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TRABALHO, DESCANSO E DINHEIRO UMA ABORDAGEM BÍBLICA

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TR ABALHO, DESC ANSO E DINHEIRO

UMA ABORDAGEM BÍBLICA

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C. T

IMÓTEO

C

ARRIKER

TR ABALHO, DESC ANSO E DINHEIRO

UMA ABORDAGEM BÍBLICA

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Carriker, C. Timóteo, 1952-

Trabalho, descanso e dinheiro; uma abordagem bíblica / C. Timóteo Carriker. — Viçosa : Ultimato, 2001.

80p.

ISBN 85-86539-42-2

1. Espiritualidade. 2. Vida cristã. 3. Ética. 4. Valores.

I. Título

CDD. 19.ed. 291.4 CDD. 20.ed. 291.4 Ficha catalográfica preparada pela Seção de Catalogação

e Classificação da Biblioteca Central da UFV

C316t 2001

Copyright © 1997, C. Timothy Carriker Todos os direitos reservados

Primeira edição: Maio de 2001*

Revisão: Antônio Carlos W. C. de Azeredo Bernadete Ribeiro Tadim

Capa: Criação de Sonia Couto sobre “Ponte”: escultura de Roberto Cipollone (Ciro). Usada com permissão

* Publicado originalmente pela Editora Ultimato em 1997, com o título Espiritualidade: onde, quando e como.

PUBLICADO NO BRASIL COM AUTORIZAÇÃO E COM TODOS OS DIREITOS RESERVADOS EDITORA ULTIMATO LTDA

Caixa Postal 43 36570-000 Viçosa, MG Telefone: 31 3611-8500 Fax: 31 3891-1557 www.ultimato.com.br

TRABALHO, DESCANSO E DINHEIRO Categoria: Vida Cristã / Ética / Liderança

(5)

S UMÁRIO

I

NTRODUÇÃO

7

A

CRIAÇÃO

19

O

TRABALHO

33

O

DESCANSO

51

O

DINHEIRO

61

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A

BREVIAÇÕES

BLH — A Bíblia na Linguagem de Hoje NVI — Nova Versão Internacional (Novo

Testamento)

As referências bíblicas não seguidas de indicação foram retiradas da Edição Revista e Atualizada, da Sociedade Bíblica do Brasil.

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I NTRODUÇÃO

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(9)

C

erta vez, um especialista na lei judaica, reparando que Jesus lidava bem com as questões teológicas, se dirigiu a Ele e perguntou: “De todos os mandamentos, qual é o mais importante?”

(Mc 12.30, NVI; cf. Mt 22.37; Lc 10.27.) Na verdade, esse tipo de pergunta não era nenhuma novidade. Não era raro os bons rabinos resumirem a lei. Era uma tradição bem antiga, começando no próprio Antigo Testamento. O rabino Simlai, que viveu no século 3 depois de Cristo, afirmou que nas Escrituras Hebraicas (o Antigo Testamento) havia um total de 613 leis, sendo 248 positivas e 365 negativas. Os números possuíam significância simbólica para os judeus, e este famoso rabino dizia que as leis positivas representavam o número de

Voltem para mim a fim de que tenham vida.

(Am 5.4, BLH)

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1 0 Trabalho, Descanso e Dinheiro

ossos do corpo humano e as leis negativas, o número de dias do ano. Observou que no Salmo 15 todas essas leis foram resumidas em apenas onze características daquele que é digno de morar no templo do Senhor. O profeta Isaías (33.14-16) resumiu ainda mais, reduzindo-as a seis qualidades daquele que verdadeiramente anda com Deus. Tais qualidades são restringidas novamente em Miquéias 6.6-8, desta vez a três. De novo, em Isaías 56.1, são limitadas a duas e, em Amós 5.4, finalmente a uma só: “Buscai-me, e vivei”.

Assim, ao responder à pergunta sobre qual mandamento é o mais importante, Je- sus mostrou que isso fazia parte de uma grande tradição de profetas, e, por isso, não estava inovando. Sua resposta nada tinha de novidade: primeiro, Ele lembrou a tradicio- nal confissão de fé, adotada tanto pelos ju- deus quanto pelos muçulmanos, conhecida por aqueles como o shema: “Ouve ó Israel, o Senhor nosso Deus, o Senhor é um” (os muçulmanos traduzem: “Alá é um só”). As- sim, Jesus estava simplesmente repetindo aquilo que fora registrado já muito antes (Dt 6.4-5; Lv 19.18). O comportamento apro- priado das pessoas autenticamente fiéis pro- cede da confissão monoteísta. Isto é, já que existe um só Deus, cabe aos seus servos se devotar única e absolutamente a Ele. Somen- te Deus merece nossa devoção, com tudo que somos: nossa paixão, nosso íntimo,

Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de todas as tuas forças...

Amarás a teu próximo como a ti mesmo.

(Mc 12.29-31, NVI)

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O dinheiro 11

nossa cabeça e todo o nosso esforço. Tudo de nós somente para Ele.

Mas não termina aí. Em decorrência do nosso mais elevado amor para com Deus, amaremos a sua criação e, por excelência, a própria criatura humana. Amaremos, como a nós mesmos, o próximo. E, mais surpre- endentemente ainda, Jesus afirma que es- ses dois mandamentos são na verdade um só mandamento: “Não existe mandamento [singular] maior do que estes [plural]” (des- taques meus). Significa que não há amor espiritual genuíno que não se expresse no amor humano encarnado. A Primeira Carta de João deixa isso bem claro (2.9-11; 3.11-24;

4.7-21). Mas, de igual modo, não se pode ver- dadeiramente amar um ser humano sem uma devoção, de corpo e alma, a Deus, sim- plesmente porque amar o próximo é tam- bém reconhecer a imagem de Deus nele es- tampada. Logo, não se pode amar profunda- mente o seu próximo sem um amor e uma devoção genuína a Deus.

Essas palavras de Jesus têm sido a fonte do maior número de reflexões, pregações e estudos relacionados tanto à espiritualidade quanto à caridade cristãs. E por bons moti- vos. Entretanto, nossa tendência é de pen- sar que a espiritualidade verdadeira e a cari- dade certa se expressam em momentos es- pecíficos e, às vezes, curtos da nossa vida.

Adoramos a Deus de modo concreto em determinadas horas: nos cultos da igreja e

Ele nos deu este mandamento:

Quem ama a Deus, ame também a seu irmão.

(1 Jo 4.21, NVI)

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1 2 Trabalho, Descanso e Dinheiro

durante períodos de meditação diários. E expressamos a caridade compassiva quan- do a necessidade nos confronta, mesmo sa- bendo que a solução para as necessidades exigem uma resposta maior. Reconhecemos que o engajamento político também é im- portante (nem sempre agimos de acordo).

Mas, neste pequeno livro, quero me referir à nossa devoção a Deus e ao nosso próximo, de outro ângulo. Não tratarei das ocasiões momentâneas e passageiras, mas do modo mais abrangente da nossa vocação como ser- vos e representantes de Deus aqui na terra.

Por isso, quero falar da nossa espiritualidade neste mundo. É uma espiritualidade pro- veniente de Deus, sem dúvida, mas ela não é ultramundana. É mesmo uma espiritualidade mundana, não no sentido de pecaminosa, mas no sentido de exercermos uma incumbência dada por Deus aqui nes- te mundo. É uma disposição de viver de tal modo que possamos contribuir para um mundo melhor.

É importante frisar este ponto. A espiritualidade bíblica não se refere a um estado místico ou a um plano de êxtase. Não é um arrebatamento para um estado de de- lírio etéreo longe do corpo. Tudo isso pode corresponder a uma noção popular de espiritualidade ou misticismo, mas não é a espiritualidade bíblica. A espiritualidade bíblica não é dicotomizada do corpo e da natureza. Mas é uma vivência com todo o

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O dinheiro 13

corpo, o intelecto, as emoções, e a vontade de acordo com a direção do Espírito de Deus. Esse tipo de espiritualidade, a espiritualidade bí- blica, se define pela dependência do Espíri- to de Deus. Mas tal dependência envolve todo o nosso ser: corpo, mente, coração e vontade.

O conceito popular de espiritualidade, aquele que fala de uma sensação desligada do corpo e da mente, tem origens bem anti- gas no pensamento ocidental. Faço menção de apenas três dessas origens.

Nos primeiros séculos depois de Cristo, a igreja começou a definir a maneira como entendia a humanidade de Jesus e a sua re- lação com o Deus supremo. Alguns, por exemplo, achavam que Jesus, sendo Deus, não poderia ter sofrido de verdade. Concluíam que os sofrimentos e os aspectos humanos de Jesus eram imaginários ou aparentes por- que divindade não sofre. Eventualmente, esse pensamento, conhecido como docetismo, foi condenado pela maioria na igreja como uma heresia.

Mais tarde, no século 5, outros também não conseguiam conciliar a humanidade de Jesus com a crença de que Ele era também Filho de Deus e a manifestação do próprio Deus. Eles rejeitavam a idéia de que Jesus possuía duas naturezas, uma divina e outra humana, em favor da fusão das duas, en- tendendo que Jesus possuía uma única na- tureza, divina, “vestida” de carne humana.

No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.

E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai.

(Jo 1.1, 14)

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1 4 Trabalho, Descanso e Dinheiro

Esse pensamento também, conhecido como monofisismo, foi condenado.

Embora antigos, esses dois pensamentos ilustram a grande dificuldade que homens racionais tinham em pensar que coisas es- pirituais (a própria manifestação de Deus na pessoa de Jesus) podem se expressar de modo natural, isto é, no corpo, na mente, nas emoções e na vontade humanos. Mas a encarnação é exatamente a junção dessas duas dimensões. Quem sabe seria útil se falássemos em “espiritualidade encarnada”?

Depois, no período do iluminismo e do racionalismo, este sob a influência de pen- sadores como Francis Bacon e René Descar- tes, começa a nascer uma maneira de en- quadrar o mundo que chamamos de “mo- dernismo”. Sem dúvida a sociedade ociden- tal (e depois o mundo inteiro) recebeu gran- des benefícios do pensamento moderno, es- pecialmente no desenvolvimento da tecnologia e no valor da democracia. Mas junto com a modernidade veio uma cres- cente privatização da fé (conhecida como o campo de “valores”) por um lado e, ao mes- mo tempo, a universalização da ciência (conhecida como o campo de “fatos”) por ou- tro. As conseqüências da modernidade e ainda da pós-modernidade incluem o relativismo dos valores, a abolição de verdades “eternas”, a valorização da introspecção e do individualismo e a busca jungiana pelo deus subterrâneo dentro de

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O dinheiro 15

todos nós. Novamente não conseguimos enxergar espiritualidade na criação “natural”

de Deus (que realizou pelo seu Espírito!).

Voltemos à nossa afirmação anterior. A espiritualidade bíblica é uma espiritualidade fundamentada na presença do Espírito de Deus nas nossas vidas. É um relacionamen- to recíproco com Deus e envolve o corpo, o coração, a mente e todo o nosso esforço. Veja o que diz o apóstolo Paulo (1 Co 2.10-16):

Mas foi a nós que Deus, por meio do Espírito, revelou o seu segredo. O Espírito Santo exa- mina tudo, até mesmo os planos mais profun- dos e escondidos de Deus.

Quanto ao ser humano, somente o espírito que está nele é que conhece tudo a respeito dele. E, quanto a Deus, somente o seu pró- prio Espírito conhece tudo a respeito dele.

Não foi o espírito deste mundo que nós rece- bemos, mas o Espírito mandado por Deus, para que possamos entender tudo o que Deus nos tem dado.

Portanto, quando falamos, nós usamos pala- vras ensinadas pelo Espírito de Deus e não palavras ensinadas pela sabedoria humana.

Assim explicamos as verdades espirituais aos que são espirituais.

Mas quem não tem o Espírito de Deus não pode receber os dons que vêm do Espírito e, de fato, nem mesmo pode entendê-los. Essas verdades são loucura para essa pessoa porque o sentido delas só pode ser entendido de modo espiritual.

A pessoa que tem o Espírito Santo pode julgar o valor de todas as coisas, porém ela mesma não pode ser julgada por ninguém.

Ora, nós não temos recebido o espírito do mundo, e sim o Espírito que vem de Deus, para que conheçamos o que por Deus nos foi dado gratuitamente.

(1 Co 2.12)

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1 6 Trabalho, Descanso e Dinheiro

Como dizem as Escrituras Sagradas: “Quem pode conhecer a mente do Senhor? Quem é capaz de lhe dar conselhos?” Mas nós pensa- mos como Cristo pensa.

Nas páginas a seguir, exponho a espiritualidade encarnada nas áreas rotinei- ras das nossas vidas: o tempo que gastamos no nosso emprego, o nosso lazer, e algo bem material mesmo — o uso do nosso dinhei- ro. Mas antes disso apresento uma perspec- tiva bíblica da criação e do papel que Deus desejou e ainda deseja para o ser humano no meio desta criação terrestre. Em conse- qüência disso, quero examinar mais profun- damente a vocação do homem como traba- lhador. Desejo salientar que o trabalho não é castigo de Deus. É, na verdade, parte de um papel positivo que exercemos em relação ao mundo criado por Deus. Em óbvia rela- ção ao trabalho vem o descanso, e mais adi- ante veremos o padrão bíblico em relação ao descanso humano. Finalmente, concluo com um estudo sobre o dinheiro, fruto do nosso labor e freqüentemente meio do nosso descanso. Enfatizo especialmente o assunto do dízimo, por ser esse o meio comum pelo qual o tema do dinheiro é abordado na igreja. Talvez devesse ser um capítulo mais abrangente a respeito dos nos- sos bens materiais em geral e das várias maneiras que podemos usá-los para a glória de Deus. Entretanto, o assunto mais específi- co do dízimo e as contribuições financeiras

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O dinheiro 17

entregues na igreja causa tanta confusão, que merece um estudo separado. Muito mais poderia ser escrito sobre este assunto. Não pretendo, de modo algum, abordá-lo exaus- tivamente. Em vez disso, desejo que este li- vro sirva apenas de introdução a uma refle- xão mais aprofundada sobre a maravilhosa vocação que Deus deu aos seres humanos como seus mordomos e embaixadores aqui na terra.

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A CRIAÇÃO :

BOA OU MÁ ?

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É

comum no meio cristão uma perspectiva bastante negativa em relação ao mundo e ao papel do homem nele. A mídia, em parte, contribui muito para reforçar esse pessimismo, pois se especializa em reportar as más notícias, e não as boas, uma vez que aquelas em geral chamam mais a atenção. Por meio da televisão, do jornal escrito e de outros meios de comunicação, somos sempre lembrados de tudo que ameaça a sobrevivência do planeta Terra: a falta de estabilidade política nos países da Europa Oriental; a violência e o terrorismo internacional e a luta sobre o controle de armas nucleares; a poluição industrial da terra, da atmosfera e das águas;

o crescimento demográfico explosivo; a

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2 2 Trabalho, Descanso e Dinheiro

desertificação; a perda de solo, florestas e minerais; e os constantes escândalos de políticos que nos governam. Os valores ocidentais, especialmente os padrões de imoralidade, disseminados cada vez mais pelo mundo inteiro, reforçam ainda mais uma perspectiva negativa do mundo. Apesar disso, a postura bíblica não é essencialmente pessimista em relação ao mundo e ao andamento da história humana. Certamente é realista no sentido de nos advertir sobre a abrangência alastrante e a penetração alarmante das conseqüências do pecado, não só no ser humano e em todos os seus relacionamentos, mas também na própria criação. Entretanto, é preciso afirmar que a perspectiva bíblica começa e termina com uma visão de um mundo criado por Deus e a serviço da sua glória. E, mais ainda, ela convoca a humanidade a um compromisso ativo no projeto de transformação redentora do mundo e todos os seus sistemas: morais, sociais e ecológicos.

Vejamos, então, as bases de tal perspecti- va essencialmente boa. Mais especificamen- te, atentemos para o papel que Deus deu à humanidade em relação ao mundo.

B

OA OU

? –

A POSTURA BÍBLICA

Quando a Bíblia trata do triângulo de re- lacionamentos entre Deus, a humanidade e a criação, pinta um quadro inicial última e

Tudo o que Deus criou é bom, e, portanto, nada deve ser rejeitado. Que tudo seja recebido com uma oração de agradecimento.

(1 Tm 4.4, 5, BLH)

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O dinheiro 23

essencialmente positivo. Vejamos, por exemplo, o lado do triângulo que trata da atitude hu- mana em relação ao mundo.

1) A relação do ser humano com o mundo.

Cabe ao ser humano uma atitude essen- cialmente positiva e de profunda gratidão em relação à criação (1 Tm 4.4, 5), não po- rém como se ela fosse perfeita. O cristão reconhece que o pecado tingiu o mundo.

Mas é um reconhecimento bem diferente do romanticismo do século 17, que via o mun- do como puro e inocente. Embora essa filoso- fia seja ultrapassada, ainda surte influência nos meios populares de comunicação. A Bí- blia não vê o mundo como abrangentemente mau, nem como imutavelmente bom, mas como essencialmente bom. Isso significa que tudo criado por Deus — o que englo- ba tudo mesmo —, apesar de haver sofrido as conseqüências do pecado, é redimível, deve ser encarado assim e, portanto, é motivo de gratidão a Deus. Isso nos leva à segunda relação: a de Deus com o mun- do.

2) A relação de Deus com o mundo.

Se a relação do homem com a criação é de gratidão, a relação de Deus com o mun- do é de profunda satisfação. Ao criar os com- ponentes fundamentais do planeta, Deus viu isso como “bom” (Gn 1.12, 21, 25).

Depois que o Deus Eterno formou da terra todos os animais selvagens e todas as aves, ele os levou ao homem para que pusesse nomes neles. E eles ficaram com os nomes que o homem lhes deu.

(Gn 2.19, BLH)

(24)

2 4 Trabalho, Descanso e Dinheiro

Observou tudo o que havia feito e viu que era, de fato, “muito bom” (Gn 1.31). Tal quali- dade essencialmente boa da criação fornece a base apropriada para a proclamação da so- berania de Deus sobre todo o mundo, inclu- sive entre todos os povos. Segundo o inten- to original de Deus, nenhum aspecto do mundo e nenhum povo é “mau”, como se não merecesse nada ou merecesse menos da sua plena realização pelo evangelho. As- sim, voltando à primeira relação, entre a hu- manidade e o mundo, podemos prever que é da incumbência humana reivindicar como

“bom”, pela graça de Deus, todo aspecto da criação e todo povo no mundo, tudo neste mundo que Deus criou e que o pe- cado manchou, isto é, tudo. O nosso alvo, então, é criar — ou recriar — o mundo de tal forma que satisfaça o seu Criador e Dono.

3) A relação do mundo com o ser humano e com Deus.

Finalmente, a terceira relação, partin- do da própria criação, também é essenci- almente positiva. A criação se alegra e can- ta louvores àquele que a criou (Sl 65.9-13;

144.12-15; 145.15, 16). Esse é seu verda- deiro destino, mesmo que aguarde sua plena manifestação com angústias e gemi- dos (Rm 8.22, 23). Em relação ao homem, ela fornece os recursos materiais — a matéria-prima — não só para o seu sustento

As tuas pegadas destilam fartura, destilam sobre as pastagens do deserto, e de júbilo se revestem os outeiros. Os campos cobrem- se de rebanhos, e os vales vestem-se de espigas; exultam de alegria e cantam.

(Sl 65.11-13, BLH)

(25)

O dinheiro 25

(Gn 1.29, 30), mas também para o seu desenvolvimento espiritual e intelectual (Gn 2.15-17, 19), com responsabilidade e disciplina.

O

PAPEL DO HOMEM NA CRIAÇÃO

:

DEPENDÊNCIA OU INDEPENDÊNCIA

?

A Bíblia registra vários relatos sobre a criação, cada um com seu devido enfoque.

Além dos relatos de Gênesis 1 e 2, há rela- tos notórios nos Salmos, em Isaías, João, Efésios e Colossenses. Em Gênesis 1, por exemplo, o homem é apresentado como o ápice da criação, enquanto, em Gênesis 2, ele é o seu centro. Em ambos os relatos, sua posição é de destaque. Qual é exatamente a relação entre o ser humano, a criação e Deus na Bíblia?

Em primeiro lugar, a criação toda — in- clusive a humanidade — encontra seu pro- pósito em dar glória a Deus. Deus expressa a sua soberania sobre a criação por meio de dois atos: o ato de criar e o ato de designar o lugar (função) e o nome (propósito) de cada elemento. Por exemplo, em Gênesis 1.10, à porção seca chamou Deus “terra” e ao ajun- tamento das águas, “mares”. Tal observação sustenta a posição dos ecologistas e de boa parte da comunidade científica de que não há elementos fortuitos e dispensáveis no planeta. É uma pena que muitos cristãos até hoje não reconheçam tal verdade, devido

Os céus falam da glória de Deus e

anunciam o que ele tem feito!

Um dia fala dessa glória ao dia seguinte, e uma noite repete isso à outra noite.

(Sl 19.1, 2, BLH)

(26)

2 6 Trabalho, Descanso e Dinheiro

à sua tendência de desprezar as coisas materiais por entendê-las sempre como mundanas.

Como veremos mais adiante, esta quali- dade divina de designar a função e o propó- sito da criação cabe (subordinadamente) à humanidade, criada à imagem de Deus. Por isso, e a fim de melhor administrar a criação, a humanidade precisa entender o devido pro- pósito de todas as partes da criação e sua interligação. De certo modo, a pesquisa e a universidade são desenvolvimentos dessa incumbência divina dada aos seres huma- nos.

Mas isso não implica a divinização da cri- ação, o que seria efetivamente o panteísmo.

Contra aqueles que acriticamente glorificam a criação, afirmamos que ela é distinta de Deus, não é Deus. Deus a vê (Gn 1.4, 10, 12, 18, 21, 25) e declara simplesmente: “isso é bom”.

O termo bom, no hebraico, denota um sentido mais ético do que místico. Inclui tam- bém uma conotação estética, a idéia de bele- za, adorno e alegria (Jó 38.4-9; Sl 148.3-14).

Assim, podemos afirmar que o caráter ma- terial e orgânico da criação de maneira algu- ma é barreira à glória de Deus. Pelo contrá- rio, é um veículo necessário para a expres- são de sua glória.

O mundo foi criado não apenas e nem principalmente por causa do ser humano, mas também porque Deus se alegra nele e

Na manhã da criação, as estrelas cantavam em coro, e os servidores celestiais soltavam gritos de alegria.

(Jó 38.7, BLH)

(27)

O dinheiro 27

cuida de todas as suas criaturas. Toda a criação, até mesmo a vida não humana, serve e glorifica a Deus (Sl 19.1-6; Is 40.22-31). Deus se deleita com a criação e dela cuida inde- pendentemente da sua importância para os seres humanos (Jó 38.33-41; Sl 104.10-13).

Isso significa que uma preocupação pelo meio ambiente por causa do bem-estar fu- turo da humanidade não é radical o sufici- ente. É aquém da perspectiva bíblica, que procura na ecologia não apenas a sobrevi- vência da humanidade, mas o louvor e a gló- ria devidos a Deus.

Em primeiro lugar, o mundo pertence somente a Deus. Nenhuma substância ma- terial poderá existir independentemente da vontade criativa dele. Segundo a Bíblia, o mundo pertence a Deus, não à humanida- de. Não é o homem o responsável pela ela- boração dos aspectos elementares da criação.

Quando ele procura moldar o mundo para satisfazer os seus próprios interesses parti- culares, e não os interesses de Deus para toda a criação (não só para o ser humano), então o mundo se deprecia.

Em segundo lugar, o ser humano faz parte da criação e é dependente dela. Ele vive den- tro do contexto de interdependência com a criação. Desde o início, nossa sorte é ligada ao solo e, por sua vez, a sorte do solo é liga- da a nós. Com a queda do homem, a criação também sofreu. O meio ambiente mudou.

Houve dureza e dificuldade no aproveitamento

Tu fazes surgir nascentes nos vales e fazes a água dos rios correr entre os montes. Dessa água bebem todos os animais selvagens, e com ela os jumentos selvagens matam a sede.

Nas margens dos rios, os pássaros fazem os seus ninhos e cantam entre os galhos das árvores. Dos céus tu envias chuvas para os montes, e a terra fica cheia das tuas bênçãos.

(Sl 104.10-13, BLH)

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2 8 Trabalho, Descanso e Dinheiro

pelo homem da natureza. Por outro lado, a criação olha para o ser humano e aguarda também a sua redenção (Rm 8.19-23). Tanto a natureza material quanto a natureza espi- ritual do homem estão em íntima relação com a criação. Podemos provocar a melhor ou a pior sorte. Embora Deus coloque o ho- mem no Jardim para cultivá-lo (Gn 2.15), também promete amplo galardão. Toda plan- ta comestível lhe é dada (Gn 1.29, 30; 2.16).

Aqui reparamos o tema bíblico da abun- dância da provisão de Deus. Não havia fal- ta (Gn 2.8, 9). Basta o homem cultivar e guardar. Nascemos do solo e dele recebe- mos o nosso sustento. Pertencemos a este mundo físico (a criação) por completo. Ele fornece a base da existência humana.

A vida começa e se orienta em função dos interesses de Deus (Sl 104.24, 27-30). Hoje, invertemos isso, pensando que o mundo é objeto de nossa exploração, em vez de sujeito conosco para a glorificação de Deus. Em grande parte, ignoramos as necessidades de outras formas de vida. Na cosmovisão bíbli- ca, uma atitude meramente utilitária do mundo material é pagã!

Em terceiro lugar, o ser humano, enquan- to parte da criação e dela dependente, é tam- bém seu mordomo. O homem, como o res- tante da criação, também foi criado “confor- me a sua espécie” (Gn 1.11, 12, 21, 24, 25).

Todavia a sua espécie, diferente do resto da criação, é à imagem e à semelhança de Deus

Agora vamos fazer os seres humanos, que serão como nós, que se parecerão conosco. Eles terão poder sobre todos os peixes, sobre as aves, sobre os animais domésticos e selvagens e sobre os animais que se arrastam pelo chão.

(Gn 1.26, BLH)

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O dinheiro 29

(Gn 1.26, 27). Essa imagem de Deus foi elaborada em termos do domínio que o ho- mem teria sobre o resto da criação. O ser humano foi criado à imagem de Deus não pelo que ele intrinsecamente é, mas pela postura que assume diante da criação, uma postura de “soberania” amorosa e cuidadosa, refletindo a soberania de Deus (Gn 1.26-28).

O homem não foi criado apenas para minis- trar aos deuses — uma administração “es- piritual”, como nas várias mitologias anti- gas —, mas foi criado para civilizar ou orde- nar a criação — uma administração “mun- dana” no bom sentido (Sl 8.5, 6). Na teolo- gia, refere-se a essa administração humana sobre a criação como mandato cultural (ou mandato secular). Ser criado à imagem de Deus é estar em relação responsável com a terra e com toda forma de vida.

O Salmo 8 harmoniza-se com este con- ceito de Gênesis 1, de que a humanidade realiza sua comissão no “reino” terrestre, do mesmo modo que Deus é Rei do reino ce- leste. O ser humano é “pouco menor do que Deus”. Daniel Thambyrajah Niles, teólogo e missionário indiano, ilustra essa relação da seguinte forma:

O homem é a única criatura que Deus fez cujo ser não está em si mesmo, e que por si mes- mo não é nada. A “canicidade” do cão está no cão, mas a “humanidade” do homem não está no homem. Está na sua relação com Deus.

O homem é homem porque reflete Deus, e somente quando ele assim o faz.1

No entanto fizeste o ser humano inferior somente a ti mesmo e lhe deste a glória e a honra de um rei. Tu lhe deste poder sobre todas as coisas que criaste e o fizeste dominar tudo.

(Sl 8.5, 6, BLH)

(30)

3 0 Trabalho, Descanso e Dinheiro

Gênesis 1.28 esclarece o que significa a função dada ao homem de “dominar” a cri- ação. A imagem de Deus no homem abran- ge três áreas de responsabilidade e adminis- tração: sua experiência social e familiar (“multiplicar”, “encher”, “dar nome”), sua experiência econômica e ecológica (“sujei- tar”, “cultivar”, “guardar”), e o governo ou a área política (“dominar”, “dar nome”). Es- ses mandamentos (Gn 1.28; 2.15, 18-25) marcam o início de uma série de obrigações

— o mandato para a família e a comunida- de, a lei e a ordem, a cultura e a civilização

— que se alarga e se aprofunda ao longo do desdobramento da revelação divina. É tare- fa comum de todos, e não somente dos gran- des dominadores. Isso significa que todos os homens têm o direito e a responsabilida- de de participar em toda a administração deste mundo. Não existem áreas proibidas para alguns, como em geral se pensa em relação à política. Porém, o relato da criação deixa bem claro também que o homem fra- cassou nesse mandato, falhou com Deus. E o pecado criou uma tremenda mancha e es- trago na sua função de administrador.

A tarefa humana implica a responsabili- dade de preservar a ordem que Deus esta- beleceu e zelar pela integridade de todos os seus elementos. Tal incumbência não implica liberdade autônoma e autocrática para dis- por dos recursos do mundo para finalida- des autodeterminadas. Os seres humanos

Então o Deus Eterno pôs o homem no jardim do Éden, para cuidar dele e nele fazer plantações.

(Gn 2.15, BLH)

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O dinheiro 31

são mordomos de Deus, responsáveis perante Ele, e têm como primeira tarefa assegurar a permanência e o equilíbrio da criação. So- mos conservacionistas por vocação de Deus.

Mas não somos regentes independentes.

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(33)

O TRABALHO :

OBRIGAÇÃO OU

OPORTUNIDADE ?

(34)
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C

onheci a vida de trabalhador ainda criança. Aos 9 anos, comecei uma pequena carreira como jornaleiro, que durou doze anos. Aos 18, matriculei-me na universidade e à entrega de jornais juntei o trabalho de zelador. Assim, eu me levantava às 4 horas da madrugada para completar a minha rota, entregando os jornais em cerca de 200 casas na vizinhança. Chegava em casa, tomava banho e ia à universidade, onde, entre 6h30 e 9 horas, limpava o chão e os banheiros e arrumava as salas. Logo em seguida, vinham as aulas e, à tarde, mais serviço como zelador. Nos anos seguintes, tive vários empregos, alguns de tempo parcial durante o ano escolar, outros de tempo integral nos três meses de férias.

Além de zelador, trabalhei como instrutor de

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3 6 Trabalho, Descanso e Dinheiro

educação física em uma escola primária e lavei carros. Fui motorista de ônibus, doceiro, gerente de clube, salva-vidas, pedreiro, assistente de carpinteiro e faz-de-tudo em um grande armazém. Ao mesmo tempo, estudava e desenvolvia vários ministérios entre jovens no evangelismo e no discipulado. Fundei Atletas de Cristo no meu colégio, iniciei uma casa de chá na minha igreja local e liderei um grupo de 200 universitários cristãos no estilo da Aliança Bíblica Universitária. Integrei a equipe de Alvo para a Mocidade e participei ativamente de equipes de evangelismo e despertamento em igrejas locais no meu Estado e em um Estado vizinho. Conheci de perto o trabalho, tanto o secular quanto o religioso.

Neste capítulo, quero sugerir que todo o nosso serviço no mundo pode e deve ser dedicado à implantação do reino de Deus.

Por isso, toda profissão, por mais secular que pareça, é igualmente sagrada diante do Se- nhor. Não deve ser encarada como trabalho penoso, fadiga ou castigo de Deus, mas como uma oportunidade de realizar nossa vocação como seres humanos criados à imagem do Criador e Trabalhador par excellence. Isso é privilégio especialmente daqueles que são chamados seus embaixadores aqui na terra.

Mas isso é bem diferente da perspectiva comum do trabalhador que celebra o fim de semana e lamenta a segunda-feira. Então,

Mas ele lhes disse: Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também.

(Jo 5.17)

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O dinheiro 37

vejamos por que temos essa perspectiva tão pessimista do trabalho e o que a Bíblia diz sobre esse assunto.

A

PERSPECTIVA HISTÓRICA DO TRABALHO

As perspectivas contemporâneas sobre o trabalho derivam de dois pontos de vista opostos: o greco-romano e o judaico-cristão.

O mundo antigo, e até certo ponto medie- val, considerava o trabalho com desdém e o lazer com louvor, pois este era a expressão de uma existência humana livre. Porém, sob a ótica judaica, cristã e protestante, o traba- lho foi aceito como vocação e bênção de Deus, que em si só constitui uma fonte de auto-realização humana.

Os gregos e os romanos compreendiam o trabalho como um mal necessário. Ao se referir aos serviços manuais de toda sorte, Xenofon disse: “as artes iliberais [não livres], como são chamadas, são mal vistas, e são totalmente desprezadas em nossos Esta- dos”.2 Por outro lado, segundo Aristóteles,

“o lazer é uma necessidade, tanto para o cres- cimento em caridade quanto para prosseguir nas atividades políticas”. E, para descrever as profissões dos artesãos, Cícero usa o ter- mo sordidi, que significa sórdido.3 Não era tanto o trabalho manual em si que era con- siderado vil, mas a dependência e a ne- cessidade que ele requeria, a sua ausência de autonomia. Era a palavra lazer (scolia)

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3 8 Trabalho, Descanso e Dinheiro

que determinava o termo e o conceito para trabalho (ascolia = não-lazer), e não vice-ver- sa. O trabalho, então, era considerado peri- férico às preocupações humanas mais im- portantes e verdadeiras.

Essas avaliações negativas do trabalho eventualmente influenciaram o pensa- mento da cultura cristã nascente. Por exem- plo, Agostinho distinguiu entre a vida ativa (vita activa) e a vida contemplativa (vita contemplativa), a primeira abrangendo qua- se todo tipo de trabalho, inclusive a pregação, o estudo e o ensino, e a segunda se referin- do à meditação em Deus e nas suas verdades.

Ambas eram boas, mas a vida contemplativa era melhor. Isso levou à valorização da vida sacerdotal ou monástica, que caracterizou o cristianismo medieval.

Os reformadores protestantes tinham uma visão do trabalho bem diferente da vi- são monástica. Consideravam-no como a vocação de todos os cristãos. Assim, rejeita- vam a dicotomia entre duas atividades hu- manas e afirmavam que todas as formas de trabalho têm igual valor diante de Deus. Por exemplo, entre outros motivos que resulta- ram na acusação de heresia de William Tyndale, estava sua crença de que

nenhum trabalho é melhor que outro para agradar a Deus: buscar a água, lavar a louça, ser sapateiro ou apóstolo, tudo é uma só coi- sa; lavar louça ou pregar o evangelho é uma só coisa, no que se refere ao trabalho, para agradar a Deus.4

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O dinheiro 39

Martinho Lutero acreditava que Deus, na sua providência, havia colocado cada pessoa na sua função na sociedade para realizar as atividades daquela função. João Calvino enfatizou o trabalho útil. Ele disse que Deus não está “como os sofistas imaginavam, à toa, desocupado e quase dormindo, mas vigilante, eficaz, operante e empenhado em ação contínua”.5 E, em seu comentário so- bre a parábola das dez minas (Lc 19.11-27), Calvino relacionou os talentos ao trabalho diário e à vocação e, assim, ditou o signi- ficado moderno das palavras talento e talentoso. Atualmente, entendemos o ta- lento como o exercício de uma habilida- de, freqüentemente associado a uma pro- fissão.

Hoje, há basicamente duas filosofias da economia do trabalho: o capitalismo e o marxismo. Apesar de se opor radicalmente ao capitalismo, Karl Marx, como os filóso- fos capitalistas, também atribuiu ao traba- lho um papel central na atividade humana.

Ele disse: “A história mundial inteira nada mais é que a criação do homem através do labor humano, e o surgimento da natureza para o homem”.6 Porém, para Marx, o traba- lho não era um fim em si, mas o único meio para alcançar um fim maior, a “liberdade do comunismo”.

Tanto a visão capitalista quanto a mar- xista crêem que o labor contínuo, racional e produtivo transformará o mundo. O trabalho,

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4 0 Trabalho, Descanso e Dinheiro

na sua ótica, é a chave da história, a chave para uma nova sociedade, uma nova natu- reza e um novo homem. Enfim, é o nosso cerne e a nossa salvação. A diferença é que para o marxismo a transformação deveria ser social e igualitária, ao passo que para o capitalismo deveria ser individual, discriminativa e meritória. Em ambos os sis- temas, a sociedade vive incansável e labori- osamente em torno de uma orientação para o futuro. De acordo com essas duas filosofi- as, o trabalho e especificamente a produção, com o auxílio da ciência e da tecnologia, nos introduzirão em um mundo de consumo, lazer e liberdade.

A

PERSPECTIVA BÍBLICA DO TRABALHO

Para examinar a perspectiva bíblica do trabalho, precisamos revisar os nossos co- mentários sobre Gênesis 1 e o mandato cul- tural.

Nos primeiros dois capítulos de Gênesis, já vimos que a criação da humanidade rece- be um grande destaque. No capítulo 1 ela é o ápice da criação, enquanto no capítulo 2 é o seu centro. Ambos os relatos ressaltam a posição principal da criação do homem. E aqui lemos também sobre o propósito de Deus na criação da humanidade. Gênesis 1.26-28 diz que a humanidade essencialmen- te teria domínio sobre o resto da criação.

Assim, como o próprio Deus, ainda que em

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O dinheiro 41

menor escala e a Ele subordinado, cabe ao ser humano a função de senhorio. Nisso ele demonstra que é como Deus, pois foi criado parecido com Ele.

Reparamos também a incumbência de multiplicar-se e encher a terra. A reprodução biológica e a ocupação demográfica da terra refletem literalmente a criatividade de Deus.

O homem também seria um criador, mas, de novo, debaixo da criatividade do próprio Deus. Finalmente, em Gênesis 2.19, apren- demos que o ser humano recebe uma ter- ceira qualidade como característica de sua herança de parecer-se com Deus. É a incum- bência de dar nome às diversas partes da criação, que, de certo modo, trata não só de mera taxonomia, mas eventualmente de todo o empreendimento científico em geral.

Em tudo isso, os seres humanos, diferen- tes das outras criações de Deus, se apresen- tam como fazedores da história e da civili- zação, construindo cidades (Gn 4.17) e de- senvolvendo a vida pastoril e nômade (4.20), a música (4.21) e a metalurgia (4.22).

Mesmo a queda não anula o mandato cultural. Adão e Eva continuam com suas funções de guardiões, criadores e senho- res da terra. No relato sobre o dilúvio, o mandato é reforçado e renovado para Noé (Gn 9.7, 19-20). A sorte do povo de Deus continua ligada à terra e, para Abraão e

Noé era

agricultor; ele foi a primeira pessoa que fez uma plantação de uvas.

(Gn 9.20, BLH)

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4 2 Trabalho, Descanso e Dinheiro

seus descendentes, a promessa de bênção de Deus inclui necessariamente a terra (Gn 12.1-3).

Finalmente, o mandato é renovado, está sendo redimido e será aperfeiçoado com Je- sus. Nossa herança como filhos de Deus se realiza junto com a esperança de uma eco- logia redimida (Rm 8.15-17, 19, 20), algo que encontra a sua consumação somente no fim dos tempos (Ap 21.2), quando o domínio humano será definitivamente subordinado ao domínio de Deus (Ap 11.15).

Tudo isso nos persuade à valorização bí- blica do trabalho. As Escrituras estão reple- tas de louvor pelo labor das mãos, corações e mentes humanas. Habilidades no traba- lho são descritas como dons de Deus, que é um trabalhador (Gn 2.4, 7, 8, 19, 23) e um habilitador (Êx 35.30-32; Sl 65.9-13;

104.22-24; Gn 10.8, 9).

Não nos surpreendemos, então, que o Novo Testamento nos apresente Jesus no meio dos problemas diários de gente traba- lhadora. Ele mesmo era um carpinteiro e comunicava-se com trabalhadores empre- gando as figuras do trabalho manual (veja as parábolas narradas em Mt 13.3, 30;

7.24; Lc 15.8, 11; Jo 4.35).

Paulo também valorizava o trabalho. Ele criticava a preguiça (2 Ts 3.6-12) e não fa- zia nenhuma distinção entre o labor físi- co e o trabalho espiritual. Usou os mes- mos termos para o seu trabalho manual

Cuche foi pai de Ninrode, o primeiro grande conquistador do mundo. Com a ajuda do Deus Eterno ele se tornou um caçador famoso...

(Gn 10.8, 9, BLH)

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O dinheiro 43

como fazedor de tendas e seu serviço como apóstolo (1 Co 4.12; 15.10; 16.16; Ef 4.28;

Rm 10.12; Gl 4.11; Fp 2.16; Cl 1.29; 1 Ts 5.12).

Para ele, uma vida de lazer e contemplação religiosa, ou abdicação escatológica, era uma vida deficiente. Todos os membros da igreja deveriam trabalhar (2 Ts 3.10).

Até mesmo os novos céus e a nova terra incluirão o trabalho (Is 65.21, 22; Mq 4.3-5).

O labor faz parte do galardão divino, e não do seu castigo!

I

MPLICAÇÕES DO TRABALHO

De certo modo, o trabalho faz parte da manifestação do domínio de Deus no mun- do, pelo menos à medida que esse domínio se expressa por seu emissário, o homem, especialmente o homem redimido. Por isso, pode-se pensar apropriadamente do labor humano, mediante o exercício das diversas profissões, como um dos meios mais signi- ficativos de derrubar as barreiras que se le- vantam contra o reino de Deus na terra. E, por isso, o desempenho da vocação pro- fissional de cada um deve refletir os valo- res desse reino, valores de paz e de justiça.

Assim, o trabalho possui definitivamente uma dimensão ética. Envolve, entre outras coisas, a denúncia do preconceito racial7, da opressão aos pobres8, do trabalho escravo e mal remunerado9, da decadência urbana, da corrupção política e da imoralidade. Mas deve

Deus o encheu [a Bezalel] com seu Espírito e lhe deu inteligência, competência e habilidade para fazer todo tipo de trabalho artístico; para fazer desenhos e trabalhar em ouro, prata e bronze; para lapidar e montar pedras

preciosas; para entalhar madeira; e para fazer todo tipo de artesanato.

(Êx 35.31-33, BLH)

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4 4 Trabalho, Descanso e Dinheiro

refletir também uma vida vivida em comunhão com o Criador, evidenciada no culto e na com- paixão. Enfim, toda atividade humana é dá- diva de Deus e deve servi-lo e glorificá-lo.

Assim, o trabalho pode e deve ser encara- do como uma extensão da nossa espiritualidade. Não fazemos separação es- sencial, como é comum em boa parte da igreja cristã, entre uma vocação secular e outra religiosa. Exercemos toda nossa ati- vidade — trabalho e lazer — religiosamen- te, ou melhor, espiritualmente. Ninguém se sinta inferior ou culpado pela sua pro- fissão, mas cada um assuma sua função com a responsabilidade e a dignidade de ser administrador de uma tarefa dada por Deus.

Na prática, isso significa que todo serviço humano, exercido para recompensa ou não, diretamente na igreja ou não, deve ser pres- tado igualmente para a glória de Deus e para o bem do mundo por Ele criado. O cristão deveria se perguntar: “Como meus talentos e minha profissão podem melhor contribuir para os desígnios de Deus e a manifestação dos valores do seu domínio?” Se todos fi- zessem assim, o testemunho cristão lá na rua e em todos os lugares onde cristãos exer- cem suas profissões teria um impacto maior.

Não enquadraríamos a igreja como o “ver- dadeiro” campo onde os cristãos vivem e o

“mundo lá fora” como um lugar onde deve- mos gastar o mínimo de nosso tempo e de

O que agrada a Deus não são cavalos fortes nem soldados corajosos, mas sim as pessoas que o temem e confiam no seu amor.

(Sl 147.10, 11, BLH)

(45)

O dinheiro 45

onde devemos fugir em toda oportunidade que tivermos. Ao contrário dessa perspecti- va de “gueto”, enquadraríamos toda a cria- ção como santuário de Deus, estabelecido para sua honra e glória, e, por isso, o lugar principal da atuação cristã. A igreja, sob esta ótica, seria tanto o lugar onde nos prepara- mos para tal atuação quanto o lugar onde adoramos ao Senhor e crescemos na fé jun- to com outros filhos de Deus. Enfim, o tra- balho não é a antítese da auto-realização humana e cristã. É um dos seus principais meios.

O trabalho não deve ser visto como ape- nas mais uma oportunidade para evangelizar os nossos colegas de trabalho. Certamente a evangelização em toda situação é nosso pri- vilégio e dever. Mas o trabalho deve ser com- preendido de maneira mais ampla, como um dos nossos principais meios de levar adian- te o propósito de Deus ao criar a humanida- de. Ele é nosso meio de expandir as divisas daquela parte da criação que está sujeita à vontade de Deus e de derrotar as forças do mal que contrariam esta vontade. É um meio de estabelecer a confiança e a responsabili- dade mútuas entre os seres humanos e ali- viar o sofrimento do homem. O papa João Paulo II expressa bem:

Com efeito o homem, quando trabalha, trans- forma não somente as coisas e a sociedade, mas se aperfeiçoa a si mesmo. Ele aprende muitas coisas, desenvolve suas faculdades, se

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4 6 Trabalho, Descanso e Dinheiro

supera e se realiza. Este desenvolvimento, bem entendido, é de valor maior do que as riquezas externas que se podem juntar. O homem vale mais pelo que é do que pelo que tem. Igual- mente, tudo o que os homens podem fazer para alcançar maior justiça, mais ampla fraternidade e uma organização mais humana nas relações sociais ultrapassa o valor do progresso técni- co. Pois estes progressos podem oferecer como que a matéria para a promoção humana, mas por si só não a realizam de modo algum.10

O trabalho é um reflexo divino da criatu- ra feita à imagem de Deus e por isso deve ser uma ação de responsabilidade em relação à vida toda.

L

IMITAÇÕES DO TRABALHO

Por outro lado, não se deve supervalorizar o trabalho, como fazem alguns que colocam o emprego acima de tudo: família, amigos, o descanso sadio e a igreja. O trabalho não é meio de salvação, mas uma de suas respos- tas apropriadas. Nossa profissão não nos proporciona a felicidade e a segurança últi- mas, embora possa contribuir para isso. O trabalho não é uma espécie de mediador entre o homem e Deus. Não trabalhamos duro a fim de sermos ouvidos pelo Divino.

De novo, nosso trabalho fiel é incumbência dada por Deus e conseqüência — não causa

— do nosso relacionamento com o Criador.

Também o trabalho não pode erradicar o pecado, pelo menos não diretamente. É um

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O dinheiro 47

meio de testemunhar os valores do domínio de Deus já inaugurado em nosso mundo, valores tanto de justiça e paz espiritual quan- to de justiça e paz social.

Finalmente, não podemos identificar o trabalho com a totalidade da nossa vocação.

Nossa vocação principal na vida é de cris- tãos, não dessa ou daquela profissão. Somos chamados para viver como cidadãos do do- mínio de Deus neste mundo. Nossa profis- são é apenas parte — embora parte impor- tante — dessa vocação maior (1 Co 7.20). A salvação é pela graça de Deus, não pelo tra- balho que realizamos.

Em uma sociedade moderna, em que a competição e o consumismo reinam, as pa- lavras de Jesus são revolucionárias no nível mais profundo:

Não acumulem para vocês tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem destroem, e onde os ladrões arrombam e furtam. Portanto eu lhes digo: não se preocupem com suas pró- prias vidas, quanto ao que comer ou beber;

nem com seus próprios corpos, quanto ao que vestir. (...) Vejam como crescem os lírios do campo. Eles não trabalham nem tecem. (...) Se Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada ao fogo, não vestirá muito mais a vocês, homens de pequena fé?

(Mt 6.19, 25-30, NVI; cf. Js 24.2-13; Dt 8.11-20;

Lc 12.13-32.)

Se não podemos identificar o trabalho com a totalidade da nossa vocação neste mundo, logo não há motivo de nos

Naquele dia o Eterno, o Todo- poderoso, vai humilhar todos os orgulhosos e vaidosos, todos os que pensam que são importantes.

Naquele dia os orgulhosos serão humilhados, e os vaidosos serão rebaixados;

somente o Deus Eterno receberá os mais altos louvores.

(Is 2.12,17, BLH)

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4 8 Trabalho, Descanso e Dinheiro

engrandecermos nele. O pecado de Adão e Eva, o orgulho que levou-os a querer ser como Deus, se repetiu no episódio de Babel quando os habitantes da cidade disseram:

“tornemos célebres o nosso nome”. Aquela cidade representava bem a cobiça do poder e da grandeza, que afasta o ser humano de Deus e do seu próximo. O Senhor se opõe categoricamente ao orgulho e à vaidade (Is 2.12-17).

O fim de tal orgulho é a adoração do nos- so trabalho, em vez da adoração ao Criador, o único culto legítimo. O alvo do trabalho não é o ganho material e pessoal, mas a boa administração da criação para a glória de Deus. Se pusermos toda a nossa confiança no trabalho das nossas mãos, e não no Deus que criou o mundo onde realizamos o nos- so trabalho, então nos deixaremos ser con- trolados e moldados pelo nosso trabalho. Se- remos transformados à imagem do nosso trabalho, algo que, de fato, acontece no coti- diano de muitas pessoas. J. K. Galbraith nos alerta:

Se continuamos a crer que os alvos do siste- ma industrial — a expansão da produção, o aumento conseqüente do consumo, o avanço tecnológico, e a propaganda pública que sus- tenta tudo isso — correspondem à vida, en- tão toda a nossa vida estará a serviço destes alvos. Teremos ou nos permitiremos ter aqui- lo que combina com estes alvos; o restante será proibido. Nossos desejos serão gerenciados de acordo com as necessidades do sistema industrial; a política do estado se

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O dinheiro 49

sujeitará a influência semelhante; a educação se adaptará à necessidade industrial; as discipli- nas exigidas pelo sistema industrial serão a moralidade convencional da comunidade. To- dos os outros alvos parecerão extremamente sem importância ou anti-sociais.11

Essa situação é muito comum na nossa sociedade. É uma situação em que a eco- nomia é praticamente idolatrada e somos cativos dos nossos próprios ídolos. Entre- tanto, devemos prestar nosso culto unica- mente a Deus. Isto é, nossa preocupação última deve ser com Ele: dar a máxima importância ao Criador, e não à criação;

adorá-lo e procurar nossa finalidade ver- dadeira na incumbência que Ele nos deu, e não naquilo que podemos conseguir por esforço próprio. Portanto, precisamos es- tar conscientes dos nossos próprios limi- tes e dos limites da incumbência divina que nos foi dada de trabalhar. Trabalha- mos porque somos seres humanos criados à imagem do Criador e Supremo Trabalha- dor. Mas também sofremos as conseqüên- cias do pecado, que acrescentou ao man- dato divino um novo elemento — o sofri- mento. Mesmo na dor e no sofrimento que acompanham a designação divina do tra- balho, lutamos contra as conseqüências maléficas do pecado neste mundo e exer- cemos uma função benéfica de ordenação sobre a criação, aí incluída a civilização humana.

Você terá de trabalhar duramente a vida inteira a fim de que a terra produza alimento suficiente para você. Ela lhe dará mato e espinhos, e você terá de comer ervas do campo.

Terá de trabalhar no pesado e suar para fazer que a terra produza algum alimento.

(Gn 3.17-19, BLH)

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O DESCANSO :

DIVERSÃO OU ATITUDE ?

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A

ssim, como o trabalho reflete a imagem de Deus no homem (Deus trabalhou durante seis dias), também o descanso reflete a sua imagem em nós (no sétimo dia, Ele descansou).

Nosso mandato é refletir a imagem de Deus em toda dimensão da nossa existência — aí considerados o culto, a intimidade, a diversão e o descanso. Parte da nossa vocação, portanto, é descansar. Então, examinemos a maneira como a sociedade chegou a conceber o descanso e depois vejamos a perspectiva bíblica a respeito.

A

PERSPECTIVA CONTEMPORÂNEA DO DESCANSO

Observamos no capítulo anterior que os gregos antigos desprezaram de tal modo o

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5 4 Trabalho, Descanso e Dinheiro

trabalho que a palavra que usavam para designá-lo significava literalmente “ausên- cia do lazer”. Hoje, parece-me que acontece exatamente o contrário. É comum entender- mos o descanso como a ausência do traba- lho. O descanso se torna o desejo ardente de escapar do trabalho. Criamos diversões e distrações. Depois do expediente, vivemos para os projetos em casa e para os fins de semana. Contamos os dias que faltam para as férias. Com essas atividades de lazer, pro- curamos negar o trabalho e, assim, acabamos nos tornando escravos dele. Não escolhemos diversões que acrescentem algum significado à nossa vida total, mas apenas distrações que nos ajudem a esquecer a insignificância das nossa vidas. De certo modo, essa visão do des- canso é uma conseqüência lógica da má com- preensão do trabalho como labor sofrido e doloroso, e não como vocação de Deus para ser seus bons administradores da criação.

Uma dessas atividades de lazer, caracte- rística da nossa sociedade, é o consumismo, atividade que tornou-se mais complexa e trabalhosa e mais semelhante ao trabalho.

Transformamo-nos em uma sociedade de consumo. Charles Taylor adverte:

O impulso para o consumo não é nenhuma moda por acaso, nenhum produto de mani- pulação esperta. Não será fácil contê-lo. Está associado à auto-imagem econômica da socie- dade moderna, e isso por sua vez está ligado a um conjunto de conceituações fortemente embutidas a respeito do valor da vida humana.12

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O dinheiro 55

No meio da igreja, pensa-se de modo semelhante. Já há algum tempo, os sociólo- gos da religião repararam que nas igrejas evangélicas nos referimos às atividades da igreja como trabalhos ou obras. Usamos a linguagem não do descanso e conseqüente dependência de Deus, mas do labor e con- seqüente independência. Nesse contexto, nossa dificuldade em realizar programas da igreja destinados ao repouso físico e mental como fontes de renovação espiritual não é surpreendente. A maioria das nossas pro- gramações se enquadram, literalmente, muito bem, dentro do conceito de trabalho.

A

PERSPECTIVA BÍBLICA DO DESCANSO

Como já afirmamos, parte da nossa vocação consiste em descansar. O próprio Deus descansou depois de haver criado o mundo. Aliás, no Decálogo, a proibição de trabalhar no sábado tem o mesmo peso que a proibição de matar ou de roubar. Enquanto Israel estava no deserto e, depois, no exílio, Deus lhe prometeu descanso na terra (Dt 3.20;

Jr 46.27). A nação toda seguia o ritmo de uma vida de trabalho e descanso. Cada sétimo dia, cada sétimo ano e cada sétimo de sete anos era um sábado para as pessoas, os animais e até para a própria terra.

Esse ciclo de trabalho e descanso estava intimamente ligado à sua dependência fiel de Deus. Pois, para descansar no sétimo ano,

E, havendo Deus terminado no dia sétimo a sua obra, que fizera, descansou nesse dia de toda a sua obra que tinha feito.

(Gn 2.2)

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5 6 Trabalho, Descanso e Dinheiro

Israel precisava confiar em Deus que a terra produziria o suficiente para passar o ano sabático (Lv 25.18-24). No qüinquagésimo ano, a sua fé era provada mais ainda, por- que Israel precisava passar dois anos sem trabalhar com as mãos, dependendo de do- ações de Deus (Lv 25.8-12).

De modo semelhante, no Novo Testa- mento, a nossa suprema dependência de Deus, a salvação, é descrita em termos de entrar no descanso do Senhor (Hb 3-4). Não se deve confundir este descanso com a ina- tividade física ou mental. Para justificar sua atividade no sábado, isto é, o seu descanso, Jesus disse: “Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também” (Jo 5.17). Portanto, o descanso cristão não é a falta de esforço fí- sico ou mental, como no conceito popular.

Em Hebreus 4.11, muito longe de pressu- por inatividade, o repouso cristão exige em- penho, requer esforço (cf. Hb 12.2, 3). Trata- se de um esforço para permanecer na de- pendência de Deus.

No conceito bíblico, o descanso se define como nossa dependência de Deus e a sua resposta em Jesus à maldição da dor no trabalho (Mt 11.28-30). São os desobedien- tes, ou independentes de Deus, que não conseguem entrar no descanso do Senhor (Hb 4.11). Ora, não foi a primeira desobedi- ência humana, a vontade de ser indepen- dente de Deus, que causou, como castigo divino, a dor do trabalho (Gn 3.14-19)? Se o

Considerem aquele [Jesus]

que suportou tal oposição dos pecadores contra si mesmo, de forma que vocês não se cansem nem se desanimem.

(Hb 12.3, NVI)

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O dinheiro 57

castigo, a dor e o sofrimento do trabalho, e não o trabalho em si, foram resultados de um desejo de independência de Deus — uma vontade outras vezes descrita como desobe- diência ou infidelidade —, a reversão desse castigo se dá pela obediência e fidelidade ao Deus Supremo, em Cristo, e é descrita como o antônimo do trabalho doloroso, isto é, o descanso. O apelo para entrar no descanso de Deus, então, é um convite para entregar todas as nossas ansiedades, todas as nos- sas preocupações e toda a nossa auto-su- ficiência a Jesus. Expressa-se mais nítida e profundamente no convite de Jesus:

“Vinde a mim todos os que estais cansa- dos” (Mt 11.28). O verdadeiro repouso está em Jesus. Não é a invulnerabilidade e a inér- cia dos estóicos, mas a paz, o contentamen- to, a segurança e a completa dependência de Deus, revelados em Jesus.

I

MPLICAÇÕES DO DESCANSO

Dito dessa forma, vejamos quais são as implicações da visão bíblica do descanso para nós. Quero destacar três princípios.

Primeiro, o descanso é mais que recupe- ração do serviço ou preparo para ele. Não é simplesmente o produto de fatores externos, o resultado inevitável de tempo sobrando, um feriado ou um fim de semana. É uma condição, e até atitude, de toda nossa vida. Aliás, o descanso e o trabalho podem envolver

Portanto, esforcemo-nos por entrar nesse descanso, para que ninguém venha a cair, seguindo aquele exemplo de desobediência.

(Hb 4.11, NVI)

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5 8 Trabalho, Descanso e Dinheiro

atividades semelhantes, porém realizadas com perspectivas, atitudes e motivações di- ferentes. Por exemplo, a leitura faz parte tanto do meu trabalho como do meu des- canso. E o meu descanso inclui tanto uma longa caminhada, como o trabalho duro na horta e o esforço físico de um dia inteiro surfando na praia.

Segundo, o descanso está ligado à fé. Esta é a razão por que a maioria de nós evitamos o verdadeiro descanso e a razão por que o cristianismo medieval o entendeu como uma atividade mais elevada. A Bíblia relaci- ona a falta do descanso à desobediência e incredulidade (Sl 95.8-11; Hb 3.7-4.10).

Quando descansamos estamos reconhecen- do que todo esforço da nossa vontade, por si só, nada adianta. O descanso genuíno pressupõe o reconhecimento de que os nossos irmãos na fé sobrevivem sem a nossa intervenção. Esse descanso requer o reconhecimento da nossa própria insu- ficiência e uma entrega de responsabili- dade. É uma trégua real aos caminhos de Deus. E é um momento de celebração quando reconhecemos que a bênção vem somente de Deus. É por isso que o des- canso exige fé. É também por essa razão que a salvação pode ser descrita em ter- mos de descanso. Quando descansamos, aceitamos a graça de Deus: não procura- mos ganhar, recebemos; não justificamos, somos justificados.

Venham a mim, todos os que estão cansados e sobrecarregados, e eu lhes darei descanso.

Tomem sobre vocês o meu jugo e aprendam de mim, pois sou manso e humilde de coração, e vocês encontrarão descanso para as suas almas.

Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve.

(Mt 11.28-30, NVI)

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