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Palavras-chave: trabalho docente; material didático; silenciamento

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Academic year: 2021

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TRABALHO DOCENTE E O USO DOS MATERIAIS DIDÁTICOS: SILENCIAMENTOS, INTERDIÇÕES

Maísa Alves Silva Universidade de São Paulo

RESUMO

O presente trabalho está articulado a um projeto de pesquisa de mestrado, em andamento, que busca compreender o impacto de uma política pública, o PNLD (Programa Nacional do Livro Didático), e as possíveis implicações do uso de instrumentos prescritivos (no caso, os materiais didáticos) para o trabalho docente. Trago, aqui, à tona a discussão de como o material didático silencia, interdita, e desautoriza o professor em seu trabalho em sala de aula, impactando-o de forma bastante intensa. Destaco que são diversos os trabalhos que dão enfoque ao aluno, que não é autorizado a argumentar, interpretar, assim como o professor também não é, uma vez que o livro do professor já traz as atividades a serem feitas, a forma como deve proceder, o que deve falar, qual a sequência das atividades a serem desenvolvidas, sem contar nas respostas que já são dadas pelo manual do professor, não dando espaço para que o professor lance diferentes olhares às atividades a serem desenvolvidas. Todo esse processo faz com que o professor acabe sendo silenciado também. Defendo que os materiais didáticos têm um papel muito determinante nesse processo de silenciamento docente, pois carregam consigo as relações de poder às quais o professor está submetido, o que o leva por ser interpelado pela ideologia dominante expressa por eles. Discuto também que dessa forma o professor não mais constrói conhecimentos, mas sim reproduz aqueles já legitimados, que estão contidos no livro didático. Por se tratar de uma reflexão a partir de um trabalho em andamento, trago algumas análises preliminares que sustentarão minha argumentação.

Palavras-chave: trabalho docente; material didático; silenciamento

São inúmeros os trabalhos que dão os mais diferentes enfoques aos processos vividos pelos alunos no ambiente escolar. Destaco entre eles o trabalho de Pacífico (2002), que trata de modo mais específico das relações de interdição, não interpretação e não argumentação aos quais os sujeitos alunos acabam sendo submetidos dentro da escola. Segundo a autora, para interpretar o sujeito aluno precisa ser autorizado a atribuir sentidos aos textos, sentidos estes que podem ser múltiplos (polissemia) diante das possibilidades possíveis. Porém, tal autorização em alguns momentos não é dada pela escola, o que se deve muito ao uso dos materiais didático que trazem fragmentos de textos e atividades ditas de “interpretação” nas quais os sujeitos alunos não são levados

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a de fato interpretar, mas parafrasear, esperando-se as respostas corretas presentes no livro do professor, de forma homogênea.

Reflito, assim, de que modo o professor também sofre e passa pelos mesmos processos. De acordo com Orlandi (2007, p. 105),

O silêncio não é ausência de palavras. Impor o silêncio não é calar o interlocutor mas impedi-lo de sustentar outro discurso. Em condições dadas, fala-se para não dizer (ou não permitir que se digam) coisas que podem causar rupturas significativas na relação de sentidos. As palavras vêm carregadas de silêncio(s).

O material didático ao trazer as respostas prontas, acabadas, com a ilusão de um sentido único não passível de diferentes interpretações, monofônico, o professor também acaba sendo apagado em seu dizer, pois muitas outras palavras e interpretações que poderiam ser feitas por ele em sala de aula não são legitimadas pelo livro didático, logo, são silenciadas. A figura 1, retirada da coleção Viraver em uma das atividades propostas, é um exemplo disso. Quantas diversas outras interpretações poderiam ser dadas ao final da história? A forma como o material didático expõe as atividades e dá as respostas esperadas, vai tolhendo o professor de seu direito de interpretar, argumentar, e levar os seus alunos a fazerem o mesmo.

À medida que não é dado ao professor o direito de interpretar, argumentar, a falar de sua subjetividade, das necessidades de sua sala de aula, da realidade vivida no chão da escola na qual atua, o professor também não é chamado a falar daquilo que tão bem observa dentro de seu contexto de trabalho, uma vez que “as prescrições continuam em nível genérico e atribuem ao professor o papel de um simples aplicador da metodologia proposta” (MACHADO, ABREU-TARDELLI, 2009, p. 114). Assim como o material se aplica de forma homogênea aos alunos, o é também aos professores, como se o material didático desse conta de todas as realidades existentes dentro de uma mesma sala de aula, que ninguém tão bem quanto o professor seria capaz de identifica-las. Um exemplo disso são as orientações ao professor presentes na coleção Tempo de Aprender (figura 2). Nessa perspectiva que aqui venho tecendo, orientações do tipo “atividade em grupo”, atividade em duplas”, “leitura compartilhada”, deveriam ser decisões a serem tomadas pelo professor diante de seu conhecimento de sua própria sala de aula, de seus alunos, das condições trabalho junto a eles, e não determinações do material didático, que abrange as mais diferentes realidades em todo o país, através do PNLD.

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professor. O livro do professor é a vigia, o adestramento, a tentativa de controle do trabalho docente por aqueles que têm o poder de falar e deliberar sobre tal trabalho (Foucault, 1999), o que se dá por meios das políticas públicas, tais como o PNLD. O livro do professor carrega toda a relação de poder ao qual o professor está submetido.

De acordo com Pfeiffer (2002, p. 10), “para se divulgar é necessário saber construir conhecimento. É este o lugar do professor: lugar de quem sabe construir para poder divulgar”. Porém, o professor não mais constrói conhecimentos, não mais participa de muitos processos educacionais, mas sim reproduz os conhecimentos legitimados e trazidos pelo livro didático, como também reforçam Machado e Abreu-Tardelli (2009, p. 114) ao salientarem que nos textos prescritivos

o papel de um real ator do processo educacional é negado aos professores, pois quase nunca aparecem como actantes no pleno exercício de sua responsabilidade, dotados de motivos, intenções e capacidades próprias diante de seu trabalho.

E se não constrói conhecimentos, em algumas situações o professor nem mesmo é visto como profissional capaz de ditar os rumos que deve dar ao seu trabalho, às atividades, uma vez que o material também especifica até mesmo em qual ordem o professor deve desenvolver as atividades, o que deve falar primeiro, como pode ser visto em outra orientação dada ao professor na coleção Viraver (figura 3).

Ao não ter espaço para interpretação e argumentação, o professor acaba por valorizar também os sentidos determinados pela ideologia dominante, ou àquela que mais agrada a escola, que é expressa nos materiais didáticos. E muitas vezes o professor não se dá conta disso, não se vê capturado por essa ideologia e interpelado por ela, e acaba por reproduzi-la, como nos diz Pacífico (2002):

A ideologia e o inconsciente limitam a pretensa liberdade do sujeito, pois este imagina-se ‘livre’ para dizer o que quer, não percebendo que é capturado pela ideologia. (...) O sujeito inserido na instituição escolar (em toda instituição, mas a delimitação se faz necessária para fins metodológicos) não tem consciência de que é interpelado pela ideologia (ilusão nº 1) e, portanto, não percebe que sua leitura está submetida ao sentido legitimado pela escola. (PACÍFICO, 2002, s.p.)

Logicamente é possível ao professor romper com tais determinações perversas e buscar sim o diálogo, a argumentação, a formação de alunos críticos em sala de aula. Para isso, precisa se perceber enquanto sujeito que está capturado pela ideologia dominante e buscar quebrar tal lógica. Não é tarefa fácil, visto que muitos professores não se percebem capturados, porém não impossível.

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O que busquei no presente trabalho é mostrar que existe uma lógica muito perversa em nossas escolas que atinge tanto alunos, mas também professores: a negação a ambos do direito de argumentar, interpretar, se tornarem sujeitos que historicizam os sentidos dados e que produzem sentidos, o que muito se deve à presença dos materiais didáticos.

O material didático tem se mostrado como um instrumento extremamente impactante e prescritivo sobre o trabalho do professor, que quanto mais se analisa e pesquisa, mais se percebe o poder de tal instrumento. Uma tentativa de vigiar, de padronizar, de adestrar os fazeres em sala de aula diante da visão de um professor que não mais tem a capacidade de dizer sobre seu próprio trabalho. É o mal formado, o sem tempo...e assim são vistos pelas próprias políticas públicas de educação, que causam também a intensificação do trabalho docente, bem como sua precarização, e que igualmente instituem os materiais didáticos através de programas como o PNLD, na tentativa de suprir as carências que as próprias políticas geraram.

Não defendo aqui a ausência de prescrições, de materiais que guiem o trabalho do professor e o aprendizado dos alunos. Porém o que está em jogo é a forma como tais prescrições chegam até as escolas e o modo como impactam o trabalho docente e o prescreve, tirando dele até mesmo o direito de falar e participar dos processos educacionais, algo que ninguém sabe tão bem quanto o próprio professor em seu trabalho. De acordo com Bronckart (2006, p. 205), “(...) só podemos agir sobre a Escola se levarmos em conta, mais cuidadosamente, a realidade de seu ‘estado’ atual”. Quem saberá melhor da realidade atual de cada escola senão aqueles que vivem dentro dela, que atuam, e que coexistem em meio a tantas situações adversas e diversas que permeiam o espaço escolar? Os professores, que tão o sabem, por vezes não são ouvidos, principalmente ao olharmos para muitas das políticas públicas para a educação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRONCKART, J.P. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. 1ª ed,

Mercado das Letras, 2006.

FOUCAULT, M. O recurso para o bom adestramento. In: FOUCAULT, M. Vigiar e

punir: nascimento da prisão. 20ª ed. Petrópolis: Vozes, 1999.

MACHADO, A.R.; ABREU-TARDELLI, L.S. Textos prescritivos da educação presencial e a distância: fonte primeira do estresse do professor? In: MACHADO, A.R.

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(org.) Linguagem e educação: o trabalho do professor em uma nova perspectiva. Campinas: Mercado das Letras, 2009.

MIRANDA, C.; MICARELLO, H.; SCHAPPER, I. Viraver: Letramento e

Alfabetização, 1º ano [Manual do Professor]. São Paulo: Scipione, 2012.

ORLANDI, E.P. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. 6 ed. Campinas: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 2007.

PACÍFICO, S.M.R. A opacidade da relação do sujeito com o sentido: da interdição à interpretação. In: Argumentação e autoria: o silenciamento do dizer. Tese de Doutorado. FFCLRP-USP, 2002, p. 16-39.

PFEIFFER, C. C. O lugar do conhecimento na escola. Alunos e professores em busca da autorização. In: Escritos. Escrita, Escritura, Cidade (III). nº.7, LABEURB. Campinas-SP, 2002.

SIQUEIRA, C.C. et al. Tempo de Aprender: Letramento e Alfabetização, 1º ano [Manual do Professor]. 2ª ed. São Paulo: IBEP, 2011

Figura 1

(MIRANDA, C.; MICARELLO, H.; SCHAPPER, 2012, p. 14)

Figura 2

(SIQUEIRA, C.C. et al, 2011, p. 12)

Figura 3

Referências

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