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A TV público-educativa no Brasil entre 1998 e 2008 : o debate em torno da institucionalização da "Rede Pública de TV" e da criação da Empresa Brasileira de Comunicação

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Josmar Brandão Coutinho

A TV PÚBLICO-EDUCATIVA NO BRASIL ENTRE 1998 E 2008: o

debate em torno da institucionalização da “Rede Pública de TV” e

da criação da Empresa Brasileira de Comunicação

CAMPINAS

2014

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

JOSMAR BRANDÃO COUTINHO

A TV PÚBLICO-EDUCATIVA NO BRASIL ENTRE 1998 E 2008: O

DEBATE EM TORNO DA INSTITUCIONALIZAÇÃO DA “REDE PÚBLICA

DE TV” E DA CRIAÇÃO DA EMPRESA BRASILEIRA DE

COMUNICAÇÃO

ORIENTADORA: PROFª DRª. RITA DE CÁSSIA LAHOZ MORELLI

Tese apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, da Universidade Estadual de Campinas para a obtenção do titulo de Doutor em Ciências Sociais.

ESSE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA POR JOSMAR BRANDÃO COUTINHO E ORIENTADA PELA PROFª DRª RITA DE CÁSSIA LAHOZ MORELLI APROVADA NO DIA 18/12/2014.

CAMPINAS 2014

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Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas

Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Paulo Roberto de Oliveira - CRB 8/6272

Coutinho, Josmar Brandão, 1972-

C837t CouA TV público-educativa no Brasil entre 1998 e 2008 : o debate em torno da institucionalização da "Rede Pública de TV" e da criação da Empresa Brasileira de Comunicação / Josmar Brandão Coutinho. – Campinas, SP : [s.n.], 2014.

CouOrientador: Rita de Cássia Lahoz Morelli.

CouTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

Cou1. Televisão pública. 2. Debates. 3. Espaços públicos. 4. Mercado. 5. Estado. I. Morelli, Rita de Cássia Lahoz,1959-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: The public-educational TV in Brasil from 1998 to 2008 : the debate towards the institutionalization of the "TV Public System" and the creation of the Brazilian Company of Communication

Palavras-chave em inglês: Public television Debates Public spaces Market State

Área de concentração: Ciências Sociais Titulação: Doutor em Ciências Sociais Banca examinadora:

Rita de Cássia Lahoz Morelli [Orientador] Valeriano Mendes Ferreira Costa

Rachel Meneguello Claudia Cabral Rezende Rodrigo Alberto Toledo Data de defesa: 18-12-2014

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RESUMO

O propósito dessa tese consiste em efetuar uma análise dos termos nos quais o debate sobre a TV não comercial se desenvolveu no Brasil desde 1998, momento em que ocorreu sua reorganização com a criação da Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (Abepec) e posteriormente a fundação da Rede Pública de TV, até 2008, período em que a Medida Provisória 398/ 2007, que criou a EBC, mantenedora da TV Brasil, foi convertida na lei 11.652 de 07 de abril de 2008. Para tanto, investigamos o modo como os agentes sociais expressaram-se ao longo desse período e em torno de quais conceitos e temas ocorreram mais controvérsias ou consensos. Verificamos a articulação de distintas concepções para a TV pública visando legitimar um projeto político que se iniciou em 1998, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Com o governo Luís Inácio Lula da Silva, num primeiro momento constatamos uma continuidade do projeto pensado para a TV pública presente no governo FHC. Desse modo, analisamos em que medida os princípios norteadores da Abepec, definidos em 1998, influenciaram a Carta de Brasília, documento oficial produzido ao final do I Fórum Nacional das TVs públicas em 2007. Já com a criação da Empresa Brasileira de Comunicação em 2008, ocorreu um embate entre distintos projetos políticos para a TV pública. Posto isto, explicamos de que forma essa discussão contribuiu para que se pensasse na elaboração de um projeto voltado para a efetivação de um modelo público de TV no Brasil. Dessa forma, o nosso intuito também foi responder se a criação da EBC, em 2007, implicou na constituição de uma TV pública no Brasil conforme a perspectiva de alguns agentes presentes no debate. Realizamos uma extensa pesquisa bibliográfica e documental visando resgatar tanto fontes históricas quanto teóricas, com o intuito de melhor entendermos o processo de reorganização da TV pública no Brasil. Portanto, realizamos entrevistas, pesquisamos livros, leis, decretos e atas, artigos de revista, sites e material de imprensa visando levantar elementos para a análise do debate.

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ABSTRACT

This work aims to analyse how the debate on non commercial TV has developed since 1998, when the reorganization with the creation of the Brazilian Association of Public, Educational and Cultural TV Stations (Abepc) happened and, afterwards, the fundation of the Pubic TV Network, until 2008, period when the Provisional Measure 398/2007, which created the EBC, TV Brasil sponsor, was converted into the Law 11.652 from April 07, 2008. In order to do that, we examined the way the social agents have expressed themselves through this period and among which concepts and themes occurred more controversies or consensus. We verified the articulation of distinct perceptions for the public TV aiming to legitimate a political project that began in 1998, during Fernando Henrique Cardoso’s government. With Luís Inácio Lula da Silva’s government, at first, we noted a continuity of the project designed for the public TV present at the FHC government. Thus, we analysed how the guiding principles from Abepec, defined in 1998, influenced the “Charter of Brasília” (Carta de Brasília), official document produced at the end of the “I National Forum of the Public TVs” in 2007. Once with the creation of the Brazilian Company of Communication in 2008, occurred a shock between distinct political projects for the public TV. Therefore, we explained how this discussion contributed for the process of elaboration of a project directed to the effectuation of a public model of TV in Brazil. Thus, our intention was to answer whether the creation of EBC, in 2007, implied the constitution of a public TV in Brazil according to the perspective of some agents present in the debate. We accomplished extensive bibliographical and documentary research, aiming to recover not only historical but theoretical sources as well, with the objective of understanding the process of reorganization of the public TV in Brazil. Therefore, we used interviews, and searched in books, laws, decrees and minutes, journal articles, websites and press material aiming to raise elements for the analysis of the debate.

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SUMÁRIO

1.Introdução...01

1.1– A constituição do espaço público no cenário de reorganização da TV pública no Brasil no âmbito da sociedade civil...05

1.2– Distintas concepções de sociedade civil...06

1.3– Diferentes perspectivas de espaço público...13

1.4– Método de pesquisa... ....20

1.5– Apresentação dos capítulos...21

2. Das políticas de comunicação voltadas para a TV educativa ao surgimento do modelo público de TV no Brasil...27

2.1 – A Televisão no Brasil: a possibilidade de ampliação da radiodifusão educativa ou um novo instrumento de exploração comercial?...28

2.2 – A institucionalização do Código Brasileiro de Telecomunicações e a aprovação do Estatuto da Fundação Centro Brasileiro e Televisão educativa...30

2.3 – A expansão das TVs educativas no Brasil: a busca por um propósito....35

2.4 – O conceito de TV pública: a experiência da TV Cultura de São Paulo...37

2.5 – A constituição de 1988: A articulação entre interesses privados e estatais se sobrepondo ao público no contexto da redemocratização...48

3. O impacto da reforma gerencial do Estado do governo FHC sobre as TVs não comerciais: O discurso dos agentes entre 1998-2002...55

3.1 – As Leis 8.977/95 e 9.637/98 : os canais de ‘interesse público’ e a criação das organizações sociais...56

3.2 –A busca por uma identidade para a TV pública no processo de criação da Abepec e da Rede Pública de TV: o discurso dos “críticos do estatismo” e dos “críticos do mercado”...59

3.3 – A BBC como parâmetro...71

3.4 – A Frente Parlamentar em defesa da TV pública e a Comissão de Tecnologia Comunicação e Informação da Câmara dos deputados...73

3.5– A polêmica em torno da publicidade na TV pública: “críticos do estatismo” versus “críticos do mercado”...73

4. A esfera pública não estatal: o discurso legitimador dos teóricos do governo FHC e Lula...83

4.1 – Os teóricos dos governos Lula e FHC...84

4.2 – A Abepec em busca de um novo conceito para a TV pública e o debate no CCS...89

4.3 – O discurso dos agentes nos seminário do Irdeb e da Acerp: a posição dos “críticos do estatismo” versus “críticos do mercado”...91

4.4 – Os “críticos do mercado” e as propostas para a busca de recursos para a TV pública...103

4.5 – O seminário da CCTCI e da Frente Parlamentar em defesa da TV pública: a perspectiva dos “críticos do estatismo” e dos “críticos do mercado”...105

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4.6 – O Decreto 5396/05 do governo Lula e a continuidade do projeto político

do governo FHC...109

4.7 – O discurso do Ministério da Cultura no primeiro mandato do governo Lula: a preponderância do discurso dos “críticos do mercado”...111

5. O I Fórum Nacional de TVs públicas: uma tentativa de consolidação do modelo público de TV no país...119

5.1 – A TV pública enquanto agenda estratégica para o Brasil: a perspectiva do Ministério da Cultura e da secretaria do audiovisual...120

5.2 – A distinção da TV pública na visão da TVE: O entretenimento e a TV pública - a expressão de um antagonismo?...124

5.3 – O diagnóstico das entidades do “campo público de televisão”...128

5.3.1 – A avaliação da ABEPEC...128

5.3.2 – A avaliação da ABTU...130

5.3.3 – A avaliação da ASTRAL...132

5.3.4 – A avaliação da ABCCOM...134

5.4 – A carta de Brasília: manifesto pela TV pública independente e democrática...136

CAPÍTULO 6 - Na criação da EBC o embate entre distintas perspectivas: a consolidação da TV pública no Brasil ou a criação de um TV Estatal?...141

6.1- As críticas em relação a MP 398/2007...142

6.2 – O debate da MP 398...153

6.3 – Governistas vencem o debate e MP é aprovada...161

6.4 – Preponderância da crítica ao estatismo no processo de configuração da EBC...162

CONSIDERAÇÕES FINAIS...165

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Aos meus pais, Jorge Brandão Coutinho – mestre Jorge – In memorian e Ondina Francisca Coutinho – dona Ondina – In Memorian, que por uma vida de dedicação, amor e trabalho sempre possibilitaram a seus filhos a oportunidade de realizar sonhos e conquistas.

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xv AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a professora Rita de Cássia Lahoz Morelli, pela amizade, carinho, orientação e imprescindíveis sugestões sobre este trabalho, sem as quais essa tese de doutorado não teria se concretizado. Devo agradecer também aos professores Valeriano Mendes Ferreira da Costa e Rachel Meneguello, pelas preciosas contribuições no exame de qualificação.

Agradeço imensamente aos professores Rodrigo Alberto Toledo e Cláudia Cabral Rezende pela constante interlocução. Agradeço também a professora Anita Simis, que teve grande importância em minha trajetória, por me apresentar ao universo acadêmico, através da indicação de caminhos e estímulo para a superação de obstáculos.

Muito obrigado aos funcionários da secretaria de pós graduação em Ciências Sociais, Maria Rita e Reginaldo pela dedicação e presteza com que realizam seus trabalhos.

Agradeço a todos os meus amigos que foram fundamentais para o meu equilíbrio durante esse período: Fábio Itokagi, Luciana Zambel, Andreia Mascia, Daniela Abelhaneda, Aparecido Cavalcanti, Alessandra de Cássia Laurindo, Alessandro Giannini, Camila Hofling, Rogério Varanda, Cíntia Honda, Alessandro Oliveira, Ligia Barros, Ada Almeida, Kátia Baptista, Rosicler de Souza. As amigas e companheiras de trabalho do Programa de Educação Integral da Prefeitura Municipal de Araraquara, Isabela Barsaglini, Natália Almeida, Roberta Marcelo e a amiga Maria Nazaré Salvador, admirável educadora, que muitos têm como referência, pelas discussões que contribuíram para refletir sobre questões fundamentais desse trabalho, a amiga, companheira de viagem e de trabalho no Centro Universitário Central Paulista, Beth Assis, pelas conversas e apoio em vários momentos.

Por fim, agradeço a minha família pela compreensão e ajuda, meus irmãos e sobrinhos e todos aqueles que contribuíram para a concretização desse trabalho. Agradeço ao grande pai Oxalá e a Ogum guerreiro, meu protetor.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Abepec – Associação Brasileira das emissoras Públicas Educativas e Culturais ABTU – Associação Brasileira de Televisão Universitária

ACERP – Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto

Astral – Associação Brasileira de Televisões e Rádios Legislativas ABCCOM – Associação Brasileira de Canais Comunitários

ABTA – Associação Brasileira de TV por assinatura ANATEL – Agência Nacional de telecomunicações.

ABERT – Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão ANCINE – Agência Nacional de Cinema

BBC – British Broadcasting Corporation EBC – Empresa Brasil de Comunicação

CCTCI – Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados

CCS – Conselho de Comunicação Social do Senado CONTEL – Conselho Nacional de Telecomunicações

FNDC – Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação FENAJ – Federação Nacional dos Jornalistas

FCBTVE - Fundação Centro Brasileiro de TV Educativa FPA – Fundação Padre Anchieta

FRP - Fundação Roquette Pinto

IRDEB - Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia MEC – Ministério da Educação

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PRONTEL – Programa Nacional de Teleducação SEAT – Secretaria de Aplicações Tecnológicas.

SERTE – Serviço de Educação e Formação pelo rádio e televisão SINRED – Sistema Nacional de Radiodifusão Educativa

SIREN – Sistema de Rádio Educativo Nacional SNC – Sistema Nacional de Cultura

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1- Introdução

Evidencia-se nos últimos anos o desenvolvimento de um intenso debate sobre a TV Pública no Brasil. Nesse sentido, o ponto de partida empírico desta pesquisa é a discussão iniciada em abril de 1998, quando foi criada a Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (Abepec) durante assembleia geral, na sede da TV Cultura, na cidade de São Paulo, com a presença de dirigentes de emissoras de televisão educativa e cultural do País. A Entidade tem personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, e congrega as emissoras geradoras de caráter educativo e cultural, não comercial.

No ano de 1999 foi criada pela Abepec a Rede Pública de TV, no ar desde setembro do mesmo ano, com 26 estações geradoras e 938 retransmissoras que podem atingir um público de 98 milhões de pessoas. Esta rede nasceu tendo como proposta focar a diversidade e a pluralidade cultural do País, preservando as tradições e particularidades dos habitantes de cada um dos Estados em que a Abepec está presente.

Nos primeiros anos da década de 2000, constatamos que ocorreram alguns seminários e debates abordando os rumos da TV Pública. Destacamos também o I Fórum Nacional das TV Públicas, realizado em 2007, que pode ser considerado uma síntese dos encontros promovidos no início da década.

Destarte, essa tese teve como objetivo analisar os termos do debate sobre a reorganização da TV pública entre 1998 e 2008, nos governos Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva; período em que o campo político e o jornalístico discutiram efusivamente a TV pública e as consequências da Medida Provisória 398 editada em outubro de 2007, que criou a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), mantenedora da TV Brasil.

Os principais temas presentes na discussão sobre a TV pública feitos nessa tese foram: seu conceitos, seus objetivos, sua autonomia política, financeira e de gestão, e sua relação com o Estado e com o mercado. Posto isto, nos propomos levantar elementos que pudessem contribuir para definir o que se compreende por TV pública no Brasil, procurando identificar os distintos

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projetos políticos que nortearam o debate. Desse modo, trabalhamos com a noção de projetos políticos, desenvolvida por Dagnino (2004), utilizada num sentido próximo da visão gramsciana, para designar os conjuntos de crenças, interesses, concepções de mundo, representações do que deve ser a vida em sociedade, que orientam a ação política de diferentes sujeitos.

Além da Abepec e suas entidades, identificamos outros setores que promoveram encontros visando debater a TV pública, entre estes destacamos a imprensa escrita, a Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados e a Frente Parlamentar em defesa da TV pública, Câmara dos Deputados, Conselho de Comunicação Social do Senado (CCS) e Conselho Nacional de Saúde (CNS) entre outros.

Ao analisar o período compreendido entre 1998 e 2008, notamos que os princípios norteadores da Abepec1 definidos em 1998, foram cruciais para o desenvolvimento do debate sobre a TV não comercial, uma vez que, influenciaram a Carta de Brasília, documento produzido ao final do I Fórum Nacional das TVs públicas em 2007, que, além de enfatizar os princípios da Abepec, aprofundou alguns itens não mencionados, principalmente no que diz respeito a autonomia econômica, política e de gestão em relação ao Estado e ao mercado2.

O nosso intuito ao resgatar o debate foi mostrar que, apesar de existir no âmbito da sociedade civil a perspectiva de um projeto político voltado

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1)defesa da TV pública em sua integridade, independência; mecanismos de gestão que garantam a viabilidade técnica e financeira da emissora para exercer com regularidade e eficiência sua função educativa, cultural e informativa a serviço do homem e da sociedade brasileira; 2) a defesa da TV pública como fator de integração, inclusão social e canal de acesso à informação e à comunicação livre e igual para todos; 3) a defesa da pluralidade, da diversidade e direitos das minorias, valorizando-se as culturas regionais e a identidade nacional; 4) a defesa do entretenimento saudável e enriquecedor, que demonstre respeito à inteligência e à sensibilidade do telespectador, sobretudo das crianças; 5) a defesa dos direitos humanos e da informação como instrumento de cidadania; 6) a valorização dos programas como complemento à ação educadora da escola e formadora da família; condenação aos atos que incitem a sexualidade precoce na programação; 7) a valorização da criatividade e inovação na produção de programas educativos e culturais; 8) a valorização da análise e do espírito crítico e questionador como forma de estimular a busca de fontes alternativas de conhecimento e informação; 9) a não submissão às imposições mercadológicas, em respeito ao telespectador como cidadão; 10) o repúdio ao estímulo a todas as formas de violência na programação e condenação a qualquer tipo de exploração que conduza à humilhação do ser humano na programação (TVS PÚBLICAS...Folha de São Paulo, São Paulo, 14/03/1999).

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A TV Pública deve ser independente e autônoma em relação a governos e ao mercado, devendo seu financiamento ter origem em fontes múltiplas, com a participação significativa de orçamentos públicos e de fundos não-contingenciáveis; As diretrizes de gestão, programação e a fiscalização dessa programação da TV Pública devem ser atribuição de órgão colegiado deliberativo, representativo da sociedade, no qual o Estado ou o Governo não devem ter maioria.

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para a constituição de uma TV pública autônoma em relação ao poder político e econômico, não há como dizer que se efetivou na prática. Observamos nos princípios da Abepec, quando surgiu, um desejo de autonomia que encontraria um respaldo no discurso do governo FHC, cujo projeto político implicava na ideia de construir uma esfera pública não estatal, uma vez que as propostas da Abepec, de uma certa forma, iam ao encontro da concepção de Bresser Pereira, ministro da reforma do Estado de FHC, cuja perspectiva apontava para a possibilidade de atender as expectativas de setores da sociedade civil envolvidos no debate sobre a TV pública no Brasil.

No transcorrer do debate, durante o governo Lula (2003-2008), se manifestaram diferentes grupos de interesse cuja posição, no debate, identificamos como “críticos do estatismo”3 e “críticos do mercado”4, mas ambos defendiam a perspectiva de uma esfera pública não estatal. Assim podemos pensar nos debates, seminários e fóruns referentes à TV pública como cruciais na constituição de espaços públicos de resistência que questionam “o histórico monopólio estatal sobre a definição do que é público” (DAGNINO, 2002b, p. 295). A atuação desses grupos pertencentes à sociedade civil foi fundamental no processo que conduziria as ações do governo a uma tentativa de implementar um modelo de TV pública no Brasil.

Assim, procuramos responder quais as semelhanças e diferenças em relação aos dois governos, as principais reivindicações do agentes da sociedade civil e do campo político presentes nos espaços públicos de debate que se constituíram entre 1998 e 2008.

Verificamos que o governo Lula não rompeu no seu primeiro mandato com o projeto político voltado para o serviço não comercial de televisão do governo FHC, expressando uma concordância com o processo de

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Os “críticos do estatismo” ao defenderem a possibilidade do mercado como financiador ao considerarem a publicidade como algo inevitável. Por outro lado, apontaram ser fundamental a autonomia política em relação ao poder Estatal por temerem o controle estatal.

4 Os “críticos do mercado” embora fossem afinados com a perspectiva do público não estatal, iriam criticar a

publicidade na TV pública, portanto não temiam o estatismo, por deixarem aberta a possibilidade dos recursos virem do Estado.

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reforma do Estado de Bresser Pereira. Por outro lado, notamos nesse período uma presença maior do Estado nas discussões envolvendo a TV pública.

Nesse momento, o discurso do então Ministro da Cultura, Gilberto Gil, procuraria resgatar o papel do Estado como responsável pela cultura, destacando o papel do MinC (Ministério da Cultura) como formulador e executor de políticas públicas de cultura voltadas para o desenvolvimento econômico, consagrando a pluralidade nacional.

Dessa forma, notamos que no governo Lula em seu primeiro mandato investiu-se muito mais no projeto de construção de nação, diferente da idéia do Estado novo ou dos militares, mas focando a questão da diversidade, proposta pelo Minc, acolhendo todas as manifestações. Notamos também que durante o primeiro mandato deste governo não ocorreram atritos no âmbito da sociedade civil, uma vez que o governo conduziria suas ações em continuidade com a proposta de FHC, no que diz respeito à TV não comercial. Posteriormente, no segundo mandato, a atuação do governo Lula iria adquirir uma configuração voltada para a elaboração de um projeto político distinto, uma vez que a criação da TV Brasil representou a constituição de uma TV que, embora tenha se apresentado como pública, teria um contorno de TV estatal em sua configuração.

Portanto, nossa hipótese de pesquisa é a de que o governo Lula tomou a frente da discussão com a sociedade civil por meio do MinC, organizando o I Fórum das TVs públicas, mostrando-se aberto às reivindicações dos agentes presentes no debate no seu primeiro mandato. No entanto, no seu segundo mandato, observamos uma nítida mudança de projeto político, pois o governo encampou o debate conduzindo-o de acordo com uma agenda política que se adequaria a uma TV com moldes estatais, uma vez que caberia ao presidente da República nomear os dirigentes da emissora, implicando assim, uma preponderância do poder político em relação às demandas dos agentes da sociedade civil. Dessa forma, essa TV que foi apresentada como pública, tem um perfil de TV estatal em sua configuração. Posto isto, após a criação da EBC notamos que ocorreu um rearranjo de posições dos membros do grupo que identificamos como “críticos de estatismo”

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e “críticos do mercado” dentro do debate, pois alguns membros vinculados aos críticos do mercado se posicionaram contrários à criação da TV Brasil, mostrando que o governo se isolou.

1-1. A constituição do espaço público no cenário de reorganização da TV pública no Brasil no âmbito da sociedade civil

Notamos que o debate sobre a reorganização da TV Pública no Brasil, a partir do final da década de 1990, do século XX, está inserido num contexto que, vinculado ao processo de construção da democracia no país, aponta para uma situação conflituosa. Nas palavras de Dagnino (2004, p. 96), “um dilema cujas raízes estão na existência de uma confluência perversa entre dois processos políticos distintos”.

Por um lado, ocorreu um processo de ampliação da democracia, que se expressou na constituição de espaços públicos e aumento da participação da sociedade civil nas discussões e resoluções vinculadas com as questões públicas e políticas públicas. A Constituição de 1988 consolidou o princípio de participação da sociedade civil. No entanto, em 1989, com a chegada de Collor de Mello ao poder, no âmbito de implementação do neoliberalismo emerge um projeto de Estado mínimo cuja tendência era transferir suas responsabilidades sociais para a sociedade civil. “A perversidade estaria colocada, desde logo, no fato de que, apontando para direções opostas e até antagônicas, ambos os projetos requerem uma sociedade civil ativa e propositiva”(DAGNINO, 2004, p. 96).

Para Dagnino (2004), o reconhecimento dos dilemas colocados por essa confluência perversa impõe inflexões necessárias no modo como é analisado o processo de construção democrática no Brasil, as relações entre Estado e sociedade civil e a problemática da constituição de espaços públicos e sua dinâmica de funcionamento.

Esta perspectiva propõe repensarmos a relação Estado/sociedade civil, assim como os espaços públicos que são construídos e organizados, aprofundando na noção de projeto político nos âmbitos teórico e empírico, procurando analisar “os distintos projetos políticos em disputa”, bem como “desvendar a crescente opacidade construída por referências comuns, através

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da explicitação dos deslocamentos de sentido que sofrem” (DAGNINO, 2004, p. 98)

Além disso, essa concepção permite transcender a visão homogênea tanto do Estado quanto da sociedade civil e o reconhecimento de sua diversidade interna e as disputas políticas que se expressam no seu âmbito.

Uma das principais características no processo de construção da democracia no Brasil foi a possibilidade de conduzir projetos que se formaram no interior da sociedade civil para o âmbito do poder do Estado no nível dos poderes executivos “Assim, a década de 90 foi cenário de inúmeros exemplos desse trânsito da sociedade civil para o Estado” (DAGNINO, 2002a, p. 281).

Dagnino propõe que, ao analisarmos a influência da sociedade civil sobre a atuação dos governos é necessário considerar o que articula e separa estas categorias, “inclusive aquilo que une ou opõe as diferentes forças que as integram, os conjuntos de interesses expressos em escolhas políticas: aquilo que está sendo aqui designado como projetos políticos”. (DAGNINO, 2002a, p. 282).

Posto isto, concordamos com Dagnino cuja argumentação é de que a avaliação desses espaços públicos de participação não deve ser considerada apenas como expressão de uma sociedade civil homogênea, mas como fruto de relações de forças compostas por agentes que defendem projetos políticos distintos.

1.2 - Distintas concepções de sociedade civil

Nos termos apontados acima e visando aprofundar a reflexão, consideramos pertinente discutir o conceito de sociedade civil tal como foi elaborado por alguns estudiosos que se debruçaram sobre o tema. Notamos que Gramsci (1982), distinguiu duas esferas fundamentais no interior das superestruturas. Assim, chamou de “sociedade civil”:

o conjunto de organismos chamados comumente de “privados” e o da “sociedade política ou Estado”, que correspondem à função de organização de “hegemonia” que o grupo dominante exerce em toda a sociedade e àquela de “domínio direto” ou de comando, que se expressa no Estado e no governo “jurídico”. Essas funções são precisamente organizativas da hegemonia social e do governo político, isto é: 1) do consenso

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“espontâneo” dado pelas grandes massas da população à orientação impressa pelo grupo fundamental dominante à vida social, consenso que nasce “historicamente” do prestígio (e, portanto, da confiança) que o grupo dominante obtém, por causa de sua posição e de sua função no mundo da produção; 2) do aparato de coerção estatal que assegura “legalmente” a disciplina dos grupos que não “consentem”, nem ativa nem passivamente, mas que é constituído para toda a sociedade, na previsão dos momentos de crise no comando e na direção, nos quais fracassa o consenso espontâneo (GRAMSCI, 1982, p. 11).

Nessa perspectiva, podemos identificar a sociedade política como o conjunto dos mecanismos através dos quais a classe dominante detém o monopólio legal da repressão e da violência e se reconhece “nos aparelhos de coerção sob controle das burocracias executiva e policial-militar” e a sociedade civil, como as organizações responsáveis pela elaboração e/ou difusão das ideologias, “compreendendo o sistema escolar, as Igrejas, os partidos políticos, os sindicatos, as organizações profissionais, a organização material da cultura (revistas, jornais, editoras, meios de comunicação de massa), etc” (COUTINHO, 1999, p. 127).

Destarte, (Coutinho,1999) demonstra que na dimensão da sociedade civil, as classes almejam exercer sua hegemonia, ou seja:

buscam ganhar aliados para suas posições mediante a direção política e o consenso”. Os portadores materiais da sociedade civil são o que Gramsci chama de “aparelhos privados de hegemonia”, ou seja, organismos sociais coletivos voluntários e relativamente autônomos em face da sociedade política”. Por meio da sociedade política, ao contrário, as classes exercem sempre uma ditadura, ou, mais precisamente, uma dominação mediante coerção. A sociedade política tem seus portadores materiais nos aparelhos repressivos de Estado (controlados pela burocracia executiva e policial- militar) (COUTINHO, 1999, p. 128).

De acordo com Coutinho, o processo de conquista do poder do Estado nas sociedades complexas do capitalismo recente, “deve ser precedida por uma longa batalha pela hegemonia e pelo consenso no interior e através da sociedade civil, isto é, no interior do próprio Estado em seu sentido amplo” (COUTINHO, 1999, p. 135).

Nogueira (2003) se respalda no conceito de sociedade civil em Gramsci, debatendo com distintas concepções de sociedade civil no atual

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panorama político e cultural, estruturadas a partir de diferentes programas de ação e influências teóricas. Dessa forma, argumenta que na perspectiva gramsciana, este conceito complexo e sofisticado, nos permite compreender a realidade contemporânea. Para Gramsci, a sociedade civil é uma “instância que tem uma “função estatal”, uma vez que se apresenta como “hegemonia política e cultural de um grupo social sobre toda a sociedade, como conteúdo ético do Estado” (GRAMSCI apud NOGUEIRA 2003, p. 187).

Nesse sentido, Nogueira (2003, p. 187) afirma que, no debate em relação ao conceito de sociedade civil, a tradição vinculada a Gramsci concebe a sociedade civil como “parte orgânica” do Estado, como cenário dotado de particularidade, “compreensível se integrado a uma totalidade histórica”. Por outro lado, as perspectivas recentes tratam a sociedade civil como uma dimensão separada do Estado e da economia, potencialmente criativa e contestadora, vista como base operacional de iniciativas e movimentos não comprometidos com as instituições políticas e as organizações de classe, ou como espaço articulado pelas dinâmicas da “esfera pública” e da “ação comunicativa”.

Transitou-se assim de uma imagem de sociedade civil como palco de lutas políticas e empenhos hegemônicos, para uma imagem que converte a sociedade civil em recurso gerencial – um arranjo societal destinado a viabilizar tipos específicos de política públicas -, ou em fator de reconstrução ética dialógica da vida social” (NOGUEIRA, 2003, p. 187).

Nogueira nos mostra que, Gramsci pensava numa sociedade civil político-estatal, na qual seus personagens característicos são atores do campo estatal em sentido amplo, um Estado social democrático e participativo, que estimula a vida coletiva e se apresenta como modelo de distintos interesses, limitando-os e principalmente os conduzindo para uma realização plena e não predatória. A sociedade civil em Gramsci é:

uma figura do Estado, e foi enfatizada por Gramsci com a grande novidade que, na passagem do século XIX para o século XX, modificava a natureza mesma do fenômeno estatal, encaminhando-a em direção à idéia do “Estado ampliado”. Ela se articula dialeticamente no Estado e com o Estado, seja esse entendido como expressão jurídica, como condensação política das lutas de classes ou como aparato de governo e intervenção (NOGUEIRA, 2003, p. 190).

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Nessa perspectiva, a sociedade civil é abordada como um espaço onde são formulados e efetivados projetos globais de sociedade e se vinculam possibilidades de orientação “ético-política, se disputa o poder e a dominação”. Um espaço de invenção e organização de novos Estados, novas pessoas, de luta e contestação no qual se formam vontades coletivas.

A sociedade político-estatal é o campo por excelência do governo socialmente vinculado e da contestação política. Nela podem se articular movimentos que apontam seja para a construção de hegemonias, seja para o controle e o direcionamento dos governos, seja para a regulação estatal e o delineamento de soluções positivas para os problemas sociais (NOGUEIRA, 2003, p. 191).

Para o autor, o atual cenário contemporâneo marcado pela fragmentação e individualização traz como consequência uma ressignificação das categorias referenciadas pelo Estado e pelo político. Assim afirma que surgem ideias alternativas de sociedade civil cujo eixo comum consiste em pensar o Estado, a sociedade e a economia como espaços autônomos, ainda que relacionados. Desse modo, destaca duas perspectivas teóricas distintas que debatem e concorrem com o pensamento gramsciano.

A primeira abordagem, chamada de sociedade civil liberalista, está na base teórica do “Terceiro Setor”, apresenta-se como externa ao Estado, um espaço no qual pode existir oposição, mas não contestação, considera que o mercado dirige a luta social em termos competitivos e particulares, sem intervenção do Estado. Faz um contraponto a perspectiva de Gramsci ao sugerir que o Estado mostra-se como o outro lado do mercado e da sociedade civil.

Nessa ideia de sociedade civil não há lugar para a questão da hegemonia. Nela, não se trata de saber se algum ator pode ou não prevalecer e dirigir a sociedade, mas de verificar como os atores atuam para obter vantagens ou extrair maiores dividendos para si (...). Trata-se de um espaço cujos personagens típicos são atores que se organizam ou de modo restrito, egoístico, ou de modo desinstitucionalizado (por exemplo, no plano do voluntariado ou do assistencialismo tradicional). Não há ações que pretendam a conquista do Estado, mas ações contra o Estado ou indiferentes em relação a ele. Em decorrência, o Estado que corresponde a essa sociedade civil é um Estado mínimo, reduzido às funções de guarda da lei da segurança, mais liberal e representativo do que democrático e participativo (NOGUEIRA, 2003, p. 192).

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A segunda abordagem alternativa de sociedade civil, a sociedade civil social, geralmente é considerada uma extensão crítica do conceito de Gramsci, mas apresenta algumas semelhanças com a perspectiva da sociedade civil liberalista. Nessa perspectiva, sociedade civil apresenta-se como uma esfera autônoma da sociedade política e do Estado. Assim, Nogueira enfatiza que ao espoliar-se do político e separar-se do Estado, “nota-se a pre“nota-sença de uma política convertida em ética que não “nota-se mostra como “poder, dominação, hegemonia e Estado e, portanto, com poucas chances de se efetivar”.

Nela, a política está presente e tem lugar de destaque, mas nem sempre comanda: a luta social muitas vezes exclui a luta institucional e com ela se choca, impossibilitando ou dificultando o delineamento e a viabilização de estratégias de poder e hegemonia, (...) os interesses, aqui, se mostram refratários a articulações superiores ou à quebra de atitudes corporativas: sua maior virtude é a autonomia. Seus personagens típicos são atores que operam na fronteira do Estado: os novos movimentos sociais, fortemente concentrados na vocalização de metas não “materiais”, tópicas e particulares, muitas vezes concebidas como “políticas de identidade” (NOGUEIRA, 2003, p. 193).

Para Nogueira (2003, p.194) embora a sociedade civil social seja um espaço de resistência, sua fragmentação é inevitável, uma vez que reflete uma situação “explosiva, multifacetada, complexa, despojada de centros organizacionais”. Não há nela, ainda, a possibilidade de se fixarem projetos em condições de converter a “resistência em ataque”, em “estratégia de poder, em anúncio de futuro desejável para todos”.

Nogueira (2003, p. 195) afirma que, na sua representação “típico-ideal”, essa sociedade civil gera estímulos fundamentalmente “libertários e mobilizadores”: movimentação duradoura, independência, aquisição de direitos. Desse prisma, é um espaço de contestação ao sistema, “mas não de governo do sistema”. Nela podem se vincular ações que almejem constituir valores alternativos, organizando redes e fóruns de resistência, “ativar a cidadania mundial, pressionar e encurralar governos, postular novos modelos de políticas públicas, maior justiça social ou melhor distribuição de renda (entre grupos e nações)”

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Tanto a sociedade civil social como a liberalista sustentam-se sobre uma valorização da sociedade civil em si, isto é, como esfera própria, autônoma diante do Estado e a ele tendencialmente oposta, uma instância homogênea e integrada por intenções comuns, que se comporiam “espontaneamente”. Com isso, dá-se passagem a uma ideia de sociedade civil vazia de tensões, disputas ou contradições, uma sociedade civil que “luta” mas que não está atravessada por lutas e que, por isso, não se estrutura como um campo de ações dedicadas a organizar hegemonias (NOGUEIRA, 2003, p. 195).

Ao fazer referência a Whitehead (1999), Nogueira aponta que a sociedade civil é um terreno de interesses conflitivos e só podem se compor mediante ações políticas determinadas. Não é uma área social organizada somente por valores benignos ou “pelos interesses mais justos, mas um terreno que também abriga interesses escusos, ideias perversas e valores egoísticos, no qual podem se desenvolver muitas atitudes e condutas ‘incivis’ (NOGUEIRA, 2003, p. 195). Sobre este aspecto é interessante ressaltar que, para Gramsci, só porque a sociedade civil geralmente expressa mais o consentimento do que a força, “de forma alguma se conclui que a sociedade civil é, por conseguinte, necessariamente benigna. Este parece um ponto particularmente importante de salientar no clima político contemporâneo” (CREHAN, 2004, p. 127).

Nogueira tece uma crítica a estas abordagens referentes à sociedade civil respaldando-se na perspectiva de Whitehead (1999), afirmando que, ao estabelecerem uma ruptura entre sociedade civil e Estado, não reconhecem que os “riscos que ameaçam esse espaço social não derivam do estatismo invasivo, mas da ‘incivilidade’ e do ‘canibalismo social’ inerentes a uma sociedade ‘liberada do Estado’ (NOGUEIRA, 2003, pp. 195-196):

Isto é, não estruturada por um Estado que contrabalance as desigualdades e faça com que valores gerais (justamente os da cidadania política) prevaleçam sobre interesses particulares-egoísticos. Do mesmo modo, se enfatiza unilateral e axiologicamente o associativismo – considerando-o um âmbito de autenticidade social e virtude cívica – por exemplo – pode-se não só esvaziar o político-estatal de pode-sentido, como também oferecer justificativas para as posições que, em nome da recuperação das “tradições perdidas”, da pureza popular ou do espontaneísmo social, combatem justamente as funções reguladoras e distributivas do Estado, valendo-se muitas vezes de expedientes autoritários ou paternalistas” (NOGUEIRA, 2003, p. 196).

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Em um mundo marcado por relações extremamente complexas, multifacetadas e fragmentadas, mediadas por sofisticados sistemas tecnológicos, a categoria de sociedade civil enquanto pertencente a esfera da superestrutura nos permite refletir sobre essa dimensão de modo que: “possibilite uma oportunidade de unificação e agregação superior – mostra sua utilidade justamente por criar uma espécie de zona-limite da desagregação social” (NOGUEIRA, 2003, pp. 196-197).

O conceito de sociedade civil, embora desperte muita polêmica no que diz respeito à forma como é utilizado e em relação aos seus objetivos, apresenta-se como um instrumento analítico de extrema relevância, não só para compreendermos o desenvolvimento da sociedade capitalista como o atual cenário contemporâneo, no qual diversas concepções de sociedade civil visam justificar e legitimar políticas que afetam a vida de milhares de indivíduos.

Isto fica evidente quando pensamos em abordagens que veem a sociedade civil separada do Estado. Esta perspectiva apresenta nitidamente uma postura que contribui para despolitizar as relações sociais, assim como se fecha para a possibilidade de transformações na organização social, uma vez que estimula o individualismo e reforça a cultura da competitividade. Por outro lado, a concepção de sociedade civil, em Gramsci, abre-se para pensarmos a constituição de um espaço, não somente de resistência, oposição e contestação, mas no qual configura-se uma vontade coletiva no interior de um Estado em que os agentes participantes contribuam para a construção de uma sociedade democrática.

Dagnino (2002a) nos chama a atenção para o importante papel que a sociedade civil pode ter no contexto marcado pela “confluência perversa”, que tende a desmobilizar a sua participação. Em sua perspectiva é de que o sentido da política pode ser resgatado e fortalecido pela sociedade civil em espaços públicos, visando o interesse público.

A autora destaca ainda a relevância em resgatar o caráter público que devem ter as políticas públicas, e que a formação do interesse público é um processo inovador na sociedade brasileira, e por isso enfrenta resistências

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e obstáculos. Além disso, enfatiza que a dimensão do conflito é intrínseca a esse processo, como é o da própria democracia.

Dessa forma, a reflexão sobre espaço público é fundamental para pensarmos esta categoria não só como um instrumental analítico da nossa realidade mas também como um conceito essencial de luta no processo de construção da democracia no país.

1.3- Diferentes perspectivas de espaço público

Costa (1999), ao discorrer sobre a categoria de espaço ou esfera pública faz menção a quatro perspectivas distintas: a da sociedade de massas; a republicana; a pluralista e a discursiva.

Na perspectiva da sociologia da sociedade de massas, a esfera pública corresponde essencialmente ao espaço controlado pelos meios de comunicação de massa, respaldando-se na atualização do conceito de indústria cultural, tal como formulado por Adorno. Assim se esboça a imagem de um público atomizado e disperso que, de produtores críticos da cultura, se transformaram em consumidores passivos dos conteúdos dos meios. Costa afirma que:

Este tipo de visão de espaço público é claramente hegemônico entre os teóricos da comunicação na América Latina (ver, entre outros, Brunner, 1994; Garcia Canclini, 1990). Estes autores constatam que todos os desenvolvimentos históricos supostamente necessários para a transição a modernidade, como a reforma religiosa, as revoluções burguesas, etc., haviam faltado na América Latina. Por tanto, a .modernidade se da entre nós tardiamente, caracterizando a constituição de um plasma cultural híbrido, no qual as reminiscências de formas culturais tradicionais vão sucumbindo, ao longo de rápido processo de urbanização e fragmentação das identidades pré-existentes, frente a valores do individualismo e do desejo de ser moderno dos “públicos educados” (COSTA, 1999, p. 97). Nessa concepção, os veículos de comunicação de massa seriam os primeiros instrumentos para a operação de tal perda da tradição das sociedades latino-americanas. Diferentemente, dos contextos europeus – nos quais a fragmentação urbana e a sociedade de massa haviam produzido a paulatina extinção da “esfera pública burguesa” existente -, os países latino americanos seriam caracterizados pela inexistência prévia de tal espaço comunicativo.

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Ao fazer referência a Hanna Arendt, Costa define o modelo republicano de espaço público afirmando que:

(...) a política representa o meio pelo qual os membros de uma comunidade interiorizam seus compromissos de reciprocidade com os demais, constituindo-se dessa forma como cidadãos. O espaço público tem, para a visão republicana uma importância central: aqui esta esfera não representa mais o campo da disputa por posições de poder como na concepção pluralista, a esfera pública torna-se, pelo contrário a arena da auto organização da sociedade como comunidade política de semelhantes (ARENDT apud COSTA, 1999, pp. 99-100). Nesta perspectiva o espaço público é pensado como uma dimensão da sociedade na qual os indivíduos expressam suas aspirações visando garantir seus direitos enquanto cidadãos que pertencem a uma coletividade na qual todos são iguais. Assim, a política constitui a dimensão responsável pelo processo de socialização.

Na visão pluralista da esfera pública, os cidadãos individuais da tradição liberal são substituídos por associações diversas, supondo que estão abertas a todos os atores coletivos possibilidades semelhantes de influir nos processos de constituição da agenda pública e de tomada de decisões. Valem aqui, os princípios e a aspiração liberal orientados para a garantia de uma sociedade econômica capaz de atender as expectativas individuais de felicidade. Nessa dimensão, o papel da política consiste, precisamente, em reunir e garantir a implementação dos interesses particulares junto ao Estado, entendido como aparato administrativo a serviço dos cidadãos reunidos em suas associações.

De acordo com a concepção pluralista, a esfera pública representa o espaço de ação onde os atores coletivos disputam visibilidade e influência, além da arena onde os atores políticos almejam conquistar o apoio plebiscitário dos cidadãos. Nesta perspectiva, não se tem qualquer distinção analítica e normativa entre os atores coletivos vinculados à sociedade civil e os grupos que representam interesses econômicos específicos. Os diferentes atores políticos buscariam, sem distinção, operacionalizar o espaço público para a efetivação de seus interesses particulares.

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Ao discorrer sobre o modelo discursivo, Costa (1999 )aponta a perspectiva de Habermas afirmando que o mesmo dialoga com as três concepções mencionadas acima. Assim, conforme as teorias das sociedades de massas , Habermas reconhece a centralidade dos meios nas sociedades contemporâneas, relativizando, no entanto, a ideia de um público atomizado e desorganizado, que somente absorve, sem criticar os conteúdos divulgados. O autor mostra que o conjunto de possibilidades públicas de uma comunicação controlada pelos meios não corresponde a todo o “volume” da esfera pública. Além do espaço público controlado pelos oligopólios da comunicação das massas, persistiria uma variedade de estruturas comunicativas e uma gama correspondente de processos sociais de recepção e reelaboração das mensagens recebidas, cuja existência confere, certamente, consistência, ressonância e sentido no cotidiano dos atores.

Costa (1999) afirma que, em relação à concepção republicana, Habermas argumenta que a força sócio integrativa que emana das interações comunicativas voltadas para o entendimento e que têm lugar no mundo da vida não migra imediatamente para o plano político, o que permitiria essa comunidade de cidadãos iguais e virtuosos se concretizar, se daria no âmbito da esfera pública. O poder conferido à sociedade civil e ao próprio campo de construção, no sentido genérico da soberania popular, não deve estar associado, segundo o autor, à ideia de um povo concreto que tem, no Estado, sua corporificação institucional. Assim, a influência da sociedade civil se concretiza de maneira anônima e difusa por meio da existência de uma esfera pública transparente e porosa, permeável às questões originadas no mundo da vida. Somente através da mediação dos processos institucionais de formação da opinião e da vontade é que o poder de influência da sociedade civil deve chegar ao Estado, já não mais a contraparte institucional da sociedade civil, como na concepção republicana, mas a esfera com competências funcionais e políticas delimitadas pelo direito e pela lei.

Habermas revela o caráter meramente empírico da concepção de política e de espaço público dos pluralistas. Conforme o autor, a constatação da existência de uma concorrência pública entre os grupos diferentes,

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organizados pela realização de seus interesses, representa apenas a dimensão mais visível das disputas políticas nas sociedades contemporâneas. O autor procura, por isso, amparado em seu modelo de sociedade em dois níveis, a órbita do mundo da vida e as esferas sistêmicas; distinguir as origens diversas das diferentes entradas que chegam na esfera do público. A imagem de espaço público que nasce dessa abordagem é, por essa razão, ambivalente: para a esfera pública, dirigem-se tanto as visões do mundo, as interpretações e as reivindicações gestadas no mundo da vida, a partir de relações comunicativas voltadas para o entendimento, quanto as tentativas dos atores sistêmicos de concretizar seus interesses particulares. Sucedem-se, desse modo, formas diferentes de inserção e ação no espaço público. Os atores da sociedade civil tematizam situações problemas percebidas no mundo da vida, contribuindo, através de seu esforço de inclusão de grupos e assuntos dos minoritários, à extensão e revitalização da esfera pública. (HABERMAS apud COSTA, 1999, p. 99).

Costa (1999) ao tecer suas considerações sobre as concepções discutidas acima, afirma que: as perspectivas respaldadas na sociologia das sociedades de massas não são adequadas para tratar as mudanças na esfera pública brasileira nas duas últimas décadas dos século XX, pois constata-se a existência de um processo de construção efetiva de um espaço público no Brasil. Até mesmo o âmbito da esfera pública controlado pelos meios de comunicação de massa tem mostrado relativa porosidade para absorver e processar os temas trazidos pelos atores da sociedade civil. Por outro lado, embora não se possa descartar o aspecto oligopólico das relações de propriedade, em todos os campos da mídia brasileira, a difusão de um estilo de jornalismo investigativo e a própria preservação do espaço de afirmação da autonomia dos que produzem o material propagado pela mídia (jornalistas, produtores culturais, etc.) fazem dos meios de comunicação um ator relevante na construção do espaço público no país. Posteriormente, argumenta que as perspectivas respaldadas no modelo pluralista, no entanto, ao não diferenciarem os atores da sociedade civil dos demais grupos de interesses, perdem a noção do que há de peculiar e específico na ação destes.

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O papel desempenhado pelos movimentos sociais e associações voluntárias para a introdução de temas polêmicos na agenda política, assim como a ampliação do espaço público brasileiro - no sentido de mostrar o caráter público de questões como o aborto ou a discriminação racial, antes tratadas como privadas - representam desenvolvimentos que confirmam a percepção de que tais atores apresentam natureza e formas de ação que se distinguem dos grupos corporativos. Se a influência política dos grupos corporativos que defendem interesses particulares e restritos é devida, antes, à sua capacidade de controle dos recursos comunicativos disponíveis, o poder político dos movimentos sociais e das demais associações da sociedade civil é, sobretudo, resultado de sua possibilidade de catalização da concordância e do respaldo social. Nesse caso, o espaço público deve ser representado como arena que, também, media os processos de articulação de consensos normativos e de reconstrução reflexiva dos valores e das disposições morais que orientam a convivência social.

Sérgio Costa (1999) também faz críticas à perspectiva republicana afirmando que, quando aplicada ao caso brasileiro, também apresenta problemas. Ao tratar as associações civis como depositárias legítimas de uma certa vontade coletiva, que cabe ao Estado implementar, pode-se estar estimulando, não a desejada abertura e "socialização da política" e do Estado, mas a estatização da ação coletiva. Dessa forma, o problema identificado nas perspectivas republicana e pluralista é a dificuldade de visualizar o que distingue os processos sócio-culturais e político-institucionais, cuja mediação é estabelecida, em parte, pelos atores públicos que erguem-se das teias microscópicas de resistência social. Os movimentos sociais e demais atores da sociedade civil apresentam perfis de organização próprios, uma inserção particular no tecido social e articulações específicas com a configuração político-institucional. Nesse sentido, as contribuições democratizantes dos movimentos e associações da sociedade civil não podem ser vistas, unicamente, a partir das instâncias institucionais. Suas possibilidades consistem em seu "enraizamento" em esferas sociais que são, do ponto de vista institucional, pré-políticas e, é no âmbito de tais órbitas e da articulação

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que os movimentos estabelecem entre estas e as arenas institucionais, que podem surgir os impulsos mais promissores para a construção da democracia.

Costa (1999) afirma não ser contra a participação institucional das associações civis ou a constituição de órgãos colegiados dentro do Estado onde esta participação possa estar legalmente definida e assegurada. Assim, ainda que preservem seus mecanismos próprios de comunicação, os movimentos sociais e demais atores da sociedade civil interagem com o Estado e as instituições. Por outro lado, argumenta que os mecanismos construídos para a participação não podem deixar as associações vulneráveis a uma institucionalização imobilizadora e às tentativas de cooptação política. É essencial que os desenhos institucionais para a participação política das associações civis preservem o caráter autônomo e descontinuado de sua constituição e operação. A delegação, a partir do Estado, de funções político-administrativas às associações civis poderia sobrecarregar seus processos internos de coordenação, provocando a ruptura de seu delicado e sensível ancoramento social.

Arato e Cohen (1999) afirmam que, “sempre houve uma multiplicidade de públicos na sociedade civil moderna e que dificilmente poderia tornar-se uma ideia nova” (p. 42). Entretanto, apontam que são poucos os que têm destacado a pluralidade dos tipos de públicos. Temos em mente dois tipos de pluralização: a funcional e a segmentada. Os públicos funcionalmente distintos são necessariamente especializados e tendem a se ocultar: os públicos da ciência, religião, política, arte e diversas disciplinas acadêmicas, etc., pertencem a esta classe. Mas isto não se aplica à pluralização segmentada, a qual pode ser concebida de duas maneiras complementares. A primeira se refere à multiplicidade de públicos que se desenvolvem nos ambientes de movimentos sociais, associações voluntárias, grupos de interesse, clubes, etc., os quais não estão diferenciados funcionalmente, mas têm propósitos e enfoques definidos. Neste nível pode haver tantos públicos civis quantos grupos puderem gerar assuntos de interesse comum para seus membros. O segundo aspecto implica no que os autores definem como um “público de públicos” civil não especializado que

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aceita a interação comunicativa com membros de diferentes esferas funcionais e grupos sociais. É crucial ver que junto com a miríade de públicos de uma sociedade pluralista e diferenciada há um público civil geral, o que implica em formas amplas de comunicação pública as quais, ainda que incapazes de poder de decisão, podem influir nos públicos políticos especializados na tomada de decisões, assim como nos públicos civis mais especializados. A história dos movimentos sociais tem mostrado que a influência dos processos de comunicação abertos em um público civil deste tipo amorfo (influindo por sua vez nos discursos de públicos específicos) pode ter grande alcance, tanto para o aprendizado coletivo, como indiretamente para a geração de políticas.

Ao fazerem referência a obra de Habermas Facticity and Validity, Arato e Cohen afirmam que:

(...) quando se interpreta em termos de multiplicidade e pluralidade de formas e lugares, o conceito liberal de público não vai necessariamente associado com a exclusão ou o silêncio de grupos particulares. Se no passado tomou esta forma, ele se deve a burguesia, não ao caráter liberal da esfera pública examinada por Habermas (ARATO; COHEN, 1999, p. 42).

Avritzer avança na discussão afirmando que, desde o prefácio à reedição alemã de 1990, Habermas explicita a revisão das teses centrais de Mudança Estrutural da Esfera Pública, mostrando que o espaço público continua estabelecendo, como órbita insubstituível de constituição democrática da opinião e da vontade coletivas, a mediação necessária entre a sociedade civil, de um lado, e o Estado e o sistema político, de outro. Desse modo, a revisão analítica realizada pelo autor aponta que, a partir das novas pesquisas da sociologia da comunicação e do comportamento político, Habermas relativiza a tese linear anterior de que os cidadãos, na sociedade de massas, teriam se transformado, de politicamente ativos, em privatistas, de atores da cultura em consumidores de entretenimento. “Não se deve subestimar, segundo o autor, o potencial de crítica e de seleção de um público capaz de preservar suas diferenciações internas e sua pluralidade, a despeito da pressão cultural e politicamente homogeneizadora da mídia” (AVRITZER, 2004, p. 708).

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Conforme afirma Habermas (1981), imagina-se uma sociedade multifacetada que possibilita a constituição de novos mecanismos de mediação entre os subsistemas e o mundo da vida, formas institucionais permanentes de limitação do mercado e do Estado.

Tratar-se-ia da criação de fóruns intermediários entre o mercado, o Estado e a sociedade civil que restringiriam a intervenção do Estado a um número mínimo e pré-definido de princípios legais. A intervenção legal substantiva seria substituída pela criação e normas de procedimento, organização e regulação capazes de levar os próprios atores a definirem seu comportamento no interior das formas societárias de negociação (HABERMAS, 1981, p. 59).

Na Teoria da Ação Comunicativa, Habermas (1981), apresenta a sociedade moderna como caracterizada pela emergência de formas burocráticas de ação, o Estado e o Mercado, assim como formas de ação baseadas na possibilidade de ampliação do entendimento da linguagem. Para Habermas, todos os atores são igualmente capazes de conduzir a linguagem no sentido de introduzir argumentos no plano público. Este processo, que está na raiz da criação de poderes, submete a autoridade pública à crítica aberta.

1.4 - Método de pesquisa

O objetivo da pesquisa não foi analisar os programas de TV, nem investigar o imaginário social produzido pelos meios de comunicação de massa, mas identificar distintos projetos políticos para a TV pública no discurso dos agentes envolvidos no debate entre 1998 e 2008. Assim, realizamos uma extensa pesquisa bibliográfica e documental visando resgatar tanto fontes históricas quanto teóricas, com o intuito de melhor entendermos o processo de reorganização da TV pública no Brasil. Portanto, realizamos entrevistas, pesquisamos livros, leis, decretos, artigos de revista, sites e material de imprensa visando levantar elementos para a análise do debate. Além disso, consultamos também documentos e atas produzidos em reuniões da Abepec, pelos parlamentares e pelo governo ao longo do período de 1998 a 2008 e da MP 398/07 e da Lei que criou a EBC.

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1.5 – Apresentação dos capítulos

Dividimos a pesquisa em seis seções, incluindo essa introdução. Portanto, na seção 2, com o intuito de ter uma compreensão mais ampla do contexto em que está inserido o debate sobre o processo de reorganização da TV não comercial no Brasil, consideramos pertinente realizar uma retrospectiva histórica da radiodifusão educativa no país.

Assim destacamos as primeiras tentativas de utilização dos meios de comunicação voltados para a educação, com o advento do rádio em 1923, por meio da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, e em 1941, com a Rádio Nacional do Rio de Janeiro.

Convém enfatizar que o rádio surgiu como um investimento privado sem fins lucrativos. A televisão, por sua vez, surgiu como investimento privado e voltada para a exploração comercial, e apesar de várias tentativas visando utilizar esse veículo com fins educativos, esse projeto somente começou a ganhar contorno em 1962 com o Código Brasileiro de Telecomunicações, especificando que os serviços de TV deveriam estar voltados para o interesse público e fins educacionais e culturais visando os superiores interesses do País.

Mostraremos, também, que a expansão da TV educativa no governo militar ocorreu de uma forma autoritária e centralizadora visando mais atender a um projeto político voltado para suprir as lacunas no sistema de ensino e para integração do país segundo os valores da região centro-sul, do que atender aos interesses da sociedade brasileira contemplando a sua diversidade cultural.

Com o processo de redemocratização, apesar dos avanços na Constituição com a menção ao sistema público de TV, não ocorreu um debate mais profundo visando efetivar a consolidação de uma TV pública autônoma em relação aos poder político e econômico. O que se verificou foi a articulação entre o Estado e interesses particulares, demonstrando a ausência de limites entre o público e o privado na sociedade brasileira.

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Comentamos também a experiência da TV Cultura de São Paulo frente a este quadro de indefinição que marcou a trajetória da TV não comercial no Brasil, expressa na ausência de critérios e parâmetros que pudessem definir seus objetivos. Cabe ressaltar que a criação da Fundação Padre Anchieta, mantenedora desta emissora, é considerada um dos principais momentos na história da radiodifusão pública brasileira. Conforme Leal Filho (2007, p. 4), sua criação reproduzia institucionalmente o modelo da BBC de Londres, pois seria gerida por um Conselho Curador representativo da sociedade, com uma autonomia de gestão garantida pela figura jurídica de direito privado, fator determinante para evitar qualquer tipo de interferência estatal.

O fato de fazermos referência a essa emissora decorre de que, em meados da década de 1980, apesar das várias tentativas frustradas de definir a finalidade das emissoras não comerciais, notamos modificações na TV Cultura de São Paulo que passariam a nortear as discussões sobre o propósito das TV educativas no Brasil, tornando-se parâmetro para a constituição e o início da ideia que poderíamos definir como TV pública.

Na seção 3 procuramos demonstrar como o projeto de reforma gerencial do Estado, no governo FHC, repercutiu sobre o modelo público de TV no país. Nesse sentido, destacamos o discurso do Ministro da Reforma Bresser Pereira que justificou o reconhecimento de um espaço público não estatal num contexto em que a única alternativa à crise fiscal seria atribuir ao mercado toda a coordenação da economia e reduzir o Estado ao mínimo. Posto isto, o argumento de Bresser Pereira é que este quadro justificou o aparecimento de várias ONGS e OS na dimensão social por meio do surgimento e ampliação em âmbito mundial de uma esfera pública não estatal

Fizemos também referência à aprovação da lei da TV a cabo 8.977/95, durante o governo FHC, ressaltada como um passo essencial para a constituição de emissoras de interesse público, considerados canais de acesso público gratuito. No período em que estava em andamento a reforma do Estado, mencionamos a transformação da TVE do Rio de Janeiro, em 1998, em uma organização social, no primeiro mandato do governo Fernando

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