inconsciente para as pulsOes "B.'MA0& 1,: *+$#

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respeito da doença e dos cuidados como norma é algo proEundamente inadaptadoL "C<& 174: 66$#

<o mesmo modo& e no sentido inverso& esta biomedicina moderna resiste muito a aceitar como sendo v-lidas outras pr-ticas médicas ue não se submetem ao mesmo princJpio

mecQnico ue Eunda a medicina moderna ocidental# A introdução da acupuntura no cidente& por eNemplo& encontrou muitas resist9ncias& mesmo sabendo3se ue se trata de uma medicina com mais de cinco mil anos de eNist9ncia e de comprovação pr-tica& não podendo ser enuadrada sumariamente como

modismo#

<e Eato& tanto a medicina tradicional cinesa "acupuntura& Eitoterapia& alimentação natural& massagens terap9uticas& entre outras$ como outras medicinas não3ocidentais como auelas indianas e indJgenas/NamQnicas não constituem algo I parte da cultura e da sociedade onde Eoram concebidas# A medicina cinesa Eunda3se num paradigma ue diEere radicalmente dauele da mecQnica biológica ue inspira a organi!ação dos cQnones da medicina ocidental moderna& pois& para os cineses& saGde e doença constituem processos compleNos estreitamente articulados com as maniEestaçOes culturais& ambientais e espirituais "M@W@'& 126: 1*7$# 0esta medicina cinesa& o corpo umano aparece como organismo sist9mico compleNo e integrado& ue não pode nem ser redu!ido a seus componentes particulares& nem ser concebido como uma mera representação an-tomo3biológica e Euncional& como o Ea! o olar cientJEico da medicina cartesiana# A concepção cinesa da doença como uma perturbação do movimento das energias ue se acumulam em

certos pontos do corpo& bloueando a circulação energética& desEa! o dogma biocartesiano da doença como um inimigo eNterno ao corpo "constructo ue apenas se sustenta porue este corpo é também visto como algo eNterno ao suPeito$# ela sua importQncia istórica e pr-tica& amedicina tradiciona$ c&inesa aparece como um dos alicerces Eundamentais sobre o ual se assenta a nova medicina# Assim& nas medicinas alternativas a doença não é um Eator estrano& mas algo inerente ao modo de Euncionamento simbólico do corpo "MA'.0& *++5$#

A introdução da noção de corpo simbólico contribui para desEa!er a dualidade ilusória entre corpo e alma e& por

conseguinte& para obrigar a se repensar a doença& não como um Eator orgQnico redu!ido& mas como um Eenômeno ue é

determinado por Eatores sociais& culturais& ambientais e psJuicos bastante relevantes e integrados entre si#  sJmbolo& di! 8aillé&

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Kdeve ser entendido na sua etimologia primeira# @le é primeiramente o ue "re$une o ue estava separado& então o

sJmbolo é o próprio domL "8A.>>& 12d: 151315*$# A idéia do corpo não como mera massa biológica& mas como sistema simbólico ue impregna a KcarneL signiEica di!er ue estamos em Eace de um Eenômeno social por eNcel9ncia# Marcel Mauss compreendeu cedo ue as técnicas corporais eram um Eenômeno social e ue as maneiras de andar& nadar e outras eram

especJEicas de cada sociedade# K ue se ressalta claramente disso é ue nos deErontamos em todos os lugares com montagens Eisio3psico3sociológicas de séries de atos# @sses atos são mais ou menos abituais e mais ou menos acidentais na vida do indivJduo e na istória da sociedadeL "MA& 1d: 527$#

or seu lado& BDron Cood& lembra ue não se pode Ea!er antropologia médica sem se prestar Kuma atenção renovada sobre a eNperi9ncia umana& sobre o soErimento e sobre as

signiEicaçOes e interpretaçOes& sobre o papel da narrativa e da istoricidade& assim como ao papel das EormaçOes sociais e das instituiçOes& no estudo do ue signiEica essencialmente ser umano em uma cultura ou em outraL "C<& 12: 6$# A compreensão simbólica do corpo& da doença e da cura implica& pois& a consideração da idéia de um Eato social total ue apenas pode ser redu!ido Is partes para eEeitos did-ticos& mas não

cientJEicos# 0o plano simbólico as operaçOes ue redu!em& por um lado& o suPeito3racional ao olar controlador e calculador e& por outro& o obPeto3corpo a um dispositivo mecQnico são

arbitr-rias e não permitem se compreender ue corpo e alma sePam partes ativas de umcontin!!m& o ual as medicinas alternativas tradu!em pela met-Eora daenergia#

Muitos sociólogos e antropólogos estudiosos das terapias alternativas e da cultura 0e1 Age associam& em geral& o termo energia a um discurso de nature!a mJstica e religiosa# ara Françoise 8ampion& eNpressOes como energia& olismo& pensamento positivo entre outros devem ser entendidas como

elementos de um vocabul-rio ue serve para Eacilitar a comunicação da eNperi9ncia e a integrar o iniciado no ue ela denomina de nebulosa mistico3esotérica "8=AM.0& 1+: 54$# or sua ve!& Maria 8aro!!i aEirma ue o termo energia est-associado I emerg9ncia de um novo marco interpretativo no ual é enEati!ado o papel da nature!a como agente de transEormação do adepto "8A'XX.& 1: 164$# @nEim& para F-tima avares o princJpio energético constitui um elemento discursivo ue serve

como reEer9ncia uniEicadora de todas as diEerenças veriEicadas na

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pr-tica terap9utica# ara ela& trata3se de uma eNpressão com mGltiplas variaçOes& mas ue se reEere& em Gltima instQncia& I idéia de energia cósmica e de uma certa Kconsci9ncia olJsticaL "A)A'@& 1: 112$#

0o nosso entender& todas essas interpretaçOes são v-lidas& mas insuEicientes# <ando 9nEase corretamente a um entendimento ue tem inspiração KmJsticaL& essas leituras deiNam de lado& porém& uma outra dimensão da uestão: a de ue o termoenergia

é antes de tudo um sJmbolo& uma met-Eora relativa I interação vital& pois Knosso vivido é a resultante da interação permanente de diversos mecanismos internos "celular& metabólico& nervoso$ e eNternos "clim-tico& geocósmico& cronobiológico& psico3aEetivo& socioproEissional###L "CA=& 126: 17*$# 0esta perspectiva& não eNiste uma oposição entre& de um lado& o corpo simbólico articulado pela met-Eora energética e& de outro& o corpo orgQnico# 0a perspectiva aui adotada& o ue denominamos de corpo

orgQnico também é simbólico& mesmo ue esta dimensão imagin-ria constitutiva da vida umana tena sido voluntariamente esuecida em Eavor de uma interpretação positivista dada pelo cartesianismo# Mas ao aproNimarmos as

lentes da realidade vivida& estas abstraçOes desaparecem para mostrar ue a biomedicina não tem como escamotear a discussão do valor simbólico do corpo e da vida& mesmo ue na

organi!ação de seu discurso e de sua pr-tica a biomedicina tente minimi!ar os Eatores eNtrabiológicos# 0as Eaculdades de

medicina& por eNemplo& em disciplinas como Fisiologia& BioEJsica e BiouJmica& a energética médica é ensinada sob o tJtulo de KBioenergéticaL# Mas& inEeli!mente& não se aprende uase nada nas Eaculdades médicas sobre este tema# A medicina oEiciali!ada no cidente& na busca de um conecimento empJrico obPetivado pelo controle visual do corpo& não pôde integrar um conceito ue

na cura médica alternativa se percebe por um Ksentir totalL& e ue envolve o próprio suPeito#

<eve3se ressaltar ue a Knova EJsicaL& primeiramente com Albert @instein nos inJcios do século YY& e& depois& com outros grandes cientistas estudiosos da EJsica atômica& como 0iel Bor e ?erner =eisenberg& contribuiu enormemente para a

demonstração do corpo como euação energética& ou sePa& de ue partJculas e ondas são um e mesmo Eenômeno "embora o olar

cartesiano não o possa apreender com seus instrumentos cl-ssicos$# <este modo& um EJsico bastante conecido do grande pGblico& FritPoE 8apra& conclui ue Ko mundo apresenta3se& pois&

como um complicado tecido de eventos& no ual diEerentes

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espécies se alternam e se sobrepOem ou se combinam& e desse modo determinam a conteNtura do todoL "8A'A& 1*: ,4$# Z lu! destas inovaçOes no campo da EJsica somos levados a reconecer ue a biomedicina cartesiana de tanto reivindicar a verdade cientJEica a partir de um postulado mecanicista& terminou prisioneira de um cientiEicismo materialista desatuali!ado Kue

opOe ainda matéria e energia uando as pesuisas de ponta demonstram ue todo universo conecido é Eeito de estados diEerentes de energiaL "CA8=& 126: 176$#

A tradução de energia como uma simbólica ou signiEicação necess-ria I Eiguração de um novo sistema de cura ue Euncione a partir de um princJpio relacional e total& ue é auele da sociedade e da vida em geral& é Eundamental na emerg9ncia do paradigma energético# Ao conectar o corpo e a alma& ou então& o

omem com os outros omens e o omem com o meio ambiente& a energia aparece como umdom& Ea!endo circular a vida através de movimentos de reciprocidades e de ambival9ncias& de alianças e conElitos& de solidariedades e oposiçOes# 0este sentido&

tomamos de empréstimo a deEinição de Bruno Uarsenti do dom como um Koperador simbólicoL& o ual é relevante para se entender por semelança a energia como eNpressão desse dom no campo da pr-tica de cura# <i! Uarsenti ue Kse o dom se inEiltra na totalidade da vida social& independentemente dos nJveis ue se pretenda& é ue ele é precisamente o operador simbólico ue permite a esses diEerentes nJveis de se comunicar e de se agregar

em uma unidade social pela ual é desde logo possJvel se traçar os contornos de uma cultura própriaL "UA'@0.& 17: ,$# Assim& ao propormos ue energia é o termo pelo ual o dom aparece como um operador estratégico na conEiguração do corpo como signiEicação simbólica central na organi!ação da vida& estamos sugerindo ue o paradigma energético não se redu! a um tema especJEico da EJsica& mas ue é parte da compreensão sociológica do mundo# rata3se de um novo paradigma ue se EorPa nas eNperi9ncias de Eronteira& marcadas pela dor e pela esperança& pelo Eim e pelo começo& pela vida e pela morte# 0as medicinas alternativas& energia constitui um signiEicante ue circula tanto no registro das pr-ticas obPetivas envolvendo curador e paciente& como nauele das pr-ticas subPetivas& envolvendo o doente como suPeito privilegiado de sua cura ou de sua doença# A met-Eora energética Eacilita

compreender ue curador e paciente sePam identiEicados como aspectos de um mesmo omem total em busca de armoni!ação com o cosmo de ue Ea! parte# A energia também atua como

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operador simbólico na restauração da relação entre técnica e magia no processo de cura alternativo# @la avança& porém& em sentido diEerente dauele seguido pela medicina biocartesiana ue se preocupa& prioritariamente& com a universali!ação de uma ra!ão instrumental& esuecendo3se ue tal ra!ão não nasceu do nada mas ue Eoi Pustamente elaborada em cima da separação da técnica e da camada magia# @sta medicina moderna esuece logo ue a magia também é um Eenômeno social legJtimo % como a técnica % e ue ela é& certamente& como lembra Mauss& a técnica mais antiga eNistente na sociedade umana "MA& 1a: 154$#

Rueremos di!er ue a energia como princJpio simbólico uniEicador da vida umana& em geral& e das pr-ticas de cura tal como elas aparecem nas medicinas alternativas& em particular& apontam para a presença de um dom muito especial& dirJamos o dom Eundador da medicina como instituição social# 8aillé percebeu a presença deste dom Eundador da sociedade ao propor

ue o dom constitui um sistema tripartite de trocas "dar3receber3 retribuir$ antigo e anterior aos sistemas do mercado: Knós não saberJamos compreender a troca e o contrato& tJpicos da

modernidade& sem discernir primeiramente suas Eormas arcaicas e anteriores& as Eormas do domL "8A.>>& *+++b: **$# eguindo esta pista oEerecida por 8aillé& (acues <e[itte propOe um dom de apresentação& srcinal e preliminar& ue estaria presente na inauguração da vida& em geral& e nauela da sociedade umana& em particular# A idéia de auto3apresentação desenvolvida pelo biólogo ortmam& ao estudar as espécies animais& permite pensar

ue K- certamente alguma coisa como um eNcedente srcin-rio& uma maniEestação primeira da vida ue eNcede toda interpretação EuncionalistaL "<@?.@& 15: 5*$# bserve3se ue nas sociedades tradicionais& o curador não se legitima por um simples diploma acad9mico& mas por um ritual de iniciação e de

revelação particular ue conEirma a capacidade nata de certos indivJduos de tomarem para si o soErimento dos outros&

liberando3os do mal ue os acometia#AEora as eNceçOes representadas pelos carlatães de todos os tempos& no sistema das medicinas alternativas a revelação do curador também se Ea! por um trabalo de iniciação e de recebimento de uma graça& isto é& de um dom especial ue permite ao curador eNercer legitimamente o seu trabalo de cura# 0este sentido pode3se di!er ue o dom inaugural de auto3

apresentação& dom ue est- presente na criação da vida em geral&

aparece no caso da cultura umana e da terapia alternativa como

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um dom particular ue <e[itte denomina gratidão ou gratitude# @Nplica o autor ue& diEerentemente da consci9ncia induJsta da dJvida& ue é irrevog-vel "o suPeito umano é sempre um suPeito de dJvida para com os deuses$& a consci9ncia moderna resolve esta limitação pela gratidão e pela reali!ação de obras

"<@?.@& 16: 1+5$# 0esta perspectiva&energia é o termo ue se revela mais apropriado para designar esta simbólica de cura ue se desenvolve espontaneamente entre a técnica e a sabedoria camada KmagiaL& dom ue passa pelas mãos& olos& palavras e odores do curador e ue é designado por todos como energia# Assim& tanto a energia puriEicada ue entra pelo corpo do curador e ue passa para o doente ou& então& no lado oposto& a energia do enEermo ue é puriEicada com aPuda do curador& ambas as possibilidades constituem um tipo de viv9ncia ue é ao mesmo tempo proEana e sagrada#  obPetivo Gltimo da técnica& aui& não é eNpulsar a energia do corpo para assegurar sua pretensa normalidade mecQnica# al visão não se sustenta& porém& na perspectiva interativa ue domina as pr-ticas médicas

alternativas& pois o corpo é vida por ser movido energeticamente; a energia é a vida& ela é o próprio dom de vida#

0as sociedades tradicionais& o imagin-rio do curador era abitado por uma eNperi9ncia de gratidão gerada por uma d-diva de cura inicial& interpretada como um presente ou uma obrigação divina& a ual era repassada adiante através de obras de cura# 0asciam assim os Eeiticeiros e m-gicos# 0o sistema geral das pr-ticas médicas alternativas atuais& a obrigação de retribuir o bem recebido é muito comum entre aueles ue di!em ter sido

abençoados pelo divino com este dom de cura# @ste car-ter reaparece de modo mais ou menos implJcito nas terapias alternativas& em geral& mas declaradamente em alguns modelos como o 'eiVi e Mãos de lu!& ue são técnicas de imposição de mãos sobre o corpo do doente#  depoimento seguinte de um mestre de 'eiVi é muito elucidativo da consci9ncia moderna da d-diva de si& cuPa devolução se Ea! pela reali!ação de obras benévolas& mas ue tra!em em si este obPetivo de repassar o domda cura: Kma pessoa adoecia& vina conversar comigo de

madrugada& eu tocava nela# 0o outro dia a pessoa vina

agradecer& a pessoa Eicou curada# @ntão eu procurei estudar sobre as mãos& até dentro do2eis&o no*ie "um tipo de seita Paponesa$# Mas l- eles disseram ue eu não podia usar esses poderes dentro da sua EilosoEia# @ntão saJ e Eui procurar coisas sobre minas mãos e coneci >auro revisan "autor religioso de v-rios livros sobre auto3aPuda$# Aprendi muito com eleL "Mestre de 'eiVi$#

(25)

@nergia pode& logo& ser entendida como uma met-Eora ue tradu! pelo menos duas possibilidades discursivas# <e um lado& ela revela o sagrado ue se supOe estePa presente em cada um de nós "antes mesmo de estar nas instituiçOes$ e ue se maniEesta pelo dom primeiro da gratidão# @sta se eNpressa com relação ao

simples ato de se viver e se completa como d-diva através de dons de cura ue são passados a outros indivJduos próNimos ou não# @m segundo lugar& energia é também um termo revelador no sentido de ue ela aparece como operador simbólico central de um conPunto de técnicas e rituais de cura ue são interpretados como sendo eEica!es do ponto de vista pr-tico# Aui& o novo discurso terap9utico alternativo transgride o dogma da medicina cartesiana a partir de dois movimentos: um pelo resgate de tradiçOes de cura não ocidentais; o outro pela busca de superação das Eronteiras da racionalidade cientJEica& restaurando rituais de cura ue pretendem ser simultaneamente racionais e m-gicos#

Assim& um acupunturista entrevistado lembrou ue a medicina cinesa não nasceu do conecimento acad9mico e cientJEico& mas do conecimento popular# Ao longo do tempo& lembra ele& Kesta ci9ncia Eoi sendo aperEeiçoada& melorada& mas não tem a ver com a medicina ocidentalL# <o mesmo modo& um musicoterapeuta& Eigura erudita& com doutorado em >iteratura no eNterior& se uestiona por ue a ci9ncia tem ue ser

necessariamente ortodoNa& cl-ssica e acad9mica# @Niste também& sublina& uma ci9ncia natural& espontQnea: Kor ue tem ue passar pela universidadeH e Eosse assim& a medicina popular não

teria valorL#

8omo vemos& o surgimento dessas novas pr-ticas de cura "algumas& ali-s& muito antigas$ responde I demanda ampla de recriação de um sistema simbólico ue busca responder a algumas eNig9ncias pr-ticas: uma delas é o de constituir um sistema de inEormaçOes interdisciplinar e transdisciplinar não redutJvel Is divisOes disciplinares ue caracteri!am o

Euncionamento da medicina oEicial ocidental; a outra demanda é de revalori!ação da cura como ação de duplo registro& nela estando associadas as dimensOes da Euncionalidade e da interpessoalidade# emelante trabalo de revalori!ação é decisivo para a legitimidade ue aduire a nova medicina no momento presente#

@nergia é& logo& uma palavra3cave na cura terap9utica& por se reEerir a um Eenômeno integrativo do ponto de vista social

e cultural# @la é o vórtice ue reuniEica a unidade sist9mica perdida pelo eNcesso de Eormali!ação e de especiali!ação

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disciplinar da medicina cartesiana e& também& com o eEeito depredador docapita$ médico sobre os usos do corpo# A construção imagin-ria deste conceito estruturante das terapias alternativas como sistema de cura é um empreendimento diEJcil P-ue no seio deste bloco a eNpressão conece diEerentes

interpretaçOes# Assim& enuanto algumas modalidades

terap9uticas ocidentais entendem energia como um movimento biomagnético "reicianos e bioenergéticos$& outros compreendem

energia como um circuito elétrico integrado "acupunturistas$& e terceiros como Eenômeno eNtra3planet-rio& uma energia de cura cósmica "reiVianos$6# <o ponto de vista dos usos operacionais& o

termo energia também se oEerece a uma pluralidade de usos& como atesta avares "1: 11$# As possibilidades de deEinição e classiEicação são amplas& sendo o mais importante a

compreensão da dinQmica simbólica de uma nova medicina ue é eminentemente paradoNal: abrindo3se para a viv9ncia simultQnea do sagrado e do proEano& do tradicional e do moderno e

obedecendo a uma multiplicidade de lógicas instituintes# @nergia aparece& sobretudo& como uma met-Eora ue permite tradu!ir a circulação dos bens da cura nos sentidos

simbólicos e pr-ticos& respondendo ao mesmo tempo a demandas de curas espirituais e a diversos distGrbios energéticos

"deseuilJbrios internos nos planos EJsico& emocional ou psJuico$# Assim& a eNpressãoenergia tradu! algo Eundamental

na eNist9ncia de uma nova medicina& a de se constituir numa linguagem capa! de tradu!ir em diversas gram-ticas a idéia do dom da vida como pr-tica recJproca ue compromete curador e paciente num mesmo processo interativo# @nergia é o mesmo

Eenômeno conecido em certas sociedades primitivas como&a!& ue para uns era o espJrito da própria coisa dada& para outros o espJrito do doador "'AB& 16$# @sta dinQmica relacional em ue a circulação do bem da vida se revela nos dois sentidos % do curador para o paciente e vice3versa %& constitui uma uestão sutil& porém da maior importQncia para se entender o sentido

6 <esde P- ueremos salientar ue esta discussão apenas pode

avançar se Eormos capa!es de supor a possibilidade de eNist9ncia de outras lógicas de cura ue não se redu!am Iuelas do sistema dominante: auela da ra!ão instrumental& tida como a Gnica ra!ão ue PustiEica as manipulaçOes eNperimentais e ue eNplica certas regras de classiEicação são tidos como dogmas intoc-veis#

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simbólico da cura# 0as suas srcens& uando a medicina guardava uma dimensão sagrada evidente& a criação de vJnculos de ami!ades entre as partes envolvidas era tida como comum e necess-ria# Mas com a medicina biocartesiana& esta relação interpessoal& antes considerada estratégica& passou a ser vista como desaconsel-vel para o sucesso da cura# 0os dias atuais& a indiEerença com relação ao soErimento e I dor do doente parece em muitas situaçOes não mais estar ligada a uma condição técnica da biomedicina % a separação do médico e do doente %& mas a um Pogo cJnico no ual o ue apenas vale é a possibilidade de se ganar mais dineiro com consultas e cirurgias em um tempo mais curto# A apropriação dos bens da vida& isto é& das KenergiasL ue Ea!em circular a vida& por uma minoria motivada por interesses utilit-rios e mercantis reElete3se no plano cultural pelo enErauecimento da solidariedade coletiva e pelo

Eavorecimento do individualismo# 0este momento em ue o

!ti$itarismo se eNpande na pr-tica médica % mediante a medicina

mercantil ou pela deEinição de metas utilit-rias para a aplicação de recursos orçament-rios em ospitais % é preocupante observarmos a diminuição do nGmero de médicos tidos como clJnicos gerais# @stes ue tradicionalmente são os guardiOes de uma pr-tica mais umana e de proNimidade passam a soErer a concorr9ncia desleal de especialistas menos preocupados com a pessoa em soErimento ue com os ganos utilit-rios da proEissão;

especialistas ue cada ve! sabem menos sobre a doença e sobre a cura& precisando crescentemente de m-uinas e conseleiros de laboratórios para Eormularem seus diagnósticos e tratamentos# odavia& apesar de não mais representar a maioria& os médicos clJnicos gerais continuam a ser uma reEer9ncia importante para se repensar o sentido da relação interpessoal na pr-tica de cura& como podemos observar no depoimento abaiNo: Kara aver disposição para o trabalo é necess-rio se estar em Eorma& isto Ea! parte de nossa responsabilidade# Apenas& então& o paciente poder- se apoiar nauele ue cuida para condu!ir seu próprio

combateL "MA'@>3A''.C=.& 1: 25$# 0a concepção utilitarista dominante na medicina oEicial moderna& cura é sinônimo de apropriação dos recursos da vida e da saGde com vistas a legitimar a acumulação do capitalismo médico& no sentido amplo& e a assegurar uma proEissão bem remunerada para amedicina $ibera$ privada& no sentido restrito# 0esta perspectiva& a doença é uma mercadoria a ser transEormada

em dineiro e o doente um consumidor de produtos da indGstria médica# A eEic-cia da transação depende essencialmente do

(28)

pragmatismo do especialista; toda aproNimação é considerada indesePada# <iversamente& no seu sentido simbólico srcin-rio& a cura& P- dissemos& é uma ação simbólica/relacional e técnica& e a pr-tica da cura constitui um vJnculo importante entre curador e paciente# A uestão Eundamental aui é o dom& a circulação de um princJpio de vida ue passa do curador para o paciente e ue é retornada num segundo momento# A graça recebida livremente dauele ue tem o dom da cura gera uma obrigação de devolver por parte dauele ue recebe esta graça# u então& uando não se pode pagar a dJvida em ra!ão de seu valor ser incalcul-vel "o ue

é comum com os bens divinos& tidos como Eundadores do vJnculo$& o próprio paciente se torna curador passando adiante a obra recebida# @sta segunda alternativa é mais comum nas terapias alternativas "MA'.0& 1b e *++5$#

sos correntes do discurso energético sos correntes do discurso energético

0o ue concerne o modo como o termo energia vem sendo utili!ado contemporaneamente& é possJvel distinguirmos algumas modalidades3cave# ma primeira e mais tradicional é a taoJsta& pela ual energia é deEinida como polaridade em movimento "as

energias 3in e 3ang $ ue Eunciona& di!em os taoJstas& em tr9s planos: o do céu& o da terra e o do omem,# @sta concepção

est-na base tanto da tradição cinesa "da acupuntura& da alimentação natural e de pr-ticas de armoni!ação corporal como ot4ai c&i c&!an$ como da tradição sincrética Paponesa "na meditação Xen e no 'eiVi % técnica de cura com imposição das mãos ue teria sido sistemati!ada pelo monge católico Papon9s MiVao !ui em

, 0a segunda parte do 5ivro das m!taç,es& conecido como 6

C&ing & um documento milenar ue tina para os cineses a mesma importQncia ue a BJblia de (erusalém para os ocidentais& são eNplicados esses tr9s movimentos do seguinte modo: Ks santos s-bios da Antig\idade compuseram o 5ivro das m!taç,es da seguinte maneira: tinam como meta seguir a ordem da lei interna e do destino# 8onstataram& então& o ao do céu e o camaram de o obscuro e o luminoso# 8onstataram o ao da terra e o camaram de o male-vel e o rJgido# 8onstataram o ao dos omens e o camaram: o amor e a PustiçaL "?.>=@>M& 16: *+7$#

(29)

Eins do século Y.Y$# 0estas perspectivas& taoJsta e !en3budista& veriEicamos ue a idéia de energia tem a ver tanto com certa Eorça elétrica ue atravessa o corpo umano através de certas linas denominadas de meridianos& como igualmente com a idéia de uma Eorça cósmica inteligente ue liga o omem e a vida e& por essa via& com as Eorças organi!adoras do universo

"MA'.0& *++5$#

ma segunda deEinição de energia bastante diEundida atualmente nas terapias modernas de cura& com usos de respiração e de movimentos para a liberação de tensOes Eisicas& emocionais e psJuicas& est- relacionada com as pesuisas de ?ilelm 'eic "célebre discJpulo de Freud$& e de AleNander >o[en "Eundador da bioenergética sendo& por sua ve!& o principal discJpulo de 'eic$# ara este Gltimo& a noção de energia tem a ver com as pulsOes biomagnéticas& e a cura psJuica eNige um trabalo adeuado de liberação de emoçOes represadas "medos e raivas$ no corpo e ue impedem a boa circulação da energia e& por conseguinte& do pra!er no corpo# @Nplica >o[en ue o

organismo vivo não pode ser redu!ido a uma m-uina e ue todas as atividades umanas reuerem energias: da batida do coração aos movimentos perist-lticos do intestino& do caminar& Ealar e Ea!er seNo# <este modo& para ele& por estar a energia envolvida em todos os movimentos da vida& e também nos pensamentos e nos sentimentos& é importante se compreender os

EluNos e as descargas energéticas& o ue pode ser bem observado num indivJduo deprimido: KApesar de a reação de uma pessoa deprimida resultar de uma interação de complicados Eatores EJsicos e psicológicos& um ponto não admite dGvidas: a pessoa deprimida est- também energeticamente deprimidaL ">?@0& 12*: 7*375$#

A terceira deEinição do termo energia nos é Eornecida pela ci9ncia EJsica moderna e pelas conclusOes teóricas ue os estudos sobre os -tomos e materiais invisJveis v9m produ!indo a respeito da emerg9ncia de uma medicina uQntica "8A'A& 125$# rovavelmente& a EJsica das partJculas atômicas Eoi a grande respons-vel pela populari!ação do termo e pelo seu

reconecimento& P- ue a eNpressão ganou Eoro

reconecidamente cientJEico#  primeiro cientista a destacar esta idéia da vida como energia Eoi Albert @instein& nos inJcios do século YY& sendo seguido nas décadas seguintes por EJsicos consagrados& =eisenberg& lancV& Bor& auli entre outros#

Mas na perspectiva de umani!ação do termo energia& neste conteNto contemporQneo& deve3se destacar a idéia

Referências

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