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A autorização judicial na infiltração policial em organizações criminosas Judicial authorization in police infiltration in criminal organizations

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Academic year: 2022

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A autorização judicial na infiltração policial em organizações criminosas Judicial authorization in police infiltration in criminal organizations

Wellington Ferreira1 Orientadora: Esp. Júlia Strunck.

Resumo

Este trabalho tem como objetivo proporcionar uma leitura crítico-interpretativa a respeito do estabelecimento de limites na aplicação do meio de obtenção de prova da infiltração policial, consagrado na lei nº 12.850/13, de Organização Criminosa. Em específico, no que concerne à necessidade de serem observados os estritos moldes do sistema penal acusatório, quando do envolvimento judicial que estabelece esses limites.

Palavras-chave: infiltração policial, envolvimento judicial, sistema acusatório.

Abstract

This paper aims to provide a critical-interpretive reading on the establishment of limits in the application of the means of obtaining evidence of police infiltration, enshrined in Law No.

12.850/13, of the Criminal Organization. Specifically, concern at the need to observe the strict molds of the accusatory criminal system, when the judicial involvement requires the limits of infiltration.

Keywords: police infiltration, judicial involvement, accusatory system.

1. Introdução

A criminalidade possui várias vertentes, da mais simples e acessível para a mais complexa e estruturada. Nesse contexto o Estado atua de forma frequente nos crimes mais comuns (furto, roubo, violação de domicílio), intitulados em alguns casos como crimes de colarinho azul2, que podem ser praticados sem engenhosidade ou necessidade de um planejamento complexo que necessariamente se encontra atrelado com a rotina de uma

1 Graduando em Direito pela Unisociesc. E-mail: wellington_off@hotmail.com

2 Se refere a cor da roupa utilizada por operários norte-americanos em 1940.

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organização criminosa, geralmente presente nos crimes de colarinho-branco3, podendo envolver tanto crimes contra a ordem econômica praticados por pessoas com elevada posição social4, como crimes que necessariamente se constituam do emprego da violência e ameaça realizados por facções criminosas, que operam nessa base para a realização dos seus fins.5 Dessa cortina de fumaça se revela uma estrutura extremamente organizada, com divisão de tarefas que configuram um profissionalismo criminal quase que impossível de se desvendar por parte das instâncias de controle (Polícia, Ministério Público e Poder Judiciário).6

Nesse sentido, o enfrentamento da delinquência moderna se mostra inviável por meio somente dos métodos tradicionais de combate à criminalidade (p. ex: busca e apreensão, requisição de perícias), pois para a perpetuação da manutenção de uma organização criminosa, é preciso impedir a descoberta de sua formação por uma camada rígida de proteção. Dessa forma, somente com a adoção de meios especiais de obtenção de prova e investigação haverá a possibilidade de, mesmo com dificuldades, perquirir a forma de atuação do crime organizado, concretizar elementos suficientes da materialidade e autoria dentro da sua estrutura, bem como identificar seus membros.7

Com isso, o presente artigo busca destacar as possíveis contribuições que a aplicação do meio de obtenção de prova, através da infiltração policial, pode gerar, salientando suas circunstâncias de atuação e os demais meios de controle de legalidade no seu exercício, trazendo o histórico legislativo acerca do tema.

Em uma segunda oportunidade, será analisado o envolvimento judicial a partir do momento em que há a circunstanciada, motivada e sigilosa autorização judicial que estabelece limites na atuação do agente infiltrado, traçando princípios do sistema acusatório a serem observados na prática das investigações preliminares que gerem reflexos na fase processual penal.

2. CLASSIFICAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS E A EVOLUÇÃO LEGISLATIVA

3 É um crime praticado por pessoas que possuem poder e elevada condição econômica na sociedade, tirando

proveito criminoso da posição que ocupam.

4 MASSON, Cleber; MARÇAL, Vinicíus. Crime Organizado. São Paulo: Grupo Editorial Nacional, 2020, p. 151.

5 GRECO, Rogério; FREITAS, Paulo. Organização Criminosa: comentários à lei nº 12.850/2013. Rio de Janeiro:

Impetus, 2020, p. 21.

6 GRECO, Rogério; FREITAS, Paulo. Organização Criminosa: comentários à lei nº 12.850/2013. Rio de Janeiro:

Impetus, 2020, p. 141.

7

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Primeiramente deve-se compreender a complexidade de fenômenos que englobam as organizações criminosas, conhecidas por terem características próprias, agindo permanentemente com a ideia de se perpetuar no ramo das suas atividades criminosas, com ações de amplo espectro. Conseguem se adaptar ao ambiente em que se encontram, e, assim, propiciam sua evolução a um patamar de facilidades pelos meios que utilizam na prática dos crimes, visto que se aperfeiçoam com os avanços tecnológicos, ficando cada dia mais difícil de elucidar os seus conjuntos de formação para um possível desmantelamento. A origem desta inteligência criminosa tem traços históricos desenvolvidos pela máfia, conforme preceituam Greco e Freitas:

Como as máfias, as organizações criminosas também surgem com a ideia de permanência e continuidade no exercício de suas atividades, utilizando a estrutura organizada para se perpetuar no tempo. Não são constituídas para a prática de um ou outro delito, mas para se manterem o maior período de tempo possível em atividade e cometer o maior número de infrações penais, quantas forem necessárias para o crescimento dos lucros e o incremento do patrimônio e do poder, especialmente de seus fundadores e líderes.8

Rogério Greco e Paulo Freitas ainda retratam por meio de um estudo realizado por Joaquín Merino Herrera e Francisco Javier Paíno Rodríguez, que a ideia de associação para a prática de crimes por mais de uma pessoa nos moldes conceituados como a constituição de pessoas para a continuidade delitiva e organizada, teve raízes de dois países. Na Itália do século XIX, com o nascimento da máfia Siciliana em que se constituiu a Cosa Nostra, amplamente conhecida pela formação de famílias na prática reiterada de crimes. E nos Estados Unidos da América no século XX, houve sua formação com o início de clãs judeus e irlandeses. 9

Dentre estas formações criminosas destacadas, existem inúmeras organizações na atualidade que adotam a característica comum da hierarquia entre seus membros, porém em alguns casos o meio utilizado para a realização de seus esquemas é denominado de redes, constituídas de mecanismos fortemente desenvolvidos para permanecerem fora do radar de reconhecimento da identidade de todos os membros que as compõem, como é o caso da organização criminosa terrorista Al-Qaeda, que não adere ao sistema da

8 GRECO, Rogério; FREITAS, Paulo. Organização Criminosa: comentários à lei nº 12.850/2013. Rio de Janeiro:

Impetus, 2020, p. 21.

9 GRECO, Rogério; FREITAS, Paulo. Organização Criminosa: comentários à lei nº 12.850/2013. Rio de Janeiro:

Impetus, 2020, p. 2.

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hierarquia.10 Como explicam Greco e Freitas11, “A Al-Qaeda se estruturou em rede, o que sempre tornou extremamente difícil combatê-la. Estruturada em grupos que, embora vinculados, um não precisava saber da identidade do outro”, ou seja, no campo dessa estruturação inteligentemente esquematizada por redes, a infiltração policial é uma medida um pouco mais complexa de mostrar resultados frutíferos, pois uma das suas finalidades é apontar no relatório final das atividades o maior número possível de membros que participam do grupo criminoso organizado12.

No que concerne ao texto normativo primário sobre organizações criminosas trazido pela lei nº 9.034/1995, já revogada, não houve conceituação, mas apenas menção do termo:

Art. 1º Esta Lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo.

Dessa forma, o texto carece de tipificação, dando ambiguidade no seu tratamento e aplicação para os demais procedimentos previstos no meio operacional condizente com as organizações criminosas. Só começou a vigorar a conceituação de “grupo criminoso organizado”, no Brasil, após a elaboração do Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004, que promulgou internamente a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo), conceituando organização criminosa a teor do disposto na alínea “a”, do art. 2º:

Art. 2º Para efeitos da presente Convenção, entende-se por: a) "Grupo criminoso organizado" - grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material.

Porém, neste momento não ocorreu a sua tipificação criminal, perdurando ainda em lacunas. No ano de 2013 passou a vigorar a lei nº 12.850/2013, que revogou a lei anterior tratando do mesmo tema de organização criminosa, definindo-a e suprindo as

10 GRECO, Rogério; FREITAS, Paulo. Organização Criminosa: comentários à lei nº 12.850/2013. Rio de Janeiro:

Impetus, 2020, p. 13.

11 GRECO, Rogério; FREITAS, Paulo. Organização Criminosa: comentários à lei nº 12.850/2013. Rio de Janeiro:

Impetus, 2020, p. 13.

12 GRECO, Rogério; FREITAS, Paulo. Organização Criminosa: comentários à lei nº 12.850/2013. Rio de Janeiro:

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“brechas legislativas” que firmavam a impunidade dos grupos criminosos quanto à própria promoção, constituição, financiamento ou integração, de modo que existe somente um conceito legal de organização criminosa na atualidade do Brasil13.

Dessa forma, pode-se vislumbrar que com o avanço legislativo no plano de tipificar organizações criminosas, a impunidade se exauriu em razão de começar a existir um conceito de grupo criminoso organizado, criminalizando as condutas de constituir, integrar, financiar, entre outras atuações que caracterizem de alguma forma uma relação com organizações criminosas. Nesse sentido, o próximo tópico abordará mais minuciosamente as reflexões acerca da aplicação da infiltração policial de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro.

2.1 REFLEXÕES SOBRE O MEIO DE OBTENÇÃO DE PROVA ATRAVÉS DA INFILTRAÇÃO POLICIAL NO PLANO LEGISLATIVO

Com o avanço legislativo dentro do espectro da organização criminosa, a infiltração policial ficou condicionada à autorização judicial que estabelece seus limites. Anteriormente, a lei nº 9.034/1995 previu a possibilidade de aplicação da infiltração policial em qualquer fase da persecução criminal, sendo observada unicamente a condição da autorização judicial para fins de controlar a legalidade nesta etapa das investigações, nos termos do art. 2º, V e parágrafo único:

Art. 2º Em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas:

V - infiltração por agentes de polícia ou de inteligência, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes, mediante circunstanciada autorização judicial.

Neste cenário, o campo de envolvimento do juiz se encontrava atrelado tão somente ao controle de legalidade das investigações, não havendo o que se falar em um eventual risco de se desviar do sistema acusatório. Dessa forma, é defeso ao juiz agir de ofício no curso da investigação criminal, muito menos indicar os caminhos que a investigação precisa seguir14.

Aury Lopes Júnior, na classificação do sistema penal acusatório, pontua o gerenciamento das provas com o seguinte conhecimento:

13 MASSON, Cleber; MARÇAL, Vinicíus. Crime Organizado. São Paulo: Grupo Editorial Nacional, 2020, p. 5.

14 MASSON, Cleber; MARÇAL, Vinicíus. Crime Organizado. São Paulo: Grupo Editorial Nacional, 2020, p. 165.

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Em última análise, é a separação de funções e, por decorrência, a gestão da prova na mão das partes e não do juiz (juiz-espectador), que cria as condições de possibilidade para que a imparcialidade se efetive.15

Para tanto, é preciso salientar que o conceito de organização criminosa, de acordo com a lei nº 12.850/2013, que trata do tema com severidade e vigência normativa, completou em si a definição das organizações e sua tipificação penal:

Art. 1º Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado.

§ 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.

Ainda, cabe destacar na ordem cronológica entre o ano de 1995 e 2013, que houve significativa implantação do juízo colegiado, demonstrando a tamanha gravidade em julgar membros de organizações criminosas, passando a vigorar no ano de 2012 e funcionando com três juízes por sorteio eletrônico. De acordo com Masson e Marçal:

Para tanto, em processos ou procedimentos que tenham por objeto crimes praticados por organizações criminosas, em decisão fundamentada e exarada ex officio (independentemente de provocação), o magistrado poderá (poder discricionário motivado) formar o colegiado, “indicando os motivos e as circunstâncias que acarretam risco à sua integridade física.

(art. 1º, §1º, lei 12.694/2012).16

Sobre a Convenção de Palermo, vários países aderiram ao seu conteúdo, principalmente no que pertine à infiltração policial, que teria aplicação somente em casos específicos. Na Espanha a infiltração policial só se dá para a obtenção de provas que decorram de organizações criminosas.17 Já no Brasil, a sua aplicação é ampla, abrangendo outras situações que não se restringem somente aos moldes do crime organizado, tratando- se de uma aplicação extensiva de acordo com a lei nº 12.850/2013:

Art. 1º, § 2º Esta Lei se aplica também:

I - às infrações penais previstas em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;

15 LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

16 MASSON, Cleber; MARÇAL, Vinicíus. Crime Organizado. São Paulo: Grupo Editorial Nacional, 2020, p. 9.

17 COSTA, Rodrigo de Campos. Colaboração Premiada e Infiltração de Agentes. São Paulo: Quartier Latin, 2019,

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II - às organizações terroristas, entendidas como aquelas voltadas para a prática dos atos de terrorismo legalmente definidos.

Masson e Marçal ainda complementam a aplicação extensiva, informando que existe uma corrente doutrinária, a qual Luiz Flávio Gomes é partidário, que tem o sentido de não haver possibilidade de implementar a técnica da infiltração policial nos moldes da aplicação extensiva da referida lei de organização criminosa, visto que de acordo com esta lei só haverá aplicação do instituto da infiltração nas infrações penais que tratam da organização propriamente dita. Ainda, salientam que aderem corrente doutrinária diversa, que utiliza da infiltração nas demais hipóteses existentes de aplicação extensiva, visto que a Convenção de Palermo fez prever a infiltração policial como uma de suas técnicas de investigação. Com isso, a aplicação do instituto da infiltração no Brasil não tem forma limitada ao âmbito das organizações criminosas, mas também se aplica na ocorrência de outros crimes graves.18

Portanto, a inclusão legislativa da parte final do art. 10, dentro da lei 12.850/2013, ponderou, para o juiz, traçar os limites na atuação do agente de polícia infiltrado, o que não era previsto no histórico legislativo anterior que tratava da modalidade da infiltração policial, dando margem a um juízo de convencionalidade acerca da medida extraordinária de obtenção de provas. No próximo tópico serão abordados alguns pontos acerca dos requisitos e possibilidades de aplicação da infiltração policial em determinadas circunstâncias.

2.2. O AGENTE INFILTRADO E SUAS FORMAS DE APLICAÇÃO

Consiste a infiltração policial em uma técnica especializada, subsidiária e extraordinária, onde o agente de polícia ligado a área operacional do órgão de polícia judiciária infiltra-se no seio de uma organização criminosa, atuando como se membro desta fosse, com a finalidade de colher um conjunto probatório acerca da sua sistematização, seus esquemas, procedimentos internos, e no geral, seu mecanismo de funcionamento, para eventual desbaratamento desta. Ainda, cabe salientar que não necessariamente a finalidade das investigações que se utilizem deste método teriam apenas o enfoque nestas

18 MASSON, Cleber; MARÇAL, Vinicíus. Crime Organizado. São Paulo: Grupo Editorial Nacional, 2020, p. 46.

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características elencadas, visto que pode existir também a possibilidade de as investigações resultarem da prevenção acerca de futuras atuações criminosas.19

Para que o agente policial possa fazer parte da infiltração, um dos critérios é ser submetido a uma série de desafios, incluindo principalmente o treinamento ligado com a sua condição psicológica, visto que o fato de vivenciar o risco de ser descoberto no meio do grupo criminoso pode comprometer o andamento das investigações, pois o maior temor de uma organização criminosa é receber um “cavalo de troia” que sabote toda a sua linha de funcionamento.20

Muito se tem questionado sobre a possibilidade dos órgãos de polícia não judiciária utilizarem a infiltração policial para angariar o maior número possível de provas no combate às Organizações Criminosas. Primeiro deve ser destacado que incumbe aos órgãos de polícia judiciária, tanto a polícia civil (CR/88, art. 144, §4º) como a polícia federal (CR/88, art. 144,

§1º, I), a investigação e repressão das infrações penais, porém quando se tratar de uma criminalidade organizada que só é constituída por membros de corporações policiais ostensivas, como por exemplo a polícia militar, não se vislumbra a viabilidade de agentes de polícia judiciária Estadual ou Federal se infiltrarem nesses meios, pois existem costumes militares e tempos de curso de aperfeiçoamento, que somente quem participou dessas formações saberia lidar de maneira convincente com as situações onde se envolveria na investigação, existindo a necessidade de se estender o conceito de agente de polícia nestas ocasiões21. Portanto, um dos critérios de integração em tais organizações criminosas militares se condicionaria a ser necessariamente membro da corporação militar. Nesse sentido, destacam Masson e Marçal:

Com as novas competências da Justiça Militar instituídas pela Lei 13.491/2017, ampliou-se sobremaneira o conceito de crime militar, em tempo de paz, e passou-se a considerar como tal não apenas os delitos inscritos no Código Penal Militar, mas também, os previstos na legislação penal – inclusive, pois, os catalogados na Lei 12.850/2013 -, se acaso cometidos por militares da ativa em uma das condições do inciso II do art.

9º do CPM. Assim, v.g., se policiais militares constituírem uma organização criminosa, nas circunstâncias do art. 9º, II, do CPM, afigura-se possível que,

19 GRECO, Rogério; FREITAS, Paulo. Organização Criminosa: comentários à lei nº 12.850/2013. Rio de Janeiro:

Impetus, 2020, p. 141.

20 GRECO, Rogério; FREITAS, Paulo. Organização Criminosa: comentários à lei nº 12.850/2013. Rio de Janeiro:

Impetus, 2020, p. 144.

21 COSTA, Rodrigo de Campos. Colaboração Premiada e Infiltração de Agentes. São Paulo: Quartier Latin, 2019,

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no âmbito da investigação do crime castrense (LCO, art. 2º), seja judicialmente autorizada a infiltração por um militar.22

Deve ser realizada uma diferenciação entre as demais conceituações de agente, pois o agente disfarçado, novidade legislativa incluída na lei nº 13.964/2019, não se confunde com o agente infiltrado, visto que aquele atua com uma participação neutra acerca do comércio de armas e drogas, independente de uma autorização judicial, de modo em que haja uma conduta criminal preexistente à sua prática, não ensejando um agente provocador que incidiria por sua conduta preparatória ao crime impossível, de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal:

Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação.23

O agente infiltrado apenas colhe evidências probatórias e informações acerca da arquitetura criminosa da organização, sem atuar em um flagrante, quiçá conduzindo a realização do crime por parte de terceiro. As únicas semelhanças entre ambos os institutos são o encobrimento da real identidade do agente policial e a ausência de provocação do intuito delitivo pelo criminoso ou coletividade criminosa.24

A infiltração policial não se desenvolve isoladamente por um único agente de polícia, existindo uma equipe responsável por traçar todos os caminhos a serem seguidos pelo agente no desenrolar da sua atuação, pois como este é um método extremamente complexo de coleta de provas, todas as minúcias devem ser observadas pelo conjunto de policiais qualificados para o desempenho das investigações.25 O gênero da infiltração policial consiste em operações encobertas ou operações undercover (de acordo com a doutrina Americana). Já as suas espécies se dividem em ‘agente encoberto’ (não depende de autorização judicial para atuar) e ‘agente infiltrado’, sendo que a infiltração em si, a depender da intensidade, pode ser classificada como light cover ou deep cover, que consistem no tempo de duração da operação em que haja a infiltração. A primeira, mais branda, é vislumbrada nas operações com tempo curto em relação aos prazos estabelecidos para este meio de obtenção de prova, não havendo a necessidade de maiores cautelas,

22 MASSON, Cleber; MARÇAL, Vinicíus. Crime Organizado. São Paulo: Grupo Editorial Nacional, 2020, p. 420.

23 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula 145. Brasi ́lia, DF, 1963.

24 MASSON, Cleber; MARÇAL, Vinicíus. Crime Organizado. São Paulo: Grupo Editorial Nacional, 2020, p. 413- 414.

25 COSTA, Rodrigo de Campos. Colaboração Premiada e Infiltração de Agentes. São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 157.

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como por exemplo a troca de identidade do agente infiltrado. Já a segunda, é aplicada com um grau de complexidade maior, necessitando de um lapso temporal mais adequado às suas medidas para a elucidação dos componentes do grupo criminoso.26

A flexibilização operativa da infiltração policial é outro tema de grande relevância trazido pela lei 12.850/2013, pois proporciona uma camada a mais de proteção para o agente submetido à infiltração, que pode solicitar a cessação urgente da sua participação a qualquer momento caso hajam indícios de sofrer risco iminente, caracterizando uma cessação voluntária. Essa sustação pode ser requisitada pelo Ministério Público ou solicitada pelo Delegado de Polícia dando ciência ao parquet e a autoridade judicial responsável, nos termos do art. 12, §3º, da referida lei. Não poderia ser de outro modo a previsão legislativa, pois dentro de situações delicadas como esta o Estado tem o ônus de resguardar a integridade daqueles que o representam nas funções que ocupam. Um ponto interessante dessa flexibilização é a ausência da necessidade de autorização judicial para ocorrer a cessação operativa da infiltração policial.27

Além da cessação voluntária que ocorre a pedido do agente no andamento das operações (comunicando ao Ministério Público ou ao Delegado de Polícia), existem outras três formas de cessação, quais sejam: a cessação por expiração do prazo, que condiz com o limite temporal da infiltração (eis que o desrespeito à manutenção do prazo, ou até a sua extrapolação em um período excessivo, pode resultar em danos tanto processuais como emocionais para o agente de polícia no andamento da operação), respeitando assim, ao termo final. A cessação por êxito operacional, tratando-se da coleta do conjunto probatório decorrente da infiltração. E a cessação por atuação desproporcional, onde não haja a observância proporcional nas condutas que guardem relação com a infiltração do policial, havendo a quebra dos limites legais.28

Dessa forma, não se pode haver a compreensão de que todo e qualquer policial teria a predisposição de estar a serviço da instituição de segurança pública para realizar a árdua tarefa de se infiltrar em uma organização criminosa. Pelo contrário, não existe insubordinação quando um agente de polícia civil ou federal, ou até mesmo um policial

26 COSTA, Rodrigo de Campos. Colaboração Premiada e Infiltração de Agentes. São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 148.

27 MASSON, Cleber; MARÇAL, Vinicíus. Crime Organizado. São Paulo: Grupo Editorial Nacional, 2020, p. 439.

28 MASSON, Cleber; MARÇAL, Vinicíus. Crime Organizado. São Paulo: Grupo Editorial Nacional, 2020, p. 439-

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militar (nos casos específicos de infiltração no âmbito militar já destacados anteriormente), nega a possível atuação infiltrada de sua parte, pois o primeiro passo para se efetivar a aplicação deste meio de obtenção de prova é existir voluntariedade por parte daquele que se disporá a assumir o risco de sua integridade física e mental ao assumir o papel, visto que essa tarefa extrapola o risco natural das atividades policiais.29

Conforme preceituam Greco e Freitas30: “[...] recusar a infiltração ou mesmo abandonar a missão já iniciada são direitos do agente policial, que jamais poderá ser punido por essas decisões”. Nesse sentido, as garantias da infiltração policial guardam o devido respeito com as garantias atribuídas àquele que está prestes a iniciar a execução das atividades investigativas na infiltração ou se encontra as executando.

Há grande debate doutrinário acerca do momento para se valer da infiltração policial, que se desdobra em dois sentidos: a primeira corrente entende se permitir aplicar esse meio extraordinário para a coleta de provas em qualquer fase da persecução penal, com amparo legal no art. 3º, VII, da lei 12.850/2013. Já a segunda corrente doutrinária se filia no entendimento de se valer da medida somente em sede de procedimento investigatório criminal, perfilando o oferecimento de eventual denúncia com as provas já produzidas na peça de investigação preliminar.31

Quanto ao marco territorial de aplicação do instituto, deve ser revelada a importância divergente entre a doutrina acerca da sua utilização na fase de inquérito policial e de investigação preliminar desenvolvida pelo Ministério Público. Assim, Rodrigo de Campos Costa entende que o próprio legislador atribuiu o marco territorial de aplicabilidade somente para o inquérito policial. Nas palavras do autor:

Isto significa que a infiltração de agentes somente poderá ser instrumentalizada neste procedimento de investigação, e não nos procedimentos de investigação do Ministério Público – ainda que se reconheça a legitimidade ativa dos membros do parquet na condução de investigações.32

29 GRECO, Rogério; FREITAS, Paulo. Organização Criminosa: comentários à lei nº 12.850/2013. Rio de Janeiro:

Impetus, 2020, p. 160.

30 GRECO, Rogério; FREITAS, Paulo. Organização Criminosa: comentários à lei nº 12.850/2013. Rio de Janeiro:

Impetus, 2020, p. 161.

31 MASSON, Cleber; MARÇAL, Vinicíus. Crime Organizado. São Paulo: Grupo Editorial Nacional, 2020, p. 417- 418.

32 COSTA, Rodrigo de Campos. Colaboração Premiada e Infiltração de Agentes. São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 153.

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Rogério Greco e Paulo Freitas têm posicionamento diferente, pois entendem que o Ministério Público também tem competência para aplicar o instituto da infiltração policial na fase de investigação preliminar deste órgão. Nas palavras dos autores:

[...] somente será possível a infiltração de agentes na fase da chamada investigação policial, isto é, somente quando houver um inquérito policial ou uma investigação ministerial inaugurados a fim de apurar a existência de uma organização criminosa.33

O documento de identidade falso necessário para o sigilo da identificação do agente infiltrado, tem o fornecimento no Brasil feito pelos Estados-membros, e nessa sistematização procedimental a possibilidade de comprometer o sigilo das investigações é evidente, pois os órgãos estaduais que não fazem parte das investigações ficam cientes da criação do documento, havendo um meio a mais de comprometer o sigilo da informação sobre a identidade do agente infiltrado. Isso ocorre de forma diferenciada na Espanha, havendo obtenção da identidade falsa diretamente pelo Ministério de Interior, um único órgão. 34

Com esses detalhes o conceito de policial infiltrado junto com os diversos procedimentos que guardam relação com esse meio extraordinário de obtenção de provas, têm em si um conjunto de medidas que possibilitam os resultados mais difíceis de se obter na produção de provas dentro de uma organização criminosa. Nesse sentido, o tópico seguinte abordará as fragilidades que possuem relação com a aplicação do instituto da infiltração, junto com os excessos que devem sofrer o devido controle legal.

2.3 A APLICAÇÃO DA INFILTRAÇÃO POLICIAL COMO ULTIMA RATIO E O SEU CONTROLE DE LEGALIDADE

Primeiramente é interessante citar algumas características do sistema norte- americano de infiltração, aplicado pelo FBI em suas investigações, que condizem com os limites na execução da infiltração, conforme destaca Sousa:

1. A prática de condutas definidas como crime pelo agente infiltrado é proibida salvo se: (a) imprescindível a ação para coleta de evidências e informações necessárias ao sucesso da operação, desde que sem violência à pessoa e haja a comunicação prévia à autoridade superior, ou imediata

33 GRECO, Rogério; FREITAS, Paulo. Organização Criminosa: comentários à lei nº 12.850/2013. Rio de Janeiro:

Impetus, 2020, p. 144.

34 COSTA, Rodrigo de Campos. Colaboração Premiada e Infiltração de Agentes. São Paulo: Quartier Latin, 2019,

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nos casos em que o contato prévio não for possível; (b) fundamental para manutenção da falsa identidade do policial infiltrado; ou (c) para evitar a morte ou grave lesão, permitindo-se, nesse caso, atos violentos, cujo excesso não será permitido.

2. Não deverá haver o induzimento ou instigação à prática de nenhum ato definido como crime por parte do agente infiltrado.

3. Se no decorrer das investigações o infiltrado tiver notícia de fatos praticados pela organização criminosa, sendo o corpo de delito matéria cuja prova, salvo flagrante delito, somente seja passível de obtenção mediante autorização judicial, deverá comunicar imediatamente à autoridade policial, para que represente ao juízo a medida pertinente (mandado de busca e apreensão, interceptação, quebra de sigilo fiscal, bloqueio de bens etc.).

4. Todo material probatório que o agente infiltrado teve contato em razão de integrar o grupo criminoso, cujo acesso foi-lhe livremente franqueado pelos demais membros da organização, constituirá prova idônea da investigação.35

Este modelo previu em lei, parâmetros para nortearem as condutas praticadas pelo agente infiltrado, servindo-se de um guia geral que baliza a atuação do policial dentro deste meio de obtenção de prova, evitando assim deturpações geradoras de vícios procedimentais. Dessa forma, a adoção deste modelo afasta possíveis arguições de nulidade na coleta de provas. Ainda, é oportuno retratar que uma possível previsão legislativa de aplicação do juiz de garantias na autorização e exame das provas colhidas em sede de investigação na infiltração policial, sendo impedido objetivamente de ser o mesmo juiz responsável pelo recebimento da denúncia e da instrução processual penal, adequaria a persecução penal ao sistema penal acusatório mais robusto, tirando pela raíz os possíveis vícios na atuação do juiz.36

Para compreender a relevância significativa dos meios especiais de obtenção de prova, é necessário destacar um tipo de crise vivida pelo Direito Penal tradicional, com a ausência de adequação no enfrentamento da delinquência moderna, que vai muito além dos moldes padronizados de produção de prova. Nas palavras de Prado, citado por Masson e Marçal:

Portanto, é perfeitamente legítimo que o ordenamento jurídico como um todo seja mais rigoroso no combate à criminalidade organizada, sem que isso signifique a criação de um Direito Penal de exceção. A repressão ao crime organizado ‘realmente não é eficaz se o Estado se utiliza dos mesmos instrumentos de combate à criminalidade comum. É claro que aquela forma

35 SOUSA, Marllon. Crime organizado e infiltração policial – parâmetros para a validação da prova colhida no combate às organizações criminosas. São Paulo: Editora Atlas S.A, 2015, p. 98.

36 SOUSA, Marllon. Crime organizado e infiltração policial – parâmetros para a validação da prova colhida no combate às organizações criminosas. São Paulo: Editora Atlas S.A, 2015, p. 99.

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de criminalidade apresenta-se de forma muito mais complexa, utilizando-se de métodos e tecnologias cada vez mais evoluídos, inclusive transcendendo as fronteiras nacionais’.37

Estes meios especiais de obtenção de prova, considerados invasivos aos direitos individuais do investigado, devem observar uma ordem de escalonamento para serem adequados à proporcionalidade, aplicando-se inicialmente os menos invasivos, até se chegar na infiltração policial38. Nesta linha, é preciso revelar a necessidade de observância ao princípio da proporcionalidade quando da necessidade de utilização das técnicas especiais de investigação e obtenção de provas, para que não haja ilegalidades ou excessos. Nas palavras de Prado, citado por Costa:

Autorizar a captação de conversas, por telefone ou ambientalmente, devassar a vida financeira e fiscal do indivíduo, afastá-lo do trabalho ou do convívio social ou familiar ou ordenar o ingresso em seu domicílio são práticas processuais muitas vezes necessárias para a apuração das infrações penais, mas a sua adoção carrega consigo imenso potencial de lesão aos bens jurídicos contemplados nos direitos individuais, danos produzidos às vezes de modo irreparável.39

Além da proporcionalidade, existem duas condicionantes para a execução da infiltração policial, quais sejam, a fragmentariedade, devendo haver indícios do crime de organização criminosa, e a subsidiariedade, que se entende quando a prova não puder ser obtida por outros meios. Com todos esses elementos caracterizados, fica oportunizada a aplicação da medida como ultima ratio probatória.40 Portanto, sendo respeitadas as garantias processuais e os direitos individuais previstos tanto dentro como fora do texto da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, não existem máculas a serem evidenciadas na aplicação da infiltração policial, pois, também, trata-se de uma atuação legislativa que visa a eficiência da proteção da coletividade.41

Deve ser asseverado que diante da Lei 12.850/2013, não há o que se afirmar quanto a uma possível interpretação voltada ao direito penal do inimigo, dissertado por Günther Jakobs. Esta lei não tratou o investigado/réu como um inimigo do Estado, sem garantias

37 MASSON; MARÇAL, 2014 apud PRADO, 2020, p 152

38 GRECO, Rogério; FREITAS, Paulo. Organização Criminosa: comentários à lei nº 12.850/2013. Rio de Janeiro:

Impetus, 2020, p. 86.

39 COSTA, 2014 apud PRADO, 2019, p. 62.

40 MASSON, Cleber; MARÇAL, Vinicíus. Crime Organizado. São Paulo: Grupo Editorial Nacional, 2020, p. 425- 426.

41 SOUSA, Marllon. Crime organizado e infiltração policial – parâmetros para a validação da prova colhida no

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processuais, ausência do devido processo legal e ampla defesa. Pelo contrário, houve destaque nas formas de controle ministerial e judicial dentro da utilização das técnicas especiais de investigação.42

Em relação aos excessos praticados que não observarem a devida proporcionalidade durante a infiltração policial, como o caso de o agente infiltrado praticar crimes que não necessariamente precisam ser praticados para conquistar a confiança do grupo criminoso, haverá a responsabilidade por eventuais excessos. Em razão disso, o pedido de infiltração policial deve descrever detalhadamente o que se espera na atuação do agente infiltrado, prevenindo que surpresas consubstanciadas em ilegalidade sejam evidenciadas no decorrer do procedimento. Portanto, as informações devem se encontrar transparecidas no pedido de infiltração, para que se evite por exemplo, em uma organização criminosa voltada à lavagem de dinheiro, atuações que não teriam sentido na fruição dos elementos probatórios consubstanciados na lavagem de dinheiro43. Assim, pode-se evidenciar que as autoridades que formulam o próprio pedido de infiltração policial já estariam estabelecendo os limites de atuação do agente infiltrado em um juízo de convencionalidade.

O entendimento de que é imprescindível a prática de crimes no decorrer da execução da infiltração se encontra equivocado. Pois em alguns casos a prática de infrações penais para a manutenção da confiança depositada no agente infiltrado se torna desnecessária, como é o caso por exemplo de infiltração no cargo de motorista da residência de um membro da organização criminosa investigada, obtendo as informações para seu desmantelamento sem praticar nenhum delito44.

Não é improvável que no decorrer da aplicação desta medida extraordinária de obtenção de provas, o agente se encontre em um cenário onde a prática das infrações penais circunstanciais se mostrem necessárias para a sua própria integridade física e segurança no êxito das investigações em andamento, sendo influenciado pelos membros do grupo criminoso a praticar delitos45.

42 MASSON, Cleber; MARÇAL, Vinicíus. Crime Organizado. São Paulo: Grupo Editorial Nacional, 2020, p. 154.

43 COSTA, Rodrigo de Campos. Colaboração Premiada e Infiltração de Agentes. São Paulo: Quartier Latin, 2019,

p. 158.

44 MASSON, Cleber; MARÇAL, Vinicíus. Crime Organizado. São Paulo: Grupo Editorial Nacional, 2020, p. 443.

45 MASSON, Cleber; MARÇAL, Vinicíus. Crime Organizado. São Paulo: Grupo Editorial Nacional, 2020, p. 443.

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De outro modo, existem alguns debates largamente difundidos pela doutrina a respeito da natureza jurídica na exclusão de responsabilidade penal do agente infiltrado em relação à proporcionalidade da modalidade criminosa a ser praticada, pois em alguns casos a própria medida de infiltração se torna extremamente inviável em razão dos crimes que configuram as práticas rotineiras da organização criminosa, como é o caso dos grupos de extermínio, onde seus membros praticam homicídios. Denilson Feitoza Pacheco entende que a excludente de ilicitude do estrito cumprimento do dever legal, prevista no art. 23, III, do Código Penal, deveria ser aplicada em tais casos, porém esta corrente não ganhou peso, na medida em que tal instituto, que exclui a ilicitude (elemento do conceito analítico de crime), não diz respeito a prática de crimes, mas sim ao agir de acordo com o que corresponde a lei, pois do contrário estariam sendo incentivadas condutas criminosas no bojo da própria seara penal. Já em se tratando da atipicidade conglobante, proposta por Eugenio Raúl Zaffaroni, quando do afastamento da responsabilização penal, entende que ao mesmo tempo que existe a contrariedade do ordenamento jurídico face ao crime praticado, haveria o fomento da conduta da infiltração pela Lei de Organização Criminosa, porém essa conduta não acharia limites na sua prática, valendo-se de qualquer conduta criminosa para se assegurar a perpetuação da infiltração policial46. Por fim, o instituto aceito pelo ordenamento jurídico brasileiro que se consolidou para balizar as condutas criminosas praticadas pelo agente infiltrado é a inexigibilidade de conduta diversa, prevista na própria lei 12.850, de Organização Criminosa, art. 13, parágrafo único:

Art. 13. O agente que não guardar, em sua atuação, a devida proporcionalidade com a finalidade da investigação, responderá pelos excessos praticados.

Parágrafo único. Não é punível, no âmbito da infiltração, a prática de crime pelo agente infiltrado no curso da investigação, quando inexigível conduta diversa.

Este posicionamento foi consolidado pela legislação penal, não se tratando de uma causa supralegal excludente de culpabilidade. Tal instituto traz em sua forma os limites de atuação criminosa, visto que explicita que não é qualquer conduta que será tida como causa excludente, mas somente aquelas em que seriam o único meio de “saída” do agente infiltrado47.

46 MASSON, Cleber; MARÇAL, Vinicíus. Crime Organizado. São Paulo: Grupo Editorial Nacional, 2020, p. 444.

47

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O instituto da infiltração policial deve guardar uma relação especial com o princípio da proporcionalidade, de modo que não se tenha nenhuma surpresa que se constitua em excessos ilegais por parte do agente infiltrado. Vale dizer que, à autoridade judicial convém atuar no controle de legalidade junto com o Ministério Público e o Delegado de Polícia responsável pela investigação preliminar. Acerca do envolvimento do juiz na fase pré- processual, o tópico seguinte abordará a necessidade de o magistrado se valer dos princípios norteadores do sistema acusatório, para se garantir que a fase processual não tenha vícios maculados pela atuação anterior do sujeito imparcial do processo.

2.4 O SISTEMA ACUSATÓRIO E A PARTICIPAÇÃO DO JUIZ NA INFILTRAÇÃO POLICIAL

O modelo do sistema acusatório foi positivado no ordenamento jurídico brasileiro com a sua inclusão na lei nº 13.964/2019, que o fez prever no Código de Processo Penal brasileiro:

Art. 3º-A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação.

No entanto, este modelo já era consolidado nos moldes da Constituição da República Federativa do Brasil antes da edição da referida lei, consistindo na separação das funções de acusar, defender e julgar com imparcialidade. O juiz se limita somente a decidir o caso que lhe tirou da inércia, atuando apenas quando for provocado por uma das partes, sem poder direcionar os atos praticados desde o início da persecução penal. Nos termos pontuados por Aury Lopes Júnior:

Entendemos que a Constituição demarca o modelo acusatório, pois desenha claramente o núcleo desse sistema ao afirmar que a acusação incumbe ao Ministério Público (art. 129), exigindo a separação das funções de acusar e julgar (e assim deve ser mantido ao longo de todo o processo) e, principalmente, ao definir as regras do devido processo no art. 5º, especialmente na garantia do juiz natural (e imparcial, por elementar), e também inciso LV, ao fincar pé na exigência do contraditório.48

Sobre a imparcialidade condicionada no decorrer da infiltração policial, Masson e Marçal apontam, em relação à autorização judicial, que:

Leonardo Sica entende que por ter que autorizar a infiltração, seria

‘humanamente impossível que, adiante’, viesse o magistrado a julgar a causa ‘com imparcialidade e equidistância almejadas’. Para ele, ‘o juiz que

48 LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

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participar da ação controlada ou da infiltração policial não conseguirá se desvincular de sua própria atuação inquisitória’.49

O sentido dessa crítica feita por Leonardo Sica prevalece atualmente, na medida em que o juiz de garantias, com previsão no Código de Processo Penal, art. 3º-B, XI, e), incluído pela lei nº 13.964/2019, se encontra com eficácia suspensa50, razão pela qual eventual autorização de infiltração policial na fase investigatória permanece a cargo da mesma autoridade judicial que atua tanto nesta fase como na fase de instrução e julgamento.

Na análise do art. 10, da Lei 12.850/13, a autorização judicial para estabelecer os limites da infiltração policial (uma atividade requerida e fiscalizada pelo Ministério Público) vislumbra tamanha dificuldade em conseguir aplicar o princípio da imparcialidade dentro do sistema acusatório, pois de acordo com o que entende Aury Lopes Júnior a respeito da atividade das partes:

Somente no processo acusatório democrático, em que o juiz se mantém afastado da esfera de atividade das partes, é que podemos ter a figura do juiz imparcial, fundante da própria estrutura processual.51

Como pontua Costa52, "A decisão judicial deverá estabelecer os limites de atuação do agente infiltrado, fundamentalmente os crimes ou tipos de crimes que ele poderá cometer", ou seja, o doutrinador tem o posicionamento de que a autorização judicial poder prever, praticamente em um rol taxativo, as situações extraordinárias em que o agente infiltrado estará presente no meio da organização criminosa para dizer o que ele pode ou não fazer a respeito dos ilícitos que ali serão praticados em prol da preservação de sua identidade falsa e da manutenção de confiança que os membros da organização depositam nele, ou hão de depositar.

A autorização judicial no decorrer do meio investigativo da infiltração policial pode vir a tratar de uma limitação imprópria ou inadequada para o interesse da medida. Diógenes Vicente Hassan Ribeiro comenta sobre um caso prático nesse sentido:

No caso do julgamento da Apelação Criminal nº 70058671728 há mais para ser dito, pois houve autorização judicial para a aquisição de drogas pelo agente infiltrado. Bom, convém dizer, desde logo, que a suposta infiltração

49 MASSON, Cleber; MARÇAL, Vinicíus. Crime Organizado. São Paulo: Grupo Editorial Nacional, 2020, p. 409.

50 A implantação do juiz das garantias encontra-se com eficácia suspensa (CPP, arts. 3º-A a 3º-F), por força da medida liminar concedida pelo Min. Luiz Fux, nas ADI’s nº 6.298, 6.299 e 6.300.

51 LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

52 COSTA, Rodrigo de Campos. Colaboração Premiada e Infiltração de Agentes. São Paulo: Quartier Latin, 2019,

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resumiu-se a isso: possibilitar ao agente a aquisição de drogas [...] Na verdade não houve infiltração de agentes.53

O controle judicial para eventuais ilegalidades cometidas no decorrer da persecução criminal deve existir, mas convém ser lembrado que o Delegado de Polícia e o Promotor de Justiça também realizam controle interno da infiltração policial no decorrer das suas atribuições, existindo uma camada a mais na garantia da legalidade.54 Ainda, de acordo com Masson e Marçal55: “o excesso da atuação do agente infiltrado poderá render ensejo à atuação repressiva do Ministério Público”.

A respeito da determinação judicial que estabelece os limites na infiltração, gerando a possibilidade de eivar princípios do sistema acusatório, Sousa pontua:

Por outro lado, ao se determinar que o magistrado estabeleça os limites da infiltração policial, a depender da lente que se usa para enxergar tal regra, pode-se concluir pela indevida ingerência do Poder Judiciário na investigação, cujo resultado é a mácula do sistema acusatório. Neste ponto, melhor será se a autorização judicial se jungir à verificação da presença dos pressupostos legais, devendo silenciar-se quanto aos limites da infiltração, cujos eventuais excessos serão apurados posteriormente, aplicando-se as teorias da invalidação de provas, para o caso de abuso.56

Toda a operação de infiltração policial tem suas peculiaridades, funções próprias, que são evidenciadas no decorrer do procedimento. Eventuais ilicitudes praticadas durante a infiltração policial serão repudiadas quando a atuação for contrária ao que diz a lei. Daí porque deve-se sempre buscar evitar a mácula de elementos probatórios eventualmente colhidos sem a observância da devida autorização judicial.57

Não é possível visualizar imoralidades no âmbito do procedimento de infiltração, que tem que se pautar com respeito ao estrito cumprimento das normas que regulamentam este instituto, sem a prática de excessos por parte do agente que atua diretamente na

53 RIBEIRO, Diógenes Vicente Hassan. Temas Polêmicos da Jurisdição do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: Dos Crimes aos Ilícitos de Natureza Pública Incondicionada. Porto Alegre, 2015, p. 44.

54 SOUSA, Marllon. Crime organizado e infiltração policial – parâmetros para a validação da prova colhida no combate às organizações criminosas. São Paulo: Editora Atlas S.A, 2015, p. 96.

55 MASSON, Cleber; MARÇAL, Vinicíus. Crime Organizado. São Paulo: Grupo Editorial Nacional, 2020, p. 431.

56 SOUSA, Marllon. Crime organizado e infiltração policial – parâmetros para a validação da prova colhida no combate às organizações criminosas. São Paulo: Editora Atlas S.A, 2015, p. 97-98.

57 MASSON, Cleber; MARÇAL, Vinicíus. Crime Organizado. São Paulo: Grupo Editorial Nacional, 2020, p. 423.

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colheita de provas, devendo eventuais abusos serem punidos, e as provas decorrentes destas condutas, desentranhadas do processo após passar pela análise do juiz.58

Assim, evidencia-se que a autoridade policial e o Ministério Público merecem destaque, pois que geralmente o ordenamento jurídico tende a direcionar o controle judicial na maioria dos atos praticados por estes em relação ao âmbito da investigação. E é o que aconteceu em relação ao art. 10, da lei nº 12.850/2013, ao determinar que o magistrado é o sujeito que estabelece os limites da infiltração policial. Portanto, os limites na atuação do agente infiltrado já possuem respaldo no ordenamento jurídico brasileiro, tanto na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, como no Código de Processo Penal e legislação extravagante, tendo todos os órgãos responsáveis pelas investigações o dever de prezar pelos direitos e garantias fundamentais dos investigados, sem cometer algum ato que possa condizer com a ilegalidade das medidas, para não caracterizar abuso de autoridade.59

Dessa forma, cabe ao Juiz, ao Ministério Público e ao Delegado de Polícia, trabalharem em comum acordo para evitar a possibilidade de ilegalidades no meio de obtenção de provas através da infiltração policial, salientando necessariamente que a autoridade judicial sempre deverá realizar o controle de legalidade, pois este controle jamais será incompatível com o sistema penal acusatório.

3. Considerações finais

O presente trabalho apresentou os principais pilares que guardam pertinência com meio de obtenção de prova através da infiltração policial, para que seja possível gerar uma noção razoável acerca do tema, incluindo fatores que representaram o desenvolvimento das organizações criminosas pelo mundo. Assim, por meio desta pesquisa pode-se evidenciar uma reflexão criada a partir do nexo de relevância sobre a parte final do art. 10, da lei 12.850/2013, com o sistema penal acusatório, incompatíveis entre si, em razão da não primazia dos princípios que norteiam tal sistema.

O primeiro princípio trata da imparcialidade de que o juiz dispõe na fase pré- processual, e por consequente, com reflexos na fase processual. A partir do momento em que o envolvimento do magistrado pode beneficiar uma das partes caso restrinja ao máximo

58 SOUSA, Marllon. Crime organizado e infiltração policial – parâmetros para a validação da prova colhida no combate às organizações criminosas. São Paulo: Editora Atlas S.A, 2015, p. 80.

59 SOUSA, Marllon. Crime organizado e infiltração policial – parâmetros para a validação da prova colhida no

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ou não limite ao mínimo a atuação do agente infiltrado, sua imparcialidade se mostrará questionável. Não limitar ao mínimo condiz com a capacidade subjetiva do juiz de decidir antecipadamente o que vai achar convencional na produção de uma prova. Portanto, haverá certa incompatibilidade com o sistema penal acusatório, fulminando na imparcialidade, a prática de atos de caráter persecutório por parte do juiz, que se vale de um ativismo tipicamente inquisitivo.60

Um segundo princípio se refere à inércia de jurisdição quanto ao juiz aguardar a conclusão do lastro probatório colhido em sede de investigações preliminares, sem nenhuma participação positiva da sua parte que possa influenciar na aplicação das medidas para a elucidação dos fatos, sendo que nesse sentido a inércia caminha junto com a imparcialidade. Cabe ao magistrado somente analisar o conjunto probatório trazido em relação à autoria e materialidade delitiva.

Com isso, a solução para dissipar a possibilidade de argumentação da ausência do sistema acusatório na atuação que impõe limites ao agente infiltrado, seria dar aos outros sujeitos pré-processuais (Autoridade Policial e Membro do Ministério Público), que têm o ônus de elucidar os fatos criminosos, a legitimidade de poder aplicar, pela conveniência dos resultados investigatórios, os limites na atuação do agente de polícia infiltrado, pois não se trata de um controle de legalidade, mas sim de um controle de convencionalidade probatória, onde deve a autoridade judicial atuar na esfera da inércia acerca das circunstâncias, para que seja produzida a prova.

4. Referências

BRASIL. Decreto n. 5.015, de 12 de março de 2004. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5015.htm. Acesso em:

24 jun. 2021.

BRASIL. Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 24 jun. 2021.

BRASIL. Lei n. 9.034, de 3 de maio de 1995. Dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas. (Revogado pela Lei n. 10.217 de 11 de abril de 2001). Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9034.htm. Acesso em: 24 jun. 2021.

60 LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

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BRASIL. Lei n. 12.850, de 2 de agosto de 2013. Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011- 2014/2013/lei/l12850.htm. Acesso em: 24 jun. 2021.

BRASIL. Lei n. 13.869, de 27 de setembro de 2019. Dispõe sobre os crimes de abuso de autoridade. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019- 2022/2019/lei/L13869.htm. Acesso em: 24 jun. 2021.

COSTA, Rodrigo de Campos. Colaboração Premiada e Infiltração de Agentes. São Paulo:

Quartier Latin, 2019.

GRECO, Rogério; FREITAS, Paulo. Organização Criminosa: comentários à lei nº 12.850/2013.

Rio de Janeiro: Impetus, 2020.

LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 16. Ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

MASSON, Cleber; MARÇAL, Vinicíus. Crime Organizado. São Paulo: Grupo Editorial Nacional, 2020.

MASSON, Cleber; MARÇAL, Vinicíus. Crime Organizado. São Paulo: Grupo Editorial Nacional, 2020.

RIBEIRO, Diógenes Vicente Hassan. Temas Polêmicos da Jurisdição do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: Dos Crimes aos Ilícitos de Natureza Pública Incondicionada. Porto Alegre, 2015.

SOUSA, Marllon. Crime organizado e infiltração policial – parâmetros para a validação da prova colhida no combate às organizações criminosas. São Paulo: Editora Atlas S.A, 2015.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula 145. Brasi ́lia, DF, 1963.

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